Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Uma Agenda Para o Desenvolvimento
Lançada em 2015, a Agenda 2030 contém os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas e culmina um longo processo histórico de debate sobre desenvolvimento, remetendo-nos a mais de 40 anos de negociações internacionais e construção de consensos. Trata-se do coroamento de um esforço que as Nações Unidas e seus países membros empreenderam com o objetivo de fazer frente aos principais desafios que se apresentam ao mundo desde as últimas décadas do século passado e que permanecem atuais, se não ainda mais prementes.
O desenvolvimento sustentável: uma perspectiva histórica
A ideia de desenvolvimento sustentável ganhou corpo inicialmente no contexto dos debates ambientais e teve seu marco fundador na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo, em 1972. Os especialistas e, principalmente, os governos dos países mais desenvolvidos, que lançaram o tema, começavam a avançar para a ideia de que a expansão dos modelos econômicos vigentes levaria à exaustão no uso de recursos naturais e provocaria danos irreversíveis nas dinâmicas de equilíbrio biológico e climático do planeta. Estava implícita a noção de que era necessário fazer uso mais comedido dos recursos naturais e energéticos, sob risco de cataclismo ambiental.
Os países em desenvolvimento, então chamados de subdesenvolvidos, perceberam nessa proposta uma preocupante tentativa de congelar o status quo do desenvolvimento econômico em favor dos países ricos, que já haviam atingido elevado patamar de bem-estar social e de consumo. O eventual cerceamento no uso de recursos naturais, de que as nações em desenvolvimento dispunham em abundância, impediria qualquer processo de desenvolvimento econômico por parte desses países. À época, o Brasil opôs-se firmemente a essa tentativa de restrição de suas possibilidades de crescimento e desenvolvimento, o que lhe trouxe custos políticos consideráveis, cabendo-lhe, injustamente, a reputação de devastador ambiental. Nos anos que se seguiram, imagens de queimadas na Amazônia começaram a correr mundo afora, associadas a campanhas de desinformação e equívocos conceituais de toda sorte, como a ideia de que a região seria o pulmão do mundo.
Diante do avanço das legítimas preocupações ambientais globais e confrontado com suas necessidades de desenvolvimento e uma imensa dívida social a ser saldada, o Brasil engaja-se decididamente no debate multilateral acerca do desenvolvimento sustentável. Propõe, no entanto, que a discussão sobre o desenvolvimento sustentável passe a levar em consideração igualmente preocupações de ordens econômica e social.
O protagonismo do Brasil nas discussões foi acompanhado por um despertar interno quanto à importância das questões ambientais e à responsabilidade que o País detém nas várias frentes do desenvolvimento sustentável. Além do governo, a própria sociedade, por meio de organizações não governamentais e do setor privado, passa a envolver-se na matéria, o que permitiu que nossas posições negociadoras também evoluíssem e ganhassem maior grau de legitimidade.
Essa nova abordagem possibilitou não apenas um amadurecimento de nossas posições, mas também uma transformação da imagem do Brasil no plano internacional. O engajamento mostrou que o País dispunha de experiências relevantes na promoção do desenvolvimento sustentável, como no caso de sua matriz energética limpa, e que, a despeito dos problemas, não se subtraía às responsabilidades em relação a seu patrimônio ambiental. Da mesma forma, assinalou as imensas disparidades econômicas entre o Norte e o Sul, indicando a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos no que se refere aos níveis de emissão de poluentes, de geração de resíduos e de uso dos recursos naturais. Isso proporcionou um tratamento mais equilibrado do tema, trazendo para as discussões elementos como consumo e produção, de cujas responsabilidades as economias mais avançadas tentavam esquivar-se.
Princípio das responsabilidades comuns
Essa mudança de percepção e atuação possibilitou ao Brasil sediar, 20 anos depois de Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. Considerada a maior e mais importante conferência internacional já ocorrida até então, compareceram ao encontro 108 chefes de estado e governo, num total de 172 delegações estrangeiras, além de maciça participação de atores não governamentais. A Rio-92 serviu para consolidar a consciência de que o desenvolvimento sustentável é, sobretudo, um debate sobre desenvolvimento. Esse deve servir às pessoas e às sociedades, a fim de que estas possam realizar suas potencialidades, levando em consideração as particularidades de cada nação e as restrições de ordem física que a realidade material impõe. Além disso, fixou-se o conceito de que, embora as responsabilidades sejam comuns a toda a humanidade, os países desenvolvidos têm o dever histórico e moral de arcar com uma fração maior dos custos de adaptação e mitigação, sem cercear o acesso ao desenvolvimento àqueles países onde há significativas dívidas sociais a serem resgatadas. É de responsabilidade dos países desenvolvidos, ademais, prover os meios financeiros, tecnológicos e de capacitação aos países em desenvolvimento para que estes possam fazer frente aos desafios do desenvolvimento sustentável. Foi nesse âmbito que se estabeleceu o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, conceito caro aos países em desenvolvimento e contrapartida necessária que os países desenvolvidos tiveram de aceitar em troca do envolvimento de todos nos debates sobre desenvolvimento sustentável.
