03 janeiro 2012

O CNJ e a Questão da Justiça

O CNJ como órgão instrumento de autocorreção e planejamento

É sempre interessante, além de realmente emblemático, observar a reação da sociedade a qualquer possibilidade de ameaça sobre a competência ou atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A indignação geral demonstra que o órgão, ultrapassando as fronteiras da comunidade jurídica, revela-se como legítima conquista da democracia brasileira – algo assim como um degrau a mais rumo à maturidade institucional.

A reação se explica pelo alto desempenho do CNJ, cujas ações, amiúde plasmadas em números e estatísticas, causam sempre grande repercussão quando publicadas nos veículos da imprensa nacional. É fato: o CNJ deu ao Judiciário importante instrumento de autocorreção, permitindo a identificação de desvios e, principalmente, oferecendo prontamente soluções. Contudo, é preciso muito cuidado para não minimizar o CNJ, colocando-o no papel de poderosa corregedoria-geral do Judiciário ou, menos ainda, de tirânico tribunal de inquisição contra a magistratura pátria.

O certo é que, para além das atividades de fiscalização e controle, o CNJ destina-se ao planejamento estratégico, bem como à coordenação e supervisão administrativa do Poder Judiciário, com o objetivo precípuo de alcançar grau máximo de eficiência, de maneira a tornar verdadeiramente eficaz a prestação jurisdicional. Portanto, mais do que agir como mero censor, ao Conselho cabe atuar como interlocutor e parceiro da magistratura, com quem deve interagir para combater e eliminar entraves burocráticos de qualquer ordem, a fim de modernizar – até que se atinjam padrões de excelência – o serviço público de prestação de justiça. Por óbvio, se esse é o objetivo comum, o que deve sobressair entre ambos é a relação de cooperação e subsidiariedade. Aliás, a tentativa de antagonizar o CNJ e a magistratura é disparate que traz em si mesmo o germe da contradição, do autêntico paradoxo.

A aposta na institucionalidade

Em que pese ao pouco tempo de instalação, já é possível afirmar, sem que se incorra no risco da precipitação, que o maior mérito do CNJ até agora foi apostar na institucionalidade, o que significa, em síntese ligeira, agir estrategicamente, inclusive mediante fixação de metas, bem como fazer correções profiláticas, mas abrangentes, de forma a evitar soluções tópicas – aquelas que, por se concentrarem no “micro”, permitem que os desvios continuem a ocorrer no “macro”. Nesse mister, tem se valido da chamada “escuta ativa dos tribunais”, fundamental no intercâmbio de experiências e no compartilhamento de soluções, de maneira a transformar o que antes não passava de correções pontuais em uniformidade de procedimentos e estratagemas.

E aqui cabe lembrar as primeiras conquistas alcançadas com a firme atuação do CNJ em prol dessa institucionalização – tanto mais corajosa quanto mais pantanosa revelou-se a seara dos interesses contrariados: a proibição do nepotismo no âmbito do Judiciário, a obrigatoriedade do atendimento ao teto salarial, a definição de critérios de promoção e fixação de juízes, bem como a estatização e a realização compulsória de concurso público para provimento de cargos em serventias judiciais e extrajudiciais. Outro importante instrumento a servir de referencial a todos os órgãos jurisdicionais brasileiros tem sido o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pelo Plenário do Conselho em 2008. O efeito moralizador de tais medidas, a par de fortalecer a credibilidade das instituições, soou como marco zero na reestruturação e reorganização das carreiras e dos serviços relativos à atividade jurisdicional.

Esse empenho pela institucionalidade, longe de ferir a independência funcional de juízes, abrangeu desde medidas relativamente simples – como o aperfeiçoamento do sistema de coleta de dados estatísticos, com a uniformização de padrões antes dispersos – até procedimentos complexos, a exemplo da unificação das tabelas processuais e da adoção da numeração única de processos, verdadeiro desafio, principalmente ao se considerar que, num país de dimensões continentais, durante séculos as instâncias judiciais atuaram como se fossem autarquias, ilhas absolutamente isoladas, estanques, quase que herméticas, quando, a rigor, cada um dos órgãos, independentemente da própria competência, deve ser e agir, sempre, como parte de uma mesma engrenagem.

