02 abril 2016

PMDB: Da Resistência Democrática ao Fisiologismo

O partido que veio a se tornar o PMDB nasceu para ser a oposição consentida ao governo militar e, no curso do processo, tornou-se uma grande avenida por onde trafegaram grupos de diferentes tendências no enfrentamento ao arbítrio.
Como toda ditadura, a brasileira torturou e fez desaparecer inúmeros oposicionistas, até mesmo do campo parlamentar, como foi o caso do ex-deputado Rubens Paiva.

O partido que veio a se tornar o PMDB nasceu para ser a oposição consentida ao governo militar e, no curso do processo, tornou-se uma grande avenida por onde trafegaram grupos de diferentes tendências no enfrentamento ao arbítrio.
Como toda ditadura, a brasileira torturou e fez desaparecer inúmeros oposicionistas, até mesmo do campo parlamentar, como foi o caso do ex-deputado Rubens Paiva. Como contraponto de si mesmo, o regime ditatorial no Brasil sempre manteve um discurso institucional querendo fazer entender que estava de passagem para chegar a uma nova democracia.
Nos momentos mais obscuros de cassação de mandatos e de brutal repressão, o Congresso era fechado por um determinado período e depois reaberto com um controle mais rígido. O golpe militar orquestrado pela sinfonia da guerra fria teve, inicialmente, o apoio de amplos segmentos civis, da classe média, do empresariado e da igreja católica. E talvez, por isso mesmo, procurou manter lampejos de institucionalidade, condição que não aconteceu com os seus congêneres latino- americanos, como os casos da Argentina e do Chile.
Sempre é importante lembrar que o general Castelo Branco, primeiro presidente militar, foi eleito de forma indireta com o apoio do PSD e do próprio Juscelino Kubitschek, mesmo em um Congresso Nacional desfigurado por cassações de pessoas bem representativas dos principais partidos. Logo depois, o antigo modelo pluripartidário foi extinto e substituído por um partido do governo – Aliança Renovadora Nacional (Arena) – e outro que reunia parcelas da oposição consentida, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Seguindo a linha de raciocínio de autores como Elio Gaspari1 e Daniel Aarão Reis2, a imposição do bipartidarismo já indicava o cerceamento de competição política e apontava na direção da institucionalização da doutrina de Segurança Nacional. Depois das inúmeras cassações, restava à organização designada para ser oposição se tecer com uma bancada minúscula, com poucos quadros que sobraram do antigo PTB e com algumas lideranças regionais originárias do escorregadio Partido Social Democrático (PSD), muitas delas pessoas que perderam a disputa pela hegemonia regional no partido governista (Arena).
A tentativa de organizar diretórios do MDB nas cidades do interior do País às vezes se revestia de cores patéticas em razão da pressão e intimidação por parte das oligarquias que se abrigavam na sigla governista e se sentiam respaldadas pelo poder militar. Para citar um exemplo exótico, no estado de Pernambuco, lideranças do MDB chegaram a fazer um comício em uma cidade de interior sem uma única pessoa como ouvinte. As pessoas ficaram trancadas em casa porque haviam recebido ordens para não darem respaldo ao comício oposicionista.
Frente ampla
Nos dois primeiros anos, entre 1964 e 1966, o governo militar não conseguia unificar um modelo de repressão e parecia preocupado em apresentar satisfações à opinião pública internacional, o que não o impedia de utilizar quase sempre instrumentos de exceção. Em um movimento pendular e ambíguo, o governo ia se organizando com base na nova doutrina de Segurança Nacional. Conforme destaca a professora Maria Helena Moreira Alves, em sua obra e estudo sobre o “Estado e a Oposição no Brasil”, a variante brasileira da ideologia de Segurança Nacional se volta especificamente para a ligação entre desenvolvimento econômico e segurança interna e externa. Por sua vez, a oposição legal se limitava a fazer discursos no Congresso Nacional com uma linguagem jurídica/moderada e a participar do calendário eleitoral dentro das limitações da conjuntura.