Os anos que se seguem à Rio-92 testemunharam um expressivo crescimento econômico mundial, em razão, principalmente, da decidida entrada da China nos mercados globais e da expansão capitalista nos antigos países de economia planificada. A nova geração de riqueza e a elevação dos padrões de consumo em praticamente todos os países imprimiram um ritmo ainda maior de utilização de recursos naturais e energéticos. O desenvolvimento sustentável frente à globalização foi o elemento que permeou a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 2002, em Joanesburgo. Apesar das dificuldades e de poucos avanços, o encontro logrou manter os principais progressos conceituais até então conquistados.
Ainda que o volume total de recursos naturais empregados tenha crescido consideravelmente no período, observaram-se também mudanças cada vez mais importantes nos padrões de produção e geração de energia, no surgimento de novas tecnologias e, sobretudo, na importância política que o tema do desenvolvimento sustentável ganhou. É nesse período, por exemplo, que as evidências científicas a respeito do aquecimento global e do fenômeno da mudança do clima ganham maior robustez, conferindo prioridade às negociações internacionais sobre o assunto no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), processo este que também havia sido lançado por ocasião da Rio-92.
Rio + 20: responsabilidades comuns, porém diferenciadas
Além da generalização dos debates ambientais no plano internacional, outros temas ganham relevância e são objeto de tratamento no contexto das Nações Unidas. Questões como o direito ao desenvolvimento, os direitos da criança e da mulher, os direitos humanos em geral e assuntos de população compõem conjunto de elementos que vão-se incorporando ao cabedal multilateral e aos consensos internacionais acerca do significado do desenvolvimento sustentável.
Considerações sobre sustentabilidade ganham espaço no comércio internacional, onde cresce a ênfase sobre temas como poluição, resíduos e responsabilidade social. Cada vez mais, empresas, marcas e produtos tendem a ser avaliados também a partir de parâmetros de desenvolvimento sustentável, com impactos sobre a lucratividade e a sobrevivência dos negócios.
Nesse contexto, nos primeiros anos do século XXI, o mundo passa por dois grandes abalos de natureza política e econômica: os atentados terroristas nos Estados Unidos, em setembro de 2001, e a crise financeira de 2008, que engendram mudanças importantes nas prioridades e nas preocupações dos países, principalmente dos mais desenvolvidos. Desafios de segurança internacional passam a disputar a atenção política e os recursos com a agenda de desenvolvimento sustentável. E o temor em relação ao desemprego e à retração econômica despertaram maior ceticismo a respeito da adoção de políticas inovadoras que visem ao uso mais moderado de recursos e ao emprego de novas tecnologias, diante da incerteza quanto aos impactos sobre a competitividade.
O Brasil volta ao centro do palco dos debates sobre o desenvolvimento sustentável em 2012, ao sediar, novamente no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Em contexto político distinto de 1992, o encontro viu recrudescidas as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, quando aqueles, sobretudo europeus, buscaram dar sobrepeso ao pilar ambiental do desenvolvimento sustentável, procurando eximir-se de seus compromissos de financiamento aos países em desenvolvimento. Os problemas econômicos por que passavam os países desenvolvidos, agravados pela crise financeira de 2008, fizeram com que estes tentassem transferir aos países em desenvolvimento e aos chamados emergentes suas obrigações em termos de financiamento e de preservação ambiental.
Sob a presidência brasileira, a conferência logrou reafirmar a centralidade dos três pilares – econômico, social e ambiental – do desenvolvimento sustentável. A Rio+20 não seria transformada em uma conferência meramente ambiental, como parecia ser o anseio de muitos dos países desenvolvidos. Ainda que as metas estipuladas em conferências anteriores em termos de ajuda ao desenvolvimento nem sequer tenham sido atingidas e não tenha havido novos engajamentos por parte dos países ricos, a conferência logrou preservar o legado conceitual positivo da Rio-92. O documento final do encontro, intitulado “O futuro que queremos”, reafirma de maneira central o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
Assentada sobre dois eixos principais, “economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e “estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”, a Rio+20 logrou revigorar os processos multilaterais de discussão e deliberação acerca do desenvolvimento sustentável. Abriu espaço nas negociações internacionais para temas emergentes, tais como agricultura, água, cidades, transportes, oceanos, gênero, e propôs a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Nos três anos que se seguiram à Rio+20, as Nações Unidas e seus países-membros, por meio do Grupo de Trabalho Aberto sobre Desenvolvimento Sustentável, empenharam-se em preparar um documento que dispusesse de um número de objetivos de desenvolvimento sustentável que levassem em conta as três dimensões do desenvolvimento sustentável e servisse de orientação para a agenda de desenvolvimento da ONU para além de 2015. A nova agenda deveria ser construída levando-se também em conta a experiência dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançados em 2000 e que encerrariam seu ciclo de implementação naquele ano, com resultados relevantes na redução da pobreza em muitos países.
