Oportunidades do Brasil rumo à OCDE
O Brasil tem grande potencial para se consolidar como líder global. É a maior economia da América Latina e a 12ª do mundo, com PIB superior a 1,8 trilhão de dólares (Banco Mundial, 2021). Ademais, é o país “parceiro-chave” com o mais elevado nível de adesão aos padrões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.
A acessão do Brasil à OCDE proporcionará benefícios mútuos para Organização e para a economia brasileira. Por um lado, somos um país democrático com laços culturais e econômicos com a maioria dos países do mundo, o que amplia a representatividade global da OCDE e a legitimidade das suas recomendações e políticas. Por outro, o Brasil poderá elevar sua inserção internacional e ampliar contato com boas práticas, além de impulsionar sua agenda de reformas domésticas, sinalizando melhoria no ambiente institucional, com vistas a aumentar a produtividade total dos fatores de produção.
Dadas as mudanças demográficas, com redução esperada da entrada de novos jovens no mercado de trabalho, e ainda considerando os desafios estruturais das contas públicas, o aumento da produtividade representa fator essencial para alcançar uma trajetória de crescimento sustentável ao longo dos próximos anos.
Nesse sentido, vale destacar a relação entre a acessão à OCDE e a Estratégia Federal de Desenvolvimento – EFD para o Brasil no período de 2020 a 2031 (Decreto nº 10.531, de 26 de outubro de 2020). A acessão à OCDE vai contribuir de maneira relevante para o alcance do cenário transformador da EFD, que prevê um conjunto amplo de reformas, além daquelas requeridas para o equilíbrio fiscal de longo prazo, na direção de incentivar o aumento da produtividade geral da economia.
A despeito dos benefícios esperados, o principal país-candidato a tornar-se membro pleno da OCDE ainda tem importantes desafios a superar. E a retomada pós-pandemia pode ser oportuna para estimular as reformas necessárias, para implementar compromissos já assumidos e, assim, impulsionar a liderança brasileira.
Em 2020, o Brasil concluiu a adesão ao 100º Instrumento Legal da OCDE – marca que representa mais de 40% de adesão ao acervo normativo do grupo de membros – e foi destaque no documento “OECD Active in Brazil” (OCDE, 2020) pela evidente e gradual convergência do acervo normativo nacional aos instrumentos legais da Organização. A aproximação Brasil-OCDE se estabeleceu há mais de duas décadas e, em 2017, o País formalizou sua candidatura ao processo de acessão ao grupo, para o qual aguarda resposta.
Desde então, tornou-se prioritária a convergência das políticas públicas nacionais às boas práticas internacionais como parte da agenda de melhoria do ambiente de negócios e de maior integração à economia mundial. Atualmente, o Brasil participa, de forma ativa, de Comitês da OCDE sobre agricultura, tributação, comércio, estatística, governança corporativa e pública, investimentos, ciência e tecnologia, educação e economia digital. Além disso, possui voz e voto em instâncias que discutem temas relevantes como questões de concorrência e medidas antissuborno.
No âmbito dessa participação ativa, a OCDE, em seu relatório “Going for Growth: Shaping a Vibrant Recovery” (OCDE, 2021a), que discute prioridades para a recuperação pós-pandemia, sugere como prioridade para o Brasil uma ampla reforma estrutural com base no tripé sustentável “social-ambiental-econômico”, ressaltando: a) a ampliação do sistema de proteção social; b) a melhoria do ensino e capacitação profissional; c) a redução de barreiras à concorrência; d) a redução de distorções no sistema tributário; e e) a preservação do meio ambiente.
Diante desse cenário, é importante enfatizar a relevância do processo de preparação para a acessão do Brasil à OCDE ao promover ganhos concretos em temas institucionais, ambientais e econômicos. Trata-se de uma trajetória marcada por avanços graduais que evidencia a estratégia adotada pelo país: incorporação sistemática de recomendações da Organização e ampliação do engajamento e participação em instâncias de discussão e avaliação técnicas como grupos de trabalho, comitês temáticos e estudos de revisão por pares (peer reviews). O bom desempenho brasileiro nessa fase – anterior ao início formal de acessão – qualifica o Brasil como país-candidato e antecipa resultados positivos para o ambiente de negócios pós-pandêmico.
A preparação e o acompanhamento do processo de acessão do Brasil, cuja competência é do Conselho Brasil-OCDE (BRASIL, 2019), ganhou nova dinâmica e relevância em razão da pandemia. A convergência de políticas e normas aos padrões internacionais da Organização foi reforçada, e isso sinaliza, de forma clara, ao mercado e à comunidade internacional, o compromisso do Brasil com uma economia aberta, previsível, responsável e transparente. No eixo econômico, são destaques os seguintes avanços:
Medidas de reciprocidade: o movimento de adesão aos Códigos da OCDE de Liberalização de Movimento de Capitais e de Operações Correntes Intangíveis, iniciado em 2017, já está promovendo progresso gradual de liberalização de capitais, de investimentos e de serviços, com maior inserção da economia brasileira na economia global. Por exemplo, no setor de seguros, houve revogação da exigência de reciprocidade para atuação de seguradoras estrangeiras no mercado brasileiro;
Abertura ao capital estrangeiro: a publicação da Lei nº 13.842/2019, que ampliou a possibilidade de participação de capital estrangeiro no mercado de aviação civil brasileiro, permitindo que investidores estrangeiros adquiram até 100% do capital social votante de empresas do setor; e o Decreto nº 10.786, que tornou pública a decisão de não renovar a vigência do Convênio sobre Transporte Marítimo entre o Brasil e o Uruguai, bem como do Acordo sobre Transportes Marítimos entre o Brasil e a Argentina;
Defesa da concorrência: as recomendações das revisões por pares da OCDE realizadas em 2005 e 2010 e a adesão ao Instrumento Legal sobre Neutralidade Concorrencial (100ª adesão) estão refletidas na legislação nacional vigente, principalmente, no que diz respeito ao controle de fusões, multas e sansões.
Apesar desses avanços, ainda existem desafios para a convergência da agenda econômica. Persistem restrições relacionadas aos serviços profissionais legais, como o de advogados credenciados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os prestadores de serviços de contabilidade e auditoria, para os quais há exigências de reciprocidade para o provimento de serviços no Brasil, contrariando normativas da OCDE.
Outra questão a superar ao longo do processo de preparação para a acessão é a modernização da legislação cambial. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 5.387/2019 (“PL Cambial”), de autoria do Poder Executivo, já foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado Federal. Com a adoção do regime flutuante de câmbio e a política de acumulação de reservas internacionais, tornou-se possível modernizar as regras aplicadas no mercado de câmbio, simplificando e consolidando regulações de forma a elevar a segurança jurídica.
Adicionalmente, a acessão do Brasil à OCDE precisará enfrentar questões relativas à tributação, em especial aquelas relacionadas à cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de câmbio e à convergência das práticas nacionais relacionadas a preços de transferência aos padrões da OCDE.
Alguns desses desafios estão sendo analisados na Revisão da Política Regulatória (peer review) em curso. Em fevereiro de 2021, a Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia (Sepec/ME) e a Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil (Serex/CC) lançaram o programa Reg-OCDE. A iniciativa consiste num conjunto de medidas a serem implementadas pelo Governo Federal com o objetivo de incorporar as melhores práticas recomendadas pela OCDE, promovendo concorrência e competitividade em distintos setores e atividades, com base no Indicador Product Market Regulation (PMR).
No que diz respeito aos avanços no Eixo Institucional, destaca-se como central o tema da governança por sua natureza transversal e por envolver relação estreita com a confiabilidade das organizações. O Brasil também apresentou avanços importantes em temas como compras públicas e integridade pública (percepção dos níveis de corrupção):
Governança pública (Revisão por Pares das Funções e Capacidades de Centro de Governo – Peer Review): o estudo em parceria com a OCDE busca o aprimoramento da estrutura de centro de governo e o reforço de suas capacidades governamentais relativas à coordenação, formulação e entrega de políticas públicas eficazes à sociedade. O estudo está em fase final de elaboração e as recomendações dos pares serão apresentadas ainda esse ano à Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil, que coordena o estudo.
