O Pré-Sal e a Nova Geografia Econômica
1. A Nova Geografia Econômica
O Brasil construiu, com esforço e sacrifí- cio, uma indústria dinâmica e integra- da que ajudou o país a crescer e a se tornar uma das maiores economias do mundo. Entretanto, a indústria vem apresentando sinais de perda de dinamismo. Indicadores básicos, co- mo evolução do produto e emprego, mostram que a indústria está crescendo mais lentamente do que os demais setores e perdendo participação na economia.
Enquanto a indústria brasileira perde terre- no, o mundo está passando por uma profunda transformação rumo a uma nova geografia da produção e da inovação, na qual a indústria é um dos principais protagonistas. Depois de muito tempo de desinteresse, os Estados Unidos voltaram a dar atenção à atividade manufaturei- ra. Embora os custos do trabalho em solo ame- ricano sejam muito mais elevados do que nos países emergentes, a combinação de sofistica- das tecnologias, como a robótica e a impressão 3D, disponibilidade de sistemas integrados de serviços, infraestruturas, logística, laboratórios de inovação e desenvolvimento de produtos e elevada produtividade individual e sistêmica têm compensado o diferencial de custos, esti- mulando o retorno de fábricas inteiras para os Estados Unidos. Os aumentos dos custos do tra- balho na China e dos fretes internacionais têm colocado ainda mais lenha nessa fogueira, co- nhecida como reshoring.
Países asiáticos, como Vietnã, Bangladesh e Filipinas, e países da África subsaariana, como Etiópia e Quênia, estão investindo na manufatura de massa, encorajados não apenas pelo cresci- mento dos mercados domésticos e regionais, mas, também, pela busca das multinacionais por diversificação geográfica da produção e por au- mento dos custos do trabalho na China. Esta, por sua vez, está investindo cada vez mais naquelas regiões para produzir manufatura de massa e am- pliar as suas cadeias globais de produção, ao mesmo tempo em que acelera a sua transição econômica por meio de um profundo upgrade tecnológico. De fato, são notáveis as suas con- quistas em tecnologia espacial, defesa, super- computadores, nanotecnologia, indústria mecâ- nica e medicina, o que já têm lhes permitido competir com países avançados em vários segmentos industriais de alto valor agregado. A Co- reia do Sul já ocupa lugar de destaque mundial em várias áreas importantes da indústria, como automóveis, embarcações e eletrônicos. A Tai- lândia, a Malásia e a Indonésia estão avançando feroz e decisivamente nas atividades industriais e já fazem parte de várias cadeias internacionais de produção. A Índia está trabalhando para duplicar a participação da sua indústria no PIB até mea- dos da próxima década.
No campo da energia, grandes mudanças já apontam no horizonte. Os Estados Unidos estão se transformando numa grande potência em hi- drocarbonetos por meio de novas tecnologias que estão viabilizando a exploração do gás e do óleo de xisto. A Agência Internacional de Ener- gia já prevê que os Estados Unidos ultrapassarão a Arábia Saudita como maior produtor mundial de petróleo ainda antes de 2020 e estarão entre os maiores exportadores de petróleo, gás e deriva- dos por volta de 2030.
A nova geografia econômica já está redese- nhando a economia mundial e as consequências para o Brasil serão significativas. De imediato, apontam para o aumento da competição nos mercados. No médio prazo, haverá substanciais mudanças nas cadeias globais de produção, re- des mundiais de inovação, comércio internacio- nal, fluxos de capitais e na geração de emprego e renda. Por certo, esse complexo processo de transformação aumentará a pressão sobre a eco- nomia brasileira.
De fato, a entrada de países asiáticos na pro- dução manufatureira internacional já acirra a competição nos mercados de bens menos elabo- rados e intensivos em trabalho. Se, por um lado, o upgrade tecnológico da China está abrindo es- paço para economias, como a brasileira, produzi- rem manufaturas de menor valor agregado, por outro lado está aumentando a competição nos mercados de bens de mais alto valor agregado, incluindo aeronaves, bens de capitais, produtos químicos e de telecomunicações, setores em que o Brasil já ocupa espaço e em que almeja expan- dir a sua participação.
