11 julho 2019

Por uma Estratégia de Política Econômica para Crescer e Gerar Empregos

A queda de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2019 comparativamente ao do último trimestre do ano anterior confirma a expectativa de mais um ano de baixa atividade. Depois da recessão de 2015 e 2016, na qual, no acumulado, houve uma queda acumulada de 7% na atividade econômica, 2017 e 2018 apresentaram crescimento de apenas cerca de 1%. Infelizmente, pelo andar da carruagem, 2019, no melhor dos casos, terá desempenho equivalente. E isso vai depender muito da reação a partir do terceiro trimestre, pois, no segundo, nenhum indicador antecedente tampouco apresenta reação.
O desempenho pífio da economia nos últimos anos tem impactado diretamente o mercado de trabalho. O desemprego atinge 13,2 milhões de pessoas, o equivalente a 12,5% da População Economicamente Ativa (PEA), em média, considerando o trimestre encerrado em abril, com base na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em um conceito mais amplo, considerando o total das pessoas subutilizadas, chega-se a um universo de 28,4 milhões de pessoas. Isso abrange, além dos desempregados, que trabalham menos do que poderiam, os que não procuraram emprego, mas estavam disponíveis para trabalhar, ou aqueles que procuraram emprego, mas não estavam disponíveis para a vaga. O dado também inclui os 4,9 milhões de pessoas desalentadas (que desistiram de procurar emprego).
Como cada desemprego a mais é um consumidor a menos, a retração do consumo dos que se encontram sem ocupação e o maior receio dos que permanecem empregados fazem com que a demanda desabe. Além disso, o crédito continua muito caro, a despeito do fato de que a taxa de juros básica (Selic) se encontre em patamar historicamente baixo para padrões brasileiros.
Também chama a atenção a ausência de políticas e medidas que impulsionem a produção, os investimentos e o consumo. Na já mencionada problemática do crédito, por exemplo, há muito a ser feito, mas, pelo contrário, as poucas medidas em curso têm sido no sentido de contraí-lo ainda mais, considerando a atrofia dos bancos públicos.
O governo e a equipe econômica têm enfatizado seu discurso no papel da reforma da previdência como fator de confiança, reversão das expectativas e retomada das atividades. Trata-se, no entanto, de superestimar o seu efeito sobre as expectativas, assim como na ação do mercado para isso.
É preciso ir muito além do que medidas paliativas, como a anunciada intenção de liberar contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Embora possa ter algum efeito positivo sobre a demanda, representa um impacto limitado e localizado, sem poder para representar uma reversão do quadro de apatia vigente.
Se quiser, como é necessário, criar um ambiente mais favorável ao crescimento para 2020, a equipe econômica precisa diversificar suas estratégias e medidas, uma vez que muitas delas têm um tempo de maturação considerável. Há especulações no mercado sobre uma possível redução da taxa Selic. Tendo em vista a anemia da demanda, a existência de capacidade ociosa na economia e ausência de grandes choques de oferta, o risco inflacionário é baixo. Portanto, reduzir juros básicos seria uma medida positiva e de baixo risco dadas as condições atuais. A medida poderia ajudar a reverter o pessimismo reinante.
Mas, para além disso, o governo carece de melhorar a articulação, tanto internamente, quanto na sua relação com os demais poderes e os agentes econômicos. Da mesma forma, precisa ir além do “samba de uma nota só” do discurso da necessidade da reforma da previdência e apresentar um conjunto mais abrangente de medidas para acelerar a recuperação da economia.
A questão fiscal é relevante, mas é preciso lembrar que sem crescimento econômico qualquer tentativa de ajuste esbarra no impacto restrito da arrecadação em função da fraca atividade econômica. Portanto, fomentar a atividade econômica, dado o seu efeito multiplicador, produz impactos positivos sobre a arrecadação tributária e, portanto, sobre o quadro fiscal.
Na contramão, insistir no discurso autofágico dos cortes de gastos, inclusive investimentos públicos, que já se encontram no menor nível histórico, não contribui para reverter o quadro adverso que persiste há anos.
