02 julho 2025

Ninguém quer ceder – A principal explicação para a atual crise fiscal

A impressão de que o Executivo é o único responsável se deve ao fato de ser dele a obrigação de elaborar o orçamento da nação, que depois precisa ser aprovado junto ao Legislativo. Acontece que há uma parte importante dos gastos que oneram nosso déficit fiscal que são de responsabilidade do Legislativo e do Judiciário

Fernando Haddad, Davi Alcolumbre, Gabriel Galípolo, Hugo Motta e Simone Tebet no evento de 60 Anos do Banco Central (Foto: Jose Cruz/Agência Brasil)

Por Paulo Feldmann*

No Brasil de hoje, o componente político está por trás de quase toda discussão econômica, e a questão do déficit fiscal não é diferente. Esse indicador consiste na diferença entre tudo o que o setor público arrecada e tudo o que gasta, excluindo o pagamento de juros. Se o valor é positivo, chama-se superávit fiscal.

Infelizmente, nos últimos cinco anos, apenas em 2022 o Brasil teve superávit, ou seja, temos tido predominantemente déficits fiscais. Isso quer dizer que o governo gasta mais que arrecada.

Importantíssimo frisar que nessa conta não entra o pagamento de juros para quem investiu em títulos do Governo Federal. Estes pagam taxa de inflação mais a taxa Selic — hoje de 15% ao ano —, o que significa que, em 2025, o País vai pagar mais de R$ 1 trilhão aos felizes compradores dos títulos do Tesouro.

Mas há algo interessante na discussão do déficit fiscal deste ano (0,5%) porque, lendo a mídia em geral, na grande maioria dos casos a impressão que fica é de que apenas o Governo Federal deveria cortar despesas. De maneira nenhuma queremos aqui defender o Poder Executivo: achamos, sim, que há muito o que fazer por parte do governo do presidente Lula em relação ao corte de despesas. Mas a impressão de que ele é o único responsável se deve ao fato de ser dele a obrigação de elaborar o orçamento da nação, que depois precisa ser aprovado junto ao Legislativo. Acontece que há uma parte importante dos gastos que oneram nosso déficit fiscal que são de responsabilidade do Legislativo e do Judiciário. É isso que vamos comentar abaixo.

O Poder Legislativo — principalmente, a Câmara dos Deputados — tem criado dificuldades para muitas das propostas feitas pelo ministro da Fazenda. Recusou o aumento do IOF, reprovou a proposta da volta de oneração da folha de pagamentos para empresas de 17 setores da economia e várias outras medidas que, se aprovadas, iriam aumentar muito a arrecadação do governo de forma a evitar o déficit fiscal. Por outro lado, o Legislativo não abre mão das emendas parlamentares que, só neste ano, já nos custaram R$ 55 milhões. E que, em 2026, deverão mais que dobrar pois trata-se de um ano eleitoral, e os deputados vão precisar de mais emendas secretas que favoreçam seus eleitores espalhados por todo o Brasil.

Ou seja, o Legislativo quer que os outros cortem, mas nunca ele próprio. Além disso, o Legislativo tem sido sistematicamente contrário a qualquer discussão relativa a supersalários e taxação aos super-ricos. Os parlamentares fazem questão de aprovar projetos em que enfiam seus “jabutis” e aprovam medidas como a da semana retrasada que vão onerar a conta de energia elétrica de todos os brasileiros a partir do próximo ano — o ano da eleição.

Algo semelhante acontece com o Poder Judiciário, sobejamente conhecido como um dos mais custosos do mundo. Os custos judiciários no Brasil atingem 1,4% do PIB, conforme divulgado pelo Tesouro, enquanto a média mundial é de 0,3 do PIB. Isso significa que, se no Brasil o gasto fosse equivalente à média mundial, a economia seria de R$ 140 bilhões. Só isso acabaria com o déficit fiscal. Boa parte dos supersalários também estão incluídos nos gastos do Judiciário.

A solução só virá se os três poderes cederem um pouco, e o Governo Federal concordar em promover alguma contenção, por exemplo, nos índices de reajuste de salário mínimo, pelo menos para os próximos anos. Os gastos de sua responsabilidade são também de muita importância, como o pagamento dos aposentados, dos salários dos servidores, dos benefícios sociais, da saúde e da educação, mas a maioria é indexada pelo IPCA mais aumento real do salário mínimo.

Em suma, há de haver uma grande negociação entre os três poderes, em que o fundamental seja obter o bem da nação, zerando-se o déficit fiscal já em 2026. Isso significa que cada parte deverá ceder um pouco. Ou seja, a crise é fiscal, mas o problema é político. Claro que esse tipo de negociação é muito complexo, mas já tivemos situações parecidas quando, em 1994, o presidente Itamar Franco implantou o Plano Real junto com seu ministro da Fazenda e liderou essa negociação com os outros poderes, o que, como se sabe, foi uma das razões para o sucesso do plano.


*Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

Este texto é uma reprodução autorizada de conteúdo do Jornal da USP - https://jornal.usp.br/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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