01 abril 2010

Internet e as Eleições de 2010 no Brasil

Se a eleição de 2010 for decidida na internet, o Brasil nunca mais será o mesmo. O presidente que conseguir mobilizar a sociedade e se eleger por meio da internet terá de adotar, no novo governo, os mesmos valores e comportamentos que adotou na campanha – e isso muda tudo. A campanha diferente fará o governo diferente.
Este novo paradigma de valores e comportamentos tem a ver com “comunicação”, em toda a extensão da palavra. Todas as transformações sugeridas neste artigo decorrem da maneira fundamental pela qual estamos revolucionando as comunicações. A comunicação é o alicerce da nossa cultura, de nossa humanidade, de nossa própria identidade individual e de todas as sociedades e sistemas econômicos.


Independente de ser do PSDB, PT, PV, DEM ou PPS, o presidente eleito com a força da rede, seja em 2010 ou em 2014, iniciará uma era de novos paradigmas na política. Se melhor ou pior, não sabemos. Dependerá das pessoas, e não da tecnologia de sites e redes sociais, como costumamos confundir. Temos que tentar enxergar a alma humana, pois é de lá que virão as verdadeiras revoluções.

É por isso que as redes são algo tão altamente importante. Redes sempre existiram em toda sociedade. A diferença é que agora as redes, incrementadas e multiplicadas pela tecnologia, penetram nossas vidas de forma tão profunda que o termo “rede” tornou-se a metáfora central em torno da qual se organizam o nosso pensamento e a nossa sociedade. Somente nos beneficiaremos da transformação ora em curso se pudermos entender a lógica singular das redes.

Por séculos vivemos obcecados pelo papel da governança de cima para baixo. Sua importância permanece, mas o aspecto altamente estimulante da lógica das redes é que somente agora começamos a explorar a força da base, o poder das massas, um enorme filão principal à espera de ser explorado. Isso sempre foi muito tentado, às vezes parcialmente concretizado pela mobilização física. Com a invenção de uns poucos sistemas distribuídos, tais como a internet, fizemos meramente a sondagem do potencial daquilo que redes com uma centralização mínima podem fazer.

Ninguém é tão inteligente quanto todos. Nosso cérebro transforma capacidade burra em consciência pelo acionamento conjunto de neurônios individuais. A internet transforma capacidade burra em inteligência pela interconexão de computadores pessoais. Um computador pessoal é como um único neurônio do cérebro colocado dentro de uma caixa de plástico. Quando interligados pelo telecosmo numa rede neural, esses elos-PCs burros criam essa fabulosa inteligência chamada internet .

Um em cada três brasileiros já está conectado à internet. Nada mais, nada menos que 70 milhões de pessoas. Números que só vêm aumentando. Pesquisas mostram que, só em 2008, 12 milhões de PCs foram vendidos. O brasileiro gasta, em média, 23 horas e 12 minutos por mês conectado à internet.

Entre esses brasileiros, 79% fazem parte de redes sociais, como Orkut, Facebook, YouTube, etc. E os brasileiros gastam, em média, seis horas por mês em baladas. Dá para acreditar que eles gastam vinte minutos a mais nas redes sociais? Tudo isso acontece em um contexto onde estas agregam mais de 55 milhões de usuários. Só para não passar despercebido, vou repetir: as redes sociais reúnem mais de 55 milhões de usuários!
Se o Orkut fosse um estado brasileiro, teria a maior população do País. Melhor que isso, teria um número de habitantes muito maior do que a Argentina inteira. Paralelo ao Orkut, a audiência do Facebook, no Brasil, cresceu 40% de maio a junho de 2009. Números que não param de crescer.

A cada ano, 492 750 horas de conteúdo são publicadas no YouTube. Se compararmos com a realidade das TVs abertas, a Rede Globo, no mesmo período, produz apenas 4 500 horinhas de conteúdo. E os brasileiros já são a segunda maior audiência no YouTube; 36% dos nossos internautas sobem vídeos e fotos todo santo dia.
Na corrida por audiência na web, o Brasil já é o quarto país onde mais se lê blogs; dois milhões e seiscentos mil brasileiros atualizam diariamente seus blogs. Um volume de conteúdo infinitamente superior aos 123 autores que têm seus livros publicados todos os dias no País.

As redes sociais têm crescido. E muito. O Twitter, por exemplo, cresceu 1 382%(!). Detalhe, isso só em 2008. São Paulo é a quarta cidade do mundo que mais usa o Twitter. Uma audiência hoje jovem e qualificada, mas amanhã, com certeza, sem barreiras de idade e de formação, cultural e/ou profissional.

