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Interesse Nacional
05 julho 2015

Quem Vai Educar a Pátria Educadora?

O quadro  geral: Nossos estudantes estão ficando para trás

A educação brasileira vai mal. Por trás das diversas bandeiras que se hasteiam, incluindo o ufanista lema “Pátria Educadora”, revela-se um país que acordou tarde para o tema (não faz nem duas décadas que demos direito à educação fundamental para todas as crianças), e que debate muitas propostas, mas encontra poucas soluções.

Desde que começamos a medir o nível de proficiência de nossos alunos, a evolução da nossa educação básica tem sido muito tímida. O Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que avalia o desempenho dos estudantes de 5o e 9o ano do ensino fundamental e 3o ano do médio em Língua Portuguesa e Matemática, foi criado em 1995 e, desde então, a cada dois anos temos um panorama geral dos conhecimentos adquiridos pelos alunos ao longo da educação básica. A partir de 2005, o sistema passou a incluir a Prova Brasil, que estendeu o exame a quase todas as escolas públicas de ensino fundamental do país.
Com isso, podemos contar hoje 20 anos de história sobre o desempenho escolar de nossos estudantes. No primeiro exame, em 1995, cerca de 40% dos alunos de 5o ano tinham um desempenho considerado adequado em leitura e interpretação de texto1. Em 2013 (último dado disponível), este mesmo indicador avançou apenas até 45%, ou seja, podemos projetar que os filhos daqueles alunos de 1995 (que hoje estão na faixa dos 30 anos) não estarão aprendendo muito mais que seus pais. Perdemos uma geração.
O problema se agrava ainda quando analisamos a evolução desses alunos ao longo do ensino básico. Ao final do ensino fundamental (9o ano), não chega a 30% a parcela de alunos com proficiência mínima em leitura e interpretação de texto. No término do ensino médio, o índice é parecido: apenas 28% dos estudantes alcançam a proficiência mínima.
Além das competências da Língua Portuguesa, nossos alunos também têm extrema dificuldade em Matemática, disciplina essencial tanto para o letramento científico quanto para o desenvolvimento do raciocínio lógico. É possível dizer que desde a primeira geração que passou pelo Saeb até hoje, a proficiência em Matemática evoluiu entre os estudantes do 5o ano – em 1995, 20% tinham os conhecimentos mínimos na disciplina e, em 2013, eram 40% – embora ainda aquém do que se espera.
Porém, quando vemos a evolução dos alunos ao longo da educação básica, o cenário fica mais crítico. Ao final do ensino fundamental, não mais do que 17% dos estudantes chegam com os conhecimentos matemáticos adequados. No fim do ensino médio, isto é, às vésperas de ingressar na faculdade ou no mercado de trabalho, menos de 10% dos jovens brasileiros terão sido “alfabetizados” em Matemática. Um índice extremamente preocupante e que traz sérias consequências sobre o futuro desses jovens no mercado de trabalho.
Outra forma de ver o tamanho do atraso brasileiro é comparar nossos resultados com os de outros países. O Pisa (Programme for International Student Assessment) é um exame internacional organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) centrado em leitura/interpretação de texto, matemática e ciências e aplicado a estudantes de 15 anos de idade de 65 países2.
Em todas as disciplinas avaliadas, o Brasil aparece entre os dez países com pior desempenho. Em matemática, por exemplo, os alunos brasileiros aparecem em 58o lugar do total de 65 países. Isso coloca nossos jovens de 15 anos com desempenho comparável ao de países muito menos desenvolvidos, como Tunísia e Jordânia, e abaixo de diversos países da América Latina, como México, Uruguai e Costa Rica.
Segundo os critérios do último exame (2012), 67% dos nossos estudantes não têm desempenho mínimo adequado em matemática aos 15 anos (equivalente ao final do ensino fundamental). Para se ter uma ideia, os países com melhor colocação no ranking, como China (Xangai), Coreia do Sul e Finlândia, não têm mais do que 10% de seus estudantes no nível abaixo do adequado.
