22 maio 2025

Desafios e oportunidades para a diplomacia cultural no governo Lula 3

O terceiro governo Lula enfrenta o desafio de reconstruir a diplomacia cultural brasileira após anos de descontinuidade e desvalorização. Em meio à polarização interna e à reconfiguração geopolítica global, o país precisa articular estratégias consistentes de soft power, fortalecer instituições e construir pontes culturais que reafirmem sua diversidade e relevância internacional

Cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à equipe do filme ‘Ainda Estou aqui’, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

A diplomacia cultural brasileira tem, ao longo de sua história, enfrentado desafios complexos, com variações em sua projeção, concretude e objetivos conforme os contextos políticos e econômicos. O período de 2017 a 2022, abordado em minha tese de doutorado, representa um dos momentos mais instáveis para a consolidação da diplomacia cultural do Brasil, especialmente devido às mudanças políticas internas e ao novo cenário internacional, que exige reconfigurações nas estratégias de soft power do país.

Este ensaio explora os desafios herdados pela diplomacia cultural brasileira atual, oriundos dos governos Temer e Bolsonaro, especificamente obstáculos relacionados à estratégia, à utilização do soft power, à construção de pontes culturais e à adaptação à globalização em cenário interno de polarização política e ideológica.

O papel da diplomacia cultural no governo Lula 3

No governo Lula 3, a diplomacia cultural brasileira tem sido desafiada por conjuntura política interna complexa, marcada por divisões sociais e pela redefinição das prioridades do país no plano internacional.

‘A diplomacia cultural, entendida como a utilização de instrumentos culturais para promover a imagem do Brasil no exterior, continua a ser essencial para solidificar o soft power brasileiro’

A diplomacia cultural, entendida como a utilização de instrumentos culturais para promover a imagem do Brasil no exterior, continua a ser essencial para solidificar o soft power brasileiro, ou seja, a capacidade de influenciar outros países sem recorrer à força militar ou a medidas econômicas coercitivas.

O soft power é um conceito desenvolvido por Joseph Nye e descreve a habilidade de um país em moldar a opinião pública mundial por meio de cultura, valores políticos e políticas externas, em oposição ao hard power, que se baseia em coerção e força.

No governo Lula 3, o Brasil, em meio ao cenário de polarização interna e contexto internacional de reconfiguração geopolítica, precisa redefinir suas estratégias de projeção cultural. A troca de perspectivas políticas em relação ao uso da cultura como ferramenta de inserção e influência global representa um dos maiores desafios do período.

A reestruturação da política externa brasileira

O governo Lula 3 reconhece a importância de estratégias culturais para reforçar a imagem do Brasil no cenário internacional. No entanto, um dos maiores desafios tem sido o processo de reestruturação da política externa brasileira após a descontinuidade no governo Bolsonaro, que promoveu desvalorização do papel da cultura como ferramenta de aproximação entre países e povos.

‘A mudança de rumo no tratamento da diplomacia cultural exige a reconstrução de pontes culturais’

A mudança de rumo no tratamento da diplomacia cultural exige a reconstrução de pontes culturais. Este é, por sua vez, trabalho de longo prazo que não apenas reposicione o Brasil no mercado cultural global, mas também reassegure o protagonismo do País como potência cultural mundial. Contudo, a transição de política externa desarticulada e retrógrada para uma mais articulada e de maior foco estratégico é lenta e envolve uma série de tensões políticas, econômicas e diplomáticas.

Os entraves internos e a fragmentação política

Um dos principais obstáculos para a diplomacia cultural no Ggverno Lula 3 é a fragmentação política interna. O Brasil, já em período de crise de identidade e polarização, não consegue construir e manter consenso sobre a forma como sua cultura deveria ser projetada para o mundo.

A disputa entre forças políticas, que se opõem em temas fundamentais como os direitos humanos, o meio ambiente e a própria natureza do Estado, cria ambiente de instabilidade que dificulta a ação coordenada e eficaz da diplomacia cultural.

‘A instabilidade política interna gera cenário de incerteza que, por sua vez, resulta em desafios na execução de política cultural de longo prazo’

Além disso, a fragmentação das políticas públicas culturais no Brasil reflete em ausência de continuidade no financiamento de projetos culturais internacionais. A instabilidade política interna gera cenário de incerteza que, por sua vez, resulta em desafios na execução de política cultural de longo prazo.

A falta de planejamento estratégico contínuo e a desvalorização de instituições como a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e o próprio Ministério da Cultura comprometem a construção de um projeto coeso de diplomacia cultural.

A diplomacia cultural no contexto da globalização

A globalização representa, para o Brasil, oportunidade de ampliar suas fronteiras culturais, mesmo em conjunturas desafiadoras, a exemplo da reascensão do governo Trump nos Estados Unidos. No entanto, ela também traz desafios em termos de competições culturais globais e a necessidade de adaptação a novas dinâmicas internacionais.

‘O Brasil precisa posicionar-se em cenário de intensa concorrência cultural e de novas formas de comunicação, como as mídias sociais’

A velocidade das transformações no mundo globalizado exige rápida adaptação das estratégias diplomáticas culturais, pois o Brasil precisa posicionar-se em cenário de intensa concorrência cultural e de novas formas de comunicação, como as mídias sociais.

A globalização, ao promover o intercâmbio de ideias, também provoca competição intensa entre os países para estabelecerem imagem e identidade no mercado cultural global.

