O Mississippi do Brasil
Governo Lula deseja, desde de seus mandatos anteriores, transformar o Tapajós em um grande complexo hidrelétrico. Para professor, esse sonho ainda se mantém forte, apesar das diversas restrições ambientais e do apelo da tribo indígena Munduruku
Governo Lula deseja, desde de seus mandatos anteriores, transformar o Tapajós em um grande complexo hidrelétrico. Para professor, esse sonho ainda se mantém forte, apesar das diversas restrições ambientais e do apelo da tribo indígena Munduruku
Por Robert T. Walker*
Em uma coluna recente, descrevi um curioso plano americano desenvolvido por Herman Kahn e pelo Hudson Institute com o objetivo de desenvolver a Bacia Amazônica – e a América do Sul de forma mais geral. Se o Brasil tivesse implementado esse plano, grandes mudanças teriam ocorrido na região, incluindo a conversão de Santarém em uma Atlântida tropical sob as águas do reservatório.
De fato, o afundamento de Santarém teria facilitado muito a transformação do rio Tapajós no “Mississippi do Brasil”. Não uso aspas aqui de forma leviana, mas para chamar a atenção para a escolha de palavras dos planejadores brasileiros em sua eterna tentativa de impulsionar o desenvolvimento econômico na Bacia Amazônica, um esforço que já dura quase meio século.
Embora os planejadores não estejam mais entusiasmados com a construção de um sistema de grandes lagos, sua visão era, e continua sendo, de que uma economia nacional forte precisa de uma hidrovia industrial central para integrar suas partes constituintes e conectá-las ao mundo, como nos Estados Unidos.
A ideia não é tão exagerada quanto parece, já que a teoria do desenvolvimento sugere que a geografia do Brasil – grande parte absorvida por uma região grande e vazia, distante do resto do país, para não mencionar o mundo em geral – colocou a nação em desvantagem econômica.
Esse fato geográfico, no entanto, nunca gerou desespero, especialmente durante o governo militar, que disparou a primeira salva de uma grande aventura nacional e convocou um “povo sem terra para vir a uma terra sem povo”. Ocupar e desenvolver a Bacia Amazônica tornou-se um passo necessário em direção a um grande projeto de construção da nação. Para que isso acontecesse, tudo o que o Brasil precisava fazer era terraformar a parte norte do continente sul-americano, como os escritores de ficção científica teriam concordado de bom grado.
Hoje sabemos que o desenvolvimento da Amazônia não se deu de acordo com o projeto dos primeiros sonhadores. Ao invés de um sistema de grandes lagos ligados por meio de um complexo sistema hidráulico de barragens, eclusas e reservatórios, os engenheiros e as equipes de construção conseguiram construir algumas estradas de terra (embora de extensão continental e chamadas de “rodovias”) e uma ou duas barragens antes que os choques do petróleo de 1973-74 jogassem água fria no Milagre Econômico Brasileiro, transformando o Brasil em uma nação devedora no final da década.
Talvez isso também tenha sido bom. Se os engenheiros brasileiros tivessem adotado a abordagem de terraformação do Hudson Institute, eles poderiam ter sido apanhados pelo entusiasmo da iniciativa Átomos para a Paz, do presidente Eisenhower, que capturou a imaginação do povo até que o público caísse em si no final da década de 1970. A iniciativa, chamada de Projeto Plowshare, envolvia o uso de bombas atômicas para fins não relacionados a combate, como simular o impacto de meteoros e provocar eventos sísmicos artificiais (ou seja, terremotos), tudo com o objetivo de promover o bem-estar humano. A construção de um sistema de grandes lagos no Brasil teria sido um projeto Plowshare perfeito. Ainda bem que muitos cientistas nucleares americanos falavam alemão, e não português.
O interesse em escavar (ou explodir) um sistema de grandes lagos na Amazônia desapareceu com o tempo. Na verdade, isso não é mais necessário com todas as represas que Lula construiu durante seus dois primeiros governos e com o sistema de transporte emergente baseado nas rodovias existentes na bacia (que finalmente estão sendo pavimentadas), hidrovias e portos.
Dito isso, o sonho de transformar o Tapajós no “Mississippi do Brasil” continua muito vivo. Olhando um mapa, é fácil perceber o porquê. De todos os rios afluentes da margem direita do rio Amazonas, apenas o Tapajós chega ao coração do continente por meio de seus afluentes, o Teles Pires ou o Juruena. Essa área é o epicentro da produção do mais importante produto de exportação do Brasil, a soja. Atualmente, eles são colocados em caminhões e, em sua maioria, conduzidos para o Sul até o porto de Santos, de onde são enviados para o mercado global, grande parte dele localizado na China. Embora alguns grãos de soja saiam pelos portos do Norte, seria muito conveniente transportá-los por balsa pelo rio Tapajós e depois carregá-los em navios oceânicos. A margem de lucro também seria muito maior, especialmente com acesso quase exclusivo aos mercados do Norte Global na costa do Atlântico.
