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Interesse Nacional
28 agosto 2024

Carta ao presidente Lula sobre a COP30 em Belém

Belém merece essa chance de se apresentar ao mundo como a verdadeira “porta de entrada para a Amazônia”

Reunião bilateral com o Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, em Belém (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Caro presidente Lula,

antes de fazer meu apelo a você, por favor, aceite meus humildes cumprimentos por ter conseguido levar para o Brasil a próxima Conferência das Partes das Nações Unidas (COP30). Isso oferece uma prova de sua liderança global em questões ambientais, o que acredito ser fundamental para encontrar uma solução justa e equitativa para a crise climática. 

Também gostaria de agradecê-lo por ter dito ao mundo, sem sombra de dúvidas, que uma Amazônia saudável é crucial para um ecossistema global saudável. Suas ousadas declarações sobre este ponto são muito apreciadas pela comunidade científica e por todos aqueles que desejam deixar aos seus filhos um planeta saudável com um futuro promissor. 

Assim, é com respeito que escrevo esta carta sobre uma questão que provavelmente lhe parece menor, e faço isso com certo receio, dado que sou americano. No entanto, laços pessoais de longa data com o seu maravilhoso país me obrigam a dizer uma ou duas palavras sobre a COP30 e, em particular, sobre seu local de realização.

Como o senhor sabe, houve um grande alvoroço com a escolha de Belém como sede da conferência. Localizada na foz do gigante rio e a mais metropolitana das cidades da região, a escolha de Belém parecia óbvia quando foi anunciada em maio do ano passado. Mas agora que a empolgação inicial passou, e o trabalho árduo começou para preparar a cidade, parece que alguns em seu governo estão tendo dúvidas. 

‘Existe uma ideia no ar de que talvez a COP30 deva ser itinerante, com suas várias reuniões espalhadas pela vastidão do Brasil’

Existe uma ideia no ar de que talvez a COP30 deva ser itinerante, com suas várias reuniões espalhadas pela vastidão do Brasil, em Belém, é claro, mas também em outros lugares como Rio de Janeiro e São Paulo. Os residentes de Belém, inicialmente entusiasmados com a perspectiva de receber calorosamente os dignitários climáticos do mundo, escribas e companheiros de viagem, também estão começando a expressar reservas sobre o que certamente será um evento sísmico para a cidade grande, mas pacata.

Morei em Belém em duas ocasiões e tive ampla oportunidade de me familiarizar com suas atrações e irritações. Não há muitos lugares no Brasil onde se podem ouvir os ecos de um passado distante e Belém é um deles, com sua Cidade Velha, seu famoso mercado ao ar livre, Ver-o-Peso, e seu porto vibrante onde se pode reservar passagens para praticamente qualquer lugar da região a bordo de um barco ribeirinho colorido, com decks abertos onde se pode pendurar uma rede. 

‘Belém é um lugar autêntico de cultura viva’

O povo dos estados do Rio de Janeiro e do sul, de modo geral, tem orgulho da histórica Paraty, cujas ruas estreitas estão impregnadas de uma atmosfera colonial. Mas Paraty é uma cidade turística lotada que vende quinquilharias, enquanto Belém é um lugar autêntico de cultura viva. Minha primeira viagem ao Brasil foi em 1991 e me levou a Belém. Quando voltei aos EUA, todos os meus amigos me perguntaram como gostei da praia de Copacabana. Obviamente, eles eram lamentavelmente ignorantes sobre o Brasil, e não acho que isso tenha mudado muito. Para eles e muitos outros, o Brasil é a nação do Cristo Redentor, da garota de Ipanema, da bossa nova e do carnaval.

Quanto a mim, realizei pesquisas na rodovia Transamazônica por sete anos, tendo Belém como minha base de operações, antes de visitar o sul. Minha reação? Não via a hora de voltar ao norte para o que, para mim, era o verdadeiro Brasil. Não via a hora de voltar à comida do norte, ao tacacá, ao vatapá e à maniçoba dos vendedores ambulantes de Belém. Não via a hora de voltar à Praça da República e à avenida Presidente Vargas, sombreada por suas gigantescas mangueiras. Não via a hora de voltar ao som estrondoso do brega dos bares de esquina nas ruas empoeiradas da velha doca e da avenida Visconde de Souza Franco. Não via a hora de ir para os paraísos próximos de Algodoal, Ajuruteua e Ilha de Marajó, todos com praias perfeitas de cartão postal.