Tais providências, aparentemente basilares, produziram desde o começo resultados significativos, quer pela óbvia economia de meios, quer no tocante ao conhecimento e gestão da atividade jurisdicional, já que a definição de padrões favorece não só a análise de dados e de variáveis estatísticas, mas também o intercâmbio e o gerenciamento de informações entre os sistemas usados no Poder Judiciário, tornando possível a compatibilização universal de procedimentos e linguagens. Em outras palavras, a par do aumento da eficiência, a padronização reverte em imediatos parâmetros de avaliação. A partir daí, mais confiável far-se-á o diagnóstico, o passo mais importante na engenharia das soluções seguras.

Exemplos tão primários são, contudo, suficientes para mostrar a importância do CNJ na elaboração e coordenação de políticas judiciárias abrangentes, indispensáveis para modernizar o Judiciário como um todo, de forma a eliminar, ainda que gradualmente, as ainda gritantes disparidades notadas entre juízes e tribunais dos estados federativos. Nada obstante, à mercê do processo de total informatização dos órgãos jurisdicionais, avanços significativos já podem ser notados – mormente no que tange à automação e integração de sistemas – e de fato não falta muito para que todas as jurisdições se vejam amalgamadas numa única e eficiente rede virtual. Aos poucos a utopia vai se transmudando em realidade por meio do processo eletrônico que, além do barateamento de meios e simplificação de métodos, possibilita o acesso direto às informações. E tudo em atendimento ao princípio da publicidade, em homenagem à transparência tão cara às nações que se pretendem democráticas.

Dez metas nacionais

A grande heterogeneidade notada relativamente aos estágios de desenvolvimento dos tribunais brasileiros, a impor providências em busca do necessário nivelamento mínimo dos serviços judiciais postos à disposição da sociedade, levou os presidentes dos tribunais brasileiros a elegerem e se compromissarem com o cumprimento, ainda no ano de 2009, de dez metas nacionais.

Destas, o destaque maior ficou com a chamada “Meta 2”: identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos aqueles distribuídos até 31 de dezembro 2005 (em primeiro, segundo grau ou tribunais superiores). A par do desafio e da necessidade de redobrado esforço de cada qual dos magistrados e servidores do Poder Judiciário, essa meta demonstrou o compromisso institucional, perante a sociedade brasileira, de entregar serviços judiciais em prazo razoável.

É possível dizer que pela primeira vez o Judiciário deflagrou como que autêntico movimento de guerra para acabar com o estoque de processos causadores de altas taxas de congestionamento nos tribunais. Para auxiliá-los, o CNJ estabeleceu um plano de ação para as metas não cumpridas, que continuaram a ser acompanhadas no ano seguinte.

O essencial a ressaltar é que, a partir de um Plano de Gestão Nacional, o Judiciário brasileiro passou a adotar a cultura de resultados, em que cada objetivo estratégico faz-se vinculado a indicadores e metas de curto, médio e longo prazos, permanentemente monitorados em busca de melhores resultados.

Todo esse empenho pela institucionalidade encontrou, na racionalização e controle do sistema de gestão das execuções penais, o seu mais árduo desafio e, quiçá, também o maior mérito – até pelo descomunal tamanho do problema, a ombrear com as inadmissíveis agressões a direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

Projeto “Mutirão Carcerário”: movimento pela legalidade

A realidade carcerária brasileira restou tristemente escancarada quando, em 2008, o Conselho Nacional de Justiça, no intuito de mapear a situação dos presídios de todo o país, deu início à execução do projeto “Mutirão Carcerário” – uma ação coordenada pelo Conselho, com a participação de órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário estaduais, que consiste, em suma, no exame, em larga escala, de processos judiciais de apenados. O que se constatou, logo a partir da primeira experiência, ultrapassou a expectativa mais pessimista: de um modo geral, visível superlotação, presos doentes sem atendimento médico, prisões provisórias com mais de dez anos de duração, penas e benefícios vencidos, péssima ou nenhuma condição de habitabilidade, apesar dos elevadíssimos custos de manutenção, tudo fazendo o ambiente prisional parecer, quando menos, local de tortura psicológica, sem qualquer espaço para conjecturar num mínimo de educação, capacitação profissional ou reinserção social.

Ora, se o desrespeito ao princípio da dignidade humana descredencia qualquer país a aquinhoar-se dos benefícios e glórias da democracia, o caos carcerário inegavelmente se afigura entre as ameaças concretas à condição de estado de direito tão duramente conquistada e de que tanto se ufana o povo brasileiro.

Ademais, se o Poder Judiciário, por seu turno, omite-se em relação à adequada estruturação das varas criminais e das varas de execução penal ou descura da importância do controle efetivo sobre prisões em geral, deixa também de cumprir elementares deveres previstos pela Constituição, outro gravíssimo tropeço numa caminhada em direção ao fortalecimento das instituições democráticas.

Daí por que a ação do CNJ, para além de estratégica, mostrou-se profilática. E os resultados dessa radiografia – francamente constrangedora porque pareciam revelar, em plena luz do dia, seriíssima ulceração exposta – estamparam ao mundo a feiúra, a gravidade, a ignomínia de mazelas de há muito sabidas, mas hipocritamente ignoradas. Entretanto, diante da firme determinação do Conselho de extrair ordem do caos, serviram para corroborar a definitiva opção do país pela normalidade democrática.

De fato, o projeto “Mutirão Carcerário” consubstancia notável movimento pela legalidade que, a um só tempo, possibilita maior integração entre os órgãos da execução penal na busca de resultados efetivos e o reconhecimento das falhas havidas dentro do próprio sistema de execução penal, na contramão do vetusto ardil de sempre se atribuir exclusivamente aos órgãos do Poder Executivo a culpa pelas mazelas do sistema prisional.

É que, ante quadro a evidenciar flagrante descumprimento da lei – a exemplo da contabilização de detentos com penas vencidas (sob qualquer ponto de vista inadmissível, quanto vale um dia de liberdade?) e da falta de atendimento a milhares de benefícios (como livramento condicional e progressão de regime, concedidos já com significativo excesso de prazo) – ficou clara a deficiência do próprio Poder Judiciário no mister de cumprir a contento as várias etapas do conjunto de procedimentos ligados à execução criminal.

Se nem tudo, é óbvio, pode ser atribuído à inércia ou lentidão processual, nem por isso estas podem ser excluídas dentre os principais fatores a contribuírem de maneira significativa para agravar o rol de problemas constatados pelo CNJ, via projeto “Mutirão”, quais sejam: ineficácia da pena, impunidade, elevado índice de reincidência, superlotação carcerária, rebeliões rotineiras, excesso de prisões provisórias em contraposição aos milhares de mandados de prisão a cumprir, falta de acompanhamento ou descontrole na aplicação das penas e medidas criminais, para citar os que mais premem por urgente resolução.

Quanto aos presos, a contrariedade ao ordenamento jurídico – especialmente à Constituição – continua a inflamar-se (ainda, in­fe­lizmente) diante de evidências a abranger de maus-tratos e agressões sexuais à promiscuidade – homens e mulheres e até crianças dividindo o mesmo espaço! – corrupção e abusos de autoridade.

No âmbito do sistema de justiça, as irregularidades incluem desde a falta de técnicos – quando não de estrutura mínima de funcionamento nas varas de execuções criminais – à escassez de defensores, em contraposição aos milhares de processos que aguardam instrução.

A radiografia inicial possibilitada pelo projeto “Mutirão Carcerário” deu conta de déficit de mais de 167 mil vagas no sistema prisional, que cresce em média sete por cento ao ano, número que ganha mais relevância se considerados os milhares de mandados de prisão que ainda não foram cumpridos. Passados três anos, e contabilizados aproximadamente 475 mil detentos – 43% dos quais em prisão provisória! – o déficit estimado de vagas é ainda de 147 mil.

Princípio da transparência

Fica evidente, assim, que a sociedade brasileira e, mais especificamente, o sistema de Justiça, não há de se contentar com mutirões emergenciais destinados a eliminar entraves burocráticos ou de qualquer ordem que impeçam a eficaz e, portanto, ágil prestação jurisdicional. A meta há de envolver – repita-se à exaustão, se for preciso – conjunto ordenado e uníssono de ações estratégicas proativas e prospectivas que abranjam desde o aperfeiçoamento e uniformização do sistema de dados estatísticos até a informatização de todas as varas de execução penal, além da descentralização e diminuição da desproporcional relação entre os números de processos e juízes. E tudo de maneira a atender ao princípio da transparência, sem a qual nenhuma democracia se fortalece.

