O realismo mágico do desenvolvimento sustentável
Os projetos de infraestrutura na Amazônia não são mais vistos empreendimentos de importância global, mas sim como destruidores do conceito de ‘desenvolvimento sustentável’. Para professor, a posição do presidente Lula a respeito desse tópico no novo governo ainda é incerta
Os projetos de infraestrutura na Amazônia não são mais vistos empreendimentos de importância global, mas sim como destruidores do conceito de ‘desenvolvimento sustentável’. Para professor, a posição do presidente Lula a respeito desse tópico no novo governo ainda é incerta
Por Robert Toovey Walker*
Escrever sobre infraestrutura não é um passatempo agradável; assim como ler sobre ela não proporciona nenhuma emoção perceptível. Infelizmente, é impossível pensar no futuro da Amazônia sem considerar a infraestrutura que os planejadores do governo estão construindo lá.
Esse é um tópico extenso que não posso abordar em uma única coluna. O que posso fazer é fornecer uma estrutura para pensar sobre a infraestrutura no contexto dos objetivos sociais que há muito tempo competem em um cabo de guerra entre o desenvolvimento econômico e a conservação da Amazônia.
A construção de represas, ferrovias, rodovias e hidrovias exige grandes somas de dinheiro e gera pouco retorno imediato. Dado o desejo das empresas de obter lucro no curto prazo, não é de surpreender que os governos sejam responsáveis por fornecer às sociedades a infraestrutura de que elas precisam para funcionar economicamente.
No passado, os projetos de infraestrutura eram vistos como empreendimentos de importância nacional e até mesmo global. Por exemplo, a construção do Canal de Suez foi anunciada como um empreendimento que refletia o gênio criativo e a verdadeira garra da humanidade. Hoje em dia, a narrativa da infraestrutura não é tão direta. Sabemos que as coisas ruins acompanham as boas em qualquer projeto de grande escala. Assim, muitos pesquisadores argumentam que a infraestrutura de transporte contribuiu significativamente para o desmatamento da Amazônia ao abrir terras para a agricultura. A principal questão é se os benefícios decorrentes da agricultura compensaram os custos da degradação ecológica.
A infraestrutura na Amazônia não seria tão problemática se não estimulasse o desenvolvimento da agricultura, em especial a pecuária, um dos principais fatores de desmatamento da Amazônia. A comunidade mundial percebeu isso durante a Rio-92, quando o conceito de “desenvolvimento sustentável” tomou conta da imaginação popular.
Foi uma epifania, a compreensão de que a Amazônia não precisava mais ficar presa em um jogo de soma zero, com o desmatamento sendo o resultado da criação de empregos. Tratou-se de um divisor de águas, um momento em que o realismo mágico conspirou com o pensamento positivo para iludir muitos conservacionistas a equiparar a retórica à realidade. Após a conferência, os ambientalistas presumiram que as agências governamentais, a partir de então, buscariam uma agenda de desenvolvimento sustentável, dada a sua lógica irresistível.
Infelizmente, os governos tinham outras ideias, o que ficou bastante claro quando, há pouco mais de 20 anos, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana, ou IIRSA. Esse foi e continua sendo um programa de infraestrutura de dimensões impressionantes que envolve todas as nações sul-americanas. Para ter uma noção de sua magnitude geral, considere um pequeno trecho envolvendo o Rio Tapajós. Nesse rio, cinco represas foram planejadas, capazes de gerar 12.000 MW de energia hidrelétrica. Além disso, uma hidrovia de 1.400 km será construída do Mato Grosso até o rio Amazonas, e 11 portos complementares serão implantados ou modernizados. Fora da planície de inundação, duas ferrovias ligarão pontos do baixo Tapajós a rodovias transcontinentais e a ferrovias ao sul.
Não parece haver nada particularmente “verde” nessa infraestrutura, muito pelo contrário. Na verdade, o objetivo da IIRSA é promover a industrialização e transformar a Amazônia em uma fonte continental de energia hidrelétrica e um centro de transporte multimodal para exportação aos mercados globais. Qual será o impacto na Bacia Amazônica quando toda a infraestrutura da IIRSA estiver totalmente implementada? Essa é uma grande incógnita, mas não é muito difícil de supor, se evitarmos as armadilhas do pensamento mágico e resistirmos à ilusão de que o fato de o governo dizer que promove o desenvolvimento sustentável não significa que o faça.