A revolução energética também terá impac- tos significativos no novo mapa da produção e do investimento. A queda do preço da energia nos Estados Unidos já está deslocando investimentos brasileiros intensivos em energia para aquele país sob a alegação de que o custo do gás no Bra- sil é ao menos quatro vezes maior.
No campo da inovação, ainda que com atra- so, as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do setor privado ensaiam seguir o cami- nho da globalização da produção. Os investi- mentos das empresas multinacionais (EMNs) em P&D em países emergentes aumentaram signifi- cativamente desde a década de 1990 e acelera- ram recentemente. Embora as atividades mais sofisticadas de P&D ainda se concentrem nos países de origem das EMNs – notadamente Esta- dos Unidos, Europa e Japão – há evidências de que os países emergentes já participam de forma mais efetiva e determinante das atividades de P&D daquelas empresas, indo além das ativida- des de rotina de adaptação de processos, testes, integração e desenvolvimento de produtos. Os casos da China e Índia são representativos. Em 2001, o número de centros de P&D de EMNs na China era de cerca de 100, mas, em 2008, esse número já havia passado de 1.100. Na Índia, a história não foi muito diferente.
Ainda não se sabe se e como esse processo, que ainda está se desenvolvendo, afetará de for- ma substancial a geografia internacional da ino- vação e a economia dos países avançados e emergentes. No entanto, é razoável supor que esse movimento será irreversível, devido ao au- mento da contribuição dos países emergentes no crescimento da economia mundial, ao crescente investimento desses países em ciência e tecnolo- gia, à crescente internacionalização das suas em- presas, ao retorno de pessoas altamente qualifi- cadas a seus países de origem, além da incipien- te, mas crescente imigração de estrangeiros bem treinados para os países emergentes.
Como o Brasil figura na nova geografia econô- mica? Temos oportunidades de investimentos em inovação, tecnologia e adensamento de cadeias produtivas e aumento da produtividade e da com- petitividade para que o Brasil possa competir e participar de cadeias globais de produção e gera- ção de valor? O objetivo deste artigo é oferecer insumos para se responder a essas perguntas. Em particular, explora-se o caso do pré-sal, setor que tem todas as características e potencial para ser um projeto transformador nos campos tecnológi- co e industrial e ser a porta de entrada do Brasil na nova geografia da produção e da inovação.
Os Laboratórios de P&D de Multinacionais no Brasil1
Nos últimos anos, o Brasil recebeu vários cen- tros de P&D de EMNs, incluindo de empresas de grande contribuição mundial em inovação. Embora alguns desses centros ainda se encontrem em fase de instalação, já há evidências apontan- do algumas tendências. Pesquisa realizada pelo BNDES e OCDE junto a uma amostra de EMNs que figuram entre as grandes inovadoras em nível mundial e que têm atividades expressivas no Bra- sil identificou tendências a seguir.
Primeiramente, parcela significativa dos la- boratórios de P&D que se instalaram ou estão em fase de instalação no Brasil está, direta ou indire- tamente, associada a recursos naturais, incluindo energia, minerais, agricultura e biodiversidade. Em segundo lugar, os centros de P&D recém chegados tendem a ser mais independentes e a ter uma agenda de trabalho mais ambiciosa do que a dos centros instalados no Brasil há mais tempo. Alguns desses novos centros serão refe- rências mundiais em suas respectivas áreas de especialização. Em terceiro lugar, as principais motivações para atrair atividades de P&D para o Brasil são o crescimento do mercado doméstico e regional, diversidade cultural, surgimento de novas oportunidades de negócios, notadamente na área de recursos naturais, e estabilidade polí- tica e social. Em quarto lugar, a política de ciên- cia e tecnologia e a política industrial têm in- fluenciado a decisão das EMNs de desenvolver atividades de P&D no país.
Pelo lado dos desafios identificados para o avanço de atividades de P&D no país, o elevado custo da folha de pagamento dos pesquisadores, que muitas vezes é até maior do que o de seus parceiros nos países avançados, as elevadas des- pesas com imóveis, as taxas e os impostos, a complexa e custosa regulação setorial, a escassez de recursos humanos e os problemas de coorde- nação das políticas estão entre os principais pon- tos identificados. Apesar dos entraves, boa parte das EMNs na amostra planeja ampliar as ativida- des de P&D no Brasil.
