A COP30 em meio às dificuldades para o multilateralismo nas relações internacionais
“O encontro possibilitará a reunião de pessoas oriundas de sistemas judiciais diferentes, possibilitando, na convivência de uns e outros, a coordenação de legislações que tenham alcances mais amplos.”

Por Luiz Roberto Serrano*
Prevista para acontecer no segundo semestre que se aproxima, entre 10 e 25 de setembro, toda uma quinzena, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – a COP30 — carregará esperanças por acontecer na Amazônia, um dos pulmões do mundo.
O privilegiado local de sua realização, Belém do Pará, teria o condão de estimular decisões que aliviem as atuais preocupações sobre os efeitos dos fenômenos climáticos provocados pelo aquecimento global? Terá mais sucesso do que a anterior, realizada no Azerbaijão, país produtor de petróleo e gás? Seus resultados foram considerados abaixo da expectativa, principalmente por reduzir a US$ 300 bilhões/anuais uma ajuda esperada de US$ 1,5 trilhão, também anuais, para os países sem fôlego financeiro para bancar programas de combate a desajustes climáticos.
Seminário promovido pelo Instituto de Relações Internacionais da USP, dirigido pelo professor Pedro Dallari, realizado na última quinta-feira, 12 de junho, se propôs a debater a realização do encontro de Belém justamente no momento em que o multilateralismo nas relações internacionais enfrenta dificuldades e paira sobre a COP30 o espectro da ausência dos Estados Unidos, o segundo maior poluidor do mundo, atrás apenas da China.
Um evento relevante?
“O evento pode ser relevante?”, perguntou, em sua exposição, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. A resposta só virá depois da realização do encontro, claro. Mas entre as discussões que serão travadas, Capobianco relatou que o Brasil pretende destacar seis eixos: Energia e transporte; Florestas, águas, oceanos; Agricultura e sistemas alimentares; Cidades, infraestrutura, resiliência; Recursos humanos, incapacidades; Financiamentos e tecnologia. Na mesma mesa de Capobianco, depois de apresentar um quadro preocupante sobre os efeitos da poluição sobre a Amazônia, Luciana Gatti, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), lançou um desafio: “Haverá mecanismos de exploração da floresta que não sejam do modelo velho, que a destrói? Ecoturismo seria a solução?”.
Há muitos dilemas a serem enfrentados, em termos mundiais, na questão climática. Paulo Magalhães, pesquisador do Centro Interdisciplinar de Investigação em Justiça da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, enumera alguns que podem ser alinhados sob a questão de como limpar a atmosfera: Remover poluição de onde? Quem? Como? Para quê? Quem se beneficia? Outra questão sensível a debater é a prática permitida de venda de direitos de emissão em troca de créditos de carbono, que amplia os limites para sua geração e beneficia entidades e países poluidores.
Meio ambiente e patrimônio comum
Pois não faltam questões complexas para a defesa da conservação ambiental, como lembrou Cristiane Derani, professora de Direito Internacional da Universidade Federal de Santa Catarina. “O conceito de patrimônio comum da humanidade poderia ser aplicado ao meio ambiente?”, questionou. “Como um bem que não é de ninguém pode receber alguma legislação?”
“A questão climática não é só ambiental”, disparou, por sua vez, a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, atualmente Conselheira Emérita do Clima, Sustentabilidade e Meio Ambiente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais – Cebri. “Hoje, ela interfere na política econômica”, completou. E acrescentou: “O timing da natureza não é o timing político”, lembrando que essas diferenças dificultam as convergências entre os atores em presença – e aproveitou para dar uma alfinetada nos que são céticos em relação aos problemas ambientais: “A ignorância se transforma em privilégios para muitos”.
Para Izabella Teixeira, a agenda da próxima COP30 vai ser bem movimentada. “O que o Brasil quer e o que o mundo quer do Brasil e como o ouvirá?” Fazendo jogo de palavras entre as expressões “greenwish” e “greenwash”, lembrou que o conceito sobre o aquecimento muda a partir de uma elevação de temperatura acima dos 1,5°C, como apontavam as previsões iniciais sobre o aquecimento ambiental, e registrou que Europa e Índia estão retornando ao uso do poluente carvão. Segundo ela, a COP vai revelar muitas mudanças. “O mundo é outro”, disparou, “há um rumo novo para a questão climática”.
União entre Brasil, Europa e América Latina
Uma nota de preocupação foi inserida nos debates pelo intelectual português Álvaro Vasconcelos, diretor do Fórum Demos da Cátedra José Bonifácio da USP no período 2023-2024. “Tenho dificuldade de ser otimista, pois a realidade está difícil e perigosa, especialmente para o multilateralismo que era a regra das relações mundiais.” Para ele, “o mundo vive um momento de brutalidade entre países nas relações internacionais”. E um fator de desequilíbrio seria o atual governo norte-americano: “O governo Trump 1 foi contido pelas instituições norte-americanas, o Trump 2 é selvagem, investe contra a Califórnia”.
De acordo com Vasconcelos, empresas francesas interessadas em fazer negócios com os EUA foram advertidas a não fazer campanhas ambientalistas. Na sua visão, para enfrentar o trumpismo, seria necessária uma união entre o Brasil, a América Latina e a Europa, melhor ainda se tiver as questões ambientais em seu bojo. Outro ponto necessário, na sua visão: “Reconquistar as classes médias para as questões climáticas, pois estas passaram a encarar as restrições energéticas como sendo contra seus interesses”.
Finalizando o encontro, Christiane Taubira, ex-ministra da Justiça da França e atual titular da Cátedra José Bonifácio da USP, saudou a oportunidade que a COP30 possibilitará de que representantes de uma variedade enorme de países conheçam uma realidade tão especial como a Amazônia. “O encontro possibilitará a reunião de pessoas oriundas de sistemas judiciais diferentes, possibilitando, na convivência de uns e outros, a coordenação de legislações que tenham alcances mais amplos.”
Que assim seja, pois no momento atual os temas que exigem a concordância e a colaboração entre países, como o combate à poluição ambiental, avançam com dificuldade. Basta lembrar a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris determinada pelo atual presidente Donald Trump. Não é um gesto que ajuda a questão a andar para a frente.
* Luiz Roberto Serrano é jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP
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