No âmbito da macroeconomia, os aspectos fiscal, monetário e cambial são elementos cruciais para o crescimento em bases sustentadas. Tendo em vista as circunstâncias do cenário internacional e doméstico, como, por exemplo, o impacto da queda da arrecadação devido à crise, as vinculações orçamentárias e outros, as questões mencionadas definirão o rumo dos próximos anos.
Na questão fiscal, além da menor arrecadação decorrente da crise e do baixo crescimento econômico, destaca-se a restrição imposta pela Emenda Constitucional (EC) 95, que limita a expansão dos gastos públicos, e tende a cada vez mais reduzir o investimento publico, como de fato já vem ocorrendo.
Além disso, faz-se necessário que o problema fiscal brasileiro deva ser abordado no âmbito das políticas macroeconômicas, assim como seu papel para o desenvolvimento econômico e social. A discussão sobre o custo de financiamento da dívida pública, que no Brasil atinge a média de 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano, o equivalente a R$ 380 bilhões, em 2018.
A aposta em que a prometida “austeridade” levaria ao resgate da confiança, que pudesse estimular a realização de investimentos e produção não tem dado resultado. Os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), embora apresentem leves sinais de reação, ainda se encontram, em um nível médio, cerca de 25% inferior ao observado em 2014, antes do início da crise. É inegável que a confiança seja importante. No entanto, ela, por si só, não garante um ambiente promissor para estimular a produção, o consumo e os investimentos.
As empresas não tomam decisões apenas levando em conta o grau de confiança, mas a expectativa de desempenho futuro da economia. Da mesma forma a elevada ociosidade, na média de cerca de 25% na indústria, associada ao elevado custo de financiamento também diminui o “apetite” para novos investimentos.
Ademais, nosso modelo tributário regressivo, incidindo fortemente sobre o consumo e a produção – e não sobre a renda e a riqueza –, além de contribuir para uma maior concentração de renda, sobrecarrega o chamado “custo Brasil”, prejudicando o crescimento da atividade e a realização de investimentos. Há que se buscar, no âmbito de uma profunda reforma tributária, uma simplificação dos impostos, visando, além de maior justiça social, um sistema mais dinâmico, transparente e eficiente.
Outro ponto relevante: é crucial buscar a desindexação da economia, inclusive da dívida pública. O Brasil é o único país que remunera parcela expressiva da sua dívida a taxas de juros reais altíssimas, independentemente do prazo de vencimento, oferecendo pelos seus títulos, ao mesmo tempo, liquidez, segurança e rentabilidade, na contramão de outros países, que estimulam o financiamento de longo prazo. Este quadro cria um constrangimento para os gastos públicos, tornando mais difícil a execução dos investimentos, assim como a manutenção da qualidade dos programas sociais.
Torna-se fundamental, ainda, resgatar e aperfeiçoar a atuação dos bancos públicos, como impulsionadores do financiamento dos investimentos para a infraestrutura e outros setores. Tendo em vista a inexistência, ou insuficiência, de instrumentos de financiamento de longo prazo no mercado financeiro privado a taxas de juros minimamente compatíveis com a rentabilidade esperada dos projetos, a atuação dos bancos públicos revela-se crucial no atual quadro.
Muito além da previdência
O governo brasileiro apresentou sua proposta de reforma da previdência ao Congresso Nacional. Trata-se de tema polêmico e complexo, que vinha há tempos gerando expectativas pelo seu impacto potencial para as contas públicas brasileiras. A despeito de um relativo consenso do mercado quanto à sua necessidade, as mudanças em tela ainda vão demandar discussões e debates, além da previsível e legítima defesa de interesses das partes envolvidas em um ambiente democrático.
A questão é inegavelmente crucial. No entanto, para além do problema previdenciário, a economia brasileira convive com graves óbices, cuja solução demanda políticas e medidas fundamentais para reversão de um quadro dramático, no que se refere especialmente ao elevado desemprego e a questão da pobreza.