1 Fonte: International investment and innovation: An analy- sis of corporate strategies and public policies, Jorge Arbache, Andrea Goldstein e Felipe Marques, BNDES e OECD, 2012.
1. O Pré-Sal e o Futuro
Várias oportunidades de crescimento asso- ciadas à economia doméstica poderão ser decisivas para atrair investimentos e fomen- tar o desenvolvimento da indústria brasileira. Aumento da demanda por consumo da classe média emergente, expansão da construção ci- vil com o programa Minha Casa, Minha Vida, obras do PAC, pesados investimentos em infra- estrutura e mobilidade urbana, PPPs, conces- sões, desenvolvimento regional e investimentos para atender às crescentes demandas de bens e serviços associadas à transição demográfica fi- guram entre as oportunidades. Mas, muito além dessas oportunidades do mercado doméstico, o Brasil pode e deve aspirar participar ativamente da nova geografia econômica. Isto porque o país tem oportunidades, talvez únicas, de desenvol- vimento tecnológico e industrial por meio da economia do conhecimento e da inovação dos recursos naturais. Áreas como petróleo e gás, agroindústria, biodiversidade, biotecnologia, tecnologias verdes e saúde são grandes fronteiras e vetores de desenvolvimento.
Mas, de todos esses setores, a exploração do pré-sal é a nossa maior oportunidade de investi- mentos, avanço tecnológico e adensamento e di- namização de cadeias produtivas. A razão para isso são as características e os desafios envolvi- dos e requeridos para o seu desenvolvimento. As reservas de óleo na camada pré-sal têm diversas restrições que limitam a sua extração com as tec- nologias disponíveis. As jazidas estão localiza- das em uma imensa área de 200 quilômetros de largura por 800 quilômetros de extensão, estendendo-se do Espírito Santo até Santa Catarina. Os poços estão a milhares de metros abaixo do nível do mar, sendo necessário ultrapassar uma lâmina d’água de mais de dois quilômetros, uma camada de mais de um quilômetro de sedimentos e outra superior a dois quilômetros de sal. Além disso, a distância entre a costa e os futuros poços é de 300 quilômetros em média, o que aumenta, sobremaneira, a complexidade logística de trans- porte de pessoas, equipamentos e óleo. Outras grandes barreiras são a segurança em condições extremas de operação e as tecnologias para se evitar e mitigar riscos e impactos ambientais.
Serão necessários investimentos de muitas dezenas de bilhões de dólares em novas tecnolo- gias para vencer todos esses desafios. Em certa medida, esses desafios são semelhantes aos en- contrados pelos Estados Unidos na corrida espa- cial com a então União Soviética, pois, até aque- le momento, também não havia tecnologias para se explorar o espaço.
2. Muitos Desafios, mas também Muitas Oportunidades
A cadeia do pré-sal tem grande potencial de geração de renda e emprego, e os setores envolvidos pagam salários relativamente eleva- dos. Entre o início e o final da década de 2000, a indústria do petróleo mais que duplicou a parti- cipação no emprego formal total. Estima-se que serão criados 2 milhões de novos postos de tra- balho na indústria do petróleo até o final desta década. A cadeia de produção do setor é exten- sa e requer ampla gama de produtos e serviços, incluindo equipamentos de transporte, peças e componentes, sondas, plataformas e embarca- ções, instalações submarinas, grandes equipa- mentos, produtos químicos e petroquímicos, pro- dutos siderúrgicos, forjados e fundidos, turbinas, aparelhos e materiais elétricos, material eletrôni- co e equipamentos de comunicação, construção civil, serviços de poços, apoio logístico, módulos e sistemas, serviços de automação, instrumentação e medição e softwares.
De acordo com o Plano de Negócios e Gestão 2013-2017 da Petrobras, a produção do pré-sal atingirá 1 milhão de barris diários em 2017 e 2,1 milhões em 2020, correspondendo a 37% da pro- dução nacional total estimada de 2017 e 50% da de 2020. Considerando-se um valor conservador do barril de petróleo de US$ 100, aquela produ- ção gerará receitas brutas anuais de US$ 36,6 bilhões em 2017, e US$ 76,4 bilhões em 2020.