‘Para mim, a essência carismática do Brasil sempre residiu no Norte, na cidade de Belém, com seu distinto charme amazônico e seu povo afetuoso’

Para mim, a essência carismática do Brasil sempre residiu no Norte, na cidade de Belém, com seu distinto charme amazônico e seu povo afetuoso. É por isso que estou escrevendo esta carta. Estou preocupado com o que acontecerá quando cerca de 70 mil participantes da conferência, na maioria estrangeiros, desembarcarem no aeroporto internacional de Val-de-Cans/Júlio Cezar Ribeiro e começarem a procurar táxis, ubers e um lugar para ficar. Belém estará pronta para eles?

O senhor é uma pessoa perspicaz e, portanto, está ciente do potencial de problemas aqui. Obviamente, não pode controlar tudo e certamente desejaria delegar os arranjos locais ao estado do Pará e a outros em suas várias agências federais. Mas por favor, dê uma olhada mais de perto no que está acontecendo e, mais importante, no que não está acontecendo. 

Sim, ações foram tomadas e vários pesos pesados se apresentaram. A Itaipu acabou de assinar um acordo para alocar cerca de US$ 230 milhões para melhorar o sistema de saneamento de Belém, reformar seus mercados históricos e transformar duas áreas abandonadas da cidade em espaços verdes urbanos. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) parece pronto para se envolver também com cerca de US$ 1 bilhão, aparentemente destinados a preparar Belém para as reuniões. Um museu foi construído e outro está em andamento, graças, em parte, à Vale.

Mas isso é suficiente para a transformação que Belém precisa e merece para sediar uma conferência crítica para o futuro do meio ambiente global?

‘A cidade de Belém vai ser responsabilizada por eventuais problemas que possam ocorrer durante a conferência?’

O que acontece se a força policial estiver sobrecarregada demais para garantir a segurança nas ruas? Belém será culpada por deixar gangues criminosas roubarem seus visitantes confiantes enquanto tentam vivenciar os tesouros culturais da cidade? O que acontece se gringos que não falam português pegarem o ônibus errado e acabarem sem dinheiro em Itaituba? Belém será culpada por não fornecer sinalização no sistema de transporte que eles poderiam entender? E o mais preocupante de tudo: o que acontece com aqueles entre a multidão da COP30 que não conseguirem uma das 18 mil camas na cidade e arredores? Eles serão forçados a montar tendas na praça da República? E, em caso afirmativo, Belém será culpada por não ter hospedado adequadamente?

Fala-se em novos hotéis, mas isso leva tempo e construir um nos EUA leva em média cerca de três anos. Além disso, onde conseguir os trabalhadores? Falta pouco mais de um ano para a conferência, e o tempo está passando. O governo estadual espera expandir sua capacidade de hospedagem através de ofertas no Airbnb. Mas, realisticamente, quantas pessoas em Belém têm espaço para oferecer e como lidar com o pesadelo logístico de transportar – de e para a Conferência – cerca de 70 mil pessoas acomodadas em quase tantos locais diferentes? Ok, você pode trazer navios de cruzeiro para os dignitários, como foi sugerido. Com esperança de eles não encalharem tentando ancorar perto o suficiente da cidade para que esses atores-chave possam chegar às suas reuniões a tempo.

‘Parece-me que são necessárias medidas emergenciais na forma de um aumento e aceleração radical de gastos para fazer acontecer o que precisa acontecer’

Parece-me que são necessárias medidas emergenciais na forma de um aumento e aceleração radical de gastos para fazer acontecer o que precisa acontecer.

A Amazônia sacrificou suas florestas e recursos para que o Brasil pudesse crescer. Senhor presidente, o senhor mesmo promoveu isso com despesas de cerca de US$ 30 bilhões para construir megabarragens em dois dos rios mais poderosos da região. O que a Amazônia recebeu em troca da degradação de suas vias navegáveis e do deslocamento de seus povos, que contribuíram tão altruisticamente para a maior glória do Brasil? Agora o senhor pede que eles preparem seu palco de liderança em Belém para a COP30, com um mero pingo de investimento em comparação com o que você tem estado disposto a gastar para explorar a região. Isso não parece justo.

Espero que o senhor não mude de ideia sobre a COP30 e decida transferir algumas das reuniões para o sul, para o Rio de Janeiro e São Paulo. Belém merece essa chance de se apresentar ao mundo como a verdadeira “porta de entrada para a Amazônia”. Belém merece essa chance de se juntar ao senhor como líder global em questões ambientais. Por favor, ajude esta cidade merecedora a se sair bem em uma ocasião verdadeiramente histórica.

Respeitosamente, Robert Walker

Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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