Pesquisas apontam que 52% dos usuários de redes sociais já interagiram com marcas nestes ambientes. E que 80% das pessoas confiam em recomendações de compras feitas por amigos. Prova mais do que concreta do poder das redes sociais .
Nesse ambiente virtual, com a presença de pessoas reais, surge uma nova oportunidade e um novo modo de fazer política, com os valores e princípios das massas, das redes de centralização mínima – da internet. O poder de comunicação, o poder cultural, o poder econômico vão transformar-se inevitavelmente em poder político, também.
Nesse novo ambiente, algumas regras de comportamento, relacionamento e principalmente de comunicação devem ser compreendidas:

    A comunicação é em forma de conversação, e não de monólogo. A internet precisa facilitar a discussão bidirecional e debater com pouca ou nenhuma moderação ou censura. Em outras palavras, os comentários em blogs ou testemunhos em sites não devem ser controlados no aspecto positivo ou negativo, mas, sim, somente no aspecto pejorativo legal, isto é, injúria, calúnia e difamação. Não se censuram conversas.

    Distribuição e participação, ao invés de centralização e controle. Nas mídias tradicionais, é quase que inevitável o poder de poucas organizações terem o controle da criação e distribuição da informação. A mídia na internet é altamente distribuída e constituída de dezenas de milhares de vozes, tornando a informação muito mais contextualizada, rica e heterogênea.

    Na internet, comunidades compartilham interesses comuns, não idade, cor, localização geográfica, sexo, etc. E os protagonistas são pessoas, não são partidos políticos, não são candidatos, empresas ou marcas.

    O perfil do cidadão consumidor mudou e hoje ele controla a interação com as marcas. Para que um candidato ou uma marca tenha credibilidade no mercado, as pessoas têm de falar positivamente dela para outras pessoas, e não a marca para as pessoas. Lembre-se: a comunicação nunca deve ser unidirecional. Mais do que nunca, a marca é fruto da experiência pessoal vivida com a própria marca, e não da intensidade da publicidade maciça da mesma.

    Honestidade e transparência são os principais valores. Tentar controlar, manipular ou mesmo empurrar conteúdo é pecado mortal na construção de uma estratégia de “Política 2.0”.

    Os políticos precisam ser transparentes para que as pessoas se disponham a consumir seu conteúdo. É deixar as pessoas escolherem e criarem seu conteúdo e relacionamentos, ao invés de serem forçadas a isso. Entender esse conceito é uma das principais técnicas de uma estratégia que se proponha como “Política 2.0”.

    É a oportunidade de ouvir o que as pessoas estão dizendo sobre você, seu projeto e sua equipe. É uma oportunidade única de se tornar um político mais inteligente, basta estar atento e abrir os olhos e ouvidos para a sociedade .

A internet permite levar às últimas consequências o conceito básico da democracia: a representação. Por um motivo simples: o representante passa a saber diretamente o que o representado deseja. No futuro, não haverá representação política sem contato direto tecnológico entre o eleitor e o político ou o administrador público. Assim como não haverá sucesso empresarial sem a comunicação tecnológica quase instantânea da empresa com o consumidor.

Mobilização social online


De fato, vivemos um novo momento marcado pela utilização da internet como canal de comunicação estratégico para mobilizar a sociedade, engajar os cidadãos e fazer política.


Durante a campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos, por exemplo, o mundo assistiu a uma revolução nos meios de comunicação. Mais do que simplesmente anunciar, Obama reescreveu as regras de como atingir os cidadãos, arrecadar dinheiro, organizar voluntários, monitorar e moldar a opinião pública, além de lidar com ataques políticos, muitos deles feitos por blogs que nem existiam há quatro anos.


É óbvio que a televisão e os jornais continuam desempenhando papel importante, mas não como antes. Esses canais de comunicação transformaram-se em via altamente influenciada pela internet, ao invés do contrário. Por exemplo: Obama veiculou um comercial de 30 minutos nas três maiores emissoras de TV americana, veiculação esta feita com dinheiro arrecadado na web.


Por outro lado, a televisão e os jornais aprenderam grandes lições com as possibilidades da internet, produzindo conteúdo exclusivo, aproveitando o que é gerado pelas pessoas e desenvolvendo ferramentas, mapas interativos, widgets eleitorais, etc. Como foi o caso dos mapas eleitorais desenvolvidos pela CNN; o Projeto “Video Your Vote” do YouTube; o Twitter Vote Report; e o Google 2008 U.S. Election.


Estas são ferramentas que permitem analisar, compartilhar, agregar, categorizar e dissecar todo tipo de informação sobre as eleições; além de informar, estimulam a participação do usuário. Aplicativos que não eram possíveis nas eleições passadas, e hoje são parte integrante das mídias sociais. Informar é comunicar. Comunicar é interagir. Interagir é mobilizar. Mobilizar é votar.


Julius Genachowski, que trabalhou na Harvard Law Review com Obama, é o empresário high-tech por trás do uso sem precedentes de alta tecnologia para fortalecer o ativismo da base eleitoral e ajudar a elevar o número de contribuições para a campanha.

A formação acadêmica de Obama em Direito e sua experiência em mobilização social porta a porta não eram exatamente o caminho para uma proficiência no uso de alta tecnologia e, de acordo com aqueles que o conhecem bem, Obama está longe de ser uma pessoa ligada a isto.

Porém, em Genachowski – que ajudou Barry Diller a construir um império de nova mídia – Obama achou um evangélico pessoal da internet, alguém que o convenceu que a web tinha poderosas implicações nas suas ideias centrais sobre transferência de responsabilidades e conexão de pessoas.

A filosofia de Genachowski era simples: “Se não construirmos eles não virão”. Genachowski, por sua vez, dá crédito a Plouffe, coordenador-geral da campanha, por ter a confiança necessária para investir, na etapa inicial, em uma tecnologia cara sem garantia de retorno e em aumentar os investimentos quando estas ferramentas começaram a provar seu valor.
Com a garantia de Genachowski, a campanha aprendeu a aceitar o caos proveniente da transferência de responsabilidades: “Constantemente existem coisas que acontecem sobre as quais não temos qualquer controle. As pessoas criam coisas, e elas acontecem”, dizia Genachowski.

Assim, Obama gerou uma mobilização social online. Entenda-se “mobilização social online” como a construção de relacionamentos horizontais, interativos e transparentes, no ambiente da internet que tem, em tese, uma escala quase infinita. Consideramos uma mobilização social online bem-sucedida quando se implementa algo que as pessoas de fato querem, necessitam ou apreciam. A partir daí, elas fazem seu projeto crescer por você. De certa forma, foi isso o que aconteceu com a campanha de Obama. Ele se conectou com as pessoas e entregou algo que elas queriam, apreciavam, e algumas necessitavam.

No Brasil, já se está há um bom tempo discutindo o novo cenário das mídias digitais, a convergência da comunicação e a busca por uma mensagem cada vez mais integrada. A cada conversa percebemos que não existe uma receita, um caminho exato. Existem tentativas e a coragem de arriscar.
Nesse contexto, o novo desafio que se coloca aos partidos e candidatos que participarão das eleições deste ano, no Brasil, é o seguinte: Como gerar, organizar e gerenciar uma ampla mobilização online comprometida com uma causa política?

O jogo será descobrir o pequeno até então ignorado e encontrar a melhor forma de o fazer aderir à mobilização. No momento, há muito mais a ganhar com a expansão dos limites daquilo que pode ser feito a partir da base do que com a concentração naquilo que pode ser feito no topo.

Pois bem, qualquer estratégia de mobilização online deve pensar no seguinte:

Estratégia, comunicação e design
Desenvolver uma estratégia para potencializar os esforços de comunicação na internet, que deverão estar completamente alinhados com os demais esforços de comunicação off-line. O design, hoje elevado ao nível estratégico, compreende a criação, desenvolvimento e manutenção de todas as necessidades gráficas para a campanha online, sobretudo as interfaces.

Presença na internet
Estar presente e estabelecer um relacionamento com os atores do mundo das redes sociais: internautas, blogueiros, mediadores de comunidades. As próprias redes devem ser conhecidas e mapeadas – Orkut, YouTube, Facebook, Ning, Twitter, Dipity, Flickr, Myspace, entre outras. A presença nas redes sociais tem de ser real, com conteúdo relevante, atualizações frequentes e interação em tempo real.

Site


O site tem por objetivo ser o endereço na rede onde estarão concentradas as informações existentes nas diferentes redes sociais, facilitando o componente de atualização frequente. É importante sofisticar as possibilidades do site com soluções de base tecnológica já disponíveis atualmente na internet. Ou seja, estruturação do site no formato de uma rede social aliada a mash-ups das diferentes redes existentes (Orkut, Myspace, Facebook, entre outros). A depende
r da estratégia, outra opção é um site simples, em formato de blog, por exemplo. Este deve ser atualizado, preferencialmente, várias vezes ao dia, com reflexões e notícias relacionadas com o candidato ou o partido. É o local indicado também para divulgar as informações sobre as ações do dia-a-dia.