Por certo, são muitos os benefícios econômi- cos do pré-sal, indo desde a independência de petróleo, impactos positivos nas contas corren- tes, receitas de impostos e royalties até a geração de bons empregos e o aumento da renda. Mas, verdadeiro ouro negro que poderá emergir do pré-sal não é o petróleo nem os royalties, mas sim as soluções para os desafios científicos e tec- nológicos, logísticos e de equipamentos e mate- riais requeridos pela cadeia produtiva do setor e seus impactos potenciais na produtividade e competitividade internacional. Se desenvolvidos em colaboração com as universidades e centros de pesquisa no Brasil e absorvidos pela indústria nacional, esses conhecimentos e competências poderão ter efeitos profundos em vários outros setores industriais, com impactos econômicos e sociais sem precedentes.
Por certo, já se lograram muitos avanços tecnológicos no pré-sal, incluindo aqueles nos campos da sísmica de alta resolução, modela- gens geológicas e numéricas, novos materiais, redução do tempo de perfuração dos poços, tec- nologia de separação de CO2 do gás natural em águas profundas e reinjeção. Mas, muitos gran- des desafios tecnológicos ainda nos aguardam à frente. Há uma enorme demanda insatisfeita por soluções ou por soluções mais sofisticadas para os desafios técnicos que já emergiram e para os que ainda estão emergindo à medida que a cam- panha do pré-sal avança. Como ainda não há domínio de muitas das tecnologias de explora- ção, produção, logística, gestão de sistemas e mitigação de riscos envolvidos no pré-sal, abre-se, para o Brasil, um gigantesco leque de opor- tunidades de investimentos.
Como se trata de atividades novas, de descober- ta, o governo deve incentivar a participação e dividir os riscos envolvidos para atrair o setor privado, na- cional e internacional, no desenvolvimento da fron- teira do pré-sal. Essa fronteira de desenvolvimento tem enorme potencial de retornos crescentes, estáti- cos e dinâmicos, rendimentos crescentes, ganhos de produtividade, externalidades, alto valor agregado, desenvolvimento de capacidades e competências e implicações para o bem-estar e para a inserção inter- nacional do país. Por isso, o pré-sal deve ser visto pela ótica da política econômica estratégica.
Estima-se que serão investidos ao menos US$ 400 bilhões no setor de petróleo e gás até o final desta década, o que cria uma substancial ca- pacidade de alavancagem tecnológica e indus- trial. A Petrobras, como o principal operador do pré-sal, e a política de conteúdo local da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis criam condições únicas de intervenção de políti- ca tecnológica e industrial que podem fazer da indústria do petróleo uma fonte de renda e rique- za que vai muito além da extração de óleo e gás. A participação na cadeia produtiva do setor cria importantes externalidades positivas devido às exigências de produtos de alta qualidade, es- pecificações rigorosas e requerimentos de pa- drões de gestão, capital humano e de capacida- des produtivas. De acordo com o IPEA, empre- sas participantes da cadeia de produção do petró- leo têm indicadores técnicos e de desempenho bem mais elevados do que a média nacional. De fato, elas empregam relativamente mais enge- nheiros, pesquisadores e pessoas com terceiro grau, e pagam salários médios mais elevados.
A Petrobras tem cerca de 14 mil fornecedo- res, sendo a maior parte composta por pequenas e médias empresas. Mas, para muitas delas, há necessidade de investimentos em inovação, qua- lificação da mão de obra, aumento de capacidade produtiva e melhoria de gestão para que elas pos- sam realizar o enorme potencial de crescimento. Se, para alguns, essas deficiências podem ser vis- tas como um revés, para outros, elas podem ser vistas como uma enorme oportunidade.