A configuração dos interesses políticos mais amplos e a expressa vontade dos militares de se manterem por um longo tempo, criando uma nova modelagem institucional, começaram a encontrar resistência de expressivos setores que haviam apoiado o golpe. Logo, expressivas lideranças civis passaram do discurso à ação, organizando com oposicionistas cassados uma Frente Ampla para combater o governo.
A reação do regime foi contundente, com a cassação dos direitos políticos de influentes líderes civis, antes estimuladores da intervenção militar, com destaque para Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, respectivamente ex-governadores dos estados da Guanabara e de São Paulo. O recurso ao poder de cassação mostrou que o regime não podia suportar uma oposição aberta que passou a ser muito maior do que o partido de oposição legal. A chamada Frente Ampla foi estruturada em 1967 e, em abril de 1968, teve as suas atividades proibidas. A essa altura já havia sido promulgada uma nova Constituição (1967), dando arcabouço legal aos atos institucionais do regime. Oito meses depois (dezembro de 1968), fechou-se o cerco com a promulgação do Ato Institucional número 5, que é considerado a consagração da doutrina de Segurança Nacional, ou, como foi também chamado, o golpe dentro do golpe.
O Congresso Nacional permaneceu fechado de dezembro de 1968 a outubro de 1969. O fechamento permitiu que fosse editado um conjunto de medidas que iriam não apenas aumentar o controle sobre a sociedade civil como preparar a economia para o chamado novo modelo de crescimento baseado nos investimentos estrangeiros em indústrias de bens duráveis, num brutal arrocho salarial e na estabilidade política pela repressão. O País vivia um clima de grande euforia, com uma taxa de crescimento média de 10% ao longo de cinco anos que, mesmo com arrocho salarial, proporcionou a ascensão de uma nova classe média alheia às lutas políticas que se desenvolviam por parte de outros segmentos mais politizados da sociedade. Um novo modelo socioeconômico estava em curso. Conforme lembra Daniel Aarão Reis, formou-se um grande bloco de recursos nacionais e estrangeiros, com empresas estatais reeditando um nacional estatismo que provocava grande euforia em importantes segmentos da população.
Ressurgimento de novo ânimo oposicionista
Mesmo nesse quadro de aumento da repressão e do cerco à oposição, as eleições legislativas foram mantidas, e o MDB concorreu em uma situação de extrema adversidade. O resultado do pleito foi uma vitória retumbante do partido governante, com cerca de 70% dos votos válidos. Como quase não teve a votação mínima de 20% exigida pela legislação, um grupo do MDB pensou na autodissolução como uma forma de protesto. O milagre econômico, a repressão e a campanha do voto nulo se somaram, de forma contraditória, para dar maior relevância à vitória governista. Com esse resultado, o primeiro presidente do MDB, o senador Oscar Passos, que não conseguiu se reeleger como senador pelo estado do Acre, renunciou ao cargo de presidente do partido e foi substituído pelo deputado Ulysses Guimarães, de tradição liberal e que, posteriormente, iria ser símbolo da transição democrática.
A compreensão de que a história não tem um curso linear, mas avança de forma desigual, ajuda a entender a natureza das mudanças contraditórias na conjuntura política. Uma análise do processo permite compreender que, apesar da grande derrota de 1970, ocorreu uma renovação no partido com a eleição de algumas lideranças liberais progressistas que reforçaram um discurso mais sistemático e oposicionista que ultrapassa a crítica liberal e inclui objeções ao modelo econômico, além de acrescentar novas demandas sociais ao debate no parlamento. Os novos eleitos fortalecem o grupo que passou a ser chamado de “autênticos” em oposição à maioria moderada do próprio partido oposicionista.
