Lítio, terras raras e cobre – O que os EUA querem do Brasil?
No caso brasileiro, o interesse norte-americano encontra um terreno já ocupado. A maior parte dos projetos das mineradoras atuantes no setor de lítio, terras raras e cobre no Brasil, seja em fase de prospecção ou de exploração, está sob controle de empresas estrangeiras

Por Elaine Santos*
Na última semana de julho, uma nova movimentação reposicionou o Brasil no tabuleiro da geopolítica dos minerais estratégicos. Segundo reportagens publicadas pela imprensa brasileira, os Estados Unidos manifestaram oficialmente interesse em garantir acesso aos minerais estratégicos brasileiros, em especial lítio, terras raras e cobre.
No dia 24 de julho, foi divulgado que o encarregado de negócios e embaixador interino dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, reuniu-se com representantes do setor mineral (IBRAM) e sinalizou esse interesse. A movimentação ganhou ainda mais peso com declarações recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao indicar que os minerais estratégicos poderão ser incluídos nas negociações com os Estados Unidos, em contraste com a fala do presidente Lula dias antes ao afirmar que “ninguém põe a mão” nos recursos minerais estratégicos do Brasil.
Quase simultaneamente, a Agência Nacional de Mineração (ANM) instituiu uma divisão específica para minerais críticos e estratégicos, sinalizando uma tentativa de reposicionamento institucional do Brasil frente à crescente pressão geopolítica.
Nada disso surpreende quem acompanha a geopolítica da transição energética. Em 2024 já se discutia um possível acordo para que o Brasil atuasse como fornecedor de minerais críticos para os EUA. Já havia alertado, em textos anteriores, que a volta de Trump ao poder implicaria a retomada da política de reindustrialização e da aposta em combustíveis fósseis, reeditada pelo plano Drill, baby, Drill abraçado pelas grandes petrolíferas. A reversão de iniciativas para energia limpa e mobilidade elétrica provocou oscilações nos mercados de commodities, mas não freou o crescimento da demanda por minerais estratégicos. Lítio, cobre, níquel e terras raras seguem no centro das tecnologias e da transição energética.
No caso brasileiro, o interesse norte-americano encontra um terreno já ocupado. A maior parte dos projetos das mineradoras atuantes no setor de lítio, terras raras e cobre no Brasil, seja em fase de prospecção ou de exploração, está sob controle de empresas estrangeiras. Embora o país detenha recursos expressivos, a cadeia de decisão sobre como e para onde esses recursos são direcionados muitas vezes escapa ao controle nacional. O movimento dos Estados Unidos busca justamente reordenar essa equação: disputar influência direta sobre fluxos que hoje favorecem, sobretudo, a China.
A presença de grandes mineradoras norte-americanas na América do Sul não é nova, tampouco sua influência direta. Como destaquei em artigo anterior sobre a história do lítio no Brasil, a pressão exercida pelos Estados Unidos já se fazia presente na década de 1990 sobre a Companhia Brasileira de Lítio, que conseguiu contornar barreiras intervencionistas graças ao Decreto nº 2.413, de 1997 (revogado em 2022). Ou seja, foi uma política de Estado que garantiu avanços nacionais na indústria de sais de lítio. Não há, portanto, grande novidade nesse interesse estratégico norte-americano por nossos recursos.
A América do Sul concentra cerca de 38% das reservas globais de cobre e aproximadamente 58% das de lítio. O Brasil aparece em segundo lugar mundial em recursos de terras raras, com 21 milhões de toneladas em equivalente de óxidos, segundo o relatório Mineral Commodity Summaries 2025, publicado pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da China. Parte desses recursos ainda não está em condições de exploração imediata, mas seu potencial é reconhecido por governos e investidores.
Para dimensionar o interesse nos recursos sul americanos, basta olhar para empresas como Newmont, Freeport-McMoRan, Albemarle e Alcoa. Elas mantêm investimentos estratégicos na região, especialmente no Chile. A Freeport‑McMoRan, por exemplo, anunciou em 2024 um plano de US$ 7,5 bilhões para expandir a mina El Abra, que fornece cobre para o mercado global.
Em 22 de julho, a Bloomberg noticiou que a Aclara Resources, mineradora negociada na bolsa de Toronto, está em tratativas com agências do governo dos EUA para buscar financiamento de um plano de 1,5 bilhão de dólares. O projeto prevê a extração de terras raras na América Latina, incluindo o Brasil, com o objetivo de refinar e processar os materiais em território norte-americano.
A ofensiva recente dos EUA sobre o Brasil está longe de ser pontual. Em maio deste ano, o governo norte-americano firmou um acordo com a Ucrânia para garantir acesso às suas terras raras. O movimento se intensificou com Trump, mas já estava presente no governo Biden. Para Washington, os recursos minerais da região (que eles veem como quintal) passam a integrar uma estratégia geopolítica mais ampla, sobretudo em países com acordos de livre comércio vigentes, caso do México, por exemplo.
Enquanto os Estados Unidos impõem tarifas e fazem pressão, a China continua a ocupar a dianteira industrial. Refina 40% do cobre, 59% do lítio e 73% do cobalto mundial, além de dominar a produção de cátodos, peça central das células de bateria. Outros países têm buscado caminhos distintos. O Zimbábue, maior produtor de lítio da África, pretende proibir a partir de 2027 a exportação de minério bruto e passou a exigir que as empresas invistam no processamento local do mineral.
Portanto, o que está em jogo não é apenas a titularidade das jazidas, mas o controle sobre cadeias produtivas e rotas comerciais que definirão os rumos da economia nas próximas décadas. A corrida por minerais estratégicos já estava em andamento. O que os últimos movimentos revelam é a escalada de pressões diplomáticas e financeiras para garantir acesso preferencial aos recursos, em especial em territórios onde os marcos regulatórios ainda estão em definição. O caso brasileiro é emblemático. O governo federal se prepara para divulgar sua política para os minerais estratégicos, enquanto o setor privado já negocia diretamente com potências interessadas.
Diante desse momento decisivo que exige posicionamento, é preciso lembrar que a soberania mineral envolve controle sobre o processamento, o destino das exportações e a capacidade de decidir prioridades nacionais. Neste sentido, o que os EUA querem do Brasil talvez seja menos importante do que o que o Brasil quer, e pode, construir para si.
*Elaine Santos é pós-doutora pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP
Este texto é uma reprodução autorizada de conteúdo do Jornal da USP - https://jornal.usp.br/
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