A hipocrisia da liderança ambiental brasileira
O caso brasileiro é um exemplo particularmente útil das condições estruturais que impactam a vontade política necessária para liderar as mudanças que, com um pouco de sorte, poderiam preservar o planeta para as futuras gerações
Em 28 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 14.904, que “estabelece diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima”. Embora certamente seja uma ação que todos devemos aplaudir, e consistente com as ambições de Lula para que o Brasil seja um líder internacional na questão das mudanças climáticas, ainda permanece uma sensação incômoda de que tudo isso é apenas um exercício em busca de prestígio, projetado para reforçar credenciais políticas em casa e no exterior, e não o ato sério de liderança ambiental de que o mundo desesperadamente precisa.
Para ser justo, Lula está longe de ser o único líder nacional que poderíamos rotular como hipócrita no tema das mudanças climáticas. De fato, a ausência da liderança necessária nas mudanças climáticas é uma falha comum em governos em quase todos os lugares. Então, por que pegar no pé de Lula? O caso brasileiro é um exemplo particularmente útil das condições estruturais que impactam a vontade política necessária para liderar as mudanças que, com um pouco de sorte, poderiam preservar o planeta para as futuras gerações.
Há pouco menos de um ano, Lula relançou o Tratado de Cooperação Amazônica com grande fanfarra em uma cúpula de líderes em Belém. O presidente colombiano Gustavo Petro apresentou uma proposta surpreendente naquela reunião: os países reunidos deveriam se comprometer a eliminar o uso de combustíveis fósseis. A ideia foi rapidamente abafada, e a discussão seguiu com promessas vagas e compromissos de financiamento incertos.
Para os líderes reunidos, muitos deles de países produtores de petróleo (incluindo Petro), o dinheiro do petróleo parecia ser bom demais.
O petróleo tem sido particularmente bom para o bolso do Brasil. Um relatório do BNDES de outubro de 2023 estima que entre 2010 e 2020 o setor de petróleo e gás gerou entre 1,4% e 1,6% do PIB nacional em impostos e royalties, representando 17% do PIB industrial. Estimativas atuais indicam que o setor é responsável por 2,2 milhões de empregos. As projeções sugerem que até 2032 a indústria terá mais 600 mil empregos e, de forma reveladora para os planejadores financeiros do governo, contribuirá com R$ 3,96 trilhões para o PIB do Brasil e gerará R$ 792 bilhões em receita tributária na década subsequente. Nada disso inclui os dividendos que o tesouro arrecadará como o maior acionista da Petrobras.
O petróleo e o gás são âncoras críticas para as finanças públicas brasileiras e para o planejamento do desenvolvimento nacional – os impostos por si só são quase suficientes para pagar o Bolsa Família. Embora isso por si só explique grande parte da hipocrisia nas políticas ambientais de Lula, isso disfarça uma justificativa econômica ainda mais politicamente carregada para manter o compromisso do Brasil com a expansão da exploração e extração de petróleo.
Quando o governo de Fernando Henrique Cardoso realizou sua onda de privatizações na década de 1990, os acordos foram habilmente estruturados para garantir que a maioria das ações nas empresas desestatizadas permanecesse em mãos brasileiras. Como Sérgio Lazzarini detalha, isso significava que uma proporção significativa do capital liberado no mercado seria adquirida por fundos de pensão brasileiros ou por investidores privados brasileiros de pequena escala.
Atualmente, uma minoria de pouco mais de um quarto das ações da Petrobras é detida por não-brasileiros. Como resultado, os membros de fundos de pensão do setor público e privado, bem como inúmeros investidores privados brasileiros, têm seu próprio futuro financeiro pessoal atrelado ao crescimento e sucesso futuros da Petrobras e de outras empresas de extração de recursos privatizadas, como a gigante da mineração Vale.
As implicações para os formuladores de políticas no Brasil e em outras economias dependentes do petróleo, como Canadá, Colômbia, Guiana, Noruega ou Arábia Saudita, são aterrorizantes. Como você reconfigura uma economia massivamente dependente do petróleo? A questão se estende muito além das matrizes energéticas para incluir as âncoras do planejamento financeiro para a velhice. Elimine o petróleo e o gás e você não apenas perde a receita de curto prazo para os programas governamentais, mas também dizima os investimentos necessários para sustentar os futuros aposentados.
A retórica em torno da extração de petróleo e gás, bem como da mineração, é, portanto, uma de ser ecologicamente correta, de minerar os elementos de terras raras e minerais necessários para impulsionar a revolução da energia sustentável, enquanto fecha os olhos para o quão pouco isso realmente muda.
A resposta do ministro da Fazenda de Lula, Fernando Haddad, às críticas sustentadas aos planos da Petrobras de perfurar na foz do rio Amazonas não foi, portanto, muito surpreendente: “Eu não acredito que a exploração de petróleo nessa região terá consequências ambientais. Em segundo lugar, o impacto ecológico real do petróleo, na minha opinião, não está na sua exploração, mas no seu uso”.
Embora seja um líder mundial na extração de petróleo de baixo carbono, cada barril de petróleo perfurado nos campos de Tupi e Búzios, no entanto, causa pouco mais de nove kg de carbono liberados na atmosfera. Os danos colaterais da extração de minérios e minerais de terras raras necessários para a revolução da energia verde são potencialmente ainda piores. O comentário de Haddad aponta diretamente para a hipocrisia estrutural prevalente não apenas em Brasília, mas também em quase todas as outras capitais globais.
Isso nos deixa testemunhando uma abordagem gerencial entrando na cúpula do G20 focada nas mudanças climáticas no final deste ano, não no exercício de liderança propagado por Lula. A ênfase está sendo colocada em ‘reduzir’ ou ‘mitigar’ os danos causados ao meio ambiente. Como exemplo, não procure mais do que as reivindicações triunfantes de que a taxa de desmatamento foi reduzida; perceba, não são anúncios de que a área de cobertura florestal foi aumentada.
Uma liderança real nas mudanças climáticas exigiria o avanço de grandes ideias e questionar ativamente algumas de nossas suposições centrais, como um modelo econômico baseado em consumo cada vez maior. Isso é algo que vai perturbar tanto os negócios quanto os cidadãos individuais que esperam finalmente tornar sua vida um pouco mais confortável. Embora esse debate precise acontecer para preservar o planeta, os custos políticos estão se mostrando assustadores demais para os gerentes do status quo que lideram o mundo.
A liderança também exigiria a visão de realizar uma grande reengenharia das finanças públicas e das estruturas econômicas nacionais para que os combustíveis fósseis ou a extração de minerais para energia renovável não fossem mais vistos como uma panaceia para os desafios de desenvolvimento. Tudo isso requer repensar os sistemas tributários e como a política pública é formulada e gerenciada. Novamente, a maioria dos chefes de governo evita esses desafios porque quase certamente incorrerão em um custo político pesado.
Quando foi reeleito em 2022, Lula falou em ser um presidente de um mandato, o que por sua vez lhe daria a liberdade política para buscar políticas e debates essenciais de legado, particularmente na questão ambiental. Com um olho aparentemente agora na eleição presidencial de 2026, parece que Lula ficará com a hipocrisia da gestão, em vez de perseguir a visão de uma liderança real. Isso não é algo que o Brasil ou o mundo possam se dar ao luxo de permitir.
Sean Burges é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos globais e internacionais na Carleton University. É autor dos livros ‘Brazil in the World’ e ‘Brazilian Foreign Policy After the Cold War’.
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