Eleições no Brasil: Vitorioso, Lula enfrentará uma luta árdua – uma economia danificada e um país profundamente dividido
Novo governo terá uma batalha difícil na economia e especialmente na política, onde aliados do presidente de extrema-direita conquistaram posições políticas poderosas em todo o país. Para o cientista político Anthony Pereira, Bolsonaro pode estar prestes a deixar a Presidência, mas o bolsonarismo não vai a lugar nenhum
Novo governo terá uma batalha difícil na economia e especialmente na política, onde aliados do presidente de extrema-direita conquistaram posições políticas poderosas em todo o país. Para o cientista político Anthony Pereira, Bolsonaro pode estar prestes a deixar a Presidência, mas o bolsonarismo não vai a lugar nenhum
Por Anthony Pereira*
Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu um notável retorno político ao reconquistar a Presidência do Brasil. Sua vitória apertada, no segundo turno, foi a margem de vitória mais próxima em uma eleição desde que o Brasil voltou à democracia no final dos anos 1980. O resultado foi de 50,9% para Lula e 49,1% para o presidente em exercício, Jair Bolsonaro – uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos em quase 119 milhões de votos válidos.
Lula está agora prestes a assumir um terceiro mandato, 12 anos depois de terminar seu segundo mandato como um presidente popular como poucos, que alcançou tanto crescimento econômico quanto inclusão social entre 2003 e 2010.
Durante a campanha, os dois candidatos debateram alguns temas familiares: Bolsonaro lembrou aos eleitores a corrupção descoberta envolvendo vários membros do governo Lula. Por sua vez, Lula criticou Bolsonaro por seu mau manejo da crise da Covid-19, na qual o Brasil registrou o segundo maior número de mortes, atrás dos Estados Unidos.
Mas – diferentemente de 2018, quando Lula foi considerado inelegível para concorrer por causa de sua condenação em 2017 por acusações de corrupção (desde então anulada) e Bolsonaro venceu o inexperiente e relativamente desconhecido Fernando Haddad – esta não foi uma eleição em que a corrupção era uma questão central.
Em vez disso, a economia parecia ser a principal preocupação da maioria dos eleitores. O núcleo de apoio de Lula está mais concentrado no empobrecido Nordeste. O apoio de Bolsonaro é particularmente forte nas famílias mais ricas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
A coalizão de dez partidos de Lula era uma ampla união que ia da esquerda ao centro-direita. A campanha reuniu duas forças políticas inimigas nos anos 2000: o Partido dos Trabalhadores de Lula (PT), políticos que haviam sido ou ainda eram membros do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
O companheiro de chapa de Lula na vice-presidência é Geraldo Alckmin, católico conservador e ex-membro do PSDB. A integrante do MDB Simone Tebet, candidata à Presidência no primeiro turno, fez campanha por Lula no segundo turno e provavelmente terá uma vaga no gabinete de Lula.
Uma das chaves para o futuro governo Lula é se essa coalizão pode permanecer unida. Ela ficou unida durante a campanha, quando tinha o objetivo comum de derrotar o presidente em exercício. Se conseguirá manter sua unidade no governo é outra questão.
Fissuras podem aparecer quando o governo precisar fazer escolhas difíceis sobre a gestão da economia e o desafio de reconstruir a capacidade do Estado nas áreas mais prejudicadas pelo governo Bolsonaro. Os danos são particularmente evidentes no meio ambiente, na saúde pública, na educação, nos direitos humanos e na política externa.
Reação de Bolsonaro?
Bolsonaro demorou a se pronunciar sobre o resultado da eleição, fosse para admitir ou alegar fraude. Os próximos dias oferecerão um teste de seu caráter e da natureza do movimento que o levou à Presidência.
Esse movimento às vezes é caracterizado como uma aliança de extrema-direita de “boi” (agronegócio), “Bíblia” (protestantes evangélicos) e “balas” (partes da polícia e militares, bem como as fileiras recém-ampliadas de proprietários de armas).
Bolsonaro poderia repetir o que disse após o debate final (“quem tiver mais votos leva a eleição”) e admitir a derrota. Mas também poderia imitar seu herói e mentor Donald Trump e tentar propagar uma narrativa sobre fraudes, recusar-se a aceitar a legitimidade da vitória eleitoral de Lula e tornar-se líder de uma oposição desleal ao novo governo.
De acordo com a lei brasileira, ele tem o direito de contestar o resultado entrando com um caso no Supremo Tribunal Eleitoral, como fez o candidato derrotado em 2014, Aécio Neves, do PSDB. Mas ele teria que apresentar provas convincentes. O resultado provavelmente seria semelhante ao resultado após a eleição de 2014, quando o tribunal acabou decidindo contra Neves.
Lula estendeu a mão para a oposição em seu discurso de vitória na noite de domingo. Ele disse algo que Bolsonaro nunca falou depois de sua vitória de 2018 – nem em nenhum momento desde: “Vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim”.
Ele também estabeleceu alguns dos objetivos de seu futuro governo. As mais urgentes são a redução da fome e da pobreza, aceleração do crescimento econômico e o fortalecimento do setor industrial. É importante ressaltar que Lula também destacou a necessidade de cooperação com parceiros internacionais para desacelerar a taxa de desmatamento na Amazônia.
Desafios adiante
Seu governo terá uma batalha difícil. Os cofres do governo estão mais vazios do que quando Lula foi presidente da última vez. Grandes aumentos no salário mínimo, com os quais Lula parecia se comprometer durante a campanha, provavelmente elevarão a inflação, atualmente em torno de 7%. A produtividade permanece estagnada e a indústria – que encolheu como parcela da economia geral – é internacionalmente pouco competitiva em muitos setores.
Mas o maior desafio de Lula provavelmente será político. Bolsonaro pode ter perdido a Presidência, mas muitos de seus aliados conquistaram posições políticas poderosas em todo o país. Cinco dos ex-ministros de Bolsonaro conquistaram vagas no Senado, onde o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro tem o maior bloco de cadeiras. Três dos ex-membros do gabinete de Bolsonaro conquistaram vagas no Congresso Nacional, onde o PL também é o maior partido.
Nos estados, os candidatos alinhados a Bolsonaro conquistaram 11 dos 27 governos estaduais, enquanto os candidatos alinhados a Lula conquistaram apenas oito. Mais importante, os três maiores e mais importantes estados do Brasil – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo – serão governados por governadores pró-Bolsonaro a partir de 2023.
Bolsonaro pode estar prestes a deixar a Presidência – mas o bolsonarismo não vai a lugar nenhum.
*Anthony Pereira é diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center da Florida International University
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
.
This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.
É diretor do Kimberly Green Latin American and Caribbean Center da Florida International University, professor visitante na School of Global Affairs do King’s College London e membro sênior da Canning House
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional