Estudo da USP aponta erro em uso de juros alto para conter inflação
Pesquisa revela que sete dos nove setores da economia não respondem a aquecimento econômico, sugerindo que juros elevados podem ser instrumento inadequado contra inflação

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo publicaram uma nota técnica que desafia o principal argumento usado pelo Banco Central para manter os juros elevados: a relação direta entre aquecimento econômico e inflação. Este estudo investiga a relação entre o nível de atividade econômica, medido pelo hiato do produto, e a inflação no Brasil, considerando o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tanto em sua forma agregada quanto desagregada por grupos de produtos.
Rafael Saulo Marques Ribeiro, pesquisador do Made e um dos autores da nota, explica que o mecanismo por trás da política monetária do Banco Central é que, ao elevar a taxa de juros, ele reduz o nível de consumo e investimento, isso reduz a renda da economia como um todo e reduz a demanda.
Principais conclusões do estudo
Conforme apontado pela pesquisa, as principais conclusões do estudo indicam que sete dos nove grupos do IPCA demonstraram baixa sensibilidade à demanda agregada, e que a inflação geral não apresentou uma relação estatisticamente significativa com o aquecimento econômico. O estudo também destaca que fatores como câmbio, crises climáticas e choques externos podem exercer influência maior sobre os preços do que a dinâmica da demanda doméstica.
O pesquisador argumenta que, se os preços de fato se mostram insensíveis à demanda agregada, a manutenção de uma taxa de juros elevada pode não estar cumprindo sua função primordial de controle inflacionário. Ele ressalta que o canal de transmissão da política monetária fica comprometido quando a relação entre demanda e preços é fraca.
Além disso, o estudo sugere que outros fatores podem estar impulsionando a inflação recente, citando a significativa desvalorização cambial, que encarece produtos importados, assim como crises climáticas que afetam safras e choques geopolíticos que impactam a taxa de câmbio. De acordo com a pesquisa, tais elementos podem ter maior peso do que o aquecimento econômico na dinâmica de preços observada.
Implicações para a política econômica
Ribeiro pondera que “reduzir o crescimento do Brasil, nesse contexto de recuperação econômica, talvez não gere resultados favoráveis do ponto de vista de controle de preço”. A pesquisa não defende o abandono do controle inflacionário, mas sugere que o Banco Central possa estar usando o instrumento errado para o problema atual.
O estudo conclui que, diante da baixa sensibilidade da maioria dos preços à demanda agregada, a estratégia de combate à inflação, via elevação de juros, pode ser ineficaz e excessivamente custosa. Ao persistir nessa política, o Banco Central corre o risco de suprimir o crescimento econômico e a geração de renda sem obter o controle inflacionário desejado, uma vez que as atuais pressões de preços parecem ser majoritariamente impulsionadas por choques de oferta (câmbio, crises climáticas, preços internacionais) em setores cuja dinâmica escapa ao mecanismo tradicional de transmissão monetária.
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