Investimento estrangeiro em terras e créditos de carbono no Brasil
No mercado voluntário de créditos de carbono, uma tonelada de carbono era precificada entre US$5 e US$10 há poucos meses. Com a evolução da discussão sobre o mercado global de carbono, em novembro de 2021 na COP26, as projeções de preços da tonelada de carbono começaram a responder tanto no mercado voluntário quanto em mercados regulados. Um estudo da BloombergNEF, realizado nos últimos meses, coloca os preços de carbono entre US$47 e US$120 até 2050. O aumento não surpreende quem está debruçado sobre o assunto, que chegou a ver em 2021 preços de US$90 no mercado futuro. Mas, para aqueles que começam a estudar o tema mais recente ou superficialmente, pode se confundir até com a diferença entre mercado voluntário e regulado.
Como o nome sugere, o mercado voluntário é aquele na qual a captura de carbono (ou outros gases de efeito estufa, conjuntamente denominados de carbono equivalente) é auditada conforme alguma metodologia específica e certificado em uma certificadora internacional para comercialização. As duas principais certificadoras são a Verra, baseada nos EUA, e a The Gold Standard, na Europa. Uma vez certificados os créditos, eles são comprados por entidades, empresas ou instituições que têm no seu planejamento estratégico, ou política ESG, o objetivo de mitigar emissões ou colaborar a descarbonização da atmosfera. A motivação é, em geral, benefício de marca para as empresas que têm compromissos ambientais, e não há correlação sobre conversibilidade dos créditos de diferentes certificadoras, ou correlação entre o local da captura do carbono e seu registro.
Nos 64 mercados regulados no mundo, há segurança jurídica, mas que depende de legislação nacional e, em maior escala, de coordenação internacional para permitir a conversibilidade de créditos gerados em um país para compensar emissões em outro país. Neste ponto é que a COP teve maior efeito, demonstrando um real interesse internacional de se padronizar os mercados para que a demanda por créditos de carbono na Europa possa eventualmente ser atendida pela captura de carbono em outros países de forma segura e coesa. No Brasil o único mercado regulado é o RenovaBIO, que trata especificamente de compromisso de neutralização de emissões no setor energético e negocia títulos chamados CBios. Uma legislação mais abrangente está em negociação no Congresso e deve instituir um amplo mercado de emissões.
Isso posto, e como faltam experiências práticas, muitas questões estão com discussões que começam a se tornar mais tangíveis somente agora que o mercado começa a amadurecer. No âmbito do mercado financeiro, a nova atenção aos critérios ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de governança) desperta ainda mais o interesse dos investidores, mas ainda há alguns obstáculos que estão sendo removidos.
Mercado de captura de carbono no Brasil é essencial
A revisão das metas de redução de carbono estipuladas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs em inglês) de cada país e o avanço no artigo 6º do Acordo de Paris, debatidas na COP26, começaram a esclarecer esta peça do quebra-cabeça, mas a expectativa dos envolvidos é que a legislação ainda precise de mais um ou dois anos para amadurecer e tomar um formato definitivo.
Discutir assuntos concretos que podem fortalecer o crescimento do mercado de captura de carbono no Brasil é essencial. Além disso, é necessário sair das plenitudes e discursos genéricos para identificar assuntos que, na prática, prejudicam o funcionamento deste mercado, gerando ineficiências ou inviabilidades. A discussão técnica sobre mensuração e precificação está bem evoluída, mas há um flanco que não está sendo devidamente adereçado: o formato no qual investidores, nacionais e estrangeiros, podem acessar e fomentar o mercado de crédito de carbono brasileiro associado ao agronegócio.
Quem tenta estruturar um fundo de investimentos, para capturar e comercializar créditos de carbono no Brasil associados à agricultura, enfrenta três principais problemas operacionais. Todos dizem respeito a como os créditos de carbono são inerentemente ligados à terra e ao seu manejo e como novos formatos são necessários para que haja maior eficiência e atratividade a este tipo de investimento vis-à-vis outros investimentos mais tradicionais. Abaixo, trataremos brevemente de cada um dos pontos:
1. A falta de veículo de investimento eficiente para obtenção e comercialização de créditos de carbono.
O Fiagro é um instrumento recente no Brasil, tendo sido criado oficialmente em 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentou em regime experimental através da Resolução 39 de 13 de julho de 2021, que Fiagros serão tratados em três categorias: FIDC, FII e FIP. O intuito foi agilizar a viabilização do Fiagro até que uma regulamentação específica fosse elaborada. Porém, na prática, isso cria uma ineficiência tributária na questão do carbono, uma vez que o carbono capturado no solo pertence ao proprietário da terra, e a categoria mais vantajosa para fundos de terras – Fiagro Imobiliários (Fiagro-FII) – conta apenas com previsão de investimento em CRAs e LCAs. No regime experimental, não há previsibilidade para a aquisição de CPR, atualmente o único título lastreado em redução de emissões. Uma regulamentação que permita o Fiagro-FII deter títulos relacionados a carbono ou uma regulamentação ampla do Fiagro que permita que tanto terra quanto títulos de carbono, ou ao menos CPR Verdes, possam ficar sob o mesmo fundo resolveria a questão. Até que isto seja feito, o investidor que quiser investir em créditos de carbono precisará investir em uma estrutura menos eficiente, o que remove um pouco a atratividade do investimento.
