08 janeiro 2020

O Centro Democrático no Brasil: Oportunidades e Desafios

A eleição de 2018 ficou marcada por dois fenômenos: a consagração da polarização na eleição presidencial, com a vitória de Jair Bolsonaro, o candidato mais radical, e a fragorosa derrota dos presidenciáveis mais ao centro, algo que se somou à redução do tamanho dos partidos centristas no Congresso Nacional. Para os bolsonaristas, era o triunfo da “nova política” contra a “velha política”. Passado um ano de mandato, o cenário se modificou: um governo atribulado e descoordenado politicamente foi salvo por lideranças centristas, que foram fundamentais para evitar que o país entrasse numa crise profunda, garantindo algumas reformas no Congresso e ajudando a segurar os ímpetos autoritários da família presidencial e de aliados – neste último caso, junto com a mídia, o STF e importantes setores da esquerda.

A eleição de 2018 ficou marcada por dois fenômenos: a consagração da polarização na eleição presidencial, com a vitória de Jair Bolsonaro, o candidato mais radical, e a fragorosa derrota dos presidenciáveis mais ao centro, algo que se somou à redução do tamanho dos partidos centristas no Congresso Nacional. Para os bolsonaristas, era o triunfo da “nova política” contra a “velha política”. Passado um ano de mandato, o cenário se modificou: um governo atribulado e descoordenado politicamente foi salvo por lideranças centristas, que foram fundamentais para evitar que o país entrasse numa crise profunda, garantindo algumas reformas no Congresso e ajudando a segurar os ímpetos autoritários da família presidencial e de aliados – neste último caso, junto com a mídia, o STF e importantes setores da esquerda.
Uma forma bem sintética de definir a situação atual do centro no Brasil seria a seguinte frase: um dos principais esteios do jogo político democrático, mas incapaz de vencer a eleição nacional. Mas, isso não é uma anomalia. Trata-se de um fenômeno que se repete em outros países, onde visões mais polarizadas do processo político têm gerado o crescimento de novos populismos, sobretudo de direita. O fato é que desde a crise de 2008 o establishment político então dominante, mescla de grupos de centro-direita e centro-esquerda, vem perdendo fôlego em muitas nações.
A ascensão de um modo polarizado de se fazer política é obra construída basicamente pelas forças de extrema-direita. Por isso, o maior perigo vem dos nacionalismos direitistas, que atacam pilares de democracia e querem aumentar o protecionismo econômico. É preciso apoiar as forças centristas – e seus aliados – na luta contra esses possíveis retrocessos no mundo, mas, ao mesmo tempo, deve-se admitir o fracasso de um estilo político que não soube se renovar em termos de propostas e forma de fazer política. Será preciso convencer os cidadãos da importância da moderação para o jogo democrático. Porém, é preciso entender as demandas da população que não estão sendo atendidas, particularmente a sensação de que a desigualdade entre as pessoas e os grupos sociais se tornou grande demais, dentro das nações e no plano global.
Mostrar esse cenário mais amplo é fundamental para compreender que o lugar de um centro democrático no Brasil tem de ir além de sua postura de equilíbrio frente à polarização. Ter a moderação como forma de atuação é uma condição necessária, mas não suficiente, para a reconstrução do centrismo. Esse projeto só terá sucesso se houver uma agenda clara, que enfrente os problemas que afetam os cidadãos e apresente soluções criativas e críveis para resolvê-los. No caso brasileiro, há três grandes temas que devem orientar o centro: democracia, desenvolvimento e desigualdade – os 3 Ds que devem ser a bússola para quem quiser, simultaneamente, conquistar o eleitor e melhorar o país.
O centro, desse modo, precisa, antes de mais nada, ser visceralmente democrático, evitando os radicalismos, respeitando e dialogando com todos os espectros políticos, além de defender o liberalismo político e a soberania popular. Em contraposição aos novos extremismos, partidos centristas devem propor políticas governamentais baseadas em evidências científicas para todos os setores, como Economia, Educação, Meio Ambiente, Segurança Pública, Combate à Desigualdade, para ficar nos principais. Não adianta se colocar como garantidor da racionalidade econômica e ignorar equívocos ambientais ou apoiar visões moralistas como base para decisões educacionais ou para alterar modelos penais. Seguir o “espírito de manada”, sobretudo o que se manifesta com ódio nas redes sociais, não é a melhor maneira de se aproximar do povo.
Em termos de governança, é preferível apoiar um modelo mais incrementalista do que maximalista, defendendo posições que suponham reformas ao longo do tempo, em vez de mudanças drásticas lastreadas em ideologias fundamentalistas (tais como “o mercado nos salvará” ou o “governo pode tudo”). Além disso, o centrismo tem sido tachado, desde a crise de 2008, de elitista. Essa percepção social só se modificará se o centro se aproximar dos problemas cotidianos dos cidadãos, principalmente das camadas mais pobres da população, majoritárias no Brasil.. Políticos de centro não podem se trancar nos partidos, como têm feito nos últimos 20 anos.
