16 julho 2012

Os Limites do Crescimento Brasileiro

Se o Brasil pretende deixar de ser um país de renda mediana, com baixo nível de escolaridade e com um sistema de saúde público distante do ideal, tornando-se uma nação desenvolvida econômica e socialmente nos próximos 15 ou 20 anos, é necessário um projeto nacional ambicioso, que tenha a indústria e os setores portadores de tecnologia como principais vetores de expansão.

Se o Brasil pretende deixar de ser um país de renda mediana, com baixo nível de escolaridade e com um sistema de saúde público distante do ideal, tornando-se uma nação desenvolvida econômica e socialmente nos próximos 15 ou 20 anos, é necessário um projeto nacional ambicioso, que tenha a indústria e os setores portadores de tecnologia como principais vetores de expansão. A manufatura moderna e os serviços informacionais são os setores com maior potencial de gerar desenvolvimento tecnológico e, também, os responsáveis pelos melhores empregos, tanto em termos de salário, quanto em qualidade para o trabalhador. A entrada de milhões de pessoas no mercado de trabalho nos próximos anos exigirá que essas atividades se multipliquem em uma proporção relevante, para que a expansão do PIB brasileiro seja potencializada e se transforme em desenvolvimento.

O crescimento desses setores, porém, não se faz sem um esforço conjunto de empresas, trabalhadores e governo, na estruturação de uma estratégia nacional de fomento. Neste ano, o Fórum Econômico Mundial publicou o estudo The Future of Manufacturing: Opportunitiesto drive economicgrowth, que apresenta qual será o futuro da indústria e sua importância para o desenvolvimento. De acordo com o relatório, o uso estratégico das políticas públicas é fundamental para fomentar a indústria moderna, pois as nações cada vez mais competirão entre elas pela criação de empregos de alto valor e as companhias deverão se engajar em uma concorrência orientada pela capacidade de inovar.

Dessa forma, as agendas do governo e do setor industrial devem ser condizentes e orientadas para o incremento da competitividade nos setores estratégicos. Se não houver uma articulação em prol do desenvolvimento, serão esses os setores que se perderão na estrutura produtiva nacional, sendo absorvidos pelos concorrentes internacionais. Um crescimento econômico que seja capaz de incorporar adequadamente novos trabalhadores e que transforme o país em um desenvolvedor de tecnologias de ponta depende de uma política industrial ativa e de uma estratégia que coloque a manufatura moderna e os serviços tecnológicos no centro da estrutura produtiva nacional.

Para desenvolver essa estratégia é necessário, antes de tudo, saber onde queremos chegar, assim como reconhecermos as oportunidades e as barreiras ao crescimento dos setores mais modernos e produtivos. Somente consciente do nosso objetivo, de nossas fraquezas e de nossas forças é que poderemos articular a política industrial ativa de que o país precisa para se tornar uma nação desenvolvida.

Onde queremos chegar?

Apesar de termos avançado bastante na última década em termos sociais e econômicos, como é apresentado pela evolução do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que saltou de 0,665, em 2000, para 0,718, em 2010, ainda há muito a ser feito para nos tornarmos uma nação desenvolvida. Atualmente, o nível mínimo para se caracterizar uma economia desenvolvida é de 0,778. Isto significa que, para ascendermos a esse almejado patamar, temos de pelo menos dobrar nossa renda per capita nos próximos anos, de US$ 10 mil para US$ 20 mil (em PPC) e, paralelamente, ampliar os investimentos e a eficiência dos gastos em saúde e educação.

A taxa de crescimento do PIB deve saltar dos atuais 4,4% ao ano, média verificada entre 2003 e 2010, para 5,4%, se quisermos dobrar a renda por brasileiro nos próximos 15 anos. No entanto, ao contrário da última década, isso deve ser feito em um ambiente externo menos favorável, diante da crise dos países centrais (EUA, Europa e Japão), e com maior pressão competitiva sobre a indústria, em especial sobre o setor manufatureiro moderno e inovador.

Considerando as expectativas acerca do crescimento global nos próximos 15 anos, que variam de 2,9% a 3,4%, será necessário que o Brasil evolua a uma taxa de 2,0 a 2,5 pontos percentuais acima do mundo. Atingir esse nível de renda com desenvolvimento social demandará, pelo lado do setor público, uma política orientada para estimular os principais vetores internos do crescimento. Deve-se articular uma política capaz de dinamizar o setor exportador, em especial o agrícola e o mineral, que podem servir de alavanca às atividades industriais modernas. Também é preciso fortalecer as políticas sociais, que têm garantido a inclusão de milhares de brasileiros nas classes mais elevadas da pirâmide social. Finalmente, é essencial uma política de investimentos em infraestrutura e tecnologia para tornar o setor industrial mais competitivo e atrair e estimular o desenvolvimento dos segmentos mais modernos. A estratégia, portanto, deve ser ousada e bem articulada entre governo, trabalhadores e industriais, pois somente assim o país poderá crescer de maneira inclusiva e sustentada no longo prazo.

Para nos tornarmos uma economia desenvolvida, é necessário manter as contas públicas em ordem, com uma política macroeconômica responsável e voltada para o desenvolvimento do setor produtivo. Premente, ainda, é estimular os segmentos estratégicos, pois certamente serão eles que garantirão a expansão do Brasil, mesmo num ambiente externo desfavorável. Caso isso não seja feito, a tendência natural será nos especializarmos nos segmentos que não dependem de uma política ativa para crescer, ou seja, aqueles que já apresentam vantagens comparativas, como agricultura extensiva e primeiras fases da extração mineral. Em termos da geração de renda, esses ramos podem ser muito importantes, mas o problema é que uma inserção internacional apenas por meio deles não garantirá o crescimento com o desenvolvimento que almejamos.

O país depende dos setores modernos, capazes de dinamizar a inovação e o progresso tecnológico, e o desenvolvimento destes só é possível por meio dos investimentos em infraestrutura física e tecnológica, da formação de capital humano adequado a sua demanda, de um sistema tributário que não apene a agregação de valor e, finalmente, de uma política econômica que estimule a produção industrial. Ou seja, precisamos de um projeto nacional que fomente o setor produtivo moderno.

O desenvolvimento depende da indústria

Para dobrar a renda per capita nos próximos 15 a 20 anos, será de fundamental importância estimular o desenvolvimento e a sofisticação da estrutura produtiva doméstica em direção a uma maior participação da indústria de transformação. Dos cinco países com mais de 10 milhões de habitantes que aumentaram sua renda de US$ 10 mil para US$ 20 mil em 20 anos ou menos, apenas a Arábia Saudita foi capaz de fazê-lo sem que a manufatura representasse mais de 25% do PIB. Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Malásia fizeram isso em diferentes períodos nos últimos 50 anos, mas todos eles tinham uma participação do decisivo setor superior a 25% do PIB.

Em contraste com essas nações que fizeram isso em menos de 20 anos, Canadá, Reino Unido, Portugal, Austrália e Grécia demoraram de 25 a 35 anos para aumentar sua renda de US$ 10 mil para US$ 20 mil. No período em que realizaram esse avanço da renda, eles tinham uma participação da indústria no PIB que variava de 11% a 23%, o que justifica, em grande medida, a demora em dobrar a sua renda.

O caso brasileiro é ainda mais emblemático: quando dobramos a renda per capita de US$ 2,5 mil para US$ 5 mil, apresentávamos uma participação da indústria de transformação no PIB de 30%, e demoramos 15 anos para fazê-lo (entre 1967 e 1972). Porém, o setor perdeu participação no PIB, atingindo 16% em 2010. O resultado, não obstante, foi a necessidade de um período bem maior para dobrarmos novamente nossa renda per capita. Para saltarmos de US$ 5 mil e atingirmos os atuais US$ 10 mil, foram 38 anos de espera: de 1972 a 2010.

É inegável, portanto, que a indústria de transformação contribui decisivamente para acelerar o crescimento – e isso se verifica especialmente para os países em desenvolvimento. Seja na comparação entre nações com mais de 10 milhões de habitantes, cuja renda aumentou de US$ 10 mil para US$ 20 mil, seja em uma ótica histórica para o caso brasileiro, a manufatura foi fundamental para que o crescimento pudesse ser feito de maneira rápida e efetiva.

Entretanto, por que esse setor seria tão relevante para o crescimento econômico? Por que outros segmentos produtivos não teriam a mesma capacidade? Há características da indústria que justifiquem essa capacidade de induzir o crescimento a taxas aceleradas? Sim, e não são poucos os motivos.