A teoria da causação cumulativa, conforme articulada por economistas como o ganhador do Prêmio Nobel Paul Krugman, sugere que, uma vez que a infraestrutura tenha reduzido os custos de transporte e tornado a energia hidrelétrica barata prontamente disponível, inicia-se um processo de feedback positivo. O crescimento do emprego decorrente de novos investimentos atrai trabalhadores, cujas demandas de consumo atraem investimentos adicionais, o que leva a mais crescimento do emprego, estimulando, assim, um novo influxo de trabalhadores, e dessa forma por diante, formando um ciclo que transforma uma região subdesenvolvida em uma região economicamente dinâmica.
Na Amazônia, a população regional poderia chegar a 100-200 milhões de pessoas, e a economia espacial do continente poderia ser “invertida”. A base industrial de São Paulo se tornaria um cinturão de ferrugem, enquanto uma nova aglomeração industrial surgiria no Vale do Amazonas.
E quanto à floresta? A alimentação de 100 a 200 milhões de pessoas estimularia o desenvolvimento agrícola dentro da própria região, já que todas essas árvores estariam prontas para serem derrubadas em campos e pastos. A floresta desapareceria antes que a última hidrovia da IIRSA fosse concluída. O resultado descrito não seria consistente com o caminho do desenvolvimento sustentável.
Então, como o presidente Lula da Silva lida com a aparente contradição entre o planejamento do governo e o pensamento positivo? Ele é um proponente do desenvolvimento sustentável ou um defensor da velha guarda do “negócios como sempre e a floresta que se dane”? Pelas suas palavras como presidente recém-eleito, seria difícil classificar Lula como algo além de um defensor do desenvolvimento sustentável, como deve ser o caso de qualquer pessoa que promete reduzir o desmatamento a zero até 2030.
Mas e quanto às ações de Lula? Elas não são tão facilmente discerníveis, embora uma pista possa ser obtida ao considerar os gastos do governo com o desenvolvimento da Amazônia durante as administrações anteriores do Partido dos Trabalhadores.
Esses gastos de 2011 a 2015 mostram um padrão tradicional que favorece o crescimento econômico e somam cerca de R$ 453 bilhões. Isso engloba os gastos com desenvolvimento sustentável de R$ 5,29 bilhões, grande parte deles provenientes de doadores do Fundo Amazônia (R$ 1,16 bilhão). Assim, o orçamento federal alocou apenas 1,5% de seus fundos de desenvolvimento da Amazônia para a agenda de sustentabilidade.
Evidentemente, da última vez que Lula atuou, ele não se mostrou um defensor ferrenho da sustentabilidade. O desmatamento caiu depois de 2005, mas começou a subir novamente depois de 2012, provavelmente em resposta, pelo menos em parte, à sua agressiva agenda de infraestrutura.
O presente não precisa repetir o passado, e as declarações políticas de Lula desde que assumiu o cargo em 2023 sugerem uma mudança de atitude. Vale ressaltar que ele reafirmou o compromisso do Brasil com os princípios da Rio-92 na Declaração de Belém, após a recente reunião da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Mais especificamente, o presidente mostra-se ciente dos perigos de desmatamento associados à infraestrutura de grande escala, ao declarar uma abordagem bioeconômica para o desenvolvimento da Amazônia. Esse é um bom sinal, já que as atividades bioeconômicas têm o potencial de alcançar o desenvolvimento sustentável, se ramificadas nos confins da bacia.
O “se” aqui aponta para uma questão séria, já que as atividades bioeconômicas existem há muito tempo, incluindo a prática da agrofloresta e a extração de produtos florestais não madeireiros, para citar apenas dois exemplos de uma lista muito longa. A questão é: se as atividades bioeconômicas já existem, e existem, e se são economicamente desejáveis, como muitos argumentam, por que a bioeconomia ainda não se estabeleceu e derrotou o desmatamento?
Espero sinceramente que minha pergunta seja logo contestada por inovadores brasileiros brilhantes que desenvolvem produtos baseados na biodiversidade e tornam a terra mais valiosa com a floresta do que sem ela. Mas também me preocupo com o fato de que a bioeconomia possa vir a ser a “baleia branca” do sonho de desenvolvimento sustentável. Se isso acontecer, Lula da Silva passará por maus bocados no papel do capitão Ahab.
*Robert T. Walker é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
Tradução de Letícia Miranda
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
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