Sobressai, portanto, a importância de persistir no aperfeiçoamento do sistema de controle e fiscalização, de modo a garantir a concessão e o cumprimento dos benefícios legais aos presos – e dessa forma abolir prisões descabidas. O sistema de execução penal tornar-se-á, além de mais célere, notoriamente mais humano, pois é certo que em nenhum lugar do mundo a cadeia corresponde à expectativa da sociedade de resolver a questão da criminalidade. Antes, cadeias marginalizam, segregam, embrutecem, corrompem. Quanto mais pessoas presas, maior o número de crimes, mais violenta se torna a coletividade.

À luz desses irretorquíveis fatos e sobretudo no intuito de atender aos reclamos da Constituição Federal de 1988 é que cumpre atuar proa­ti­vamente em favor de parcela da população que, exatamente por haver delinquido, precisa da atenção redobrada do Estado, visando à produtiva reinserção social, cuja palavra-chave deve ser “recuperar”, “corrigir”, nunca “alijar”, até porque, optando-se pela arcaica prática do punir por punir, a pena maior – a violência que gera mais violência – recai sempre sobre a sociedade como um todo, hoje em permanente estado de insegurança e medo.

Racionalização e controle do sistema de gestão das execuções penais

Para a efetividade de direitos constitucionais como dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988), garantia do devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF/1988), presunção de inocência (art. 5.º, LVII, da CF/1988) e razoável duração do processo (art. 5.º, LXXVIII, da CF /1988), o CNJ tem atuado com base em quatro diretrizes: planejamento estratégico e coor­denação da política judiciária, modernização tecnológica, ampliação do acesso à justiça, pacificação e responsabilidade social e garantia de efetivo cumprimento da Lei de Execução Penal.

Entre os mecanismos voltados ao aperfeiçoamento do sistema de execução penal, o processo virtual é dos que possibilitaram melhor e mais rápido resultado, haja vista o significativo avanço tanto no âmbito do controle e transparência relativos às execuções criminais, bem assim da maior celeridade no trâmite processual. A ideia de implementá-lo surgiu da necessidade de estabelecer mecanismos de verificação do cumprimento das penas mais eficazes que os obsoletos controles manuais dos processos. Daí o surgimento de varas criminais e de execução penal virtuais (VECs e VEPs virtuais).

A criação do processo virtual nas varas de execução penal possibilitou ao Juízo de Execuções Penais o recebimento, a devolução e o acompanhamento das guias de execução de pena e de medidas de segurança; o recebimento e o acompanhamento de presos provisórios; o controle gerencial dos processos de execução; o controle populacional (réus conforme regime ou situação penal); o controle de concessão de benefícios e o controle das atividades dos servidores do Juízo de Execuções Penais.

À guisa de registro histórico, vale lembrar que a primeira vara de execução penal virtual foi instalada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em meados de 2008, e automaticamente passou a servir de modelo para a construção de sistema a ser implantado nos demais tribunais.

No mesmo intuito de aprimorar a gestão, e também sob o patrocínio do CNJ, foi criado o Programa Integrar, a fim de auxiliar os tribunais estaduais na adoção de boas práticas de gestão que contribuam para a modernização de rotinas de trabalho e para a melhoria do atendimento ao cidadão.

Igual propósito, ou seja, visando à maior efetividade e organização da prestação jurisdicional, é que ainda são editadas as recomendações do CNJ aos tribunais. Cumpre citar, pela importância, a Recomendação 20/2008, orientando os tribunais quanto à adoção do processo eletrônico, à estruturação e à regionalização das varas de execução penal, bem assim os juízes, no tocante ao maior controle dos mandados de prisão.

Mais tarde, diante do elevado número de presos provisórios no Brasil, o Conselho editou a Resolução n.º 66/2009, que determina aos juízes o envio de relatórios completos às corregedorias, revelando o número de prisões em flagrante, temporárias e preventivas, assim como o nome dos presos, a data e o motivo da prisão.

De outra parte, a fim de regulamentar a forma e o prazo de cumprimento dos alvarás de soltura em âmbito nacional, de maneira a evitar atrasos e disparidades entre os tribunais das diversas regiões brasileiras, o CNJ editou a Resolução n.º 108/2010, segundo a qual o juízo competente para decidir a respeito da liberdade ao preso provisório ou condenado será também responsável pela expedição e cumprimento do respectivo alvará de soltura, no prazo máximo de 24 horas.