O fraco desempenho recente da atividade econômica, mesmo considerando o baixíssimo nível de comparação dos anos anteriores, nos dá uma dimensão do desafio a ser enfrentado. Ocorre que sem crescimento mais robusto não há perspectiva de reversão significativa na questão do emprego e da renda, assim como na intensificação dos investimentos. Outro impacto relevante se dá nas contas públicas, uma vez que a arrecadação tributária vem sentindo os efeitos negativos da atividade econômica deprimida e da inadimplência no pagamento dos impostos.
Ao contrário do emanado em alguns discursos de autoridades econômicas, a reversão desse quadro de inanição da economia não vai ocorrer naturalmente a partir da reversão das expectativas que ocorreria com uma retomada na “confiança”. Embora esta seja um elemento importante, não consegue por si só impulsionar os fatores que promovam a retomada do crescimento e seus efeitos potenciais positivos para a melhora do quadro econômico e social.
É preciso maior proatividade nas políticas e medidas econômicas capazes de reverter o quadro hostil para a produção e o investimento. Há várias áreas que prescindem de ação urgente, como crédito e financiamento, política industrial, desburocratização, etc.
No campo do crédito e do financiamento, embora estejamos há mais de um ano com taxa nominal de juros básicos em níveis mais baixos historicamente, o custo do crédito e do financiamento continua excessivamente elevado. Esse é um fator que trava a atividade econômica, inibindo as transações e reduzindo na prática a capacidade de compra de empresas e famílias.
Há muito se discute as causas do elevado custo do crédito no Brasil. O primeiro aspecto é que o mercado financeiro é distorcido no Brasil pelo fato de o governo federal oferecer títulos da sua dívida a taxas de juros muito elevadas, mantendo liquidez. Isso acomoda o mercado financeiro que não se interessa em ter mais trabalho e correr mais risco emprestando para os agentes econômicos.
O segundo aspecto é a oligopolização do mercado em que apenas cinco grandes bancos controlam 86% do crédito disponível na economia, o que lhes dá poder de formação de taxas ao tomador final.
Os bancos alegam que os spreads (taxas de risco) embutidas nas taxas de juros são elevadas no Brasil, justificando parte da diferença entre taxa básica e final, porque a inadimplência é elevada, respondendo por 45% do total. As taxas tributárias respondem por 20% e o empréstimo compulsório que os bancos recolhem ao BC, por 10%. Os 25% restantes seriam da margem de comercialização do sistema financeiro.
O enfrentamento do problema, portanto, passa por questões relevantes:

  • reduzir a taxa de juros básicas (Selic), pois embora a taxa nominal esteja em queda, a taxa real, descontada a inflação, segue elevada para padrões internacionais;
  • reduzir a parcela da dívida pública com liquidez diária (overnight), pois isso acomoda o sistema financeiro, que não tem interesse em emprestar para os demais tomadores que não o Estado;
  • reduzir a tributação sobre as operações financeiras, que acabam sendo repassadas ao tomador final;
  • estimular as alternativas de crédito como cooperativas e as fintechs, butiques de investimento e crédito, para ampliar a oferta;
  • utilizar o poder dos bancos públicos, que respondem por 54% da carteira de crédito, para imprimir maior concorrência no mercado de crédito brasileiro.

No tocante ao financiamento de longo prazo, a ideia implícita é viabilizar os investimentos tanto para projetos de infraestrutura como das empresas, uma vez que a Selic, ou pior ainda, a taxa de juros de mercado para financiamento se distancia da rentabilidade esperada dos projetos.
O fato é que o papel representado pelo financiamento dos bancos públicos no Brasil é insubstituível no curto prazo. Dadas as condições desfavoráveis apresentadas pelo mercado privado, seja pela sua escassez e pelas contrapartidas e elevadas taxas de juros praticadas ele não representa uma alternativa viável para suprir as necessidades de financiamento de longo prazo para os setores produtivos e a infraestrutura. Dada a elevada remuneração oferecida pelos títulos públicos, grande parte do capital disponível está alocado nessa modalidade, portanto não há interesse dos agentes financeiros em se arriscar a financiamento de projetos, até pelos riscos envolvidos.