Primeiramente, destaca-se que, devido à entrada da população nas classes superiores da estrutura social, a demanda por bens mais sofisticados cresce significativamente, e a indústria de transformação é a atividade capaz de atender essa expansão. Ademais, por apresentar maiores efeitos multiplicadores do que os demais setores, ela amplifica a demanda originalmente de bens de consumo para toda uma cadeia produtiva, que inclui áreas como agricultura, mineração, comércio, serviços e os demais segmentos da própria manufatura. Em suma: a demanda crescente decorrente do aumento da renda é absorvida pela indústria doméstica, que multiplica seu poder de gerar emprego e renda dentro do país, para todos os ramos produtivos.

Os melhores salários

Um segundo ponto relevante é a capacidade de exportar dessa indústria. Por se tratar de produtora de bens tradeables, permite aos países em desenvolvimento — normalmente com demanda interna insuficiente para garantir uma escala mínima de produção eficiente em alguns bens — beneficiar-se das exportações de manufaturados para promover o crescimento econômico acelerado. Dessa forma, a manufatura é um setor capaz de se aproveitar de ganhos de escala estáticos e dinâmicos para se expandir, pois seu acesso não precisa se restringir a um mercado apenas.

A indústria de transformação é também o setor que paga os melhores salários nos diferentes níveis de instrução e que mais valoriza o trabalhador qualificado. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e do Emprego, para quem tem educação fundamental completa, o salário da indústria de transformação é 20% superior ao do setor de serviços e comércio e 30% superior ao do agropecuário. No caso de quem tem ensino médio completo, a diferença aumenta para pouco mais de 30% em relação ao comércio e serviços e 35% em relação à agropecuária. Finalmente, para quem tem ensino superior completo, a diferença entre os salários pagos pela indústria de transformação e os demais setores é ainda maior: 65% superior em relação ao comércio e serviços e 75% na comparação com a agropecuária.

Outra razão que contribui para que a indústria de transformação seja responsável pelo crescimento acelerado é o fato de que, especialmente no caso dos países emergentes, é o setor que agrega mais valor por trabalhador. No Brasil, a produtividade do trabalho, medida pela relação entre valor adicionado e o pessoal ocupado, é 160% superior na indústria de transformação do que a média da economia. Isso significa que um industriário gera 1,6 vezes mais produto do que os trabalhadores nos demais setores e que um aumento da manufatura em detrimento de segmentos menos produtivos eleva a produtividade da economia como um todo.

Finalmente, um último ponto a ser destacado é a importância da indústria de transformação na geração e difusão de novas tecnologias. Por ser o segmento da estrutura produtiva no qual são desenvolvidos os principais avanços tecnológicos, que garantem saltos de produtividade para a economia como um todo, uma estrutura manufatureira forte e concentrada em segmentos modernos e inovadores é fundamental para que o país passe a ser um centro mundial no desenvolvimento de tecnologia de ponta. Isso só poderá ser feito, porém, se aproveitarmos nossas vantagens em termos energéticos e nosso diferencial no fornecimento de recursos naturais para alavancar uma indústria que esteja na fronteira das inovações tecnológicas.

Assim, razões não faltam para justificar porque a indústria de transformação foi tão importante para que os países aumentassem sua renda per capita de modo rápido e consistente. Os exemplos da Alemanha, do Japão, da Coreia do Sul e, mais recentemente, da Malásia deixam claro que, para dobrar a renda nos próximos anos, é necessário ter uma indústria forte, que represente pelo menos 25% do PIB.

O crescimento do mercado interno e, em especial, da classe média, principal consumidora de produtos industriais, é uma oportunidade única para o Brasil fazer o salto em direção à inserção produtiva com qualidade, desenvolvendo sua indústria moderna em paralelo aos serviços tecnológicos. Um país com a dimensão do nosso, com um mercado interno forte e crescente, pode atrair investimentos para sofisticação da estrutura produtiva e desenvolver ainda mais seu parque industrial. Para isso, contudo, é necessária uma ação objetiva no sentido de garantir que a demanda não se transforme em importações e que a produção nacional seja capaz de converter o crescimento em desenvolvimento econômico sustentável no longo prazo.