À mercê de visão global do processo e em busca de melhorias concretas na qualidade da prestação jurisdicional, foi criado, com respaldo na Resolução n.º 62/2010, o programa “Advocacia Voluntária”, que objetiva prestar assistência jurídica gratuita tanto aos presos que não têm condições de pagar advogado, quanto aos seus familiares. Em última análise, o CNJ busca, com isso, ampliar os canais de acesso ao Judiciá­rio às pessoas de baixa renda, principalmente em razão do ainda pequeno número de defensores públicos existentes no país.

Ainda como forma de combater o caos prisional revelado pelo projeto “Mutirão Carcerário”, foi instalado, por determinação da Lei n.º 12 106/2009, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DFM), órgão que, integrando a estrutura orgânica do CNJ, vem a ser atualmente o responsável pela fiscalização e controle do cumprimento das penas no sistema carcerário e a quem compete também a propositura de medidas para sanar eventuais irregularidades encontradas no sistema.

É patente, todavia, que de pouco valeriam as iniciativas para garantir os direitos fundamentais dos acusados e dos detentos do sistema prisional brasileiro se não fossem igualmente criadas formas de reinserção social dos egressos. Daí todo o considerável empenho do Conselho em prol dessa fundamental ressocialização, diretriz – nessa proporção e jaez – de fato inédita no país.

Dessa incontornável necessidade, e mediante a Resolução n.º 96/2009, resultou o Programa “Começar de Novo”, cujo objetivo é sensibilizar a população para o imperativo de realocar os egressos de presídios no mercado de trabalho e na sociedade. Para tanto cumpre ao CNJ realizar campanhas de mobilização a fim de estabelecer rede de cidadania em favor da ressocialização; firmar parcerias com associações de classe patronais, organizações civis e gestores públicos, no intuito de apoiar as ações de reinserção; fortalecer e apoiar os Conselhos da Comunidade, de modo a bem desincumbir-se de sua principal atribuição legal – a recuperação social da pessoa encarcerada ou submetida a medidas e penas alternativas; integrar os serviços sociais nos estados federados para seleção dos beneficiários do projeto; criar banco de oportunidades de trabalho e de educação e capacitação profissional; acompanhar os indicadores e as metas de reinserção.

Como forma de auxílio, o CNJ tem celebrado acordos de cooperação técnica almejando ampliar a oferta de cursos de capacitação profissional de presos, como os convênios firmados com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e com o Serviço Social da Indústria (Sesi). Exemplo de amplo sucesso foi o acordo pactuado com o Clube dos 13 e com o Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014 tendo em vista a proximidade da Copa do Mundo de 2014, a ser realizada no Brasil.

Órgãos do Judiciário também são convidados a participar dessas ações de inclusão, consoante a Recomendação n.º 21 do CNJ, que recomenda aos tribunais ações no sentido da recuperação social do preso e do egresso do sistema prisional.

Reinserção de presos

Estados e municípios também editaram atos para dar efetividade a programas de reinserção de presos, egressos e adolescentes em conflito com a lei. Citem-se o estado do Maranhão, que instituiu a política estadual de inserção de egressos do sistema prisional no mercado de trabalho (Lei n.º 9 116/2010); Minas Gerais, que, além de criar o Projeto “Regresso” (Decreto n.º 45 119/2009), destinado ao fomento à inserção dos egressos do sistema prisional mineiro no mercado de trabalho, passou a autorizar o Poder Executivo a conceder subvenção econômica às pessoas jurídicas que contratem egressos do sistema prisional do estado (Lei n.º 18 401/2009); e o estado de São Paulo, que, por meio do Programa Pró-Egresso, instituiu o Programa de Inserção de Egressos do Sistema Penitenciário no Mercado de Trabalho (Decreto n.º 55 126/2009) e o Programa de Inserção de Jovens Egressos e Jovens em Cumprimento de Medida Socioeducativa no Mercado de Trabalho (Decreto n.º 55 125/2009).