‘O Brasil ainda carece de estratégia consolidada de projeção cultural que transcenda o campo tradicional da exportação de produtos culturais’

Países como a França, os Estados Unidos e a China têm estratégias culturais amplamente financiadas e focadas em suas respectivas projeções de soft power. O Brasil, por sua vez, ainda carece de estratégia consolidada de projeção cultural que transcenda o campo tradicional da exportação de produtos culturais e incorpore outras dimensões, como a promoção da diversidade cultural, a valorização das culturas indígenas e a construção de diálogos interculturais de modo mais assertivo e com resultados concretos para a sociedade.

Os desafios de construção de pontes culturais

Um dos principais objetivos da diplomacia cultural brasileira no governo Lula 3 é a construção de pontes culturais entre o Brasil e o restante do mundo, principalmente com países da América Latina, África, Ásia e Europa. A tentativa de fortalecer a identidade cultural do Brasil e promover intercâmbio mais profundo e estratégico com outras nações passa por dificuldades relacionadas ao financiamento insuficiente de iniciativas e à ausência de visão estratégica e integradora que considere as diversidades culturais internas do Brasil.

‘A diplomacia cultural brasileira enfrenta o desafio de lidar com uma realidade multifacetada, em que as políticas culturais não são centralizadas e muitas vezes entram em confronto com outras prioridades do governo’

A diplomacia cultural brasileira enfrenta o desafio de lidar com uma realidade multifacetada, em que as políticas culturais não são centralizadas e muitas vezes entram em confronto com outras prioridades do governo, como as questões econômicas e de segurança. A falta de entendimento claro da importância das pontes culturais dificulta a formação de alianças e projetos de longo prazo no exterior.

Além disso, o papel do Itamaraty na diplomacia cultural tem sido prejudicado pela falta de abordagem transversal em que a cultura seja tratada não apenas como um setor da política externa, mas como um vetor estratégico para o fortalecimento das relações bilaterais e multilaterais.

‘A diplomacia cultural ainda está distante de ser uma prioridade real no governo’

A diplomacia cultural, nesse sentido, ainda está distante de ser uma prioridade real no governo, embora a iniciativa da criação do Instituto Guimarães Rosa, inspirado em modelos consagrados, a exemplo do Instituto Camões, do Cervantes e do Francês, seja um passo importante para a tentativa de reversão do jogo.

Desafios na comunicação cultural

A comunicação da cultura brasileira no exterior também se depara com dificuldades. As mídias digitais e outras formas de comunicação transnacional alteraram as dinâmicas de como a cultura é percebida globalmente. O Brasil não tem sido capaz de aproveitar plenamente essas ferramentas de soft power.

‘O governo Lula 3, ao tentar reverter os efeitos da gestão anterior, encontra dificuldades em articular narrativa de soft power convincente e coesa’

O governo Lula 3, ao tentar reverter os efeitos da gestão anterior, encontra dificuldades em articular narrativa de soft power convincente e coesa, especialmente porque a polarização interna e a crise de imagem do país enfraqueceram a confiança externa, conquanto os esforços político-diplomáticos podem ser avaliados como potenciais para tentar reverter esse quadro.

Além disso, o Brasil não consegue utilizar adequadamente eventos internacionais de grande porte, como a Copa do Mundo de 2022, para fortalecer sua imagem cultural. Essa falha na comunicação estratégica também se estende para áreas cruciais, como a cultura indígena, afro-brasileira e popular, cujos valores não têm sido suficientemente exaltados no cenário internacional – mesmo com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, pelo atual governo.

Conclusão: o caminho para a consolidação da diplomacia cultural brasileira

Embora o governo Lula 3 tenha buscado recuperar a posição do Brasil no cenário internacional e ampliar o uso da diplomacia cultural como meio de reforçar o soft power, os desafios mencionados demonstram que a diplomacia cultural do Brasil ainda enfrenta obstáculos significativos.

A falta de política externa coesa e a fragmentação interna das políticas culturais impedem o país de consolidar de forma plena seu papel como potência cultural global.

‘É necessário que o Brasil adote estratégia mais integrada e inovadora de diplomacia cultural, com visão clara de como suas diversidades culturais podem ser projetadas como ativo no cenário global’

Para superar esses desafios, é necessário que o Brasil adote estratégia mais integrada e inovadora de diplomacia cultural, com visão clara de como suas diversidades culturais podem ser projetadas como ativo no cenário global.

Apenas por meio de comunicação eficaz, de promoção de valores culturais autênticos e de planejamento estratégico robusto, o Brasil poderá superar os entraves domésticos e se consolidar como um líder global no campo da diplomacia cultural. A construção de pontes culturais será, sem dúvida, passo fundamental nesse processo.

A diplomacia cultural é, portanto, a chave para transformar o Brasil de potência simbólica adormecida em protagonista global do soft power – onde cada ponte construída por meio da cultura será também um passo firme rumo à liderança estratégica no século XXI.

Bruno Novaes é doutor e mestre em Diplomacia Cultural, com trajetória acadêmica e profissional voltada à construção de pontes entre cultura e relações internacionais. É fundador da Dr. Novaes Cultural Advisory, consultoria dedicada à promoção estratégica da diplomacia cultural no Brasil e no exterior. Também é criador e responsável pelo blog Diplomata Cultural

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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