Por que a indústria não acompanhou o crescimento recente?

Na última década, a economia brasileira apresentou uma taxa de crescimento contrastante com a estagnação verificada nos anos 1980 e 1990. Após mais de 20 anos de baixo crescimento econômico, o país saltou de uma taxa que oscilava entre 1% e 3% ao ano para a média de 4,4%, entre 2003 e 2010. As causas para essa mudança de trajetória são várias: desde a valorização dos preços das commodities, que permitiu ao país acertar suas contas externas e ser menos vulnerável às oscilações do mercado internacional, até políticas de distribuição de renda e de incentivo ao consumo, que garantiram a ascensão de uma classe média consumidora, capaz de se tornar a locomotiva do crescimento.

Embora esse modelo de expansão tenha sustentado o crescimento de importantes setores produtivos, como a agricultura, a extração mineral e a construção civil, que expandiram mais do que proporcionalmente ao aumento da renda, a atividade que menos se beneficiou dessa política foi a indústria de transformação. Enquanto a renda crescia quase 5% ao ano, o setor manufatureiro não foi capaz de acompanhar essa expansão e perdeu participação: se em 2004 representava 19,2% do PIB, em 2008 passou a significar 16,6%.

A situação para a indústria de transformação, porém, ficou ainda pior depois da crise financeira internacional. Se até o crash o problema é que ela não acompanhava a expansão do PIB, a partir de então ficou praticamente estagnada em termos absolutos (cresceu 0,2% ao ano entre 2008 e 2011). Em parâmetros relativos, continuou a trajetória de perda de participação no PIB, atingindo o patamar de 14,6% do total produzido no país em 2011.

Contudo, o que justificaria esse desempenho tão ruim da indústria de transformação no período recente? Será que o setor, tão importante, pois é capaz de gerar crescimento sustentado de longo prazo com empregos de qualidade, não é competitivo internacionalmente? Será que o país terá de abrir mão da manufatura para crescer, mesmo que isso signifique uma expansão menor e mais dependente de um ambiente externo favorável?

Quando se analisa a estrutura fabril brasileira, verifica-se que ela é muito mais moderna do que a da maioria das nações em desenvolvimento. Apesar de ainda ter muito a ser feito em termos da melhoria na eficiência produtiva, é extremamente competitiva quando analisada dentro do portão da fábrica. Seu principal problema, porém, está no elevado custo de se produzir no Brasil. Nosso setor industrial é onerado por diversos elementos de custo, cujo nível se encontra acima do vigente na maioria das economias desenvolvidas e em desenvolvimento, resultando em expressiva falta de isonomia competitiva.

Esses ônus, geralmente relacionados ao chamado “Custo Brasil”, dizem respeito aos tributos, ao custo de capital, encargos sobre a mão de obra, energia elétrica e logística, entre outros. Trata-se de fatores cujo impacto as empresas não conseguem neutralizar ou reduzir, pois são sistêmicos, e sua solução depende fundamentalmente de políticas de Estado. Evidentemente, deve-se conceber uma política industrial tendo em conta tais fatores, de modo a atenuar seus efeitos. Caso contrário, sua efetividade é comprometida.

Entre os elementos do “Custo Brasil” para a indústria destacam-se a elevada carga tributária, a carga extra, o custo do capital e os encargos sociais, além do preço da energia elétrica e do gás natural.

1) A carga tributária

Além de elevada (aproximadamente 33,6% do PIB em 2010, superando os países com os quais competimos no comércio internacional), a carga tributária brasileira é distribuída de maneira distinta, conforme o setor da economia. Na indústria de transformação, é proporcionalmente muito maior do que no restante da economia.

Embora tenha respondido por 16,6% do PIB, em 2009, a manufatura contribui com 37,6% da carga tributária. Assim, o encargo dos impostos no setor é 126% maior do que a participação do setor na economia. Na média de 2005 a 2009, sua carga tributária foi de 59,5% do seu PIB. Em função disso, o produto industrial brasileiro carrega 40,3% do seu preço em tributos.