A necessidade de investir em tecnologia para superar os desafios do pré-sal já é uma realidade em muitas empresas, e um exemplo é o caso de uma metalúrgica de Santana do Parnaíba, no in- terior de São Paulo, a Rossini Murta. Essa em- presa, criada há 18 anos para atuar no mercado de autopeças, emprega, atualmente, mais de 200 funcionários, todos qualificados. A empresa ini- ciou seus trabalhos num galpão de 200 m2 e hoje tem 5.600 m2 de área. Buscando diversificação, a empresa voltou-se para o mercado do pré-sal. Entraram em contato com a GE oferecendo en- grenagens, eixos, semieixos, carcaças de bombas hidráulicas, flanges, porta planetários, dentre ou- tros produtos. Após serem auditados pela GE em qualidade e em capacidade de desenvolvimento técnico, foram contratados para desenvolver equipamentos para o pré-sal. Tiveram treinamen- to da GE e absorveram novas tecnologias. Com os novos contratos, passaram a investir mais. Com o investimento em pesquisa, a empresa se capacitou para participar de outras cadeias pro- dutivas, incluindo a aeronáutica.
Muitas Demandas Tecnológicas E Oportunidades de Transbordamento: o Caso da Logística
O volume hoje estimado de reservas de pe- tróleo é de 31 bilhões de barris podendo chegar a 87 bilhões de barris. A extração de boa parte desse petróleo requer grande complexidade logística. É preciso transportar gente, equipa- mentos de diversos portes e o próprio óleo. Serão alocados, até 2020, centenas de bilhões de dóla- res em equipamentos e serviços, e milhares de empresas serão, direta e indiretamente, envolvi- das nesta empreitada. O movimento de pessoas e cargas ocorrerá em condições hostis por se tratar de alto mar e de um contexto ambiental de alta sensibilidade. Garantir a execução da logística com variáveis tão complexas vai requerer muIto estudo e investimentos em pesquisas, pois, se utilizadas as tecnologias atuais, os custos de extração seriam proibitivos.
O uso da multimodalidade logística será inerente a esse tipo de operação. Devido aos re- cursos a serem movimentados até as jazidas, será necessário empregar modais como navios, helicópteros, caminhões, trens e dutos. Ques- tões a serem enfrentadas envolvem, por exem- plo, quanto e quando de cada modal será utili- zado na busca por otimização de processos, e como os mesmos serão roteirizados para garan- tir sincronia, minimizando custos de oportuni- dade. Serão necessários estudos para garantir a eficiência e eficácia na gestão de portos, aero- portos, estradas e ferrovias, alguns deles já sa- turados e outros ainda escassos, como o modal dutoviário. Levando-se em consideração a com- plexidade logística e a infraestrutura precária do país, pode-se inferir que temos grandes desa- fios a serem superados para que o pré-sal seja uma realidade em sua plenitude.
Para que se possa compreender a dimensão dos desafios logísticos do pré-sal, uma compara- ção com os desafios de transporte e armazena- gem de soja pode nos ser útil. Se transformados em litros, as 184 milhões de toneladas de grãos que o Brasil colheu em 2012, equivaleria a 248 trilhões de litros. Em 2020, o Brasil extrairá, aproximadamente, 324 trilhões de litros de óleo, portanto, mais de 1,3 vez o volume de grãos.
Para grandes volumes, os modais ideais são o ferroviário, aquaviário e dutoviário. Porém, os três juntos representam apenas 23% da matriz de transportes brasileira. As limitações da matriz modal geram custos excessivos de transporte da carga brasileira, representando cerca de 6,3% do PIB, enquanto nos Estados Unidos o transporte representa 4,7% do PIB. Se contabilizado todo o custo logístico, incluindo transporte, estoque, ar- mazenagem e administrativo, o custo logístico chega a 10,6% do PIB no Brasil, enquanto nos Estados Unidos representa 7,7% do PIB.
Levando-se em consideração o tamanho da jazida do pré-sal e a capacidade logística do país, pode-se inferir que temos uma grande oportuni- dade de investimentos em logística. Esses inves- timentos, se realizados não apenas em modais, mas, também, em tecnologias de roteirização, rastreamento de veículos, matriz modal e infra- estrutura portuária e aeroportuária, trarão benefí- cios não apenas para o próprio pré-sal, mas, tam- bém, para todos os segmentos que necessitam de transporte, incluindo o transporte de cargas in- dustriais e de pessoas. Os desafios e os requeri- mentos do pré-sal abrem um mercado para tec- nologias ainda pouco ou não exploradas, possibi- litando o desenvolvimento de inovação e expor- tação de know-how em logística.
