Galípolo: normalizar política monetária demanda reformas contínuas
O presidente do Banco Central defendeu que é papel da autarquia atuar em uma ação de “contrapé”, como o “chato da festa”, promovendo o aumento na taxa básica de juros para conter o crescimento descontrolado dos preços e não se perder a estabilidade da moeda

Ao prestar contas em sua primeira audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) após ser aprovado pelo Senado, em outubro de 2024, para assumir a presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo afirmou que a normalização da política monetária, com a contenção dos aumentos na taxa básica de juros (Selic), vai demandar uma série de reformas contínuas. O presidente da autarquia federal foi questionado nesta terça-feira (22) pelos senadores sobre o quinto reajuste consecutivo na Selic, que chegou a 14,25% ao ano. Também respondeu sobre o aumento da inflação e da dívida pública e os impactos do cenário internacional, principalmente diante da atual guerra tarifária impulsionada pelos Estados Unidos.
Galípolo destacou o “crescimento excepcional” do Brasil, mas chamou a atenção para a inflação. Para o gestor, o cenário internacional, ainda imprevisível, tem sido o fator principal na determinação dos preços de mercado. O presidente do Banco Central defendeu que é papel da autarquia atuar em uma ação de “contrapé”, como o “chato da festa”, promovendo o aumento na taxa básica de juros para conter o crescimento descontrolado dos preços e não se perder a estabilidade da moeda.
“Quando a economia está aquecida, gerando pressões inflacionárias, você deveria freá-la, para que não se perdesse o controle da estabilidade monetária”, disse.
O gestor também salientou que “todos no Banco Central estão bastante incomodados por estarmos fora da meta” [de inflação]. Em março, a inflação acumulada em 12 meses, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), bateu 5,48%. A meta estabelecida para este ano pelo Conselho Monetário Nacional é de 3%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
“Porém, estamos falando de um patamar de inflação muito inferior ao que estávamos discutindo antes e mais próximo às economias avançadas e às emergentes”, ressaltou.
Presidente da CAE, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) enfatizou que o país enfrenta incertezas no cenário internacional, que ainda não permitem ver com clareza qual será a trajetória de preços das commodities (matérias-primas). Ele destacou o “remédio amargo” do aumento da taxa de juros para conter a inflação.
“A supersafra vai ajudar, mas os preços dos alimentos não devem regredir com velocidade. Assim, temos uma situação peculiar. Vamos muito bem segundo diversos indicadores macroeconômicos, a começar pelo crescimento do produto interno bruto [PIB], aumento da renda média das famílias e baixa taxa de desemprego. No entanto, paira o fantasma inflacionário”, pontuou Renan.
Selic
Segundo o presidente do Banco Central, a mais recente elevação da taxa básica de juros definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), de 13,25% para 14,25% ao ano, também foi impactada pela imposição de tarifas de importação pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Galípolo considera que pode haver uma desaceleração da economia internacional.
“É perceptível, entre os agentes econômicos, uma dúvida sobre para onde se deve procurar proteção no momento de aversão a risco. Esse é o cenário em que a gente está entrando, e por isso que a gente está vendo alguns cenários de arbitragem entre moedas de alguns países, ou o próprio preço do ouro, como o ouro tem se valorizado e batido recordes. Então, esse é um cenário de preocupação”, disse.
Galípolo destacou que as commodities são impactadas pelos preços internacionais e que de 60% a 70% da produção agrícola tem “alguma correlação elevada com a taxa de câmbio”. Disse ainda que a desvalorização do real em relação ao dólar em toro de 10% aumenta a inflação de alimentos em 1,4 ponto percentual.
Mas para o presidente do Banco Central, a diversificação da pauta comercial brasileira, somada a um mercado doméstico relevante, coloca o país como um local de proteção.
“Na comparação com seus pares, o Brasil pode se destacar justamente por essa diversidade.”
Juros altos
Autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 79/2019, que limita as taxas de juros cobradas por instituições financeiras em operações de crédito, a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) defendeu a redução dos juros.
“Nós temos uma PEC que limita os juros nos cartões de crédito, cheques especiais, a no máximo três vezes a taxa Selic. Nós não engessamos a política monetária. Agora a gente ver toda a sociedade brasileira ser extorquida por juros de até 400% por ao ano, isso dói. É assustador”, afirmou Zenaide.
Galípolo defendeu que a normalização da política monetária vai demandar uma série de reformas contínuas, entre elas a ampliação do acesso da população ao um credito de menor custo. Ele lembrou que o crédito rotativo não deveria ser utilizado de maneira frequente, mas apenas de forma emergencial, daí a importância de se pensar em instrumentos em que se possa oferecer mais garantias.
“Que você possa migrar do crédito que tem alto custo para o crédito de baixo custo, de uma maneira estrutural”, disse.
O senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) questionou a relação da dívida/PIB com a taxa de juros.
“Se o Brasil crescer 2% ao ano e nós continuarmos com essa taxa de juros, com relação à dívida bruta, em 2027, a dívida já vai ser 108% do PIB, e com relação à dívida líquida vai ser 86%. Como é que fica isso? Nós vamos continuar ignorando?”, quetionou Oriovisto.
Já o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), indagou se o Brasil está utilizando inteligentemente a busca de competitividade e disse que “estamos deixando os juros altos no Brasil virarem quase um vício”.
Política monetária
O senador Cid Gomes (PSB-CE) disse ser importante fazer o debate da política monetária. Ele destacou que, com a inflação alta, os pobres são os mais prejudicados, não os investidores e o mercado. E afirmou que o país vai chegar a 2026 com mais de R$ 10 trilhões de dívida pública. Segundo ele, “o sistema financeiro, os fundos de pensão, os investidores estrangeiros” é que ganham com isso.
“O Brasil precisa sair desse círculo vicioso. Eu não sei até quando o povo brasileiro, talvez pela ausência de debate, vai suportar um governo cumprindo um papel de Robin Hood ao contrário, porque, no final das contas, o Banco Central é governo e é o Banco Central quem tira dos pobres, dos trabalhadores, dos que empreendem para dar aos especuladores. Isso, certamente, tem que ter um fim.”
Líder da Oposição, o senador Rogerio Marinho (PL-RN) enfatizou que o governo busca receitas para tentar tapar os buracos na política fiscal. Ele lembrou que a projeção do Relatório Focus era de uma taxa Selic de 8% ao final de 2024, e de 7,75% ao final de 2025, enquanto o atual percentual é de 14,25%.
“Se pegar o dado colocado aqui da nossa dívida, de R$ 9 trilhões, a dívida pública nominal, absoluta, e levarmos em consideração uma Selic de 14%, [o aumento anual da dívida seria de] R$ 1,2 trilhão. Mas a composição dessa dívida vai variar, porque alguma parte foi contraída com uma taxa de juro menor. Então, bota aí uma taxa média de 10%, R$ 900 bilhões de reais por ano. Se ela [a taxa Selic], fosse a metade, como o Relatório Focus preconizava, nós estamos falando de quase R$ 500 bilhões pagos a mais de juros em função da temeridade, em função da má condução da política fiscal por este governo populista que não tem projeto de país”, disse Marinho.
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) defendeu o crescimento econômico e ponderou que, em ataque especulativo no final de 2024, os agentes de mercado apostaram contra a moeda [real] e que, por isso, o Banco Central agiu para reverter essa situação.
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