2) A carga extra

Não bastasse o custo representado pelos impostos, a excessiva complexidade do sistema brasileiro, associada à burocracia, traduz-se em altos custos para pagar os tributos. Devido a essa ineficiência, os produtos industriais são encarecidos em 2,6%. Também se estima que 1,8% do seu preço se deva exclusivamente às deficiências da infraestrutura logística, considerando o carregamento de custo na cadeia à montante, ou seja, aquilo que está embutido nos custos das indústrias devido aos mesmos problemas.

Adicionando o efeito da carga extra ao da tributária (de 40,3% do preço dos produtos industriais), conclui-se que 44,7% do preço dos produtos industriais decorrem dos impostos propriamente ditos e de outros custos a eles relacionados: (1) à excessiva complexidade do sistema tributário e (2) às deficiências da infraestrutura logística, a qual deveria ser mantida em condições adequadas pelo Estado, com base na elevada receita fiscal.

3) O custo de capital

As empresas brasileiras se defrontam com um dos mais elevados custos de capital do mundo – muito superior ao verificado em países que competem com o Brasil no mercado internacional. Esses ônus se devem à taxa de juros básica e aos spreads bancários e repercutem diretamente no custo dos produtos industriais nacionais, comprometendo sua competitividade no mercado interno e internacional. Estima-se que 7,5% do preço dos produtos industriais decorram do pagamento de juros referentes apenas ao capital de giro. Ou seja, sem contar os custos com juros do endividamento para investimento fixo.

4) Os encargos sociais

No Brasil, o nível dos encargos trabalhistas incidentes na folha de salários é muito elevado: na indústria de transformação, em 2009, equivaleu a 32,4% dos custos com mão de obra, valor mais alto entre 34 países, cujos dados foram compilados pelo Departamento de Estatística do Trabalho dos EUA (Bureau of Labor Statistics – BLS) O alto percentual dos encargos pressiona os custos dos produtos industriais nacionais, contribuindo para a deterioração da sua competitividade no mercado interno e internacional.

5) O custo da energia elétrica e do gás natural

Mais um aspecto no qual nos encontramos em ampla desvantagem frente a outras nações é o custo da energia elétrica. Sua tarifa industrial no país foi estimada pela Energy InformationAdministration (EIA), dos EUA, em US$ 138,00/MWh, a segunda mais alta do mundo. Embora Brasil e Canadá possuam matriz energética baseada na hidroeletricidade, a tarifa brasileira é 182% maior. Os encargos e tributos contribuem para essa posição desvantajosa, mas, mesmo os eliminando do cálculo, a energia brasileira ainda seria 108,3% mais cara do que a canadense. Além disso, nosso país possui a segunda mais elevada tarifa de gás natural do mundo.

A política industrial de que o Brasil precisa

Durante muitos anos, as políticas do governo brasileiro tiveram como prioridade a estabilidade macroeconômica, vista como condição necessária e suficiente para a retomada do crescimento. Por outro lado, eram criticadas, com base no argumento de que privilegiariam determinados setores de atividade. Com a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008, foi retomada, ainda que de modo bastante tímido, a capacidade de formulação de Política Industrial no Brasil.

A perspectiva de lançamento da nova Política Industrial em 2011 gerou grandes expectativas no setor produtivo, principalmente em função do profundo agravamento no ambiente de negócios no período mais recente, com destaque para a valorização da taxa de câmbio brasileira e a crise econômica mundial. Com efeito, após diversos adiamentos, em agosto de 2011, o governo anunciou o Plano Brasil Maior 2011/2014 (PBM). Se, por um lado, este resultou em frustração das expectativas da indústria, por contar com medidas muito tímidas, também recolocou a necessidade de uma estratégia de desenvolvimento econômico e social, tendo o setor industrial como epicentro. Basta lembrar que o atual ciclo de expansão do consumo interno ancorado nas importações não é sustentável, processo que se tornou bastante nítido pelos dados das contas nacionais de 2011: o consumo de bens transformados aumentou 2,1%, enquanto as importações desses bens aumentaram 12,5%, mas o valor do PIB da indústria de transformação cresceu apenas 0,1%, redundando numa expansão econômica de apenas 2,7%.

É importante recordar que a falta de visão estratégica dos governos brasileiros se traduziu em mais de 30 anos (a partir da década de 1980) de políticas macroeconômicas contraditórias ao desenvolvimento de longo prazo. Mesmo no período mais recente, a partir da introdução da PDP (2008), a aplicação de políticas industriais foi neutralizada pela estratégia macroeconômica, mesmo quando as iniciativas se encontravam na direção correta.