3. Fazendo o Dever de Casa
O dever de casa ainda a ser feito para que o Brasil realize todo o potencial de desenvolvimento econômico associado ao pré-sal é o de fazer da inovação, tecnologia e capacitação – os seus objetivos principais. Que políticas públicas deveriam ser empregadas? Como fazer com que o efeito alavancador da Petrobras e da política de conteúdo local contribua de forma decisiva para o alcance daqueles objetivos? Essas políti- cas são suficientes? O que mais é preciso fazer para avançar?
O primeiro passo é a mobilização política da sociedade em torno dessa agenda. Da perspecti- va da execução, serão necessários grandes esfor- ços de inteligência, políticas de fomento, geração e transferência de tecnologias e de capacitação das universidades, centros de pesquisa e indús- tria, para que tenham participação ativa no pré-sal, e políticas que encorajem a participação da indústria nacional, mas sempre dentro do marco da competição. Além disso, será preciso o desen- volvimento de políticas que estimulem a disse- minação dos avanços tecnológicos, industriais e de serviços para outros setores.
Listamos, a seguir, pontos que acreditamos serem úteis para a agenda:
- Desenvolver mecanismos institucionais de blindagem do pré-sal para mitigar o seu uso político, ao mesmo tempo em que se dê flexibilidade aos gestores para a Promoção de ajustes e mudanças de rumo das políticas;
- Adequar o marco regulatório do pré-sal para que as universidades e centros de pesquisa nacionais tenham tempo de se capacitar para absorver tecnologias e par- ticipar ativamente do desenvolvimento de inovações e de novas tecnologias, e para que a indústria e o setor de serviços pos- sam se atualizar tecnologicamente e in- vestir para expandir a capacidade produtiva para participar do desenvolvimento e do adensamento da cadeia produtiva do petróleo – a presença de uma base indus- trial, científica e tecnológica é condição para que o país possa maximizar o impac- to do pré-sal no desenvolvimento;
- Criar incentivos e benefícios no marco regulatório para que as empresas de pes- quisa, exploração e produção de petróleo e empresas produtoras de equipamentos e serviços sejam premiadas pela sua con- tribuição ao desenvolvimento tecnológi- co e à transferência de tecnologias para outros setores;Criar incentivos para que as multinacio- nais participantes do desenvolvimento tecnológico do pré-sal transfiram tecno- logia e expertise e firmem parcerias com centros de pesquisa e universidades lo- cais para o desenvolvimento de tecnolo- gias e inovações;Criar incentivos no marco regulatório para que, muito além do conteúdo local, as em- presas nacionais envolvidas no pré-sal in- vistam em inovações e tecnologias em co- laboração com universidades e centros de pesquisa no Brasil;
- Aprimorar as políticas de atração de labora- tórios de P&D de EMNs interessadas em participar do desenvolvimento do pré-sal; deve-se buscar facilitar o acesso a recursos públicos, terrenos e parques tecnológicos e concessão de vistos de trabalho, bem como facilitar a importação de equipamentos, oferecer as melhores infraestruturas e de- senvolver marco regulatório próprio que facilite a colaboração com universidades e centros de pesquisa nacionais; o acesso ao leque de benefícios deverá ser condiciona- do à contribuição científica e tecnológica do laboratório;
- Criar força-tarefa de “olheiros” e especia- listas para identificar áreas de possível ge- ração de externalidades e transbordamento de inovações e tecnologias para outros se- tores industriais e de serviços e para facili- tar a colaboração e a transferência daque- las tecnologias;
- Desenvolver mecanismos de monitora- mento e avaliação do que está dando cer- to e do que não está funcionando para que se possa ampliar, ajustar ou remover o apoio com recursos públicos e/ou es- tender para outros setores as experiên- cias bem-sucedidas;
- Apoiar investimentos em áreas com poten- cial de avanço tecnológico e com poten- cial para receber transbordamento de no- vas tecnologias;
- Apoiar investimentos em áreas com poten- cial de avanço tecnológico e com poten- cial para receber transbordamento de no- vas tecnologias;