Qual a capacidade do centro para agendas do século 21?
O sucesso do centro depende de sua capacidade de estar antenado com as grandes questões do século 21, como a agenda ambiental, o problema dos que estão estruturalmente fora do mundo do trabalho, a qualidade de vida dos idosos (numa população crescentemente mais velha), a relação entre cultura/tecnologia e juventude, a proteção das minorias sociais, o apoio ao empreendedorismo, defender uma gestão pública moderna (eficiente, efetiva e democrática) e a construção de um novo modelo educacional.
Claro que para mirar o futuro é necessário lutar contra os dois principais legados negativos do país: a ponte que liga a escravidão à desigualdade e o patrimonialismo que torna o Estado um terreno privado das elites políticas e econômicas. Sem superar esses dois obstáculos, os processos de modernização no Brasil serão sempre inacabados e, pior, capazes de serem revertidos.
Finalizando essa agenda, é preciso recuperar a imagem internacional do Brasil, arranhada profundamente no último ano, para que possamos optar pelo uso do soft power e da cooperação internacional como instrumentos necessários para aumentar o potencial do desenvolvimento brasileiro. Aqui, o centro tem um papel fundamental de criticar a atual radicalização da política externa, para evitar o isolamento do país no front externo.
Feitos o diagnóstico e o prognóstico, fica a pergunta no ar: é possível construir esse centro no Brasil de hoje? Não se trata de uma tarefa fácil, com garantias de êxito. Mas, é possível vislumbrar quais são as oportunidades e os desafios no meio desse caminho.
Em linhas gerais, há cinco oportunidades colocadas para o crescimento do centro. Em primeiro lugar, a visão política centrista pode ter um patamar inicial de um terço dos eleitores, caso consiga consolidar sua imagem de moderação, afastando-se de quaisquer radicalismos, e se conseguir montar uma agenda propositiva, como exposta anteriormente, principalmente se apresentar uma proposta criativa e crível (política e tecnicamente) de se buscar os 3 Ds como objetivo. Trata-se de um ponto de partida eleitoral bastante positivo.
Segunda oportunidade: o governo Bolsonaro tem sido radical e descoordenado, gerando problemas a todo momento, o que reduz a estabilidade política e econômica do país. Além disso, o radicalismo de certas propostas bolsonaristas, como na área de violência e no relacionamento com a sociedade civil, resulta numa situação de guerra permanente e ódio entre brasileiros. Não há, por ora, nenhum sinal de que esse modelo de governança vá mudar. Assim, o centro tem de mostrar, mais explicitamente, seu papel de barreira contra os males do bolsonarismo. Para tanto, precisa evitar as crises, agindo de forma moderadora, mas tem de falar mais alto contra os desvarios do governo e aliados. Não basta ser visto como o “mocinho bonzinho da história”. É fundamental mostrar-se como alternativa, e o presidente oferece essa chance ao centro constantemente.
As últimas eleições presidenciais foram marcadas ou pela apresentação de programas que foram rasgados depois da posse, ou pela defesa de ideias que não encontram embasamento nas evidências científicas e tampouco no aprendizado de políticas públicas que o país teve desde a redemocratização. O centro pode mudar essa trajetória, que tanto mal tem feito ao Brasil, se construir um programa de governo com sólidas bases técnicas e políticas, diferentemente do que o bolsonarismo tem proposto para a maioria dos setores governamentais. Essa é uma oportunidade que deverá ser finalizada até a eleição de 2022, mas as lideranças centristas precisam começar agora a montar e a mostrar, paulatinamente, um diagnóstico e um prognóstico bem fundamentados sobre os principais temas brasileiros, diferenciando-se de forma objetiva, e não meramente ideológica, do governo Bolsonaro.
A quarta oportunidade que bate à porta do centro são as eleições municipais de 2020. Este será o primeiro teste eleitoral pós-2018, tocando em temas práticos e cotidianos dos cidadãos que vivem nas cidades. Ideologias gerais, propostas de luta “do bem contra o mal” e outras formas polarizadas de fazer política têm menos espaço em disputas locais. Se as forças políticas centristas se organizarem para apresentar propostas criativas e críveis de melhorar a vida dos brasileiros em suas localidades, elas ganharão votos e confiança da sociedade.
Soma-se esse contexto da eleição municipal à desorganização partidária do bolsonarismo, que irá concorrer mais dividido e sem a imagem de novidade que vendeu ao eleitorado em 2018. As forças mais à esquerda certamente vão crescer, mas elas também estão divididas e não têm a mesma capilaridade dos partidos do centro.
Se os partidos mais ao centro tiverem um bom resultado eleitoral em 2020, mesmo que continuem fazendo o papel do “mocinho bonzinho” que salva o país dos erros do bolsonarismo, eles se tornarão imediatamente o principal alvo político do presidente Bolsonaro. O fato é que a segunda metade do mandato presidencial tende a priorizar ainda mais a agenda eleitoral governista e se tornar mais sectário. As forças centristas precisam prestar mais atenção nos primeiros passos da Aliança Pelo Brasil: trata-se uma proposta partidária mais hegemonista do que a do PT em seu auge político.
Estratégia para ser o “novo” na eleição de 2022
Por isso, o período posterior às eleições municipais abre uma quinta oportunidade ao centro: será a hora de, depois de atuar em nome da estabilidade do país e fazer reformas, diferenciar-se mais ainda do governo, tendo a possibilidade de construir uma estratégia para ser o “novo” na eleição de 2022. Vale notar que em 2018 o centro era a “velha política” e o antipetismo a força motriz do processo eleitoral. Na próxima disputa presidencial, o status quo será o bolsonarismo, que não poderá mais se comportar como outsider e se tornará o adversário a ser batido. O centro ainda não percebeu bem essa mudança e terá um tempo, sobretudo ao longo de 2020, para se preparar politicamente para esse novo cenário.
O aproveitamento dessas oportunidades, no entanto, passa pela capacidade de enfrentar cinco desafios. O primeiro é não ser confundido e morrer amarrado junto com o governo Bolsonaro. Quanto antes o centro acentuar suas diferenças frente ao bolsonarismo, de método de fazer política e de agenda para o país, mais chances terá de ser uma força política decisiva e com reais chances eleitorais. Caso se atrase neste processo, a polarização esquerda-(extrema)direita comandará a próxima eleição presidencial.
O segundo desafio é não se dividir demais ao longo dessa trajetória. Algum grau de divisionismo, até por questões regionais, é natural que ocorra. Mas, apressar a escolha de nomes ou criar falsos embates entre líderes centristas é tudo o que o bolsonarismo deseja. Um direcionamento mais claro só deve acontecer na segunda metade de 2021, optando-se por aquele que tiver maior chance de representar um projeto centrista e tiver capacidade de propor isso como mudança e novidade ao eleitorado.
É fundamental ressaltar aos líderes de centro que eles não têm a menor chance de ganhar sozinhos a eleição de 2022. Aliás, é praticamente certo que será uma disputa em dois turnos. Dessa maneira, um terceiro desafio é a necessidade de ampliar apoios, tanto para a direita como, sobretudo, para setores da esquerda, algo que vai exigir olhar mais para o futuro e se desvencilhar de debates passados e atritos recentes. A geometria das preferências eleitorais e das alianças partidárias será diferente na próxima disputa presidencial, e o centro terá de dialogar mais com as forças contrárias ao bolsonarismo, seja em termos partidários, seja com outros atores sociais.
O quarto desafio reside na capacidade de montar uma nova agenda, baseada em evidências científicas e numa visão equilibrada do mundo, evitando o efeito manada das redes sociais. O centro ficou muito encantado no período recente com ideias que não têm embasamento técnico e com simplismos moralistas. Essa onda de revolta com o sistema político, iniciada em 2013, começa a cansar grande parte dos eleitores, que querem, ao fim e ao cabo, resultados práticos. É por isso que a única chance de o bolsonarismo reeleger-se está na economia, onde há um pouco mais de racionalidade, enquanto as ações na Educação, Meio Ambiente e outras áreas só tirarão votos do presidente.
Por fim, o maior desafio do centro é o de recuperar a confiança da população em torno de uma mudança positiva do país, em vez de um projeto marcado pela revanche, pelo ódio e pelo medo, que foram os sentimentos que elegeram Bolsonaro. A próxima eleição pode ser orientada por um sentimento de esperança, mas isso vai depender do que o centro fizer daqui para diante. Ele pode manter-se muito aferrado ao passado, organizando-se em torno de políticos fisiológicos e de discursos antigos, ou pode apontar com sabedoria para o futuro, com uma agenda ampla de transformação do país sem pretender destruir o sistema político, como, por vezes, o bolsonarismo propõe. Será que as lideranças de centro serão capazes de se colocar como o novo na política, de uma forma criativa e crível? Disso dependerá o sucesso desse grupo político no Brasil.


Fernando Luiz Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo da FGV-SP e atualmente é pesquisador visitante no MIT (Massachusetts Institute of Technology). Ganhador do Prêmio Moinho Santista como melhor jovem cientista político brasileiro (2001) e vencedor por duas vezes do Prêmio Anpad de melhor trabalho em Administração Pública no Brasil (1998 e 2003). Tem uma coluna no jornal Valor Econômico (República) e um Programa na rádio CBN (Discuta, São Paulo).

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