Na indústria, o processo em curso de desinvestimento e fechamento de fábricas carece de uma reforma tributária que corrija as distorções existentes, além de uma estratégia de política industrial e modernização, com a adoção de financiamento e incentivos vinculados à inovação e ao desempenho das empresas.
Também se mostra urgente melhorar o marco regulatório de forma a propiciar um ambiente mais favorável para a atuação do setor privado nos investimentos em infraestrutura, assim como garantir um fornecimento de serviços e produtos de qualidade e preços justos à sociedade.
As questões mencionadas são desafiadoras, mas não impraticáveis. É preciso se inspirar nas boas experiências internacionais na área, assim como rever criticamente nossa própria experiência histórica, envolvendo a privatização, as concessões, a abertura comercial e a desregulamentação. Não podemos nos dar ao luxo do comodismo, nem tampouco de reincidir em erros já cometidos.
A crise na indústria e seus impactos
Embora a taxa básica de juros seja relevante e uma condição necessária, ela não é suficiente, por si só, para estimular a produção. Há outros fatores relevantes a ser considerados. Uma Selic mais baixa é importante para as decisões na produção e sempre lembrada e reivindicada pelos agentes, uma vez que diminui o “custo de oportunidade” do capital. Sendo a base de remuneração das aplicações financeiras, o investimento na produção, em tese, passaria a ser estimulado. Porém, há ainda um aspecto significativo do verdadeiro “vício brasileiro” que é a enorme distância entre o nível da taxa básica de juros e aquelas oferecidas ao tomador final.
A crise no setor industrial brasileiro é estrutural e persiste há anos. O nível médio da produção industrial atual é semelhante ao de dez anos atrás, quando o Brasil começava a superar os impactos dos efeitos da crise subprime norte-americana. Vários fatores estruturais têm impactado negativamente a indústria brasileira, que vive os efeitos da desindustrialização precoce. Crédito caro e escasso, política cambial errática e longo período de valorização do real e mais as agruras do “custo Brasil” se encarregaram de agravar o aprofundamento da crise. Condições macroeconômicas desfavoráveis e políticas industriais titubeantes tampouco reverteram a situação.
O resultado foi o avanço das importações, especialmente advindas da China, substituindo a produção local. As exportações de industrializados também prejudicadas pelos mesmos fatores mencionados perderam espaço, ou estagnaram em um mercado internacional hipercompetitivo. A balança comercial brasileira segue superavitária influenciada pelo excelente desempenho dos complexos agro, mineral e de carnes. Mas, a questão aqui não é “ou”, mas, “e”. O Brasil é um dos poucos países que pode manter ampla pauta de produção e exportação nos setores em que já mantém posição de destaque, sem que isso seja, no entanto, em detrimento da indústria e dos serviços sofisticados.
Os industriais brasileiros, aqueles que não atuaram em setores diretamente ligados a commodities, ou de setores oligopolizados, foram “empurrados”, por sobrevivência, ou senso de oportunidade, para a importação e o rentismo.
Mais recentemente, entre 2015, 2016 e os anos seguintes, a crise brasileira trouxe um fator conjuntural que impactou fortemente a indústria brasileira. Desde então, a “recuperação” segue muito lentamente, como denotam os dados já mencionados.
Os desafios que se apresentam para o futuro, portanto, envolvem não apenas a correção dos graves desequilíbrios sistêmicos brasileiros e seus impactos na indústria, mas a definição e a implementação de políticas de competitividade (políticas: industrial, comercial e de inovação) nos moldes das melhores práticas internacionais e locais. Seria equivocado apostar que apenas as “forças do mercado” e a “fé” na abertura comercial poderiam por si só nos recolocar no caminho do desenvolvimento. Não foi assim nas melhores experiências internacionais conhecidas.
