30 dezembro 2024

A lei do mercado de carbono

De forma didática, quem emite GEE recebe um “direito de emitir” e quem o reduz ou remove recebe um certificado de descarbonização. Como os participantes desse mercado específico e limitado, aqueles que nele estão enquadrados pela nova lei, são em número limitado as negociações desse mercado se reduzem e ocorrem apenas entre um número limitado de entidades produtivas

Sessão do Senado que discutiu e votou a regulamentação do mercado de carbono (Foto Lula Marques/ Agência Brasil)

No artigo anterior enumeramos os tópicos principais da PL 182/2024 do Senado Federal, que depois da revisão pela Câmara dos Deputados foi encaminhado para sanção presidencial, tendo se transformado na Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2004. Neste artigo falaremos de um dos tópicos, o SBCE e as razões de seu surgimento.

A sua motivação primeira foi a de responder ao desafio que representou a instituição, pela União Europeia, do CBAM (Cross Border Adjustment Mechanism) ou mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, em tradução livre.

O surgimento do CBAM ocorreu no seio do Green Deal lançado em 2019 pela União Europeia com o propósito de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 55% até 2030 e alcançar a neutralidade climática em 2050.

No contexto desse esforço o CBAM obriga a quaisquer importadores situados em território da União Europeia a informar as emissões de GEE presentes nos produtos por eles importados. Se o produto importado contiver mais GEE do que seu similar europeu deverá ser cobrada uma sobretaxa, cujo mecanismo não cabe aqui explicar pelas restrições dos objetivos deste artigo.

‘Mecanismo de ajuste obriga os exportadores brasileiros a se mostrarem adequados às emissões dos produtos similares produzidos em território da União Europeia’

A entrada em vigor desse mecanismo de ajuste obriga os exportadores brasileiros a se mostrarem adequados às emissões dos produtos similares produzidos em território da União Europeia, sob pena de terem custo adicional equivalente à sobretaxa que lhes for cobrada.

Note-se que essa situação atinge não somente as empresas exportadoras de capital nacional, mas também aquelas de capital estrangeiro, inclusive europeu, desde que produzam em território brasileiro.

Essa motivação primeira da legislação se encontra estampada na PL 412 concebida pelo Senado Federal, sob influência do Ministério do Desenvolvimento Indústria, Comércio e Serviços – MDIC e colaboração do Ministério da Fazenda (MF) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA), que acabou aprovado em outubro de 2023 e enviado à Câmara dos Deputados.

Essa sua limitação inicial de escopo explica a razão pela qual tantas adições e complementos foram feitos pela Câmara dos Deputados pois se tratava de incluir no texto todas as demais realidades ligadas ao objeto da lei em gestação, a começar pelo carbono florestal, rápida e limitadamente mencionado no PL 182.

‘Apesar das mudanças introduzidas pela Câmara, o SBCE manteve-se íntegro no seu modelo original, criando-se com isso um mercado de “emissões” e de “mitigações”’

Apesar das mudanças introduzidas pela Câmara dos Deputados o SBCE manteve-se íntegro no seu modelo original, criando-se com isso um mercado de “emissões” e de “mitigações”.

Esse mercado negociará dois títulos, o Certificado de Redução em Remoção Verificada de Emissões (“CRVE”) e a Cota Brasileira de Emissões (“CBE”). O primeiro será equivalente às reduções ou remoções de dióxido de carbono efetivamente ocorridas na atividade de seu emissor, de acordo com certificação aceita pelo órgão gestor do sistema, ainda a ser designado por regulamento da lei, e de conformidade com metodologia também a ser aprovada. Já a CBE será outorgada ao emissor pelo mesmo órgão gestor e configurará o direito de emissão de dióxido de carbono na atividade produtiva respectiva.

‘Quem emite GEE recebe um “direito de emitir” e quem o reduz ou remove recebe um certificado de descarbonização’

Em outras palavras, de forma didática, quem emite GEE recebe um “direito de emitir” e quem o reduz ou remove recebe um certificado de descarbonização. Como os participantes desse mercado específico e limitado, aqueles que nele estão enquadrados pela nova lei, são em número limitado as negociações desse mercado se reduzem e ocorrem apenas entre um número limitado de entidades produtivas.

Ocorre que a somatória de negociações de CRVEs e CBEs não terá nunca um resultado igual a zero em decorrência da dinâmica natural (e inafastável) da produção econômica. Haverá sempre quem necessite mais CBEs do que os que tem direito de emiti-los, como teremos sempre os que necessitarão de mais CRVEs em relação ao volume que lhes compete receber.

Para que o sistema abrigue em seu seio o volume de títulos necessário para as negociações pretendidas, os participantes deverão buscar no mercado voluntário – fora do SBE – os créditos de carbono que completarão as suas operações (do SBE).

Essa interação entre o SBE e o mercado voluntário, pode-se imaginar, é limitada às necessidades desse sistema fechado. Todavia, o mercado voluntário é e será muito maior do que o SBE. Essa realidade fática não houvera sido apreendida pelo primeiro projeto, que nasceu no Senado, tendo sido necessárias as adições trazidas pela Câmara de Deputados.

No próximo artigo veremos como se operará essa interação e quais são as enormes potencialidades do mercado de carbono voluntário, sobretudo na realidade brasileira.

Fernando Antônio Albino de Oliveira, advogado pela USP, mestre pela NYU e doutor pela USP. Foi diretor da CVM. Atua em direito empresarial, com ênfase em projetos de infraestrutura e mercado de carbono.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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