Compras Públicas: a Lei nº 14.133/2021 estabeleceu novas regras sobre compras públicas. As adequações normativas estão alinhadas às melhores práticas da OCDE, além de aumentar a transparência e a profissionalização dos processos. Medidas adicionais como o estabelecimento de obrigações a entes subnacionais e institucionalização da governança de contratações públicas também são avanços que atendem às recomendações da organização. Outro trabalho importante na área é o relatório sobre “Combate a cartéis em licitações no Brasil”, lançado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em parceria com a OCDE.
Por fim, as expectativas relacionadas às questões ambientais apontam para o eixo ambiental como aquele em que o Brasil precisa demonstrar maior convergência – seja para com a OCDE ou demais organizações internacionais. Pois, a retomada econômica baseada no “crescimento verde” tem o potencial de influenciar positivamente o desempenho da economia brasileira, a percepção internacional sobre a relação do Brasil com o meio ambiente e seus recursos naturais e, consequentemente, a capacidade de o país atrair mais investimentos estrangeiros.
A agenda ambiental da OCDE oferece inúmeras oportunidades para a melhoria do ambiente de negócios, com ênfase para os investimentos ligados ao crescimento verde e à transição para uma economia de baixo carbono. São temas relevantes para o processo de adesão aos instrumentos ambientais: mercado de carbono, atração de investimentos resilientes sustentáveis, comércio internacional de lixo eletrônico, geração de empregos verdes, qualidade do meio ambiente, mudanças climáticas, proteção da biodiversidade e infraestrutura verde.
Considerando o contexto da pandemia e a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP26, em novembro de 2021, a agenda ambiental tornou-se prioritária para a OCDE, na medida em que seus membros estão focados na promoção de uma recuperação verde, sustentável e inclusiva. Isso exige, portanto, uma postura assertiva e coerente do Brasil diante das negociações climáticas que se aproximam. Pois, ainda há desafios a superar:
Participação no Comitê de Políticas Ambientais da OCDE (Environment Policy Committee – Epoc): atualmente, o Brasil participa do Epoc como parceiro-chave convidado. No entanto, o país protocolou, em 2019, pedido para elevar seu status à “participante” do Comitê, mas ainda não recebeu resposta. A participação plena no comitê permite maior interação e troca de experiências acerca de questões e de políticas ambientais, contribuindo para o aprimoramento das ações brasileiras na matéria mediante diálogo com todos os membros da OCDE, com base em análises e evidências empíricas.
Instrumentos legais ambientais em processo de adesão: em 2017, o Brasil protocolou pedido formal para adesão a 37 dos 46 instrumentos legais da OCDE que tratam de matéria ambiental. Dos 37 instrumentos solicitados, 18 foram analisados e apenas dois apresentaram incompatibilidades. Restam, ainda, 23 instrumentos legais para uma segunda etapa de revisão ambiental.
Relatório sobre desempenho ambiental do Brasil (OCDE, 2021b): o relatório examina o alinhamento brasileiro a 23 instrumentos ambientais e conclui que, “embora, no geral, ainda não esteja alinhado com os padrões ambientais da OCDE, extensa legislação na área e uma sociedade civil ativa colocam o Brasil em uma boa posição para atingir um grau de alinhamento aceitável”. E destaca que “o desafio é colocar em prática as disposições legais que já possui na área ambiental”, ou seja, assegurar a implementação efetiva de suas políticas ambientais.
Considerando avanços e dificuldades, o processo de preparação para a acessão do Brasil à OCDE apresenta progressos importantes que resultam da soma de esforços de servidores públicos profissionais e qualificados, de parceiros sérios e comprometidos e de autoridades governamentais engajadas com os compromissos assumidos. Mesmo cientes de que o país ainda tem desafios a superar, vale ressaltar que o fortalecimento da cooperação OCDE-Brasil trará benefícios mútuos para as partes e intensificará a disseminação, em nível global, de melhores práticas e recomendações da OCDE para o enfrentamento regional dos desafios econômicos, sociais e ambientais atuais, sobretudo num cenário crítico pós-pandemia.
Referências bibliográficas
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É secretária-adjunta da Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil da Presidência da República e membro do Conselho Gestor Brasil-OCDE. Formada arquiteta, é mestre em Engenharia Civil pela Unicamp
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