É hora de parar com o improviso
Cultura da reação, e não da estratégia, atende às pressões de curto prazo, mas têm causado efeitos negativos profundos sobre a economia, com juros altos, insegurança, paralisação de investimentos e inadimplência crescente. O caminho da estratégia exige trabalho, diálogo e paciência, mas tem resultados duradouros.

Há uma prática que, infelizmente, tem se tornado regra em diversos governos mundo afora: o improviso nas decisões. Medidas anunciadas sem planejamento, políticas públicas desenhadas em tempo real e decisões estratégicas tomadas ao sabor do noticiário. Essa cultura da reação, e não da estratégia, tem causado efeitos profundos sobre a economia, em especial no mercado financeiro, nas taxas de juros e nos níveis de inadimplência.
No Brasil, os exemplos recentes são emblemáticos. No último trimestre de 2024, o governo federal sinalizou, em menos de 30 dias, três diferentes propostas para reduzir gastos — pouco ancoradas em planejamento técnico e comunicadas de forma confusa, o que gerou incertezas entre investidores e agentes do mercado.
O aumento do IOF em algumas transações foi recebido como símbolo da desconexão entre o discurso de modernização do sistema financeiro e a prática arrecadatória de curto prazo. O mercado e o Congresso reagiram mal [e parlamentares derrubaram o decreto], não só pela taxação em si, mas pela possível instabilidade – que apareceu, mais uma vez, no anúncio das taxas referentes a LCA, LCI, fintechs e empresas de apostas.
‘As idas e vindas revelaram não apenas a ausência de um plano fiscal robusto, mas também a falta de alinhamento entre ministérios, o que pode comprometer a credibilidade do governo’
A atual medida, pensada para acalmar os setores insatisfeitos, foi mal recebida pelos membros do Congresso Nacional, mais uma vez. As idas e vindas revelaram não apenas a ausência de um plano fiscal robusto, mas também a falta de alinhamento entre ministérios, o que pode comprometer a credibilidade do governo. A austeridade e o corte de gastos na raiz do problema, que foram sinalizados quando o arcabouço fiscal foi aprovado, estão em segundo plano.
Nos Estados Unidos, a volta de Donald Trump ao poder em 2025 reacendeu esse modelo de decisão intempestiva. A reversão abrupta de políticas ambientais, como a redução das regulamentações dos limites de emissões para usinas de energia, automóveis e das proteções para cursos d’água, foi feita sem considerar os impactos sobre acordos internacionais e criou instabilidade em setores inteiros.
‘O padrão [nos EUA de Trump] é o mesmo: decisões de alto impacto tomadas sem embasamento técnico, sem transição e sem clareza de propósito’
Medidas econômicas, como a reformulação de incentivos industriais nos Estados Unidos, foram anunciadas de forma desconexa, surpreendendo até mesmo o empresariado local. O padrão é o mesmo: decisões de alto impacto tomadas sem embasamento técnico, sem transição e sem clareza de propósito. O efeito imediato é a paralisia dos investimentos diante de um horizonte incerto e da insegurança jurídica.
Essa imprevisibilidade tem impacto direto nos mercados financeiros. No Brasil, a ausência de um plano fiscal mais sustentável pressiona a curva de juros futuros, encarece o crédito e afasta investidores estrangeiros. A volatilidade nos indicadores fiscais e o temor de medidas arrecadatórias pontuais reduzem o apetite por risco, comprometendo a expansão do setor produtivo.
Os juros elevados, por sua vez, desestimulam o consumo, freiam o crescimento e contribuem para o aumento da inadimplência. Famílias e empresas, diante de um cenário incerto e da oferta cara de crédito, ajustam seus gastos, reforçando o ciclo de estagnação e encarecimento dos produtos e serviços.
‘O improviso nas decisões sobre as políticas econômicas e a instabilidade geopolítica já se traduzem em oscilação dos mercados acionários e no reposicionamento de fundos globais’
Nos Estados Unidos, o improviso nas decisões sobre as políticas econômicas e a instabilidade geopolítica já se traduzem em oscilação dos mercados acionários e no reposicionamento de fundos globais. Setores como energia e tecnologia, que demandam estabilidade regulatória, passaram a adotar postura defensiva por meio de adiamento de projetos de médio e longo prazo. Em ambos os países, Brasil e Estados Unidos, o mercado reage não apenas aos fundamentos econômicos, mas principalmente à percepção de risco político e institucional.
Para reverter esse quadro, é necessário resgatar a lógica do planejamento. Governos precisam operar com uma visão estratégica de médio e longo prazo, com metas definidas para 5, 10 ou até 15 anos. Essa visão deve orientar a formulação de políticas públicas, permitindo que as prioridades sejam claras — e que se reconheça, com maturidade, o que não será prioridade e o que receberá menos recursos.
‘O planejamento é essencial para que riscos e possíveis crises relacionais sejam previstas e mitigadas’
Nenhum orçamento comporta tudo; o trade-off é inevitável. O que falta, muitas vezes, é coragem para fazer escolhas e transparência para comunicá-las. A verdade é que qualquer medida, seja para aumento da arrecadação ou para corte de gastos, trará insatisfação de algum grupo ou setor impactado. Por isso, o planejamento é essencial para que riscos e possíveis crises relacionais sejam previstas e mitigadas.
Com um plano estruturado, as decisões passam a ser coerentes entre si, a alocação de recursos se torna mais eficiente e o país ganha previsibilidade. Essa previsibilidade é essencial para a queda dos juros, porque reduz a percepção de risco dos investidores. A confiança melhora, o capital produtivo volta a circular, os investimentos de longo prazo se tornam viáveis e o crédito se torna mais acessível. A economia passa a crescer de forma mais saudável, com ganhos reais para empresas, consumidores e o setor público.
O improviso pode até gerar manchetes momentâneas e atender às pressões de curto prazo, mas cobra um preço alto: juros altos, insegurança, paralisação de investimentos e inadimplência crescente. O caminho da estratégia, por outro lado, exige mais trabalho, mais diálogo e mais paciência — mas seus resultados são mais duradouros. E, acima de tudo, é o único caminho capaz de construir um futuro mais estável e próspero.
Heverton Peixoto é engenheiro civil, com MBA em Corporate Finance no Insead, CEO da Omni&Co e conselheiro do Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros da FGV.
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