Não seria necessário nem mesmo usar armas nucleares para que isso acontecesse. Basta construir algumas eclusas atrás de algumas novas represas, dragar os reservatórios e você terá sua hidrovia industrial, além de energia hidrelétrica abundante como benefício secundário.
O Vale do Tapajós não só possui 32% de todo o potencial hidrelétrico da Amazônia, como também é rico em minerais e metais preciosos. O desenvolvimento nessa região parece ser algo óbvio para aqueles que consideram a natureza um impedimento ao progresso humano. Assim, a reconfiguração do Vale do Tapajós tem sido uma prioridade para os planejadores e promotores de desenvolvimento brasileiros, assim como para todo o continente por meio da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).
Isso levanta a questão: por que o rio não foi represado, quando seus vizinhos a leste e a oeste já o foram, o Xingu e o Rio Madeira, respectivamente?
A resposta é que um povo indígena, os Munduruku, assumiu a responsabilidade de detê-la, já que o Tapajós atravessa sua terra indígena. Com base na Constituição de 1988, os Munduruku determinaram que uma barragem de 8.000 MW que Lula começou a construir nas corredeiras de São Luiz do Tapajós, juntamente com uma hidrovia industrial de 1.500 km de extensão, infringiria seus direitos territoriais.
Vários procuradores federais e órgãos governamentais concordaram com eles, e a licença ambiental da barragem foi retirada em 2016, mesmo depois de a presidente Dilma Rousseff ter reduzido o Parque Nacional da Amazônia para preparar o local da construção. O carro-chefe da construção de barragens do Partido dos Trabalhadores, liderado por Lula, foi interrompido.
Não há dúvida de que os aborígenes habitavam o local. Realmente, o Vale do Tapajós foi chamado por muito tempo de Mundurukania. Além disso, os Munduruku forneceram apoio militar fundamental aos portugueses durante a revolta da Cabanagem na Amazônia, em 1835, um derramamento de sangue que durou cinco anos e matou até um terço dos habitantes da região.
Talvez ironicamente, sem os Munduruku, a colonização da Amazônia por Portugal poderia ter murchado, tornando sua reivindicação de 60% da bacia vulnerável a uma decisão desfavorável nos termos do Tratado de Tordesilhas. Os Munduruku não só têm direito à terra por meio da Constituição de 1988. O Brasil tem uma dívida de gratidão para com eles.
Há mais em jogo do que os direitos territoriais dos Munduruku, por mais importantes que sejam. Também está ameaçada a existência do último grande afluente de águas claras da Amazônia, não represado, na margem direita. Esse é um rio com praias de areia branca que lembram o Caribe e penhascos de 250 pés de altura cobertos por floresta primária. Esse é um rio que desce em cascata por quilômetros de corredeiras desobstruídas.
O Tapajós é realmente uma maravilha do mundo. É preciso vê-lo para acreditar. Há também uma questão ecológica aqui. Especificamente, a bacia hidrográfica do Tapajós é grande, cobrindo cerca de 500.000 km2, ou 10% da Amazônia brasileira (Amazônia Legal). Se as forças do desenvolvimento levarem a melhor, essa área selvagem se abrirá e a fronteira agrícola se espalhará pela Amazônia Central. A promessa de Lula de parar o desmatamento até 2030 se tornará quase impossível, e a transgressão do ponto de inflexão será apenas uma questão de tempo.
Até o momento, Lula ão tem nada a dizer sobre a Bacia Hidrográfica do Tapajós. Seu silêncio é ensurdecedor, considerando o quanto ele se empenhou para concluir o projeto, que envolveria quatro barragens além da barragem de São Luiz do Tapajós, sem mencionar a hidrovia industrial mencionada acima, duas ferrovias complementares e alguns portos. Será que essa é a calmaria antes da tempestade? Um aspecto preocupante é que Lula não precisará recorrer ao Banco Mundial para financiar seus projetos. De qualquer forma, isso traria muitas restrições ambientais.
Agora, o dinheiro deve ser fácil com sua protegida, a ex-presidente Dilma Rousseff, à frente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDP), criado para fornecer fundos de desenvolvimento para as nações do BRICS, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Caso tenha dúvidas sobre os planos de Lula para o Tapajós e para a Amazônia em geral, você pode entrar em contato com ela por meio da sede de seu empregador em:
Dilma Rousseff – Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento
1600, Guozhan Road – Novo Distrito de Pudong, Xangai
200126 China – 上海市浦东新区国展路1600号
Desmatamento recente
Tenho o prazer de informar que o desmatamento da Amazônia continua a ocorrer a uma taxa consideravelmente menor do que no ano passado, sob a administração Bolsonaro.
No mês de julho, observamos 499 km2 de perda florestal, 71% menos que o número reportado em julho passado de 1.739 km2.
Embora esta tendência seja consistente com o objetivo de Lula de reduzir a perda florestal amazónica para zero até 2030, gostaria de lembrar aos leitores que os riscos são extremamente elevados. Este objetivo deve ser alcançado. No entanto, o primeiro ano de mandato do presidente parece estar a decorrer de uma forma favorável.
*Robert T. Walker é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
Tradução de Letícia Miranda
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
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