18 outubro 2012

Política Econômica em Tempos de Crise Externa

Antes da ocorrência da crise de 2008 e de seus desdobramentos, havia grande otimismo quanto à aceleração do crescimento brasileiro.

Sabíamos que não poderíamos contar com uma grande contribuição da absorção de mão de obra, porque, em pleno emprego no mercado de trabalho, ela está limitada pelo crescimento demográfico, que leva a uma taxa de crescimento de 1,5% ao ano da população em idade ativa.

A mudança do quadro mundial

Antes da ocorrência da crise de 2008 e de seus desdobramentos, havia grande otimismo quanto à aceleração do crescimento brasileiro.

Sabíamos que não poderíamos contar com uma grande contribuição da absorção de mão de obra, porque, em pleno emprego no mercado de trabalho, ela está limitada pelo crescimento demográfico, que leva a uma taxa de crescimento de 1,5% ao ano da população em idade ativa. Sabíamos, também, que o crescimento populacional já havia diminuído para próximo de 1% ao ano, e que isto fará com que a contribuição da população em idade ativa continue caindo ao longo dos próximos anos. No entanto, poderíamos ser favorecidos pela contribuição da produtividade total dos fatores, que vinha se elevando nos últimos anos, chegando a uma taxa que, por coincidência, também era próxima de 1,5% ao ano. Dadas as contribuições atuais dessas duas fontes, se o Brasil lograsse manter a taxa de investimentos em torno de 20% do PIB, poderia sustentar uma taxa de crescimento em torno de 4,5% ao ano. Era essa a estimativa mais frequente da taxa de crescimento do PIB potencial no Brasil antes da crise.

A taxa de investimentos de 20% do PIB não é baixa para os padrões brasileiros. Computada a preços constantes do ano 2000, ela nunca ultrapassou este valor desde que o Brasil passou a publicar as contas nacionais trimestralmente, em 1994. Mas, como a poupança doméstica é baixa, para financiar taxas de investimento dessa magnitude o país sempre precisou da complementação das poupanças externas. Nunca vimos indicações de que as autoridades do governo cogitassem medidas estimuladoras das poupanças domésticas, livrando-nos, ainda que parcialmente, da dependência da absorção de poupanças externas. Nos últimos anos, elas frequentemente davam indicações de que talvez pudéssemos esticar um pouco a corda, forçando a taxa de investimentos para 22% ou 23% do PIB. Para isso, teríamos que tirar proveito dos ganhos de relações de troca, gerados pelo ciclo de elevação dos preços internacionais de commodities. Os ganhos de relações de troca permitiriam um aumento da contribuição das poupanças externas sem provocar uma elevação maior dos déficits em contas correntes. Estes, por sua vez, poderiam ser facilmente financiados pelo forte ingresso de capitais, propiciado pela extrema liquidez da economia mundial. A liquidez mundial nos ajudava, quer gerando ganhos de relações de troca quer gerando formas de financiar os déficits em contas correntes, e, com isso, acreditávamos que seria fácil acelerar o crescimento econômico do Brasil.

A crise de 2008 interrompeu esse sonho e impôs ao Brasil novos problemas. Mudou o comportamento das relações de troca e alteraram-se as perspectivas de ingressos de capitais, mas estes foram os menores problemas que passamos a enfrentar. Logo de início, a crise mostrou a sua violência ao paralisar o crédito bancário em escala global e ao impedir o funcionamento do sistema global de pagamentos. A consequência desses dois fatos foi uma recessão em escala global, com o crescimento do desemprego e o aumento da capacidade ociosa. Sem crédito, e com os pagamentos interrompidos, ocorreu uma queda sem precedentes da produção industrial. Entre o pico e o vale da recessão, que foi atingido em apenas alguns meses, a produção industrial do Brasil declinou 26%; a dos EUA, 20%, a da Europa, 24%; e a do Japão, perto de 50%. A nova realidade imposta ao Brasil não era mais como acelerar o crescimento, mas sim como sair da recessão.

