06 novembro 2025

A mulher no poder no Japão

O Japão escolheu no último dia 21/10 a primeira primeira-ministra da sua história. Concorrendo pelo Partido Liberal Democrata/PLD, atualmente em coalizão com o Komeito, o segundo maior partido do país, Sanae Takaichi, de 64 anos, acaba de ser eleita para o mais alto cargo da política japonesa. A este propósito, cabe primeiramente relembrar que, diferentemente […]

O Japão escolheu no último dia 21/10 a primeira primeira-ministra da sua história.

Concorrendo pelo Partido Liberal Democrata/PLD, atualmente em coalizão com o Komeito, o segundo maior partido do país, Sanae Takaichi, de 64 anos, acaba de ser eleita para o mais alto cargo da política japonesa.

A este propósito, cabe primeiramente relembrar que, diferentemente da maioria dos países, o sistema político do Japão não tem outro perfil definido senão o da direita conservadora. Neste formato, desde a sua fundação em 1955, o PLD abriga correntes de diversas ideologias e grupos de interesse dentro desse espectro.

‘O PLD abriga correntes de diversas ideologias e grupos de interesse dentro desse espectro. Por este motivo ele é definido como um “partido pega tudo” do campo da direita’

Por este motivo ele é definido como um “partido pega tudo” do campo da direita, ainda que tendo abrigado primeiros-ministros de personalidades tão distintas como Junichiro Koizumi (2001/2006), amplamente considerado como um líder independente e neoliberal, que tentou realizar reformas radicais na vida econômica do país, como a privatização do sistema postal – a “Caixa Econômica” japonesa – e por esta razão encontrou firme oposição da Dieta (o congresso), a Shinzo Abe, conservador e nacionalista, oriundo de uma família política influente, que serviu por quatro mandatos como primeiro-ministro.

Apostando nas teorias que sufragam o livre-mercado, Abe procurou estimular o consumo através de uma política econômica conhecida como “Abenomics”, que apostava na primazia do mercado. De grande significância foi o seu apoio, sem êxito, à reinterpretação do artigo 9º da Constituição japonesa, promulgada em 1947, logo após a derrota do país na II Guerra Mundial, pela qual está vedada ao Japão a constituição de um exército de ataque, sendo-lhe permitido somente uma Força de Auto-Defesa.

Abe foi assassinado em julho de 2022.

‘Dentro deste universo politicamente rígido, a questão que se coloca é como será uma mulher aceita no mais alto degrau do poder’

Dentro deste universo politicamente rígido, que reflete a alma japonesa de apego à tradição, a questão que se coloca é como será uma mulher aceita no mais alto degrau do poder…

Segundo o Estadão, “sua escolha foi uma surpresa. O Parlamento a nomeou depois que ela obteve inesperadamente a maioria no primeiro turno de votação”.

Aparentemente ajudou-a sua postura conservadora. Casada com um político igualmente conservador – Tako Yamamoto – ela não manifestou até o momento simpatia pela agenda progressista. Ainda segundo o Estadão, “ela não defende a igualdade de gênero e tampouco o casamento LGBT”.

‘Seus hábitos não se aproximam do perfil de um político japonês tradicional: ela é baterista amadora de uma banda de heavy metal’

Em contrapartida, os seus hábitos não se aproximam do perfil de um político japonês tradicional: ela é baterista amadora de uma banda de heavy metal, veste ternos de corte masculino, usa cabelo curto e é fã de Iron Maiden e Deep Purple, e seu “ídolo” é Margaret Thatcher.

O país que ela vai liderar enfrenta crescentes desafios em vários setores: o Japão teve a maior queda populacional da história em 2024, com a população diminuindo pelo 16º ano consecutivo; registra baixa taxa de natalidade e envelhecimento acelerado; a vizinha República Popular da China, “inimiga” histórica, amplia seus tentáculos por toda a região; mais além, os países do sudeste da Ásia ganham crescente ímpeto com a ASEAN, a qual, por sua vez, abraça outros países da Ásia-Pacífico, e além.

‘O Japão está involucrado na região que mais cresce no planeta e numa corrida entre “gigantes” do porte da República Popular da China e Coreia do Sul ‘

A este respeito, principal parceira da Organização de Cooperação de Xangai, a ASEAN mantém uma importante rede de alianças e parceiros de diálogo, e já é considerada por muitos como uma potência global. Ou seja, o Japão está involucrado na região que mais cresce no planeta e numa corrida entre “gigantes” do porte da República Popular da China e Coreia do Sul – que, aliás, dele guardam ressentimentos dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, e anteriormente; além da Índia, mais distante.

Entretanto, Takaichi-san reflete, e conta, com o caráter resiliente e disciplinado da população japonesa, que em meio século transformou um país derrotado e estraçalhado no final da Segunda Guerra na quarta maior potência mundial!

Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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