Os ODS não apenas substituíram os ODM, mas expandiram sua abrangência, tanto no plano conceitual como no geográfico. Ao incorporarem os princípios do desenvolvimento sustentável, os ODS não se restringiram aos países em desenvolvimento, mas a todo o planeta, no entendimento de que a sustentabilidade é um projeto comum a todos os países e que ninguém a havia atingido plenamente.
A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
Em setembro de 2015, foi adotada por consenso nas Nações Unidas a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com o objetivo de orientar as políticas de desenvolvimento e seu acompanhamento nos níveis nacional, regional e mundial até 2030. “Não deixar ninguém para trás” é o lema da nova Agenda e dos 17 ODS e das 169 metas nela contidos. Em vez de tratar dos desafios de desenvolvimento de forma estanque e segregada, a Agenda 2030, que declara em seu título a ambição de “transformar nosso mundo”, propõe uma abordagem inovadora que almeja o rompimento do ciclo da pobreza e a redução da desigualdade e da degradação ambiental.
Embora o conceito do desenvolvimento sustentável não seja uma novidade, é a primeira vez que um instrumento internacional de grande abrangência busca orientar, na forma de objetivos e metas específicos e sistemáticos, as políticas nacionais para o atingimento do desenvolvimento sustentável, o que requer a transformação dos estados e a criação de instituições funcionais. O bem-estar material ganha legitimidade quando conjugado com fórmulas que garantam a autonomia dos indivíduos no âmbito político e no exercício da vida em comunidade, levando em consideração sua relação com a natureza e o uso de recursos naturais necessários à sua sobrevivência.
A Agenda 2030 não requer a reinvenção da roda. Novas tecnologias e políticas públicas devem ser combinadas com as que já existem, levando em conta os novos contextos. Há fartas evidências de normas e políticas que têm produzido bons resultados, tanto no Brasil como em outros países. As comunidades têm demostrado grande capacidade de inovação e adaptação. Existem igualmente modelos de parcerias que envolvem diferentes países, esferas de governo, grupos sociais, setor privado, setores informais, organizações não governamentais e outros que têm logrado conjugar as inovações sociais com os imperativos de cunho ambiental. O networking possibilitado pelas tecnologias de informação e comunicação abre portas para o compartilhamento de baixo custo de experiências inovadoras, com o envolvimento de múltiplos atores e permitindo, em muitos casos, a superação de dicotomias como Estado versus mercado. A Agenda 2030 combina, de modo ambicioso e inovador, os desafios centrais com que se defronta a humanidade neste início de século XXI com uma aposta no uso e no aperfeiçoamento de instrumentos políticos eminentemente democráticos.
O Brasil e a Agenda 2030: negociações, implementação e acompanhamento
Ainda durante a negociação da Agenda 2030 e dos ODS em Nova York, por iniciativa do Ministério das Relações Exteriores, foi constituído Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que reuniu 27 pastas governamentais e promoveu consultas à sociedade civil e outros atores interessados. O resultado desse processo foi o documento “Negociações da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015: elementos orientadores da posição brasileira”, que norteou os negociadores brasileiros, em consonância com o espírito participativo propugnado pela Agenda 2030.
Durante as negociações, o Brasil foi firme defensor do legado da Conferência Rio+20, sobretudo no que se refere à priorização da erradicação da pobreza. Durante todo o processo, enfatizou-se a importância de se construir uma cultura de integração temática, de forma a evitar abordagem fragmentada, numa linha de coerência com as posições do País desde Estocolmo e da Rio-92.
O maior desafio dos ODS constitui a sua implementação, já que envolve mudanças em muitas das formas como são estruturadas e conduzidas as políticas públicas, além de criatividade no uso dos instrumentos já existentes. Embora os objetivos e as metas tenham sido definidos para os governos nacionais, esta não é uma agenda que se limite ao poder central. Sua efetividade depende da participação das outras esferas de governo e da sociedade.