O Brasil reagiu naquela fase da crise estimulando a expansão da demanda agregada, reduzindo o superávit primário e expandindo o crédito por parte do BNDES, ao lado de uma queda mais tímida da taxa de juros, que teve que ser interrompida um pouco mais tarde devido ao exagero dos estímulos fiscais e creditícios, levando a um forte crescimento da inflação. Mas, mesmo com estes defeitos, o país saiu rapidamente da recessão, contrariando o ocorrido na maioria dos demais países. Ao final de 2010, a produção industrial brasileira já havia retornado ao pico prévio, enquanto a dos EUA, da Europa e do Japão até hoje, ainda, não retornaram àquele patamar. O sucesso das medidas contracíclicas no Brasil pode ser atestado pelo crescimento do PIB em 2010, que atingiu 7,5%, com claras evidências de que o país já havia retornado ao pleno emprego no mercado de trabalho. A inflação quase superando o teto de 6,5% do intervalo contendo a meta, em 2011, é uma evidência adicional da forte expansão da demanda agregada.

Uma análise superficial talvez pudesse sugerir que o problema gerado pela crise internacional teria sido superado com a reação brasileira disparando as medidas contracíclicas, e que o país estaria pronto para retornar ao sonho da aceleração do crescimento. Mas o mundo nos reservava mais surpresas, e a crise mundial prosseguiu, ainda que com características diferentes daquelas da primeira fase.

Primeiramente, a recuperação da economia norte-americana vem sendo mais lenta do que em qualquer outra recessão, com exceção à de 1929. Mesmo admitindo que após as eleições presidenciais ocorra um acordo que prorrogue as isenções tributárias nos EUA, fugindo do penhasco fiscal (fiscal cliff), que provocaria uma recessão em 2013, não há perspectivas de aceleração do crescimento. Embora os preços das casas venham mostrando uma pequena elevação, e o índice de confiança dos construtores de casas indique algum crescimento, estes são apenas sinais de vida de um setor que ainda tomará muito tempo para se recuperar. O consumo das famílias, por sua vez, vem crescendo a taxas bem mais baixas do que na saída da recessão de 1980/82, que foi a pior do século passado, excetuada a crise de 1929. Nos anos 1980, nem as famílias estavam excessivamente endividadas nem ocorreu uma destruição de riquezas. Na atual crise, o estouro da bolha imobiliária levou a uma destruição de riqueza que obriga as famílias endividadas a poupar. Dessa forma, o consumo das famílias só pode crescer limitadamente estimulado pela política monetária não convencional do Federal Reserve e está longe de ser autossustentável.

Na Europa, problemas mais complexos

Na Europa, os problemas são bem mais complexos. Eles se iniciaram bem antes da crise de 2008, com a disparidade gerada entre os países da área monetária pela própria criação do euro. Antes do advento do euro, havia países mais produtivos com uma moeda forte, como a Alemanha, ao lado de países menos produtivos com uma moeda fraca, como Grécia, Portugal e Espanha. O euro tornou ainda mais competitivos os países produtivos e menos competitivos os países da periferia. Como nos ensina a teoria das áreas monetárias ótimas, as consequências disto somente poderiam ser eliminadas se existisse mobilidade de mão de obra ou se fosse criada uma união fiscal. Os políticos que construíram o euro provavelmente tinham consciência desse problema, mas julgaram que a criação da união fiscal não tinha urgência e poderia ser realizada em algumas décadas. Foram atropelados pela crise de 2008, que encurtou o período no qual os ajustes econômicos teriam que ocorrer, antes de existirem as condições políticas para isso.

Para piorar o problema, os países que mais perderam competitividade com a criação do euro são os que se enredaram em uma crise de dívida soberana ao lado de uma crise bancária. Este é o caso da Espanha, mas não é o único. Próximos da insolvência, não podem capitalizar seus bancos com recursos públicos, porque isso elevaria suas dívidas, aumentando ainda mais os prêmios de risco, tornando a dinâmica da dívida ainda mais perversa. Diante dessa autoalimentação entre as duas crises – bancária e de dívida soberana –, resta-lhes esperar que o BCE compre bônus de dívida soberana. Mas, mesmo que isso ocorra, terão de manter a austeridade fiscal, para evitar um default soberano e realizar reformas que aumentem a competitividade, o que significa que as perspectivas são de continuidade de baixos crescimentos alternando-se com recessões.

Quando o mundo se desacelera todas as economias são afetadas, inclusive a China, cujos graus de liberdade vêm diminuindo devido à sua dependência das exportações e às dificuldades – econômicas e políticas – de transitar para uma economia fundamentada na expansão do consumo interno. O quadro pintado acima não deixa esperanças de reversão no curto prazo. Não sabemos quais são os canais através dos quais esse contágio atua sobre a economia brasileira. Mas isso não tem importância, porque sentimos seus efeitos. Na realidade, para sentir os efeitos da gravidade não é preciso saber se ela vem de uma força, como explicou Newton, ou da curvatura do espaço, como explicou Einstein. Quando a economia mundial se desacelera, o Brasil é atingido, entre outros canais, através da piora das exportações, da redução dos fluxos de capitais ou do crescimento da aversão ao risco, derrubando os investimentos e as decisões de consumo.

No entanto, seria ingênuo atribuir ao contágio da economia mundial o medíocre desempenho que tivemos em 2011, quando o crescimento do PIB brasileiro ficou contido em apenas 2,7%, e ainda pior em 2012, quando deverá ficar próximo de 1,5%. O baixo crescimento mundial não afeta somente o Brasil, mas também a grande maioria dos países emergentes, que contrariamente ao Brasil vem mostrando desempenhos bem melhores do que o nosso. Por exemplo, em 2012, o Chile e o Peru deverão crescer acima de 6%; a Colômbia, um pouco abaixo de 6%; e o México, que é uma economia extremamente ligada aos Estados Unidos, e que por isso deveria ser prejudicado pelo baixo crescimento norte-americano, deve crescer em torno de 3,7%, que é uma taxa bem superior à do Brasil. Na realidade, o crescimento brasileiro em 2012, na América Latina, somente deve superar o do Paraguai. Na Ásia, a Índia e a Indonésia vêm crescendo acima de 6%; Malásia e Singapura mostram taxas próximas de 5%; e a Coreia deve crescer em torno de 3,6%.

Certamente todos esses países tiveram uma reação à crise mais eficaz do que a nossa. O que vem se passando com o Brasil?

A produção industrial e o custo unitário do trabalho no Brasil

Já no início de 2010, a produção industrial brasileira havia retornado ao pico prévio. Foi uma reação mais rápida e mais intensa do que em qualquer país industrializado. Mas, do início de 2010 até a metade de 2011, a produção industrial permaneceu estagnada, seguindo-se um período de queda, iniciado na metade de 2011 e que prossegue até hoje. Da mesma forma como durante a fase aguda da crise, iniciada em 2008, atualmente, a produção industrial brasileira é afetada pelo comportamento da economia mundial. Mas, contrariamente ao que ocorreu na resposta à crise, em 2008, atualmente, a produção industrial não tem respondido aos estímulos vindos da expansão da demanda doméstica.

Talvez a queda da produção industrial, iniciada em 2011, pudesse ser atribuída aos efeitos defasados da elevação de taxas de juros necessária para evitar que a inflação furasse o teto da meta, de 6,5% naquele ano. Em parte isso é verdade. Porém, em agosto de 2011, o Banco Central iniciou um agressivo ciclo de corte da taxa de juros, que trouxe a taxa real de juros de mercado abaixo de 1,5% ao ano e, mesmo tomando em consideração que as defasagens da política monetária são longas, a esta altura do ano de 2012 já deveríamos estar assistindo a uma reversão. Por que a reversão no comportamento da indústria não vem ocorrendo?

Para ensaiar uma explicação temos que olhar para dois lados do problema. O primeiro vem do grau de abertura da indústria ao comércio internacional. O Brasil é uma economia relativamente fechada ao comércio internacional, mas isto somente ocorre porque o setor de serviços (que praticamente não importa nem exporta) é muito grande em proporção ao PIB. Os dados das contas nacionais mostram que o valor adicionado pelo setor de serviços (que inclui o governo), supera 65% do PIB, enquanto o valor adicionado da indústria chega próximo de 25% do PIB. Se dividirmos a média de importações e exportações (excluindo-se os produtos agrícolas) pelo PIB da indústria, veremos que a indústria brasileira mostra um grau de abertura semelhante ao das economias consideradas abertas na economia mundial. Por ser aberta ao comércio internacional, a indústria sofre a competição de produtos importados e exportados, o que limita sua capacidade de elevar preços no mercado interno. Na terminologia dos economistas, a indústria opera “como se” fosse um “tomador de preços” no mercado internacional, ou seja, se tentar repassar os aumentos de custos para preços verá suas vendas domésticas caírem, sendo substituídas por importações.

O segundo problema prende-se ao que vem se passando no mercado de trabalho. Contrariamente ao ocorrido na fase imediatamente posterior à crise de 2008, em 2011 e 2012 todos os sinais são de que, atualmente, estamos em pleno emprego no mercado de trabalho. Atualmente, a taxa de desemprego no Brasil caiu abaixo de 6% da força de trabalho, atingindo os mínimos valores históricos, com um aumento forte dos salários reais ao lado de elevados índices de participação e de ocupação. Estes são, repito, sinais de uma economia operando próximo ou mesmo acima dos níveis de pleno emprego.

Novamente neste ponto entra a diferença entre a indústria e o setor de serviços. Segundo os dados das contas nacionais, em 2009, a indústria empregava em torno de 20 milhões de trabalhadores ante 60 milhões de trabalhadores empregados pelos serviços. Não há dados mais recentes das contas nacionais, mas os dados passados nos mostram que essa proporção de 1 para 3 ocorre também em anos anteriores. Por outro lado, outras fontes de dados, como os fluxos de contratações de trabalhadores formais reportadas pelo Cadastro Geral de Empregos (Caged), indicam que essa é aproximadamente a proporção entre os dois setores. Finalmente, tanto os dados das contas nacionais quanto os do Caged mostram uma clara tendência à equalização de salários. Isso significa que a taxa de salários pagos pela indústria não depende do emprego na indústria, mas sim do emprego no mercado de trabalho como um todo, que é afetado fortemente pelas contratações no setor de serviços.

Queda de juros, mais demanda e consumo

Qual é a consequência deste fato? A queda da taxa real de juros leva ao aquecimento da demanda de consumo, que continua se expandindo, como mostram claramente as taxas de crescimento das vendas reais do comércio. Crescem tanto a demanda de bens quanto a demanda de serviços, e, ainda que a indústria demita devido à competição das importações, o setor de serviços contrata mão de obra, o que eleva o nível de emprego e os salários reais. Esta é uma boa notícia para quem está preocupado com a ampliação do consumo, porque emprego e salários reais mais elevados aumentam as vendas reais do comércio. Mas, não é uma boa notícia para a produção industrial, porque, com isso, cresce o custo unitário do trabalho na indústria, que é o quociente entre os salários reais e a produtividade média na indústria. Desde o início de 2010, quando a produção industrial parou de crescer, iniciando um ciclo de queda na metade de 2011, o custo unitário do trabalho na indústria elevou-se em mais de 15% em termos reais. Essa elevação vem, em parte, da elevação dos salários reais e, em parte, da queda da produtividade do trabalho na indústria.

Este não seria um problema se a indústria conseguisse repassar esses aumentos de custos para os preços. Por ser um setor fechado ao comércio internacional, o setor de serviços consegue realizar, pelo menos parcialmente, esse repasse, obviamente com reflexos na inflação dos serviços, cujas taxas anuais dentro do IPCA têm oscilado nos últimos dois anos em torno de um patamar muito elevado, próximo de 8% ao ano. Mas, como a indústria é um setor bastante aberto, funcionando próximo de um tomador de preços, não consegue realizar o repasse, e a elevação do custo unitário do trabalho se reflete em redução de margens de lucro, levando ao desestímulo da produção. E para onde vai a demanda não atendida pela produção industrial? Ela vaza para o exterior na forma de aumento das importações líquidas.

Há evidências empíricas muito claras sobre os efeitos da elevação do custo unitário do trabalho sobre a produção industrial (Ver Pastore, Gazzano e Pinotti “Por que a Indústria não Cresce desde 2011” disponível em www.acpastore.com). Elas mostram que uma pequena parte da estagnação da produção industrial, entre 2010 e a metade de 2011, e da sua queda, na fase posterior à metade de 2011, deve-se ao contágio da crise mundial. Essas evidências mostram que o efeito quantitativo vindo da economia mundial é muito pequeno relativamente ao efeito proveniente da elevação do custo unitário do trabalho. A elevação do custo unitário do trabalho de perto de 15%, em termos reais, desde o início de 2010, foi suficientemente grande para anular totalmente o estímulo proveniente da queda contínua e forte da taxa real de juros e é a variável predominante na explicação tanto do comportamento da produção industrial quanto do comportamento dos níveis de utilização da capacidade instalada da indústria.

Será que a depreciação cambial pode salvar a indústria?

Obviamente, uma elevação de 15% no custo unitário do trabalho não teria levado a uma contração da produção e do nível de utilização de capacidade instalada na indústria, caso esse setor conseguisse repassar o aumento de custos para os preços. Porém, a competição internacional e o câmbio valorizado impedem esse repasse, estreitando as margens de lucro da indústria, levando à contração da produção e ao aumento da capacidade ociosa.