Com a oposição radical praticamente dizimada, o apoio eleitoral da maioria da população ao partido governista parecia garantir a perenidade do regime, em razão, principalmente, do processo de crescimento da economia. Em outras palavras, o regime vigente ganhava um aparente fôlego para uma caminhada serena, pelo menos, por mais uma década. No entanto, antes da primeira metade de década, em 1973, a primeira crise do petróleo já dava sinais das dificuldades que o milagre teria pela frente. Mesmo assim, no campo interno, o apoio político do governo parecia inabalável, o que lhe dava segurança para manter o calendário das eleições legislativas sem atropelos.
Na contramão da fragilidade eleitoral do MDB e da própria campanha pelo voto nulo, começava a se esboçar um movimento de base pouco perceptível que agregou outras forças ao frágil MDB, que havia saído derrotado das urnas nas eleições de 70. Isso acontecia mais em alguns estados do que em outros.
É importante registrar uma tendência de mudança na compreensão do papel da oposição legal por importantes setores da sociedade civil. Sem deixar de denunciar a violação dos direitos humanos, alguns setores oriundos da igreja, de profissionais liberais que estruturavam novas organizações da sociedade civil e até mesmo de remanescentes da luta armada, começam a se articular com o MDB, particularmente com a ala mais autêntica do partido. No estado de Pernambuco, pela sua tradição de Frente Popular, a inserção de outras forças políticas, da velha e da nova oposição, deu-se já no período ainda duro da repressão.
Não se tratava de nada organizado, sistemático ou orgânico, mas de um sentimento de que estava na hora de fortalecer o espaço da oposição institucional. As palavras de ordem continuavam sendo bem genéricas, como a luta pelo Estado de Direito e contra o Ato Institucional número 5. E essas palavras encontravam ressonância cada vez maior em setores da sociedade que até então ainda não participavam do embate eleitoral.
Um fato marcante do papel da oposição legal e que passa despercebida de muitas análises, foi uma estratégia despretensiosa de lançamento de uma anticandidatura na eleição presidencial indireta de 1973 para concorrer no colégio eleitoral contra o general Geisel, já ungido como candidato oficial. Por maioria, a convenção do MDB resolveu lançar uma chapa formada por Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho para concorrer no colégio eleitoral. Um gesto simbólico que podia ser erroneamente interpretado como um apoio ao colégio eleitoral, mas que possibilitou à oposição percorrer o País discutindo as teses da redemocratização.
Não se tem pesquisa conhecida para avaliar o alcance real desse gesto no imaginário popular. O que se sabe é que um ano depois da aventura da anticandidatura, a população surpreendia o governo e a própria oposição, dando uma vitória expressiva aos candidatos ao Senado pelo MDB. Entre o esmagamento da oposição no início da década de 70 e o ressurgimento de um novo ânimo oposicionista (em 1974), tem-se que o milagre econômico vai se esvaecendo, e a própria classe média, beneficiária do ciclo anterior de expansão econômica, adere em massa à oposição.
O mais importante e inovador desse ciclo de legitimação do partido oposicionista foi o recado dado pela maioria da população, que indicou o caminho institucional para superar o regime, contrariando a tese de luta exclusiva por fora do sistema. Em pleno regime ditatorial, o protagonismo político e eleitoral é elevado a ator principal pelo eleitorado. Nesse contexto, a imprensa, mesmo sob censura, passa a fazer um papel fundamental na divulgação das teses da oposição. Papel esse feito tanto por veículos e empresas tradicionais de divulgação como também pela chamada imprensa alternativa. Nesse período, jornais como O Pasquim, Opinião e Movimento surgiram e passaram a ter grande audiência e penetração entre os intelectuais e a classe média.
MDB,  caudal de insatisfação
Com resultados que revelaram uma grande surpresa, as eleições de 1974 assinalam o início da desconstrução do regime, como destacou a imprensa de vários países. O peculiar nesse novo quadro foi que tanto a oposição quanto o governo não esperavam o tamanho do descontentamento popular que o pleito revelou. A surpresa do próprio MDB em relação ao resultado se mostrou no fato de que, com poucas exceções, o partido não disputou a eleição para o Senado em 1974 com seus quadros principais. Em alguns estados, houve uma clara improvisação de candidatos desconhecidos e sem vínculos partidários. Alguns dos principais líderes oposicionistas abdicaram da disputa majoritária com receio de perderem uma cadeira segura na Câmara de Deputados.