2. A falta de instrumento financeiro lastreado na captura de carbono na agricultura.
Em uma sinalização clara da importância que pretendia dar ao carbono no mercado, o governo promulgou o decreto 10.828 de 1º de outubro de 2021, que criou a CPR Verde. Porém, o decreto reforça um preconceito prejudicial ao mercado de carbono, pois prevê a emissão das CPR Verdes somente para “atividades relacionadas à conservação e à recuperação de florestas nativas e de seus biomas”. Isso faz com que não somente lavouras não se qualifiquem para emissão de CPR Verde, mas também sugere implicitamente um antagonismo entre a agricultura e sustentabilidade, pois agricultores não podem se beneficiar da redução de emissões de gases de efeito estufa geradas por suas terras agriculturáveis. Além de não permitir incentivo à agricultura sustentável e responsável por meio de um instrumento consolidado, a Cédula de Produto Rural, cria-se uma dúvida sobre o instrumento ao qual os agricultores e proprietários de terra agriculturável precisam recorrer para registrar sua captura de carbono quantificável. A inclusão de terras agriculturáveis que capturem carbono como objeto da CPR Verde resolveria esta questão. Até que isto seja feito, o carbono capturado a partir da agricultura só pode ser certificado nas certificadoras voluntárias, reduzindo o conhecimento do mercado sobre os créditos negociados (tendo em vista que CPRs requerem registro público), mas também não aproveitando um instrumento que é essencial para conscientizar o produtor rural do ganho adicional que ele pode ter com captura de carbono.
3. A proibição de estrangeiros de terem propriedade de terra no Brasil.
Como não se pode falar de captura de carbono sem falar de manejo da terra, os dois ativos são indissociáveis. Somente o proprietário da terra tem direito ao carbono capturado por ela. Como estrangeiros são proibidos de controlar terras rurais no Brasil, aqueles que têm interesse em investir na captura de carbono no agro brasileiro são obrigados a achar sócios majoritários para poderem comprar a terra na qual pretendem capturar carbono. Ainda, é necessário encontrar operadores que tenham credibilidade em manejar corretamente a terra e tenham compromisso com o proprietário da terra e, no caso do estrangeiro, do proprietário minoritário da terra. Ocorre que apesar dos bons esforços da Embrapa e da rede IFPL para promover agricultura sustentável, há poucos agricultores prontos para tal. Há ainda menos agricultores com conhecimento de IFPL e capital suficiente para serem sócios majoritários de aquisição de terras. Isso faz com que investidores estrangeiros que pretendem investir em projetos de captura de carbono no Brasil tenham que criar estruturas complexas para garantir que poderão comprar o ativo de carbono gerado pelo seu investimento em terra, pois ele não é automaticamente dono do ativo, já que o ativo é ligado à propriedade rural. Isso por si só já é um impeditivo para alguns investidores, mas, quando se considera o risco associado ao operador, não usar as técnicas adequadas para captura de carbono e a complexidade de exigir que um sócio majoritário pressione o operador para tal, exclui-se o interesse de ainda mais investidores. A simplificação deste mecanismo, com a permissão para estrangeiros terem propriedade das terras nas quais eles estão desenvolvendo projetos de captura de carbono, ou com impacto de carbono positivo, resolveria a questão. Até lá, resta estruturas complexas, que geram custos que, por sua vez, reduzem o retorno dos investimentos e a atratividade destes.
Superando estas questões, o Brasil pode facilmente se tornar um dos principais destinos para os investimentos mundiais de combate a mudança climática sem perder sua vocação agrícola. O potencial econômico associado à regulamentação do mercado brasileiro de carbono é estimado em US$100 milhões. O poderio do agronegócio já fez com que este segmento representasse 26% do PIB brasileiro de 2021. Não é pouco afirmar que com a riqueza natural de que o Brasil dispõe, associado ao investimento verde, o País poderá demonstrar ao mundo como gerar alimento, renda e riqueza, contribuindo para o combate às mudanças climáticas.
É economista e diretor de novos negócios na AGBI Real Assets. Foi assessor especial no Ministério do Desenvolvimento Regional e participou da reestruturação dos Fundos Constitucionais e Fundos de Desenvolvimento
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