Note-se que a contração da indústria não vem da falta de demanda doméstica. O governo continuou reagindo a esta fase da crise e de seus reflexos sobre o Brasil como se o país ainda estivesse abaixo do pleno emprego, isto é, estimulando a ampliação da demanda. A prova de seu sucesso é o crescimento robusto das vendas reais do comércio.

Por que não resolvemos este problema depreciando o real? Esta poderia ser uma solução, mas não tão simples quanto parece à primeira vista. O câmbio é um preço esquizofrênico: é, ao mesmo tempo, um “preço de um ativo”, influenciado pelos fluxos de capitais, buscando ganhos financeiros, e, neste caso, estamos falando do câmbio nominal; e um “preço relativo”, entre bens domésticos e internacionais, e, neste caso, estamos falando do câmbio real. Do ponto de vista da determinação da competitividade da indústria, o que interessa não é o câmbio nominal, e sim o câmbio real, e uma boa medida do câmbio enquanto preço relativo é a relação câmbio/salários.

Para ter o efeito desejado de elevar a competitividade da indústria, é preciso ocorrer uma depreciação do câmbio real, e não apenas do câmbio nominal, o que significa que tem que ocorrer uma elevação da relação câmbio/salário. É somente desta forma que a indústria conseguiria reconquistar um pedaço da competitividade perdida. Se tomarmos o IPCA como indicador da inflação, veremos que as taxas de 12 meses estão convergindo para pouco mais de 5% em 2012, mas com um comportamento muito diferente dos preços livres e dos preços dos serviços e dos bens “domésticos” (não transacionáveis no mercado internacional), que são fortemente influenciados pelos salários. Enquanto os preços dos serviços acumulam taxas de 12 meses em torno de 8% ao ano, os “preços livres” (excluídos os preços “administrados e monitorados”), nos quais predominam os chamados “preços dos bens transacionáveis” (tradables), caminham a taxas bem mais baixas. A título de exemplo, as taxas de variação dos preços dos bens duráveis de consumo estão, há algum tempo, no campo negativo. Se quiser recuperar as margens de lucro, a indústria terá que repassar os aumentos do custo unitário do trabalho para os preços, elevando a relação câmbio/salários, o que significa acelerar a taxa de crescimento dos bens transacionáveis, que são exatamente os que vêm mantendo mais baixas as taxas de inflação.

Mesmo reconhecendo que esta ação tem efeitos inflacionários, o Brasil enveredou pelo caminho de alterar o regime cambial. O objetivo é o de favorecer a indústria com um câmbio real mais depreciado. Como isso vem ocorrendo?

Intervenções do BC no mercado de câmbio

Desde o início de 2011, as autoridades intensificaram os controles sobre ingressos de capitais, e três medidas mais eficazes (entre outras) foram tomadas. Primeiramente, foi colocado um recolhimento compulsório de 60% sobre posições vendidas de câmbio por parte de bancos. Em segundo lugar, foi criado um IOF de 6% sobre o financiamento à exportação, taxando inicialmente operações com prazo de 720 dias, que foi aumentado para 1080 dias. Por fim, o governo taxou com IOF empréstimos em bônus de até 1800 dias. A primeira destas três medidas praticamente impede quaisquer ganhos de arbitragem. Anteriormente, os bancos tomavam recursos no exterior à taxa LIBOR, aplicando os recursos no Brasil (no cupom cambial) sem risco de câmbio, e em 2010 ficaram “vendidos em câmbio” (short) em torno de US$ 15 bilhões, que se somaram a outros US$ 15 bilhões de posições vendidas de estrangeiros. Foram ingressos de US$ 30 bilhões que ajudaram a valorizar o real. Os exportadores também usaram intensivamente os financiamentos à exportação por prazos elevados. Com isso, compensavam com operações financeiras (que nada tinham a ver com os derivativos alavancados, que em 2008 causaram grandes perdas às empresas) um pedaço da sobrevalorização cambial. A imposição dessas barreiras deu eficácia aos efeitos, sobre a taxa cambial, das compras do Banco Central no mercado à vista de câmbio. Nos primeiros meses de 2012, essas ações depreciaram o real para próximo de R$ 1,90/US$. Este foi o início de mudanças, às quais se seguiram outras.

Intervenções do Banco Central no mercado de câmbio sempre existiram, e, por isso, nosso regime cambial nunca foi de câmbio flutuante. Por exemplo, no auge da crise de confiança na transição de FHC para Lula, quando o temor de um default levou o real a depreciar-se até atingir perto de R$ 4,00/US$, o BC vendeu em torno de US$ 40 bilhões de swaps cambiais. A forma tradicional de evitar a depreciação, naquelas circunstâncias, seria através da venda de dólares no mercado à vista, mas o Brasil naquele momento não tinha reservas suficientes, e teve que intervir com vendas de swaps cambiais. Um segundo exemplo são as intervenções depois da fase aguda da crise, quando ocorreu um retorno intenso dos ingressos de capitais. Entre o início de 2009 e o momento presente, o Banco Central comprou liquidamente perto de US$ 170 bilhões de dólares de reservas. Se não fossem essas compras intensas, para as quais corresponderam vendas de igual magnitude de títulos públicos (foram, portanto, intervenções esterilizadas), o real teria se valorizado ainda mais.

Ao que assistimos atualmente, contudo, não apenas é mais uma onda de intervenções. Na realidade, atualmente, as intervenções têm sido modestas quando comparadas ao que ocorreu nos dois exemplos acima, concentrando-se mais no mercado futuro e em swaps cambiais do que em operações no mercado à vista. O que há é uma sinalização clara de que o governo abandonou o regime de flutuação fortemente manejada, que caracterizava o período anterior, aderindo a um regime de bandas de flutuação cambial, no qual o câmbio nominal somente pode flutuar dentro de uma banda muito estreita. Como ocorreu essa sinalização? O que se objetiva com ela?

Nos últimos meses, sempre que o real ameaça cair abaixo de R$ 2,00/US$ o governo impede esse movimento, já tendo ocorrido mais de uma manifestação por parte da diretoria do Banco Central de que o governo não toleraria o real cruzando o limite de R$ 2,00/US$. Em contrapartida, sempre que o real se deprecia, ameaçando aproximar-se de R$ 2,10/US$, há uma reação impedindo seu prosseguimento, com vendas de câmbio futuro através de swaps cambiais. Isso sugere que os limites da banda de flutuação estão contidos entre R$ 2,00/US$ e R$ 2,10/US$.

Para quem opera no mercado de câmbio foi muito fácil ler a mensagem das autoridades. Em um episódio ocorrido há pouco mais de um mês, o real vinha se aproximando de R$ 2,10/US$ quando, em uma quinta-feira, o Banco Central leiloou US$ 6 bilhões, anunciando um novo leilão na sexta-feira, realizando-o quando o real já havia voltado a R$ 2,03/US$. O objetivo era evitar a depreciação e suas consequências inflacionárias. Porém, naquela sexta-feira pela manhã, diante de notícias favoráveis vindas da Espanha, caiu a aversão global ao risco, o que derrubou os prêmios de risco, reduzindo todos os indicadores de aversão ao risco, o que levou o real a cruzar a barreira de R$ 2,00/US$, tocando a marca de R$1,98/US$. Não foram necessários mais do que alguns minutos para que em uma entrevista à imprensa o diretor da área externa do Banco Central declarasse que o governo não toleraria que a barreira dos R$ 2,00/US$ fosse cruzada. Recentemente, o real teve outro movimento na direção de R$ 2,00/US$, e novamente o Banco Central interveio, evitando o cruzamento da barreira.

A conclusão óbvia é que não há disposição de permitir que essa barreira seja cruzada, e isso se explica pela preocupação do governo com o desempenho da indústria. Mas, também não há, neste momento, nenhuma disposição de permitir que o real se deprecie para próximo de R$ 2,10/US$, porque isto elevaria ainda mais a inflação, que deverá chegar ao fim de 2012 acima de 5% ao ano, com todas as projeções indicando taxas ainda maiores em 2013.

No novo regime cambial brasileiro aderimos a uma forma de câmbio fixo e distante da flutuação cambial. Em teoria, há quem defenda este regime, mas ele tem consequências importantes sobre a economia. Primeiramente, não poderemos esperar mais que os preços “livres” tenham seu comportamento influenciado pela valorização cambial, o que significa uma alteração no comportamento da inflação. Em segundo lugar, ainda que o governo seja mais tolerante com a inflação, provavelmente procurará evitar que se aproxime do teto de 6,5% do intervalo contendo a meta. Isso significa que não poderá premiar a indústria com uma depreciação maior do que a que já ocorreu. Ou seja, a mudança do regime cambial repôs um pedaço da competitividade perdida da indústria, mas não poderá produzir muito mais do que isso.

A queda da taxa de juros e o problema da inflação

Talvez, a maior frustração do governo desde o início de 2010 esteja na ausência de uma retomada do crescimento diante da queda sensível da taxa real de juros. Em uma atitude crítica à forma como o governo havia reagido à crise em 2008, com uma forte expansão fiscal, o governo que se iniciava em 2011 anunciou sua decisão de cumprir a meta de superávits primários, permitindo ao Banco Central todo o espaço para a redução da taxa de juros. Com isso, acreditava que não somente o consumo seria estimulado, mas o animal spirit dos empresários seria libertado, levando à elevação da taxa de investimentos e à retomada do crescimento econômico mais acelerado. A crença era de que o Brasil não crescia mais simplesmente porque os juros eram muito elevados. Usaria a janela de oportunidade vinda da crise internacional para trazer a taxa de juros para próximo de padrões internacionais, e automaticamente o Brasil ingressaria no clube seleto das economias em rápido crescimento econômico.

Devido a vários fatores, alguns permanentes e outros transitórios, a taxa real de juros no Brasil vem declinando gradualmente. Um fator permanente é representado pela queda dos prêmios de risco, que é a responsável pela sustentação de uma tendência de declínio da taxa real de juros desde 2002. Um fator transitório é a crise internacional, que, ao desaquecer a economia mundial, reduz o crescimento da demanda no Brasil. A segunda onda da crise, derivada do lento crescimento dos Estados Unidos com o agravamento da crise na Europa, somado à desaceleração da China, provocou uma nova redução, ainda que transitória, da taxa real neutra de juros. Isto abriu o espaço para que o Banco Central iniciasse um ciclo de queda da taxa real de juros.

Atualmente, a taxa real de juros de mercado (swaps de 360 dias deflacionados pela inflação esperada 12 meses à frente) está próxima de 1,5% ao ano, com a taxa Selic real (usando o mesmo deflator) próxima de 2% ao ano. Estas taxas, no passado, levariam a uma explosão inflacionária precedida de uma explosão de crescimento da demanda, mas a queda da taxa neutra de juros impede uma reação maior tanto da inflação quanto da demanda. Onde se situa a taxa real neutra de juros no Brasil? Não há estimativas precisas, apesar dos vários caminhos para obtê-la. Um exercício recente é o publicado pelo FMI no relatório sobre as consultas com o Brasil de acordo com o Artigo IV, no qual apresenta um intervalo, cujo limite inferior, atualmente, estaria em 4%. Mesmo tomando-se esta estimativa, que é inferior a todas as demais, atualmente, tanto a taxa real de mercado quanto a taxa Selic real estão em patamares mais baixos. Por esta métrica, o estímulo monetário dado à economia brasileira é enorme. Por que, mesmo assim, a economia não reage?

Motivos para o baixo crescimento

Comecemos olhando para os sinais relativos à atividade econômica. Primeiramente, quem observar os dados referentes ao consumo terá que discordar da afirmação de que a economia não reage. Todos os sinais são indicativos de um consumo com crescimento robusto. É isto que nos mostram as vendas reais do comércio, tanto restritas quanto incluindo automóveis e materiais de construção. Em segundo lugar, quem olhar para o mercado de mão de obra, com todos os sinais de estar em pleno emprego e com salários reais em elevação, também terá que discordar da afirmação de que a economia não reage. O baixo crescimento econômico não vem nem do desemprego, que na realidade é o mais baixo em toda a história brasileira recente, nem do consumo, que continua mostrando uma expansão robusta. Do lado da demanda agregada, ele é proveniente da queda moderada da formação bruta de capital fixo e, do lado da oferta, ele vem da estagnação seguida de queda da produção industrial.

É frustrante que a queda dos juros reais não libertou o animal spirit, mantendo contida a taxa de investimentos. Isto é, em grande parte, uma consequência das incertezas vindas do resto do mundo, que inibem as expectativas de lucro nos investimentos em capital fixo. Caiu o custo de oportunidade do capital, mas as incertezas baixaram as expectativas das taxas de retorno sobre os investimentos, e o governo não fez nada para reduzir estes riscos, além de continuar afirmando que seu objetivo principal é a retomada do crescimento, adotando medidas de estímulo pontuais que exacerbam o clima de incerteza. Em adição, temos que lembrar que uma boa parte da formação bruta de capital fixo é realizada na indústria, e, com este comportamento da produção industrial, certamente não podemos esperar que os empresários sejam otimistas. Se investissem, teriam suas taxas de retorno espremidas pela impossibilidade de repassar os aumentos de custos unitários para preços, combinadas com o aumento do custo unitário do trabalho. Ou “outros custos” se reduzem – como os de logística, de energia elétrica e de tributos –, o que levaria a repor as taxas de retorno em níveis mais elevados, ou, então, o governo continuará se frustrando com a ausência de resposta à queda da taxa de juros.