- Incentivar e apoiar a criação de start-ups
- nessas e em áreas afins;
- Fomentar a abertura e a expansão de par- ques tecnológicos voltados para a indústria do petróleo e áreas afins;Encorajar e apoiar a abertura de incubado- ras para acolher start-ups voltadas para aquelas atividades;Incentivar a criação de fundos de private equity e empresas-anjo que contribuam para a identificação e o fomento de opor- tunidades de negócios associados aos transbordamentos do pré-sal;Criar mecanismos de mitigação de riscos e garantias para incentivar o desenvolvimento tecnológico, de inovações e transbordamento;
- Ampliar os incentivos e recursos às univer- sidades e centros de pesquisa interessados em se engajar no desenvolvimento tecno- lógico do pré-sal;
- Criar incentivos para se atrair os melhores recursos humanos disponíveis, nacionais e estrangeiros, interessados em se engajar no desenvolvimento tecnológico do pré-sal; deve-se considerar o acesso a recursos, bolsas de pesquisa, facilitação de vistos de trabalho, aquisição de equipamentos e par- ticipação em grupos de pesquisa;Fomentar a capacitação de pessoal para trabalhar no desenvolvimento tecnológico do pré-sal;Reduzir a burocracia para que pesquisado- res possam acelerar o processo de investi- gação e aquisição de know-how;Introduzir políticas que condicionem o apoio público a universidades, centros de pesquisa e empresas a resultados concretos e mensuráveis;Introduzir políticas que facilitem o aperfei- çoamento contínuo das políticas públicas para que se possa aproveitar, mais e me- lhor, as oportunidades emergentes; e
- Fomentar o intercâmbio e a troca de expe- riências entre as universidades, centros de pesquisa e empresas nacionais com as suas congêneres no exterior.
4. O Pré-Sal Pode Contribuir para o País Enfrentar Outros Desafios de Longo Prazo
Muito além da nova geografia econômi- ca, emprego e royalties, o pré-sal poderá contribuir decisivamente para desafios de longo prazo que requerem grande atenção. Um primei- ro desafio está associado à necessidade de se identificar novas fontes de crescimento. O nosso crescimento se apoia, essencialmente, na adição de força de trabalho e capital, enquanto as contribuições da produtividade e da eficiência são mui- to baixas ou mesmo negativas. Mas, esse padrão de crescimento parece estar perto do seu limite.
Isto porque o Brasil está passando por uma das mais rápidas e profundas transformações demo- gráficas desde o pós-guerra, que já está provo- cando desaceleração da taxa de crescimento da oferta de trabalho. Por outro lado, a taxa de pou- pança brasileira é baixa e tem crescido pouco, limitando o aumento dos investimentos. Na me- dida em que o pré-sal poderá ter impactos sem precedentes em termos de inovação, tecnologias e capacitação de empresas e pessoas, ele pode- rá contribuir de forma decisiva para o aumento da produtividade e da competitividade e ajudar o país a diversificar as fontes de crescimento e crescer de forma mais sustentada.
O país enfrentará importantes desafios so- ciais nos próximos anos. O rápido aumento da taxa de dependência de idosos em razão da trans- formação demográfica numa economia com ain- da baixo nível e baixa taxa de crescimento da produtividade e baixa taxa de poupança terá im- portantes consequências para o financiamento das crescentes despesas com saúde e previdência social. Os efeitos sistêmicos do pré-sal serão fundamentais para a geração de renda, emprego e recursos fiscais necessários para financiar o au- mento daquelas despesas.
5. À Guisa de Conclusão
O pré-sal não é panaceia, mas tem todas as características e o potencial para se tornar a nossa maior fronteira de desenvolvimento tec- nológico e industrial e ser a nossa porta de entrada na nova geografia da produção e da inovação. Por isso, ele é um projeto potencialmente transforma- dor. Para que esse projeto se torne realidade, mui- to esforço e dever de casa ainda terão que ser fei- tos. Mas, considerando-se que os retornos são po- tencialmente muito elevados e até determinantes para o desenvolvimento sustentado, acreditamos que o projeto deveria merecer a maior prioridade e atenção da sociedade brasileira.
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