Preparativos para a COP 30 expõem diferentes narrativas ambientais para Belém e a Amazônia
A escolha de Belém como sede da COP-30 traz à tona profundas contradições sobre a relação entre o desenvolvimento econômico e a justiça climática na Amazônia
Por Eloisa Beling Loose e Cláudia Herte de Moraes, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Em 2025, pela primeira vez, o Brasil receberá a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. A 30ª edição do evento (COP 30) será em Belém, no Pará, em território amazônico, e marcará os dez anos do Acordo de Paris, um esforço global para limitar o aumento da temperatura média do planeta.
A escolha de Belém como sede da COP-30 traz à tona profundas contradições sobre a relação entre o desenvolvimento econômico e a justiça climática na Amazônia. Ao mesmo tempo em que a região é vista como parte da solução para a crise (pela possibilidade de captura de carbono e preservação da biodiversidade), evidencia-se a exploração de seus recursos e a marginalização de suas populações.
Mas o jornalismo pode contribuir com o maior equilíbrio de versões sobre a crise climática ao desmantelar desde dentro aspectos que favorecem as elites e um certo modo de entender o que é desenvolvimento.
Narrativas ambientais que ganham visibilidade
A COP faz parte das Conferências das Partes, reuniões internacionais promovidas no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para discutir a crise climática. Estudos da área da Comunicação demonstram que, por muito tempo, os encontros anuais da COP foram um dos principais gatilhos para que as mudanças climáticas tivessem cobertura midiática.
Com enfoque político-econômico, no entanto, as coberturas anuais desses eventos nem sempre conseguiam se aproximar da população. É uma tendência observável há algum tempo. Esse enquadramento acabava por impulsionar uma narrativa única, calcada na racionalidade econômica, e que apresentava como solução medidas paliativas vistas pelos governos como oportunidades de negócio, como o mercado de carbono, as ações compensatórias e a fé na inovação e tecnologia.
Apesar das vulnerabilidades existentes no Brasil, que nos deixam mais suscetíveis aos efeitos da crise climática, a questão ambiental apenas bem recentemente tem sido reportada de forma diferente. Este movimento de mudança no trabalho jornalístico ocorre também em outros países, pois há uma dificuldade compartilhada pelas muitas formas de fazer jornalismo de ouvir outros pontos de vista e debater o cerne da questão: o modelo de desenvolvimento vigente.
Uma COP em território amazônico
A escolha de Belém para sediar a COP 30 é simbólica e busca demarcar o compromisso político do governo brasileiro com o enfrentamento da emergência climática. Um passo importante, já que a gestão anterior no âmbito federal se mostrou contrária ao cuidado ambiental e ignorou os apelos de cientistas e líderes mundiais para proteger a Amazônia, que, em pé, representa um importante sumidouro de carbono em nível global.
Contudo, trazer as delegações dos diferentes países para Belém também significa revelar as imensas contradições derivadas de um modelo de desenvolvimento orientado para a exploração de recursos naturais.
A um ano do encontro, já é possível encontrar reportagens que apontam os desafios de tornar a capital paraense esse lugar de defesa climática. Seja porque historicamente a população sofre com processos de vulnerabilização que ampliam as injustiças climáticas, seja porque o discurso do progresso aliado à derrubada da floresta segue forte nesta região.
E as recentes eleições municipais demonstram isso. Na Região Norte (mas não apenas lá), verificam-se disputas políticas entre candidatos do mesmo espectro ideológico: alinhados à direita e defensores de atividades ecodestrutivas, como o agronegócio e o garimpo.
Com as notícias de que haverá COP em Belém, encontramos algumas denúncias sobre as contradições existentes na cidade-sede. A plataforma de jornalismo Sumaúma, por exemplo, expõe a desigualdade social, bem como problemas ambientais históricos, destacando os interesses políticos e econômicos em jogo tanto para os governos locais quanto para o presidente Lula, principal articulador junto à ONU para sediar o evento climático.
A falta de infraestrutura da capital é apontada em vários momentos, mas a mineradora Vale, empresa altamente poluidora, é uma das que está investindo para que Belém possa receber a COP. Isso demarca a ideologia presente nas negociações climáticas de que o enfrentamento da emergência climática é mais uma oportunidade de negócios, negando a necessidade de romper com a dependência dos combustíveis fósseis e com a expectativa de um consumo ilimitado.
Outros veículos alternativos, como #Colabora e Brasil de Fato, destacam as injustiças climáticas que cercam Belém, algo que pode ser expandido para todo território amazônico e que apresentam ao mundo o paradoxo da Amazônia: ao mesmo tempo em que se defende a proteção da floresta (para captura de carbono e manutenção das chuvas), aqueles que de fato evitam o desmatamento — os guardiões da floresta — sofrem intensa exploração e são ignorados. Sem os guardiões da floresta, as chances de preservação ficam reduzidas.
Midiativismo indígena
O midiativismo indígena tem criado vários espaços comunicativos que, por sua vez, demonstram o lugar da luta e da resistência histórica dos indígenas brasileiros na luta em favor do clima. São eles que trazem a crítica ao status quo e apontam alternativas compatíveis com o cuidado com a natureza, a partir de uma visão biocêntrica.
Contudo, o espaço concedido a esses atores ainda é restrito, mesmo em veículos jornalísticos dedicados à cobertura de meio ambiente e não vinculados aos grandes grupos de comunicação.
Por outro lado, os indígenas estão participando, cada vez mais, das COPs. Mas isso se dá por meio de protestos, regulamentados pelos organizadores, em que eles (e outros representantes da sociedade civil) tentam ser ouvidos pelos negociadores, mostrando os limites impostos por esta arena de debate. Eles e todos os participantes da sociedade civil possuem reduzida incidência em uma cúpula pensada e organizada para assinatura de compromissos voluntários e, até hoje, com pouca ambição climática.
Há a expectativa de investimentos bilionários justificados pela necessidade de contenção da devastação em curso. E, sob a possibilidade de investimentos na região e ganhos em termos de reputação, os atores políticos e econômicos se mobilizam para abraçar o debate da COP. Pensando na sobrevivência e em um mundo menos desigual, a sociedade civil e os povos indígenas também se colocam, ainda que sua influência não tenha o mesmo alcance nas arenas discursivas.
Para sair da tradicional cobertura midiática que prioriza uma abordagem político-econômica, é preciso repensar a comunicação sobre o clima, integrando visões biocêntricas e de justiça climática para construir alternativas mais justas e sustentáveis efetivas, que considerem os povos indígenas como protagonistas na solução da crise ambiental.
Desta forma, fazer ecoar as demandas locais e ouvir as populações que têm relação direta com a floresta é importante para diversificar visões sobre a crise climática e pensar em alternativas para o futuro. A Amazônia e os povos indígenas só poderão ser atrelados aos discursos da solução, caso a multidimensionalidade da justiça climática não seja apagada dos discursos ou reduzida a um contexto macro, no qual a disputa de sentidos entre nós e eles seja justificativa para manter tudo como está.
Eloisa Beling Loose, Professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Cláudia Herte de Moraes, Professora do Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
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