Tendo como referência a experiência do GTI, foi criada, em outubro de 2016, por meio de decreto presidencial, a Comissão Nacional para os ODS (CNODS), com a finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030 no Brasil. A CNODS é órgão de caráter consultivo, presidido pela Secretaria de Governo da Presidência da República e integrado por oito representantes governamentais, sendo um de governo estadual e um de municipal, além de oito representantes da sociedade civil, do setor privado e da academia, selecionados por meio de edital, para mandato de dois anos. A Comissão pode convidar também outros especialistas no curso de suas atividades e tem como órgãos assessores permanentes o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Dada a abrangência da Agenda 2030, a Comissão deve atuar como facilitadora dos processos democráticos de participação, visando inicialmente à familiarização com os ODS. A difusão da linguagem e dos princípios que norteiam o desenvolvimento sustentável poderá contribuir de forma relevante para a integração e a eficiência das políticas públicas. A organização da Agenda 2030 na forma de objetivos e metas específicos, devidamente elencados e numerados, contribui para sua melhor compreensão e identificação por parte dos agentes públicos e da sociedade como um todo. O principal propósito da Comissão será permitir com que o Estado e a sociedade se apropriem da Agenda 2030, compartilhando seus valores e adaptando-os à realidade brasileira.
Plano de ação 2017-2019
Apesar de seu pouco tempo de existência, a CNODS já lançou planos, estratégias e realizou eventos, em cooperação com inúmeros parceiros, para fazer chegar ao conhecimento dos brasileiros a Agenda 2030, instando-os à participação nos rumos do processo de desenvolvimento do País.
A Comissão lançou seu Plano de Ação 2017-19, composto por cinco eixos: gestão e governança da CNODS; disseminação da Agenda 2030; Agenda 2030 Brasil – internalização, territorialização e interiorização; e acompanhamento e monitoramento. Cada eixo conta com objetivos, resultados esperados, produtos, prazos e atores responsáveis por sua execução durante o biênio 2017-19.
A CNODS lançou também o “Prêmio ODS Brasil”, com o objetivo de incentivar, valorizar e dar visibilidade a práticas que contribuem para o alcance das metas da Agenda 2030 em todo o território nacional. O prêmio é dividido em quatro categorias: (i) Governos – práticas desenvolvidas pela administração direta e indireta dos estados, Distrito Federal e municípios; (ii) Organizações com fins lucrativos; (iii) Organizações sem fins lucrativos; e (iv) Instituições de ensino, pesquisa e extensão. A CNODS realizou seminários em todas as unidades da Federação para divulgar o prêmio.
O Ipea tem promovido diversos encontros para tratar da adequação das 169 metas dos ODS à realidade brasileira. Foram formados grupos de representantes de diferentes órgãos governamentais para discutir as metas propostas para cada um dos 17 ODS. Desse trabalho, surgirá relatório com as propostas das metas nacionais, inspiradas nas metas globais e adaptadas à realidade brasileira, para apreciação e eventual aprovação da CNODS. Esse processo tem dado à Agenda 2030 capilaridade nos órgãos governamentais, permitindo que os ODS comecem a orientar a pauta de políticas públicas de longo prazo do governo federal e subsidiem a elaboração do Plano Plurianual (PPA) do período 2020-2023 e dos ciclos subsequentes.
O IBGE tem atuado para organizar a atuação dos produtores de informação, para viabilizar a construção conjunta de indicadores nacionais para os ODS. Foi lançada a plataforma ODS, que reúne os indicadores para os ODS, com fichas metodológicas, tabelas, gráficos e mapas. Por meio dessa ferramenta, é possível conhecer em que etapa de construção encontra-se cada indicador, bem como identificar os que ainda não dispõem de dados ou metodologia definida e ainda aqueles que não se aplicam ao País.
O trabalho da CNODS contará com o auxílio de Câmaras Temáticas, que discutirão os ODS de maneira transversal e integrada, de forma a tornar a análise coerente e compatível com o equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável para cada uma das políticas públicas em execução ou que virão a ser lançadas. O objetivo é fazer com que as preocupações com a sustentabilidade passem a perpassar de maneira perene a elaboração das políticas públicas.
Outra iniciativa em andamento no poder público ocorre no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), que começa a introduzir critérios de sustentabilidade nos mecanismos de prestação de contas e transparência do Estado. Os ODS e suas metas têm inspirado e instruído esse processo.