Os pressupostos da chamada Indústria 4.0 está a nos exigir estratégias ousadas, mas, igualmente, seria um equívoco desconsiderar a experiência da indústria tradicional e resiliente no Brasil. Isso não vai se dar somente pelas “forças do mercado”. Uma boa estratégia pressupõe o diagnóstico adequado. Do contrário, avaliações equivocadas nos levarão, inexoravelmente, a falsas soluções.
Abertura comercial: uma nova “panaceia”?
Vez por outra surge no debate público um mantra repetido à exaustão. O da vez, que seria a panaceia para todos os nossos males, é a abertura comercial. O tema não é novo. A abertura da economia brasileira começou há 30 anos, no final do governo Sarney, e intensificada nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. A promessa, incrivelmente repetida agora, sem qualquer autocrítica, era de que abrir nossas fronteiras induziria nossas empresas a ampliar sua produtividade e competividade, dado o aumento da concorrência com os produtos importados.
Desde então, as alíquotas médias de importação caíram de mais de 40% para cerca de 12% a 13%, com algumas alternâncias. A indústria, de forma geral, modernizou suas plantas, adaptou modos de gestão para fazer frente à concorrência, tendo respondido positivamente ao desafio da abertura comercial realizada.
A questão é que a melhora do ambiente sistêmico, ou seja, de todos aqueles fatores que independem das empresas, ou dos trabalhadores, mas que afetam a competitividade, não avançou na mesma velocidade. Condições macroeconômicas (juros, câmbio e tributos), logística e infraestrutura, burocracia e instabilidade de regras, além de outros fatores que formam o chamado “custo Brasil” ainda estão longe das médias observadas nos países concorrentes. Particularmente na questão cambial, a política em diferentes governos desde então visou muito mais o objetivo de controle inflacionário do que induzir a geração de valor agregado local e as exportações.
O discurso de que a indústria não investe em modernização e inovação cai no erro de identificar a raiz do problema, que não se restringe à ação microeconômica das empresas, mas um ambiente sistêmico desfavorável. O investimento, de forma geral, responde à rentabilidade esperada, que no caso é prejudicada pelas condições adversas do ambiente.
Da mesma forma, o argumento de que nossa economia é fechada não resiste a uma verificação dos números. O saldo comercial de produtos manufaturados, por exemplo, que apresentava relativo equilíbrio até 2006, passou gradativamente a ser deficitário, tendo atingido o ápice em 2014, US$ 110 bilhões. Diante deste dado, como sustentar que nossa economia seja fechada?
Infelizmente, a combinação de fatores adversos nos levou a uma desindustrialização precoce, sem gerar os benefícios associados, pelo contrário, gerando perda de capacidade de geração de valor agregado, de empregos de qualidade e tecnologia atualizada.
Um programa sério de uma maior abertura da economia para que atinja o interesse do desenvolvimento, e não apenas uma nova panaceia, passa necessariamente por:

  • condições macroeconômicas que favoreçam o desenvolvimento (leia-se câmbio, juros e questão fiscal) ajustadas ao padrão internacional;
  • redução da burocracia, distorções tributárias e melhora da infraestrutura e logística;
  • políticas de competitividade (leia-se política industrial, política comercial e de ciência, tecnologia e inovação) para fortalecer as vantagens existentes e criar novas;
  • abertura de setores na economia brasileira mediante o acesso aos mercados internacionais.

Partindo do ajuste das condições sistêmicas, é sim possível rever a estrutura das alíquotas, porém sem generalizações. É preciso começar com a desoneração dos insumos de forma a dotar a indústria de transformação de maior poder, ao contrário de estimular a concorrência via rebaixamento das tarifas de importação dos produtos finais. Aqui não se trata de “reinventar a roda”, mas de adotar práticas internacionais bem-sucedidas. Mas, para isso é preciso se livrar de dogmas e sair do conforto da repetição de mantras que só tendem a criar falsas expetativas e nos desviar do debate do essencial.