Por fim – mas não menos importante – cabe destacar uma das mais recentes iniciativas destinadas a favorecer a celeridade administrativa nessa área: o Plano de Gestão das Varas Criminais e de Execução Penal que, aprovado em março de 2010 pelo CNJ, traz conjunto de medidas administrativas e legislativas voltadas a desburocratizar o andamento dos processos na esfera criminal. Entre as primeiras, encontram-se aquelas destinadas a simplificar o trâmite processual das execuções penais, inclusive na uniformização de rotinas, de forma a combater peculiaridades contraproducentes, algumas ditadas pelo fato esdrúxulo de cada estado federativo contar com regras próprias para o processamento das execuções das penas.

Dentre as legislativas, sobressaem o monitoramento eletrônico dos presos que cumprem pena em regime domiciliar, o incentivo fiscal às empresas que contratarem detentos, o direito de voto para os presos provisórios, a realização de videoconferências para ouvir testemunhas e a criação de banco nacional de man­dados de prisão.

A mudança necessária: a superação da cultura justicialista

Todo esse vasto esforço resultou em avanços consideráveis – donde o aplauso e apoio da sociedade brasileira de que já tratamos no início. Nada obstante, a efetividade do processo, compromisso institucional basilar do Conselho Nacional de Justiça, não é possível apenas com a racionalização de meios e pessoas. Ainda há muito a ser feito na seara da reformulação legislativa e, principalmente, da cultura judiciária.

Embora seja inegável o proveito dessa aposta incondicional na institucionalidade para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, sobretudo a fim de torná-la cada dia mais célere, mais confiável, mais justa – e, nesse sentido, merecem destaque as medidas de organização processual e de filtros recursais que finalmente têm permitido solucionar o antigo desafio dos recursos idênticos e mecanicamente protocolados – é chegada a hora de avançar nas propostas tanto de eliminação de recursos desnecessários quanto de imposição de penalidades pelo uso procrastinatório deles, ampliando ainda mais o papel didático das decisões da Justiça e do Conselho.

Além disso, é preciso reconhecer que o atual estágio de amadurecimento do estado democrático de direito brasileiro já permite pensar em decisiva mudança da cultura jurídica ainda vigente por estas plagas.

Infelizmente, embora já deixado para trás em grande parte o atraso tecnológico e despontando como um dos grandes da economia mundial, o Brasil persiste em manter-se como país de cultura justicialista, viés herdado do período colonial cujas consequências mostram-se intrinsecamente antagônicas. É que, se por um lado a exigência de que todos os conflitos, por mínimos que sejam, devam ser resolvidos por árbitro juramentado espelha a pujança das nossas instituições democráticas, de outro o vezo de eliminar a controvérsia sempre pela via judicial contribui muito para o emperramento da Justiça. E essa cicatriz arde mais ainda para aqueles que, não podendo arcar com a demora e os altos custos de demandas judiciais, levadas na maioria das vezes às últimas consequências da litigiosidade, ficam com a velha alternativa de se queixarem ao bispo.

Também é verdade insofismável que Judiciário de excelência custa caro, em qualquer país. No nosso, todavia, a eficiência demanda, para além de sólido planejamento estratégico, como já visto, a superação desse justicialismo provinciano, revelado em números que falam por si mesmos.

De acordo com dados do próprio Conselho, durante o ano de 2010 ingressaram 24,2 milhões de processos nas três esferas da Justiça (17,7 milhões na justiça estadual, 3,2 milhões na justiça federal e 3,3 milhões na justiça trabalhista), aos quais se somam 59,2 milhões de processos pendentes. Dessa forma, no ano passado, tramitaram, aproximadamente, 83,4 milhões de processos, dos quais mais de 71% ingressaram antes de 2010. No total, cerca de 22,2 milhões de sentenças foram proferidas: 15,8 milhões na justiça estadual (representando 71% do total), 2,9 milhões na justiça federal e 3,5 milhões na justiça do trabalho. Ao final de 2010, havia 11 536 casos novos para cada grupo de cem mil habitantes nos três ramos do Judiciário. O ramo da justiça mais demandado é o da justiça estadual, com 8 641 casos novos para cada grupo de cem mil habitantes.

Julgar e “enxugar gelo

São estatísticas e números tão expressivos que fazem lembrar o ministro aposentado Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal, quando comparava o ofício de julgar com o ato de “enxugar gelo”, tanto eram os processos a ser examinados, tarefa hercúlea, nunca vencida, por maior que fosse o empenho do magistrado.