Rede social própria


Nesta etapa, deverá ser desenvolvido um conjunto de soluções de base tecnológica para criação, gestão e monitoramento de uma rede social própria. É esse conjunto de soluções que permitirá o gerenciamento inteligente da mobilização que se pretende. A partir daí, numa dinâmica work in progress, faz-se necessário manter o desenvolvimento até o último dia, acompanhando as inovações que surgirem na internet, pois esta muda todo dia, e não dá mais tempo para esperar que a mudança chegue até você. Faz-se necessário atender as necessidades sugeridas a partir da inteligência colaborativa da própria comunidade. “Hoje, 75% das inovações das empresas vêm de sugestões dos usuários”, afirma a inglesa Josephin¬e Green, diretora de um dos mais avançados centros mundiais de pesquisa .

Celular


Por meio de ações de comunicação via telefone celular, podemos mobilizar pessoas e permitir que estas estejam conectadas à campanha mesmo quando estiverem distantes de seu computador. O uso comercial de call centers, por exemplo, é por demais conhecido e hoje indispensável a empresas de consumo de massa. Na mobilização política, o call center não é fixo, não existe num lugar físico, não tem um número determinado de atendentes, estes por sua vez não são pagos, e as mensagens não são iguais, padronizadas, mecânicas, impessoais e anônimas. Por exemplo: nos protestos da população iraniana contra os resultados das últimas eleições, o celular foi o principal meio de registro e divulgação à comunidade do país, e também à comunidade política internacional, dos fatos e das próprias mobilizações populares nacionais. O celular pode criar, potencializar e maximizar mobilizações.

Aqui, a ideia é utilizar uma base de mais de 160 milhões de aparelhos celulares, que, além de serem um meio rápido e abrangente de conectar pessoas, também são terminais de acesso à internet. O objetivo desta estratégia é permitir a expansão da interatividade do cidadão na mobilização, uma vez que se torna possível a interação acontecer não apenas por meio do computador, mas também via celular – any time, anywhere. Mobilização de mídias integradas.

Inteligência competitiva online –monitoramento
Não é possível identificar segmentações sociodemográficas, uma vez que não se podem isolar dados dos internautas nas redes sociais. Porém, uma análise do volume de discussões sobre determinado assunto e/ou sobre o concorrente pode ajudar na definição de uma amostra estatística válida. Também pode ajudar no acompanhamento da repercussão e identificação de crises em processo embrionário. É possível localizar focos de repercussão e monitorar discussões sobre eventuais crises, por exemplo. O primeiro passo para o início do trabalho de monitoramento e análise das mídia sociais é a definição de um briefing. Um conhecimento prévio de como serão aplicados os dados analisados se torna essencial antes de iniciar o projeto.

Assessoria de imprensa e gestão de rede


Nunca uma área ganhou tanta importância com a mídia gerada pelo consumidor quanto as de gestão de conteúdo e relações públicas. Os consumidores online, blogueiros e participantes passaram a ser mídias essenciais na reputação de marcas, produtos e serviços e influenciá-los se tornou uma questão primordial para alavancar o boca-a-boca positivo.


O objetivo, aqui, é a formação de um grupo experiente em comunicação e interatividade na internet para fomentar o crescimento da mobilização e energizar as comunidades desejadas. Esse grupo será o responsável direto pela interação com os internautas que estiverem postando, reclamando, elogiando, enfim, que estiverem dando vida à estratégia de comunicação proposta.


No fundo, cada dia mais a internet pautará a imprensa, o rádio, a televisão e as mídias tradicionais. A internet é o fato que acabou de acontecer, ou ainda está acontecendo, é a discussão que está crescendo ou vai crescer ainda mais, é a declaração política dada diretamente, ao vivo e sem versões, instantânea, comum a todos. Pouco a pouco, não será mais, ou será menor o espaço de escolha dos editores para dizer ao leitor eleitor o que é e o que não é relevante. Esta escolha continuará, mas agora com base não no que os repórteres captam como hoje, mas no confronto entre este sistema de captação de notícias e de definição de pauta e o que se vê, se ouve e se discute na internet, sem e com editores.

Case Obama


Abaixo, a título de ilustração, destacamos os principais ensinamentos da campanha à presidência dos EUA do então candidato Barack Obama.


Quando se fala em 120 mil seguidores no Twitter, um grupo no Facebook com 2,3 milhões de membros e 11 milhões de views em um vídeo no YouTube, tais números conseguidos pela campanha de Obama parecem baixos se comparados ao alcance de uma mídia de massa, mas representam uma comunidade de pessoas que fazem diferença, que são altamente multiplicadoras e influenciadoras.