No terceiro volume de sua trilogia (Ditadura Escancarada), o jornalista Elio Gaspari destaca o ambiente causado pelo resultado dessa eleição, junto ao sistema e ao governo, ao relatar uma parte da fala de avaliação da conjuntura feita pelo presidente Geisel, em reunião com o alto comando das Forças Armadas. Na sua fala, o General Geisel deixa claro o dilema provocado pelo pleito.
“No quadro político, o grande problema que surgiu é o das eleições de novembro. O que essas eleições tiveram de importante para nós é que serviram de alerta para o governo. O governo vivia muito tranquilamente neste quadro político (…) mas, por baixo, nós não sabíamos o que estava acontecendo (…). A Arena é um partido extremamente fraco (…). O governo despreocupou-se muito com a política (…). Agora, ou nós cuidamos desse problema, ou então continuamos a não gostar de política e vamos sonhar com uma ditadura, que eu acho a pior solução.”
Na realidade, depois dessas eleições, o MDB foi se tornando um caudal que passa a canalizar de forma efetiva a insatisfação de amplos setores. Insatisfação tanto da sociedade organizada quanto de parcela expressiva do eleitorado, obrigando o regime a mudar as regras do jogo para não perder o controle total nas próximas eleições ou arriscar um endurecimento para uma ditadura absoluta, que não interessava a todos os estamentos militares.
As eleições legislativas seguintes, as de 1978, ocorreram, contraditoriamente, em um clima de promessa de abertura política e de ampliação das medidas eleitorais restritivas que assegurassem a maioria governista no pleito e uma tranquila vitória governista na sucessão presidencial. No chamado “pacote de abril” do general Geisel, foi criada a figura do senador indireto (eleito pelas assembleias legislativas) e estabelecida a vinculação de votos para cargos proporcionais, além de determinar que a propaganda eleitoral gratuita ficasse restrita ao currículo dos candidatos. Ainda foi mexido na representatividade do voto com o aumento do número de parlamentares para os estados menos populosos.
Pluripartidarismo
Para manter o aceno no campo da abertura política, o governo fez aprovar, dois meses antes das eleições, um pacote de medidas liberalizantes, como a revogação do AI-5, o restabelecimento do habeas corpus e da autonomia do judiciário. O casuísmo extremo conseguiu reverter a derrota de 1974, porém, o desgaste político do regime já era evidente. O partido oposicionista seguia ampliando seu apoio, agora agregando um novo eleitorado urbano capaz de favorecer a eleição de novos quadros mais identificados com um ideário de uma democracia substantiva que empolgava a população mais jovem. A tradicional bandeira do restabelecimento do Estado de Direito, embora já usada anteriormente pelos oposicionistas, continuava sendo o carro chefe da oposição.
Contados os votos, a chamada mão pesada do general Geisel impediu a repetição da acachapante derrota governista de quatros anos atrás. Na Câmara Federal, a Arena elege 55% da bancada de deputados contra 45% do MDB, o que obrigou o governo a mudar o quórum para maioria simples, exigido para a aprovação de emendas constitucionais.
Uma tendência que se configurava a cada eleição era o esvaziamento do respaldo popular à ditadura. O que se traduzia com as sucessivas vitórias do MDB nas grandes cidades e estados mais urbanizados do Sudeste e do Sul do País. O casuísmo do voto vinculado se volta contra o criador. No Estado do Rio de Janeiro, a Arena elege apenas 11 deputados contra 35 de MDB. Em São Paulo, são 37 da oposição contra 17 da agremiação governista. O Rio Grande do Sul também dá maioria à oposição. O Nordeste ainda manteve a hegemonia eleitoral do partido do governo, embora com um acentuado crescimento da oposição. No estado de Pernambuco, por exemplo, o MDB elege mais da metade da bancada federal, com destaque para a densidade política, ideológica e intelectual de boa parte dos eleitos. Tanto que a bancada pernambucana se tornou conhecida no Brasil como uma vanguarda combativa e a mais definida ideologicamente naquele período.
