Fala Colunista: Fhoutine Marie e como ‘Vale Tudo’ mostra certa cara do Brasil
A professora Fhoutine Marie conversa sobre como o remake da novela ‘Vale Tudo’ pretende exibir uma nova “cara do Brasil”, distinta daquela retratada na versão de 1988. Para Fhoutine, aquela trama da era da Constituição de 1988 emergia num país recém-democratizado, em que o confronto entre honestidade e desonestidade se revelava fundamental para construir um […]
A professora Fhoutine Marie conversa sobre como o remake da novela ‘Vale Tudo’ pretende exibir uma nova “cara do Brasil”, distinta daquela retratada na versão de 1988.
Para Fhoutine, aquela trama da era da Constituição de 1988 emergia num país recém-democratizado, em que o confronto entre honestidade e desonestidade se revelava fundamental para construir um pacto social. Já na adaptação atual, ela vê que os dilemas éticos e morais brasileiros permaneceram centrais, mas são filtrados por novas dinâmicas, como redes sociais, jogos de aparências, teologias da prosperidade, coaches etc. que moldam uma sociedade menos crua, mas igualmente desigual.
Ela fala sobre como o Brasil atual ressignifica o “jeitinho”, a ambição e o confronto com a corrupção, e que a novela, mesmo com “derrapagens” narrativas, ainda capta resquícios relevantes da realidade brasileira.
Fhoutine também fala sobre como mudou a participação política das mulheres entre 1988 e hoje. Ela responde destacando que, no passado, a presença feminina no espaço público já era limitada, muitas vezes relegada a papéis simbólicos ou domésticos, mas reconhece que desde então houve avanços formais: mais mulheres em cargos eleitorais, maior visibilidade de pautas feministas.
No entanto, ela aponta que esse protagonismo é subaproveitado, principalmente depois do impeachment de Dilma Roussef. As estruturas de poder permanecem dominadas por homens, e as narrativas femininas continuam sendo canalizadas por estereótipos ou por personagens coadjuvantes. Nesse sentido, Fhoutine sugere que o remake poderia explorar melhor essa tensão entre os avanços visíveis e os limites reais da participação feminina no Brasil contemporâneo.
Um ponto especialmente instigante da conversa mostra o fenômeno de um eleitorado feminino que se aproxima da extrema-direita, mesmo em contextos onde essa ideologia se declara “anti-feminista”. Esse fenômeno indica que uma chamada da “extrema-direita feminina” não segue logicamente um programa feminista: ela negocia interesses e identidades em meio a angústias contemporâneas, muitas vezes internalizando contradições.
Encerrando a entrevista, fazemos a pergunta: “quais as cenas dos próximos capítulos” para o Brasil e sua cultura política. Fhoutine responde que Vale Tudo atualizado surge num momento em que a “cara do Brasil” está fragmentada: a sociedade contemporânea convive com utopias de ascensão, com predatórios mecanismos de poder e com sofisticações narrativas midiáticas, mas ainda sob tensões profundas de desigualdade e opressão.
Ela enxerga que a novela, mesmo com deslizes, funciona como um espelho crítico. Nesse sentido, essa versão revela que, talvez, o “novo Brasil” não apagou o Brasil de 1988, mas o reinventou sob lentes modernas e conflituosas.
Economista pela PUC-Rio e Mestre em Relações Internacionais e em Administração Pública pela Universidade Columbia, em Nova York. Atua nas áreas de resolução de conflitos,gestão de projetos de infraestrutura para PPPs, licitações e concessões, bem como em análise política, economia e dados, para os setores público e privado, no Brasil e no exterior.
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