A campanha presidencial de Obama, em toda a sua métrica, operou em uma escala que excedeu tudo o que já foi feito antes. A campanha facilitava ações de todos os tipos, a saber: envio de e-mails para milhões e milhões de pessoas e organização descentralizada de milhares de eventos voluntários.

Essa comunicação, feita de pessoa para pessoa, construiu uma gigantesca plataforma de conteúdo que independe da vontade de grandes grupos de mídia. Mais do que isso, provou o poder da integração, da mensagem pulverizada nos mais diferentes meios.
Tratou-se de uma campanha de iniciativas guiadas pela tecnologia, focadas em micro-targetting, tão engajadoras que foram capazes de envolver americanos que nunca tinham votado antes, em especial o público jovem adulto.

E mais: ao utilizar a web, Obama turbinou as velhas ferramentas de campanha. Por exemplo, em relação às centrais de telefone: por meio do MyBO, que era a rede social proprietária de Obama, a campanha subdividiu a tarefa de fazer ligações em pequenas partes, de forma que cada voluntário pudesse realizá-las dentro de uma ou duas horas. Milhões de ligações foram feitas para os estados
das primárias por pessoas que utilizaram os websites para alcançar aqueles locais e conectar-se com eles.

Barack Obama iniciou sua campanha com um propósito claro e uma visão transformadora da política americana. Ele queria mudar o jogo. Isto é, não só a política, mas o processo político, também. A equipe que montou a campanha tinha pouca experiência em eleger um presidente – e esta era exatamente a intenção. Ele reuniu a próxima geração de estrelas – criativos, diligentes e, acima de tudo, ambiciosos.

Assim, Obama criou uma máquina política online perfeita, cuja essência era: atividade online fortemente integrada com tarefas que pessoa¬s pudessem realizar no mundo real.
O objetivo da campanha era conseguir pessoas que doassem dinheiro, efetuassem ligações telefônicas, escrevessem cartas de próprio punho e organizassem encontros domésticos em suas casas. A ideia central em todas as ações e ferramentas online era oferecer e destacar os links “call to action”, ou seja, os caminhos online no qual as pessoas podiam fazer algo concreto, unindo seus esforços aos da campanha.

“Não basta energia e entusiasmo online por si só. Nosso foco são os resultados: aumentar a captação de recursos, aumentar o número de ligações, aumentar o número de vídeos postados ou aumentar o envio de vídeos aos amigos” (Chris Hughes, 24, coordenador da rede social de Obama).

Obama fez da tecnologia sua parceira desde o início: “O que eu não imaginei foi quão eficiente poderíamos ser utilizando a internet para fazer conexão com a base eleitoral, tanto do lado financeiro quanto do organizacional. Esta, eu acho, foi uma das maiores surpresas da campanha: a força na qual nossa mensagem se integrou com a mobilização online e o poder da internet”.

É claro que muitos dos candidatos à presidência de 2008 tinham websites, ferramentas “clique para doar” e redes sociais – até mesmo John McCain, que não utiliza e-mail. Porém, a equipe de Obama colocou tais tecnologias no centro da campanha e utilizou muito bem estas ferramentas.

Se os outros candidatos tinham as mesmas ferramentas da web, a experiência mostra que tê-las não era suficiente: o diferencial foi destacá-las como elemento âncora da estratégia de campanha e também utilizar de maneira apropriada a rede de simpatizantes que essas ferramentas ajudaram a organizar.

A internet deu aos que trabalharam na campanha de Obama a oportunidade de se comunicarem diretamente com os eleitores e, dessa forma, promoverem a maior mobilização social online já vista na história.
Na campanha, Obama tinha três diretrizes principais:

    Foco: o website era o ponto central da campanha. Toda a atividade online era conectada a ele – todo o marketing social, sites de campanha e atividades de busca eram redirecionadas para o website. Para chamar a atenção das pessoas para o site, a campanha procurou fazer de Obama uma presença ubíqua nas plataformas online.

    Construção de relacionamentos: a chave da campanha era a construção de relacionamento diretamente com os eleitores. Por exemplo: Obama fez contato com 25% do total de eleitores nos últimos dias da campanha. Este é um número expressivo e pode mudar uma votação.

    Envolvimento: pedir o envolvimento de eleitores. Quanto mais foi pedido, mais eles deram. Na maioria dos e-mails havia um pedido de doação de US$ 5 – uma quantia pequena. Até mesmo eleitores com problemas financeiros poderiam doar US$ 5. Assim que eles realizavam a doação, deixavam de ser apenas observadores e passavam a ser investidores. A ter interesse pelo sucesso da campanha, logo, engajavam outros a sua volta.