Aos poucos o Brasil passa a viver numa situação pendular e ambígua. A ditadura já não existia com todos os seus instrumentos de exceção, mas a democracia não estava plenamente instalada. A estratégia de Geisel o fez manter o controle no atacado, possibilitando a eleição do general Figueiredo como sucessor pelo colégio eleitoral em dezembro de 1977.
Com o repetido êxito eleitoral do MDB, o regime bipartidário passou a não ser mais funcional ao regime militar, porque tendia a transformar cada eleição em um plebiscito. A saída do regime foi instituir o pluripartidarismo sob o pretexto de ampliar a redemocratização do País e consolidar a anistia política. O objetivo mais imediato era cooptar parte do MDB para um partido moderado, de apoio ao governo, que garantisse a continuidade das regras do regime militar em um período de transição, evitando surpresas pelo surgimento de posições mais radicais em relação aos membros do regime no momento da anistia. O comando do governo precisava responder à pressão da sociedade e passar segurança aos bolsões recalcitrantes do sistema de que a abertura não significaria punições para os que atuaram nos porões do regime.
Três novos  partidos
Com as mudanças na legislação do ordenamento partidário, a Arena se transforma em Partido Democrático Social (PDS), e o MDB, apesar de denunciar o casuísmo, adapta-se e passa a ser denominado Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O resultado efetivo da manobra do pluripartidarismo foi de saída a fundação de três novos partidos. Da ala mais moderada do MDB e de alguns dissidentes da base governista surge o Partido Popular (PP). O PP teve vida curta e voltou a ser incorporar ao PMDB. Da herança do velho trabalhismo surgem duas agremiações. O PTB, mais claramente influenciado pelo governo, e o PDT, liderado pelo ex-exilado Leonel Brizola. Nesse quadro, também surge o Partido dos Trabalhadores, constituído pelo novo sindicalismo do ABC Paulista, por representantes de comunidades de bases da igreja católica e de remanescentes da esquerda mais radical. Os partidos mais tradicionais da esquerda, como o PCB e o PCdoB, preferiram continuar abrigados ainda no PMDB.
Uma opção política assumida pela oposição que fugia das rédeas curtas que o governo tentava segurar, ainda no período do general Figueiredo, foi a decisão de realizar uma ampla campanha popular e pluripartidária pela volta das eleições diretas para Presidente da República. A primeira manifestação pelas Diretas ocorreu na cidade de Abreu e Lima, na região metropolitana do Recife, organizada pelo PMDB local e com presença de menos de mil pessoas. A última foi em São Paulo, um ano depois, com a presença de 1, 5 milhão de pessoas. Sob a batuta de Ulysses Guimarães, o movimento ganhou a adesão de todos os políticos de oposição, de artistas, intelectuais e desportistas. Entre março de 1983 e abril de 1984, foram realizadas aproximadamente 35 manifestações, que encheram as praças das principais cidades do País.
O governo manobrou no Congresso e derrotou a emenda pelas Diretas. Mesmo assim, com o prestígio já bem abalado, perderia o controle do próprio Colégio Eleitoral. A sua própria base eleitoral se dividiu e surgiu o Partido da Frente Liberal (PFL), que em aliança com o PMDB elegeu para presidente da República Tancredo Neves, de Minas Gerais, um político liberal, conservador e com grande capacidade de conciliação. Com a eleição de Tancredo Neves, encerra-se o ciclo dos presidentes militares e começa a efetiva transição para a democracia.