Desnacionalização
A desnacionalização de empresas brasileiras, públicas e privadas, é sempre polêmica. Não sem razão. De fato, a aquisição de empresas brasileiras por estrangeiros, a par de qualquer traço de xenofobia, representa, inquestionavelmente, a transferência de centros de decisão para o exterior. Trata-se de uma mudança que representa impactos significativos para a estratégia nacional de desenvolvimento, implicando questões como cadeia de fornecedores, nível de tecnologia e emprego, grau de concorrência, balanço de pagamentos, etc.
A visão liberal de mercado se mostra favorável aos ingressos de investimentos diretos estrangeiros, levando em conta as externalidades. Já se apurou que, no entanto, isso não ocorre de forma automática, dependendo do ambiente sistêmico, das políticas de competitividade, além de uma necessária negociação com as empresas, no âmbito das cadeias globais de valor e o papel a ser representado pela empresa sediada no país hospedeiro. Daí a importância de um maior conhecimento do tema, assim como da formulação de uma estratégia, tendo em vista os vários aspectos envolvidos na questão.
A internacionalização das empresas foi intensificada especialmente a partir da década de 1990, impulsionada pela globalização financeira que potencializou a capacidade de expansão além-fronteira das empresas transnacionais. Vários países, mais recentemente, com destaque para a China, têm ampliado as atividades no exterior das suas empresas com vista à autossuficiência energética, hídrica e alimentícia.
Nesse sentido, como exemplo, a aquisição por parte de uma empresa estrangeira de uma distribuidora local de energia, para além dos aspectos de segurança e defesa envolvidos, há a questão da cadeia de fornecedores envolvida. Muitas vezes há um objetivo claro do investidor de ampliar o espaço das suas empresas no fornecimento de equipamentos e serviços especializados. Assim, há impactos potenciais significativos não apenas na política de investimentos, mas, na cadeia de fornecedores e, portanto, de emprego.
Sob o ponto de vista concorrencial nos casos em que a desnacionalização envolve uma privatização, concessão, ou ainda uma Parceria Público Privada (PPP), a questão adicional é quanto às consequências da transformação de um monopólio, ou oligopólio público, em privado. Embora não precise ser necessariamente o operador em áreas como energia, saneamento, transportes, dentre outras, o Estado não pode se eximir da tarefa de regulação, coordenação e fiscalização das atividades. O risco é deixar vulneráveis as empresas, os cidadãos e os consumidores no que toca à fixação dos preços e tarifas cobradas, das contrapartidas de realização de investimentos, definição de padrões tecnológicos, manutenção e geração de postos de trabalho, etc.
Todas essas questões não são necessariamente novas. Nos anos 1990 houve um processo representativo tanto de desnacionalização de empresas brasileiras, em muitos casos envolvendo a privatização. No entanto, pouco se debruçou sobre uma avaliação dos aspectos positivos e negativos do processo, apesar da relevância do tema e das experiências passadas, nacionais e internacionais.
Há ainda o aspecto das contas externas. Todo ingresso de capital estrangeiro tem como contrapartida a remuneração aos seus acionistas. Grande parte dos ingressos está relacionada não a novos projetos, mas a transferências patrimoniais. O agravante é que em muitos casos isso se dá em setores não exportadores, ou seja, que não gerarão receitas em dólares, mas demandarão remessas futuras de pagamento de lucros e dividendos, além de outras despesas, nessa moeda.
Daí a importância da análise e da discussão da desnacionalização de empresas privadas e públicas no Brasil, que precisa ser melhor compreendida e analisada no âmbito do desenvolvimento e o papel a ser exercido pelas políticas públicas.
A expansão chinesa e o Brasil
A extraordinária expansão internacional chinesa representa desafios e oportunidades para as economias nacionais. Do alto de suas reservas cambiais, atualmente de US$ 3,1 trilhões, a China vem conduzindo sua internacionalização. Os chineses vêm realizando investimentos e adquirindo ativos mundo afora, especialmente na África e na América Latina, com o objetivo principal de suprir sua insuficiência hídrica, alimentícia e energética, além de abrir mercados para suas empresas. Somos o segundo maior destino dos investimentos chineses, somente superado pelos EUA.
O debate sobre os impactos dos investimentos estrangeiros nas economias hospedeiras é amplo na literatura internacional. O primeiro aspecto a ser destacado é que os benefícios dos investimentos externos não são automáticos. Dependem das políticas econômicas e da regulação dos países receptores.
Um segundo aspecto importante é que em nenhuma experiência conhecida, mesmo nos países maiores receptores de investimentos estrangeiros, tornam-se predominantes. Raramente atinge mais de 15% da formação bruta de capital fixo o total de investimentos em infraestrutura, ampliação da capacidade produtiva das empresas, construção civil e máquinas e equipamentos. Assim, é crucial destacar que o papel dinâmico dos investimentos, base para a sustentação do crescimento econômico da maioria dos países, é exercido pelo investimento local, que responde, em média, por cerca de 85% do total realizado. Apesar da chamada globalização, no quesito investimento, a parcela predominante é doméstica!
Há outros aspectos relevantes envolvendo a questão dos investimentos diretos estrangeiros e o desenvolvimento dos países. Há externalidades relevantes, impactando o padrão de produção, comércio exterior e tecnologia dos países. Observa-se ainda uma interconexão crescente entre investimento, exportações e inovações na economia mundial. A integração às grandes cadeias produtivas globais, imprescindível para uma inserção externa ativa dos países em desenvolvimento, é estabelecida, em grande medida, pelo papel desempenhado pelas filiais das grandes empresas globais.
Daí a importância, considerando os aspectos apontados, da estratégia de inserção externa brasileira, especialmente considerando o recente protagonismo dos investimentos chineses, com destaque para os seguintes pontos:
1)  Considerar a sustentabilidade intertemporal do balanço de pagamentos. Dado o compromisso de remuneração futura dos sócios estrangeiros, em dólares, via transferências de lucros e dividendos, é necessário gerar receitas na mesma moeda. O problema é que há uma predominância dos investimentos em setores voltados para o mercado doméstico e que, portanto, não geram receitas em dólares;
2) Desnacionalizar a gestão e o controle de empresas locais significa mudar o seu centro de decisão para o exterior, o que diminui o grau de influência local. Isso é crítico, especialmente quando se trata de setores estratégicos para o desenvolvimento local. Daí a relevância de fortalecer a regulação, controle, fiscalização e supervisão destas atividades, sob o risco de se criar restrições ao desempenho de toda a economia;
3) Também se torna fundamental estabelecer um projeto de desenvolvimento que explicite o papel desejado dos investimentos; que setores e necessidades devam ser priorizados e quais as políticas para atraí-los, mantê-los e gerar um mínimo de compromisso com os objetivos locais;
4) Estimular atividades que, para além da produção e da exportação de commodities promovam uma maior agregação de valor, de forma a viabilizar geração de renda, tributos, empregos e tecnologia.
Considerações finais
A questão do emprego está diretamente relacionada à capacidade de crescimento da economia. A longa crise da economia brasileira tem implicado aumento do desemprego, do desalento e da subocupação. A reversão desse processo não se dará apenas pelas forças do mercado ou do resgate da chamada “confiança”. É preciso uma estratégia de política econômica voltada para o crescimento, a produção e o emprego.
Sob o ponto de vista estrutural, outro aspecto determinante para a qualidade dos empregos, o País carece de um projeto de desenvolvimento que contemple os desafios da indústria 4.0 e suas consequências, assim como de um modelo de inserção internacional mais ativo e que preserve o espaço das empresas aqui atuantes.
Somente a combinação das políticas públicas e a articulação com o setor privado poderá recriar as condições para o desenvolvimento e a geração de emprego e renda.

É economista, mestre e doutor em economia; professor-doutor e diretor da FEA, PUC-SP; atual vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e sócio-diretor da AC Lacerda Consultores. É autor, entre outros livros, de “Economia Brasileira” (6ª Edição: Saraiva).

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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