Obama deixou para trás os modelos existentes de organizar e gerenciar uma campanha política. Ele construiu sua campanha dentro dos melhores padrões de gestão empresarial: com controle, transparência e sem desperdícios. Uma operação que envolveu US$ 250 milhões e mil empregados: “Quero gerenciar minha campanha como um negócio. E, em um bom negócio, o cliente é rei”, dizia Obama.

No início, ainda com poucos recursos, a campanha contratou um “serviço de atendimento ao cliente” para que todos os eleitores que ligassem, a qualquer hora do dia ou da noite, fossem atendidos por uma voz humana do outro lado da linha.

No inverno de 2007, quando membros mais antigos da equipe reuniram-se para um de seus primeiros encontros em Chicago, o candidato expôs sua expectativa da seguinte forma: “A maioria das campanhas é caótica. Eu quero uma campanha que seja tocada como um negócio. Se as pessoas têm problemas, elas devem resolvê-los, e não ‘deixarem para solucioná-los na página 2 do Washington Post’”.

O tamanho, a escala e a sofisticação da “Empresa Obama” atingiu a dimensão de uma corporação multinacional, se comparada com as campanhas democratas anteriores. Foi um modelo melhor e mais democrático, que “tocou” com poder e paixão o cidadão comum.
Foi também uma campanha extraordinariamente disciplinada: o “headquarter” de Obama funcionou perfeitamente, sem vazamentos, sem brigas e quase sem nenhum reconhecimento pelos seus esforços. O núcleo pensante da campanha trabalhou num anonimato intencional. Os membros da equipe mais próximos de Obama são desconhecidos pela grande maioria das pessoas porque uma das principais regras da campanha era: todos os créditos são de Obama.
Como bem colocou Valerie, uma das principais assessoras de Obama: “Nossa intenção é que as pessoas não saibam sobre o trabalho interno da campanha porque não há muito para saber a não ser que… funciona!”
Obama disse uma vez: “Quando iniciei esta campanha, eu não tinha certeza se estaria entre os melhores candidatos. Mas eu tinha absoluta certeza de que poderia criar a melhor organização. O modo como grandes coisas acontecem é quando as pessoas estão dispostas a deixar de lado seus próprios egos e focar em uma tarefa comum. Esta foi minha maneira de pensar com relação à organização da campanha. Não foi apenas um truque, nem um capricho. Eu realmente acredito nisto”.

Os desvios de dinheiro eram raros. Plouffe – o chefe da campanha – ficou de olho em para onde estavam indo os muitos milhões que Obama captou. Veja, por exemplo, os salários: Howard Wolfson, porta-voz de Hillary Clinton, recebeu US$ 266 mil em um mês, quase o dobro do que Gibbs recebeu de Obama por todo o ano de 2008: US$ 144 mil.
Enquanto a campanha de Clinton gastou milhões com a remuneração excessiva de seus consultores e suítes no Hotel Bellagio, Plouffe manteve as despesas no mínimo – ainda que a campanha tenha criado a mais fantástica máquina de fazer dinheiro em toda a história política.

Ademais, como Obama não era um dos favoritos, as pessoas que se engajaram na campanha realmente acreditavam nela. Não
eram mercenários. Havia algo maior.
Os membros da equipe de Obama dividiam quartos e só eram reembolsados quando tomavam o metrô (em torno de US$ 2) do Aeroporto Internacional O`Hare até a sede da campanha, no centro de Chicago. O reembolso não acontecia quando pegavam um táxi (em torno de US$ 50). Isto sem mencionar que os voluntários deveriam levar sua própria comida quando estavam trabalhando na campanha.

A sede de campanha de Obama possuía alta tecnologia – muitas televisões de tela plana e mais celulares do que telefones comuns – mas era zelosa e detalhista. Um grande aviso escrito a mão pregado na porta do banheiro instruía os membros da equipe a “pegarem os xampus e sabonetes de hotéis para doarem a abrigos”.

Obama estimulou núcleos sociais estratégicos dentro do eleitorado: afro-americanos, latinos, mulheres, suburbanos, eleitores jovens e iniciantes. Ao fazer isso, colocou em jogo estados americanos onde os democratas achavam que nunca poderiam vencer: Colorado, Novo México, Nevada, Indiana, Carolina do Norte, Ohio e Flórida. No total, teve 95% do eleitorado afro, 67% do latino e 77% do eleitorado jovem.

Com os jovens, por exemplo, Obama falou o idioma deles. Mostrou que compreende sua época e indicou a direção que todos queriam que a nação seguisse. Foi uma conexão tanto psicológica quanto induzida pelos assuntos do programa de governo de Obama. O uso da tecnologia foi vital na mobilização desses jovens.