Cabe mencionar igualmente alguns dos esforços empreendidos pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) na difusão e territorialização dos ODS. Essas iniciativas incluem, entre outros, (i) a publicação do “Guia para Localização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nos Municípios Brasileiros”; (ii) a chamada “Mandala ODS Municipal”, ferramenta destinada a diagnosticar, monitorar e avaliar o desempenho dos municípios em relação à implementação dos ODS; e (iii) a realização de mesas temáticas e eventos de divulgação da Agenda 2030.
Fórum dos países da América Latina e do Caribe
O acompanhamento global da implementação da Agenda 2030 dá-se sob os auspícios do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC, na sigla em inglês), por meio do Fórum Político de Alto Nível (HLPF, na sigla em inglês), instância que também teve sua origem na Rio+20 e que sucedeu a antiga Comissão de Desenvolvimento Sustentável. Durante período de vigência da Agenda 2030, o HLPF deverá reunir-se no mês de julho de cada ano e desempenhará a função de acompanhamento por meio de dois principais mecanismos: (i) debates gerais sobre um conjunto pré-definido de temas; e (ii) seguimento das estratégias nacionais de implementação mediante a apresentação de Relatórios Nacionais Voluntários. O Brasil apresentou seu primeiro relatório em 2017, ocasião em que delineou as principais estratégias da CNODS e dos demais parceiros. No plano regional, criou-se o Fórum dos Países da América Latina e do Caribe para o Desenvolvimento Sustentável, no seio da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Essa esfera regional tem o papel de adaptar a Agenda 2030 às particularidades da região e propiciar o compartilhamento de experiências entre os países. O primeiro encontro do Fórum Regional ocorreu na Cidade do México, de 26 a 28 de abril de 2016, e o segundo, em Santiago do Chile, de 18 a 21 de abril de 2018.
Um caminho para o futuro
O compromisso que a Agenda 2030 cria é de natureza política, em que se busca robustecer o contrato entre as pessoas e seus governos. Isso é feito por meio da incorporação às políticas públicas de fundamentos de consenso e preocupações globais incontornáveis, a fim de revigorar esse contrato.
A busca de coesão política em torno da Agenda 2030 contribui para adequar o modelo de desenvolvimento brasileiro, incorporando de forma crítica e democrática os preceitos do desenvolvimento sustentável. A atuação da sociedade brasileira é claro testemunho de sua capacidade de transformação ao longo de todas essas décadas, e isso não se resumiu a ações governamentais, mas ao envolvimento e à criatividade da sociedade civil, do setor privado, das iniciativas no âmbito local, no nível das famílias e dos indivíduos.
As ações da CNODS, por exemplo, têm encontrado enorme receptividade nos vários âmbitos em que tem atuado. Há um desejo vivo por novos modelos e parâmetros, inclusive em instâncias sociais que costumam estar mais à margem das decisões de poder. Os ODS constituem uma linguagem comum, democrática e mobilizadora de sociedades modernas e dispostas a levar adiante transformações ousadas e necessárias em seu modelo de desenvolvimento.
A Agenda 2030 constitui, pois, uma oportunidade ímpar para a adoção de um novo paradigma de desenvolvimento para o País. A CNODS vem trabalhando no sentido de consolidar e institucionalizar a Agenda e sua plena implementação como política de Estado, acima de conjunturas de curto prazo.
Os caminhos para a implementação da Agenda 2030 no Brasil estão dados: uma sociedade dinâmica, ainda que injusta, um estado com a capacidade institucional de conduzir esse processo, meios materiais para tanto, um patrimônio ambiental invejável e a aceitação no bojo da sociedade da responsabilidade de fazer bom uso desse ativo. O desenvolvimento sustentável não nos é estranho, ao contrário, serviu-se da experiência brasileira para constituir-se conceitualmente. Uma aposta nesse sentido certamente traria bons frutos.
Antônio Marcondes de Carvalho Diplomata desde 1976, é formado em Direito e tem longa experiência com negociações internacionais em temas econômicos e regionais. Chefiou, durante oito anos, o Departamento de Integração Regional do Itamaraty. Serviu nas embaixadas do Brasil em Washington e Havana e na Missão junto à ONU, em Nova York. Foi embaixador na Representação Permanente do Brasil junto à FAO e na Embaixada em Caracas. Assumiu, em agosto de 2013, o cargo de subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia no Ministério das Relações Exteriores do Brasil e é o negociador brasileiro para mudança do clima e temas de desenvolvimento sustentável. Nicola Speranza Diplomata desde 2003, é formado em Economia e atuou nas áreas de temas sociais, direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Chefiou a Assessoria de Relações Internacionais do Ministério das Cidades e atualmente chefia a Divisão de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável do Ministério das Relações Exteriores. Serviu nas embaixadas do Brasil em Beirute e em Paris.
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