É fato que o país carece de medidas estruturais profundas para recuperar a competitividade sistêmica no longo prazo, de modo a retomar plenamente o processo de desenvolvimento interrompido. Entretanto, enquanto isso não ocorre, no curto e no médio prazos, é preciso introduzir mecanismos de política que reduzam os efeitos que as deficiências sistêmicas da economia produzem sobre a atividade industrial, que, por ser tradable, sofre concorrência direta e desleal de produtos importados.

A política macroeconômica deve ser coerente com a industrial, o que não implica prejuízo da estabilidade de preços. O que não se pode é colocar o desenvolvimento subordinado a preconcepções sobre política econômica. Ao contrário, as nações bem-sucedidas nos seus processos de desenvolvimento que possuem relativa relevância econômica, territorial e/ou populacional de sucesso adotam políticas pautadas pelo pragmatismo. O Brasil deve, obviamente, seguir o seu exemplo. É o caso de China, Índia, Coreia do Sul e Malásia, dentre outros. Nesses países, a prioridade é a estratégia de desenvolvimento de longo prazo, implementada por uma política macroeconômica e industrial complementar, priorizando o crescimento do PIB, da produção e do emprego, com alta taxa de sucesso.

Em outros termos, não é possível adotar como referência a ser seguida pelo Brasil as políticas de países pequenos em PIB e população, cuja exploração de recursos naturais por si só promove relativo crescimento do nível de renda e emprego. Apesar das suas dotações em recursos naturais, o Brasil precisa gerar postos de trabalho em elevada escala, o que só é possível tendo a indústria como motora do crescimento, exatamente como as nações anteriormente citadas.

A história mostra que a trajetória de expansão dos países desenvolvidos foi baseada na industrialização. China e Índia, entre outros em desenvolvimento, têm perseguido a mesma estratégia, criando políticas efetivas que fomentem o crescimento e aprofundamento das atividades industriais em seu território. Um bom exemplo é a política industrial da Índia, divulgada em 2011. Calcada em instrumentos agressivos, possui como meta, até 2022, gerar 100 milhões de empregos na indústria de transformação e aumentar a participação do setor no PIB de 16% para 25%.

Há limites para o crescimento, mas também há oportunidades

Uma inserção internacional baseada na extração de recursos naturais e na agricultura para exportação tem se mostrado incapaz de promover a expansão da renda da população e a geração de empregos de qualidade. Seus limites são impostos por fatores externos e, com o agravamento da crise na Europa e nos Estados Unidos, associado a uma perspectiva de redução na demanda chinesa, esse modelo de expansão se mostrou totalmente exaurido.

O crescimento econômico de longo prazo – com geração de empregos de qualidade para a população que deve ingressar no mercado de trabalho, nos próximos anos, e com a incorporação e geração de progresso tecnológico – demanda a instalação dos setores modernos, nos quais se destacam os serviços tecnológicos e, especialmente, os segmentos industriais mais avançados. Esses setores, porém, não são capazes de se desenvolver sem uma estratégia nacional que os coloque como motor do crescimento. É essencial para o desenvolvimento econômico uma política industrial que considere mudanças estruturais profundas para recuperar a competitividade sistêmica no longo prazo.

O crescimento da classe média, que tem elevado ano após ano o poder de compra da população, a capacidade dos governos federal e estaduais de se utilizar do seu poder de compra e de financiamento para estimular setores estratégicos (em contraposição às últimas três décadas), a melhora do preço das commodities agrícola e minerais, que minimizam os custos do financiamento externo, e, mais importante, a diversidade do parque industrial brasileiro – que sobreviveu às turbulências do final do século passado – são todos fatores que devem ser vistos como oportunidades para o desenvolvimento de um plano nacional que tenha os setores modernos como dimensão fundamental do processo de crescimento dos próximos anos.

Caso não sejam aproveitadas todas essas oportunidades, a fim de se consolidar uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo para o país, e as políticas macroeconômica e industrial não se voltarem para o desenvolvimento do setor produtivo, mais uma vez, a oportunidade de se construir o país do futuro continuará apenas no imaginário do brasileiro.


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