Tudo isso foi construído de modo bottom-up. Até mesmo a captação de recursos – tradicionalmente o reino dos mais ricos em se tratando de campanha política – se tornou uma ferramenta organizacional da base. Obama arrecadou mais da metade dos fundos para sua campanha eleitoral, em 2008, por meio da internet. Os números são impressionantes: dos US$ 750 milhões que ele captou, mais de US$ 500 milhões foram conseguidos online, com doações pequenas, em média de US$ 80, mas começando com US$ 5. Essa é uma estratégia brilhante porque, dentre outros benefícios, valoriza o cidadão comum, que agora percebe que faz diferença.

Todas as pessoas que compravam um botto¬n ou boné eram registradas como doadores. Mas o verdadeiro objetivo desta operação de registro era pegar os endereços de e-mail para se aproximar do eleitor e aumentar o número de voluntários.

“Como alguém que tinha experiência em organização comunitária, eu estava convencido de que se convidasse pessoas a se engajarem, se não estivesse tentando fazer campanha como se vendesse sabão, mas ao invés disto dissesse: ‘Esta é sua campanha, você é o dono, e você pode ser parte dela’, as pessoas iriam corresponder e poderíamos construir um novo mapa eleitoral”, afirmava Barack Obama.

A campanha de Obama fornecia as ferramentas tecnológicas, o treinamento básico e a oportunidade para que os simpatizantes montassem a campanha por conta própria. Os voluntários utilizavam as ferramentas de maneira precisa. Em Iowa, eram encontros domiciliares em busca de uma rede local dedicada. Na Carolina do Sul, era o esforço de conseguir mais eleitores.

Perceba, por outro lado, que mesmo tendo as pessoas mais inteligentes, sábios da tecnologia bottom-up trabalhando para você, se o candidato e a cúpula da campanha quiserem empreender uma campanha top-down não há nada que se possa fazer. A campanha ficará paralisada e nada será realizado. Foi mais ou menos isto o que aconteceu com a campanha de Clinton.

Com Obama, no entanto, era diferente. No momento em que o encarregado da organização de campo chegava em um estado, tudo o que ele tinha de fazer era dar a partida em uma estrutura bem organizada e uma rede de voluntários que já tinha sido projetada e construída localmente, bottom-up, via internet.

No final de junho de 2008, depois que Hillary Clinton suspendeu sua campanha, Obama, por meio de sua rede social MyBO, fez um apelo para que os fiéis organizassem encontros domiciliares com o tema “Unite for Change”. Mais de quatro mil encontros foram organizados em todo o país, em junho de 2008.

A rede social MyBO e o site principal da campanha facilitaram as doações de dinheiro – o combustível para qualquer campanha, porque paga a publicidade e a equipe. Os visitantes do site podiam utilizar cartões de crédito para fazer uma única doação ou se inscrever para doações mensais recorrentes.

O MyBO também fez da doação um evento social: simpatizantes podiam criar suas próprias metas, organizar seus esforços pessoais para captar recursos e monitorar sua performance por meio de um termômetro que subia na medida em que os recursos eram captados.
A campanha enviava mensagens de texto regularmente (nos comícios de Obama, por exemplo, o orador frequentemente pedia aos ouvintes para enviarem informação sobre a campanha aos seus contatos). Cada uma das mensagens de texto de Obama era exatamente o que deveria ser. Sempre tinha um propósito, sempre valia a pena ler e sempre continha uma ação (call to action) a ser realizada.

As bases de dados podiam formular e reformular listas de voluntários por microrregiões e selecionar tarefas apropriadas para cada pessoa. Os voluntários podiam fazer o download de nomes, endereços e telefones de cem pessoas de seu próprio quarteirão que ainda se encontravam indecisas. Assim, o voluntário podia executar o trabalho de seu computador, de sua casa, imprimindo, fazendo downloads e telefonando.

Enquanto isso… não foram poucas as vezes em que a tentativa de alistamento no McCainSpace – equivalente ao MyBO – deu erro. Às vezes, o site informava que logo iria enviar uma nova senha via e-mail, mas a senha nunca chegava. Resultado: a rede social de McCain era mal elaborada e as pessoas acharam que ali não havia nada para fazer.
Destaques

E-mail: após o registro da pessoa, o e-mail foi o principal meio de comunicação utilizado para manter contato e assegurar que os voluntários se mantivessem unidos em torno de Obama. Foi utilizado constantemente durante a campanha, para inúmeras ações e sempre com call to action para doações.

