Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
29 julho 2024

Os EUA e os desafios contemporâneos da política externa brasileira

A versão 3.0 da política externa ‘ativa e altiva’ de Lula tem renovado a inserção internacional do Brasil a partir da integração regional, diversificação de parcerias, diálogo e cooperação multilateral. Contudo, este perfil autônomo de ação enfrenta críticas e até mesmo cerceamentos por parte dos EUA

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden durante cerimônia de lançamento da “Iniciativa Global Lula-Biden para o Avanço dos Direitos Trabalhistas na Economia do Século XXI”, em Nova York (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Em junho, um alto representante do Departamento de Estado ligado aos assuntos do Oriente Médio dos EUA — o diplomata Abram Paley — esteve em Brasília. Esta visita recebeu alguma repercussão na mídia brasileira, especialmente devido às manifestações de desagrado do próprio Irã. 

Apesar de o conteúdo não ter sido divulgado por nenhum dos governos, em mensagem na rede social X, Paley forneceu indícios da pauta: sanções econômicas, não proliferação e as chamadas “atividades desestabilizantes” do Irã na América Latina. Esse discurso não é uma inovação da atual administração estadunidense, mas espelha a continuidade de uma política iniciada ainda no final do segundo governo de Barack Obama (2012-2016) e, aprofundada principalmente, na administração de Donald Trump (2017-2021). 

‘Biden vem mantendo uma forte retórica dirigida para o acirramento de disputas do país com atores então nomeados inimigos: China, Rússia, Irã e, na América Latina, Venezuela e Cuba’

Reflexo da reação dos EUA ao cenário internacional das últimas décadas —caracterizado pelo crescente retorno da China e Rússia, bem como por significativas rachaduras das instituições multilaterais —, esta orientação exibe a resistência da grande potência em abrir mão de seu domínio e direção internacionais. Na presente gestão, o democrata Joe Biden vem mantendo uma forte retórica dirigida para o acirramento de disputas do país com atores então nomeados inimigos: China, Rússia, Irã e, na América Latina, Venezuela e Cuba. E é essa continuidade de visão que domina parte importante das relações dos EUA com o Brasil hoje. 

A versão 3.0 da política externa “ativa e altiva” de Lula tem renovado a inserção internacional do Brasil a partir da integração regional, diversificação de parcerias, diálogo e cooperação multilateral. Contudo, este perfil autônomo de ação enfrenta críticas e até mesmo cerceamentos por parte dos EUA. O próprio episódio da visita de Paley ao Brasil reflete esse contexto. 

‘Para os EUA, é inadmissível qualquer atividade que ponha em risco seus interesses’

Para os EUA, é inadmissível qualquer atividade que ponha em risco seus interesses, e, apesar de não ser uma relação estreita, o Brasil tem estado junto ao Irã a partir, por exemplo, da inclusão do país do Oriente Médio no Brics desde janeiro. Assim, Paley veio transmitir seu recado à diplomacia brasileira.

A posição de diálogo e não interferência de Lula em assuntos domésticos da sua vizinha Venezuela também tem gerado descontentamento estadunidense. Em junho do ano passado, o assessor do presidente Biden, Juan González, e o subsecretário de Assuntos do Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, apresentaram contundentes críticas ao posicionamento do presidente brasileiro. 

As iniciativas do Brasil para a resolução da guerra em Gaza também têm gerado desconforto e desaprovação do governo Biden. Por exemplo, em outubro de 2023, quando a diplomacia do Brasil articulou sua primeira proposta junto ao Conselho de Segurança da ONU, os EUA a vetaram. Já em fevereiro passado, o porta-voz do Departamento de Estado estadunidense, Matthew Miller, declarou discordância e proferiu críticas ao posicionamento do governo brasileiro em definir como genocídio o que está acontecendo naquela região. 

‘Apesar de alguns sinais iniciais de diálogo entre os governos de Biden e Lula alimentarem esperanças de um aprofundamento de relação, o que se observa é a manutenção de um posicionamento estadunidense desafiador à autonomia internacional brasileira na atualidade’

Portanto, apesar de alguns sinais iniciais de diálogo entre os governos de Biden e Lula conduzirem alguns analistas a alimentar esperanças de um aprofundamento de relação, o que se observa é a manutenção de um posicionamento estadunidense desafiador à autonomia internacional brasileira na atualidade. Em um cenário de incertezas sobre o futuro da superpotência decorrentes do resultado eleitoral de novembro próximo, vislumbrar um cenário positivo e de aprofundamento de parceria com os EUA não parece viável, nem mesmo com a vitória dos democratas. 

Luciana Wietchikoski é doutora em ciência política pela UFRGS com estágio pós-doutoral em relações internacionais pela UFSC e professora na Unisinos

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter