02 outubro 2025

O Fundo de Florestas Tropicais para Sempre e o futuro da cooperação para clima e desenvolvimento

Antes mesmo de sair do papel, o TFFF é inovador. É um instrumento de financiamento climático que aposta no “blended finance” e que busca criar sinergias entre clima e natureza, remunerando países em desenvolvimento por manterem florestas tropicais de pé

Fundo é um mecanismo inovador para proporcionar aos países com florestas tropicais pagamentos em larga escala, previsíveis e baseados em desempenho — Foto: Fernando Donasci / MMA

O mundo está em rápida transformação e não faltam exemplos para ilustrar. Dentre os muitos campos em mutação, o da cooperação para o desenvolvimento é um dos mais movediços.  

Em 2025 assistimos perplexos a Donald Trump fechar a agência bilateral norte-americana – a USAID – e congelar contribuições às Nações Unidas, atingindo em cheio inúmeras agências especializadas. 

Desde então há quem fale do fim do regime de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) e da Ajuda Internacional ao Desenvolvimento (AOD), estruturado a partir dos anos 60, ou então de um regime cada vez mais Pós-Americano

‘Tanto o regime de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) como o sistema internacional têm se tornado cada vez mais “pós-ocidentais”’

A verdade é que tanto a CID como o sistema internacional têm se tornado cada vez mais “pós-ocidentais”. 

E isso não é de hoje. Temos a foto e o filme. 

A foto é a derrocada política e orçamentária que atinge os principais doadores nos últimos anos – os países ditos “ocidentais” e membros da OCED –, em consequência crise financeira de 2008, do crescimento do nacionalismo e populismo de extrema-direita e da securitização da agenda. 

‘Países do Sul Global são também verdadeiros produtores de inovação política e diplomática’ 

Já o filme, joga luz na incontestável multipolaridade no sistema internacional e do papel de países do Sul no campo do desenvolvimento internacional não apenas como beneficiários, mas como fonte de soluções, tecnologias e recursos para os mais diversos problemas de desenvolvimento. São também verdadeiros produtores de inovação política e diplomática, em âmbito global. 

Na última década, a China capitaneou, entre outras coisas, a criação do Asian Infrastructure Development Bank (AIIB), a Belt and Road Initiative (BRI) e a Global Development Initative (GDI). Em paralelo, a Índia liderou a International Sollar Alliance, a Coalition for Disaster Resilient Infrastructure e a Global Biofuels Alliance. 

Já o Brasil liderou a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e hoje desenha o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, da sigla em inglês), apenas para ficar em alguns exemplos. 

‘Apesar de ainda não ter saído do papel, o TFFF já nasce inovador’

Apesar de ainda não ter saído do papel, o TFFF já nasce inovador. É um instrumento de financiamento climático que aposta no “blended finance” e que busca criar sinergias entre clima e natureza, remunerando países em desenvolvimento por manterem florestas tropicais de pé. 

É também um instrumento que rompe com a lógica de financiamento externo “por projeto”, buscando fortalecer e aprimorar políticas e instituições públicas domésticas nos países de florestas tropicais, além de valorizar o papel dos povos indígenas e comunidades tradicionais como guardiões das florestas.

No início dos anos 2000, o Brasil inovou no sistema Norte-Sul do REDD+ e criou uma estrutura inovadora e ambiciosa – o Fundo Amazônia – para captar financiamento externo para reduzir desmatamento e criar desenvolvimento compatível com a floresta em pé na Amazônia. 

O Brasil usou de sua experiência como “beneficiário” de financiamento externo para renegociar os termos de suas parcerias internacionais e montar uma estrutura que virou referência mundial, mostrando que é possível apostar no papel de instituições nacionais dos países do Sul e na participação social para fortalecer políticas públicas domésticas intersetoriais de longo prazo, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). 

‘Lula anunciou que o Brasil vai “liderar pelo exemplo” aportar contribuição financeira de US$ 1 bilhão ao TFFF’

Durante a Semana do Clima, em Nova York, em setembro, o presidente Lula anunciou que o Brasil vai “liderar pelo exemplo” aportar contribuição financeira de US$ 1 bilhão ao TFFF. Em ano de COP do Clima em Belém, o gesto é sem dúvida um passo para viabilizar o que parece ser a entrega mais concreta da Presidência brasileira na COP30, ao menos sob a perspectiva do governo. 

É uma sinalização importante para enfim destravar o apoio de outros países – ao Norte e ao Sul do equador – à iniciativa, incluindo Noruega, Reino Unido, França, China, Emirados Árabes Unidos e outros.

Para além de um gesto pragmático, o anúncio indica uma posição mais madura do país na agenda climática, com repercussões para o campo do desenvolvimento. 

O Brasil parece entender que não é suficiente liderar tecnicamente e diplomaticamente a concepção de um instrumento inovador que, se exitoso, beneficiará países em desenvolvimento e aportará recursos aos esforços nacionais de conservação de florestas tropicais. Entende também seu papel como “patrocinador” e “investidor” de uma iniciativa cujo desenho político e modelo financeiro propostos visam entregar ao país (e aos demais parceiros) retorno do investimento nas próximas décadas. 

‘O Brasil demonstra uma compreensão cada vez mais refinada do papel que pode e deve desempenhar uma grande economia do Sul e em um mundo em que doações a fundo perdido estão cada vez mais em baixa’

Ao desenhar o TFFF com estas premissas e ao anunciar-se como contribuinte o Brasil demonstra uma compreensão cada vez mais refinada do papel que pode e deve desempenhar uma grande economia do Sul e em um mundo em que doações a fundo perdido estão cada vez mais em baixa. Lembrando que o Brasil é um país interessante neste complexo quebra-cabeça: um país em desenvolvimento produtor e exportador de petróleo, florestal e mega biodiverso. Mas também um país vulnerável às mudanças climáticas e que hoje figura entre os maiores emissores de Gás de Efeito Estufa.

Ainda é cedo para dizer se o TFFF sairá mesmo do papel, no entanto o esforço brasileiro de colocá-lo de pé é um fato a ser celebrado e analisado pelos especialistas de clima e desenvolvimento. 

O Fundo não apenas escancara a já sabida posição “dual”, ou “híbrida”, do Brasil – para além das velhas dicotomias e assimetrias de campos com polos de doadores ativos ao Norte e receptores passivos ao Sul – mas pode também transformar a lógica binária Norte-Sul do financiamento climático e da CID. 

Tal como a Aliança contra a Fome e Pobreza, que oxigena o diálogo e troca de experiências multidirecionais (Norte-Sul, Sul-Sul e Sul-Norte), o TFFF ajuda a construir uma nova narrativa sobre bens públicos e problemas globais e as contribuições que podem ser comuns e diferenciadas para endereça-los. 

Em novembro de 2025, em Belém, talvez vejamos uma foto oficial do lançamento do TFFF. Entretanto, para além dos apertos de mão, a proposta do novo fundo já compõe um filme em que florestas tropicais estão no centro da agenda climática e a inovação técnica-diplomática de países do Sul, como o Brasil, são fundamentais para transformação de um campo que custa a reinventar-se. 

Laura Trajber Waisbich é cientista política e diretora-adjunta de programas no Instituto Igarapé. É afiliada ao Skoll Centre, na Said Business School da Universidade de Oxford e foi diretora do Programa de Estudos Brasileiros e professora de estudos latino-americanos na mesma universidade.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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