De um modo geral, os relatórios estatísticos ainda continuam a revelar que, para além dos investimentos de que a justiça brasileira carece, é preciso que se atue para combater a judicialização excessiva, prática que tem sido uma das principais responsáveis pela morosidade processual no país.

Felizmente o tempo e a experiência vêm avalizando o entendimento de que a efetividade da Justiça brasileira passa ao largo do mero expansionismo, traduzido repetidamente em aumento da estrutura física e do quadro de pessoal, ou seja, mais processos, mais juízes, mais servidores, mais varas, mais vagas nos tribunais.

Muito ao reverso, cada vez fica mais claro que é preciso melhorar a eficiência nas áreas administrativa e judiciária para fazer frente a essa perversa cultura judicialista: aperfeiçoando a gestão, buscando e compartilhando soluções criativas, investindo em tecnologia, alcançam-se resultados cada vez mais expressivos, ainda que sem aumento de estrutura.

Para que o Judiciário deixe de ser o único escoadouro dos reclamos mais iminentes da cidadania – garantindo-se, assim, o objetivo da maior proteção jurídica com a menor intervenção judicial possível – é preciso estimular ostensivamente a prática cotidiana de soluções alternativas e plenamente confiáveis, como a conciliação e os mecanismos pré-processuais de composição de interesses contrapostos em se tratando de conflitos de menor complexidade.

Nesse sentido, o Movimento pela Conciliação – que abrange o já conhecido projeto Conciliar é Legal – vem se destacando no esforço de se desenvolverem meios de concretizar direitos por vias alternativas à judicialização. Por isso mesmo, uma das diretrizes da atual política judiciária brasileira é fomentar a cultura do diálogo, utilizando-se, como instrumento, o estímulo à solução de conflitos por meio da conciliação de interesses. A iniciativa do CNJ é de molde a alcançar inclusive a administração pública, por muitos anos escudada no dogma da indisponibilidade do interesse público.

A aquiescência a essa nova mentalidade vem sendo comprovada com a sucessiva quebra de recordes, ano após ano, tanto na quantidade de acordos quanto nos valores homologados ao término de cada Semana Nacional de Conciliação. Fora desse período, o número de audiências de conciliação realizadas em todos os fóruns também vem apresentando significativo acréscimo, o que só confirma a eficácia do movimento.

Ademais, corroborando essa tendência – e até mesmo em função da expressividade dos resultados obtidos – cabe destacar o acordo de cooperação técnica firmado entre o Conselho Nacional de Justiça e órgãos estatais, como o Conselho da Justiça Federal, a Advocacia Geral da União e o Ministério da Previdência Social, entre outros. Esses convênios permitem a realização de mutirões mediante os quais podem ser solucionadas centenas de milhares de processos acerca dos quais a jurisprudência já se firmou.

Esse empenho conjunto e permanente do CNJ e dos tribunais brasileiros tem resultado no fortalecimento da cultura da conciliação como melhor alternativa para a solução de conflitos judiciais, além de métodos como a mediação e a arbitragem que, ao possibilitarem a equação de interesses contrapostos como opção ao expediente judicial de resolução de controvérsias, ajudam a desafogar o Judiciário da avalanche de processos que o tem assoberbado, mormente após a promulgação da Constituição de 1988, quando o atraso institucional passou a ceder lugar ao aprendizado da cidadania.

À guisa de conclusão: navegar é preciso!

O Poder Judiciário tem grande responsabilidade na concretização dos direitos fundamentais, especialmente os de caráter judicial. Para tanto, deve atuar com o rigor que o regime democrático impõe.

O Conselho Nacional de Justiça passou a exercer, nos últimos anos, relevante papel no planejamento e coordenação da política judiciá­ria pátria, visando à celeridade processual, bem como à eficiência e confiabilidade na atuação dos órgãos jurisdicionais. Para tanto, e como órgão central do sistema judicial, vem procedendo à implantação de política judicial única, a abranger todos os órgãos jurisdicionais do país.

Parceiro, e não censor da magistratura – que se mostra preparada para a definitiva modernização da Justiça no país – o Conselho vem recebendo o apoio da sociedade brasileira, ao perseguir e obter resultados que demonstram a melhora na qualidade do serviço público de prestação de justiça. Assim, vem cumprindo – e bem cumprindo! – a missão constitucional a si destinada.

GILMAR MENDES é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi presidente do STF.

Gilmar Mendes é ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi presidente do STF.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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