Neste quadro existe a possibilidade concreta de o Banco Central continuar cortando a taxa de juros. Não terá muito sucesso em estimular a produção industrial, mas colherá uma elevação maior do consumo e uma queda ainda maior da taxa de desemprego. Com isso, as pressões sobre os salários levarão ao aumento da taxa de crescimento dos preços dos serviços, que continuarão a pressionar o IPCA, e se à queda da taxa de juros for adicionado o estímulo vindo de uma maior depreciação cambial, visando com isso acelerar a indústria, estarão sendo adicionadas pressões inflacionárias ainda maiores.

Será que o Banco Central reduziria a taxa de juros, correndo o risco de uma inflação maior? As evidências empíricas mostram que, atualmente, a curva de reação do Banco Central mostra uma tolerância muito maior aos desvios da inflação com relação à meta de inflação do que ocorria antes de 2007. Sua curva de reação, atualmente, se assemelha à curva de reação da administração Arthur Burns, no Federal Reserve, em cujo período a taxa de juros não crescia quando a inflação se elevasse na mesma intensidade em que crescia nas administrações de Paul Volker e de Alan Greenspan. Não é por acaso que durante a administração Burns as taxas de inflação nos Estados Unidos foram significativamente maiores. A curva de reação do Banco Central do Brasil a partir de 2007 se assemelha à curva de reação do Federal Reserve de Arthur Burns, e não é por acaso que todas as projeções, inclusive as do próprio Banco Central, mostram uma inflação em 2013 acima da de 2012, que também deverá ficar acima da meta. Ao reagir mais suavemente aos desvios da inflação com relação à meta, o país tem que estar preparado para enfrentar um período de inflações mais elevadas.

Essa é a consequência de um governo mais tolerante à inflação. Contudo, isso não significa a aceitação de que a inflação poderá crescer sem limites. Ainda que o grau de tolerância à inflação tenha se elevado, haverá um ponto no qual os estímulos monetários não mais poderão ser usados para induzir o crescimento da demanda agregada. Os dados recentes mostrando o crescimento da inflação e as perspectivas de inflações maiores em 2013 indicam que já atingimos esse ponto, e que daqui para frente os riscos crescerão com maior intensidade.

O que fazer?

A análise anterior mostra que a política monetária foi usada até próximo do limite no qual os riscos crescem acima do tolerável, e que não há um espaço suficientemente grande para usar os estímulos cambiais para produzir a retomada dos investimentos e da produção industrial. Para atingir esse objetivo, o governo teria que usar outros instrumentos de política econômica.

Um caminho seria o de induzir os investimentos em infraestrutura. O Brasil tem uma infraestrutura depreciada, que eleva custos para as empresas. Estes investimentos teriam duas contribuições: primeiramente, elevariam diretamente a formação bruta de capital fixo; em segundo lugar, ao reduzir custos gerariam uma externalidade para o setor privado, tornando mais rentáveis outros investimentos, permitindo ganhos de produtividade que gradualmente elevariam a produção industrial.

Tais ações teriam que ser complementadas por desonerações tributárias. Teriam que ser reduzidos os encargos e impostos sobre energia elétrica, sobre bens de capital e sobre a folha de salários, e o governo teria que negociar com os estados a transformação do ICMS, junto com outros impostos federais sobre serviços, em um imposto abrangente sobre o valor adicionado, com legislação federal que eliminasse completamente a guerra fiscal.

Esta seria uma agenda de reformas que começaria gradualmente a mudar o quadro. Mas, do ponto de vista dos investimentos em infraestrutura, o governo teria que aceitar as regras do jogo. Como não dispõe de recursos, os investimentos teriam que ser realizados pelo setor privado, mas para que isso ocorra o governo tem que remover riscos regulatórios e permitir que, nas licitações, ganhem projetos com retornos elevados. Caso contrário, não atingirá o objetivo de mudar a infraestrutura. Do ponto de vista da reforma tributária, teria que conformar-se em perder receitas, o que significa cortar gastos de custeio, e convencer os governos estaduais a se engajarem na reforma que criaria o imposto sobre o valor adicionado.

Se o Brasil quiser voltar a crescer a taxas mais próximas dos seus pares, terá que retomar a agenda de reformas que foram completamente abandonadas nos últimos anos.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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