Website: o website da campanha foi desenvolvido em dez dias. Ele evoluiu com o tempo, numa dinâmica work in progress, na medida em que se identificavam as necessidades. Era a principal plataforma da campanha.
Vídeo: 1 800 vídeos foram criados desde janeiro de 2007. Um vídeo musical montado com base em um discurso de Obama – “Yes We Can”, do artista de hip-hop Will.i.am – foi postado centenas, talvez milhares, de vezes no YouTube. Somando-se o total de acessos nas duas postagens mais assistidas, contabilizaram-se quatro milhões de views.
Treinamento: voluntários foram instruídos nas políticas de Obama por vídeos online. Conseguiu-se, assim, capacitar os voluntários que, por sua vez, foram às ruas engajar mais voluntários ao seu redor.

Campanha suja: as eleições dos Estados Unidos são ganhas ou perdidas no fator verdade. As pessoas que faziam a campanha de Obama garantiram que a busca pela verdade era uma grand
e parte da luta contra a campanha suja. Sempre que um novo rumor vinha à tona, uma força-tarefa de busca era criada para redirecionar as pessoas para o website “Fight the Smear” (“Combata o Boato”). Lá, esclarecia-se a situação em detalhe.
Busca online: para cada US$ 1 gasto em busca, US$ 9 eram recebidos em doações. Isso significa um retorno de 900% do investimento.

Testes: as bases de dados foram utilizadas para testar a reação dos consumidores com relação aos conteúdos/vídeos da campanha. Um grupo de controle formado por mil pessoas foi utilizado e o aprendizado foi aplicado ao conteúdo/vídeo antes do envio em massa.
Banco de dados: tão logo os simpatizantes se inscreviam no website ou na campanha, eram segmentados de acordo com as diversas informações a seu respeito. Eram, então, divididos entre os partidários já treinados por meio de vídeo, com base em seus perfis, e contatados por telefone ou em suas próprias casas.

Mudança de época
A eleição 2010, no Brasil, será a última a ser ganha na televisão ou a primeira a ser ganha na internet. Isto significa que não estamos mais numa época de mudança, mas numa mudança de época .

Por isso, estamos olhando para a fronteira social, ambiental, econômica e tecnológica, para tentar detectar padrões mais profundos de mudanças, algo completamente diferente das práticas da era industrial.

Sem algum elemento de governança do topo, o controle oriundo da base ficará paralisado diante de muitas opções. Sem algum elemento de liderança, o enxame da base ficará paralisado pela variedade de escolhas. Aqui reside a grande oportunidade para os políticos mais experientes que estiverem abertos a mudança, afinal, como nos ensinou Darwin, “não são as espécies mais fortes que sobrevivem, nem as mais inteligentes, e sim as que respondem melhor à mudança”.

No que se refere a controle, há muito espaço na base. O que estamos descobrindo é que redes de massa, formadas por milhões de partes e com mínima supervisão e máxima interconexão, podem fazer muito mais do que já se imaginou. Ainda não conhecemos os limites da descentralização.

Nas próximas décadas, os grandes benefícios a serem colhidos desse novo paradigma da comunicação, da política e da mobilização social provirão em grande parte da exploração e do uso do poder das redes descentralizadas e autônomas. Qualquer iniciativa que promova a conexão generalizada, barata e universal é um passo na direção certa, vis-à-vis a multiplicação das Lan Houses Brasil afora.
Numa época de mudanças, os modelos de aprendizado também precisam mudar. Precisamos de uma experiência de aprendizado diferente. Precisamos de novas teorias e também de novos espaços de aprendizado. Nossas escolas e universidades são basicamente produto do paradigma industrial.

No campo filosófico, o conceito de redes sociais online recoloca o homem como sujeito da história e valoriza sua capacidade de operar em conjunto, gerando transformações na vida de indivíduos e grupos. Comunidade, nação, solidariedade, alteridade, equidade e democracia surgem como símbolos essenciais e, sobretudo, concretizáveis para uma parte crescente da população, digo, dos eleitores, nesse caminho de mudanças.
Na medida em que cada esfera da vida humana é tomada por técnicas complexas, inverte-se a ordem usual e novas regras são estabelecidas. Os poderosos vacilam, os outrora confiantes buscam desesperadamente um rumo, e os diligentes têm a chance de comandar.

É advogado. Secretário de Patrimônio, Cultura e Turismo de Olinda (2005-2006), diretor de Inovação e Competitividade Empresarial do polo de tecnologia e inovação “Porto Digital” (2006- 2007) e sócio-fundador da Loops (2009), empresa recém-criada de comunicação, tecnologia e mobilização social online.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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