Logos após a eleição do peemedebista moderado Tancredo Neves, o país vive simultaneamente uma tragédia e uma comédia. A tragédia foi a enfermidade do velho líder às vésperas de assumir a presidência. Sua morte, logo em seguida, provocou uma comoção em todo País, com a população chorando como se o presidente falecido tivesse se imolado para salvar a democracia no Brasil. A comédia estava no fato do sucessor de Tancredo ser José Sarney, ex-presidente do PDS, político que transitou todo o período anterior em postos-chave no regime militar e só no último momento passou para o PMDB para compor a chapa com Tancredo Neves. Nesse episódio parecia que estava o vaticínio do que viria a ser o PMDB em futuro próximo.
A história daria oportunidade ao PMDB da resistência de escrever o epílogo da luta democrática, dando ao País um Estatuto Jurídico que se tornou uma referência internacional. Na verdade, o protagonismo foi muito mais de seu presidente, o deputado Ulysses Guimarães, do que do conjunto do partido. Tirando forças de sua retidão e coragem no enfrentamento à ditadura, ele articulou, brigou, fugiu das armadilhas de membros de seu próprio partido e da nova aliança governista, e entregou à nação um símbolo de esperança que foi a Constituição Cidadã.
“Partidoônibus”
A história mais uma vez mostrou que não caminha de forma linear e pregou uma peça em muitos que ajudaram na luta contra o arbítrio. Como uma espécie de “partido ônibus”, onde não existem critérios de acesso, o PMDB passou a parar em estações que variam de acordo com as conveniências e interesses de seus integrantes. A partir da consolidação da democracia no País, o PMDB passou a navegar em mares turvos. Sua imagem de resistência à ditadura deu lugar a uma imagem veiculada à obtenção desmedida de votos, ao aceno incontido de preenchimento de cargos, à cooptação política e à promiscuidade entre o público e o privado.
O PMDB se transformou, desgraçadamente, em uma federação de líderes sem vinculação programática. O estilo atual de fazer política do partido está sempre focado no fisiologismo e em dar estabilidade congressual a qualquer coalizão presidencial, o que tem um custo ético muito elevado. No momento em que o País passa por uma das maiores crises políticas e econômicas de sua história recente, vemos o PMDB dar mais uma demonstração de como se tornou um partido incoerente com sua história de luta e resistência.
Seus líderes atuais ocupam cargos-chave no governo do PT, que está se comprovando ser um dos mais desastrosos e corruptos de nossa história. Um governo que em nome de um projeto de poder subverteu a lógica e a ética a seu favor. Que aparelhou empresas públicas e fez com que empresas privadas financiassem de forma escusa suas estratégias de atuação. Um governo que troca ministérios em busca de apoio sem estabelecer nenhum critério. Na verdade, qualquer partido sério passaria longe de um apoio a tudo isso que estamos vendo, mas o PMDB insiste em seguir caminhando junto a esse governo falido e mentiroso.
Enquanto o PMDB segue nessa via tortuosa e sem rumo, com as suas divergências internas sendo classificadas como briga por mais poder e espaço, os nichos minoritários de resistência dentro do partido continuam a buscar caminhos e posturas éticas e coerentes no cenário político atual. Tarefa difícil, é verdade, mas quem escolheu a política como forma de colaborar com a transformação social de um povo nunca teve vida fácil.


JARBAS VASCONCELOS é pernambucano, natural da cidade de Vicência. Formou-se advogado pela Universidade Católica de Pernambuco. Deputado estadual (MDB, 1971-1974), deputado federal (MDB, 1975-1979 e PMDB,1983-1985), prefeito do Recife por duas vezes (PMDB,1986-1988 e 1993 a 1996), governador do estado de Pernambuco também reeleito (PMDB,1999-2006), atuou no Senado Federal no período de 2007 a 2015 (PMDB), quando assumiu, até a presente data, um novo mandato na Câmara Federal (PMDB).

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