Diante deste cenário, é de se perguntar onde está o problema, por que não conseguimos evoluir, apesar de todo o movimento de priorização da educação nas pautas nacionais. Uma das respostas mais usadas é a falta de recursos. Como proporção do PIB, o investimento público em educação no Brasil (considerando os gastos de todos os entes federados) é compatível com o padrão de países mais desenvolvidos. Segundo a OCDE, em sua pesquisa Education at a Glance2, em 2010, o investimento público em educação no Brasil era de 5,6% do PIB, enquanto os países da OCDE investiam em média 5,4% de seus PIBs.
Porém, em termos de valores absolutos, o gasto por aluno/ano no ensino fundamental brasileiro é de mais de R$ 3.300 ou pouco mais de 23% do PIB per capita. Nos países da OCDE, gasta-se um valor anual equivalente a 27% de seus PIBs per capita, com a diferença que o PIB per capita médio dos países da OCDE é  três vezes maior que o brasileiro.
Assim, o montante de nossa riqueza dedicado à educação é compatível com a prática de países mais desenvolvidos. Porém, o tamanho do PIB brasileiro coloca-nos ainda muito distantes do investimento que os alunos dos países mais ricos recebem. Caso a nossa economia continue sem crescer, os planos para aumentar o percentual do PIB destinado à educação podem não se converter em aumento de investimentos de fato.
De qualquer forma, os problemas da educação brasileira vão além de quanto recurso investimos e passam por como gastamos este recurso. Os problemas são muitos, mas apontarei aqui alguns que considero muito críticos e representativos do tamanho da crise que vivemos hoje.
O ensino médio: crise anunciada
O ensino médio é hoje um dos maiores desafios da educação brasileira. Além de ser a etapa final da educação básica (a que todo cidadão deve ter acesso), ela tem papel crucial na preparação dos estudantes para o mercado de trabalho e/ou a continuidade dos estudos. Sua relevância, no entanto, convive com uma série de desafios.
Os estudantes chegam tarde ao ensino médio, se é que chegam: 1 em cada 5 jovens de 15 a 17 anos não frequenta escola e apenas metade desses está frequentando o ensino médio. A juventude ainda sofre da falta de oportunidades: 1 em cada 4 jovens nem estuda nem trabalha. São mais de 4 milhões de jovens de 15 a 20 anos perdendo oportunidades de estudar e progredir4.
Entre a parcela dos jovens que alcançam o ensino médio, a vida também não é fácil. Como já discutimos, a maioria dos alunos termina o ensino fundamental despreparado para continuar os estudos, sem aprender os conteúdos básicos em Língua Portuguesa e Matemática. Isso faz com que os jovens tenham extrema dificuldade em seguir até o fim do ensino médio. De cada dez alunos que entram no ensino médio, apenas cinco vão se formar no tempo certo. Os outros serão reprovados ou, pior, abandonarão os estudos (o abandono no primeiro ano do ensino médio chega a 10% e a reprovação, a 17%)5.
Com isso, apenas metade dos jovens de 19 anos tem ensino médio completo. A outra metade (mais de 1 milhão de jovens) entra, todos os anos, no mercado de trabalho com grande desvantagem para competir por vagas de emprego.
Além de ruins, os números do ensino médio não têm evoluído. Há dez anos, as matrículas não crescem – permanecem estagnadas em torno de 8,3 milhões de alunos –, o número dos que concluem o ensino médio está estagnado há cinco anos e o nível de aprendizado nunca cresceu desde que se começou a medi-lo, em 1995.
Nos últimos anos, diversas políticas federais têm focado no ensino médio, porém sem muita efetividade. Em 2007, entrou em vigência o Fundeb (em substituição ao Fundef), cujo principal objetivo era, por meio da redistribuição dos recursos destinados à educação básica, universalizar o acesso ao ensino médio. Em 2009, o MEC transformou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), criado em 1998 para avaliar o desempenho do estudante ao final da educação básica, em mecanismo de seleção para o ingresso no ensino superior. Na prática, um vestibular nacional unificado e uma das condições de acesso ao ProUni e ao Fies e, deliberadamente, com a intenção de induzir a reestruturação do currículo escolar do ensino médio. Porém, o grande peso que o chamado Novo Enem passou a ter acabou corroborando o único ou principal objetivo do ensino médio – o ingresso na universidade –, contribuindo para que seu conteúdo esteja cada vez mais distante do mundo dos jovens e do mundo do trabalho. Na verdade, o Enem engessou mais ainda o currículo e transformou a escola de ensino médio em cursinho preparatório para o exame.
Diante desse quadro, diversos especialistas concordam que a raiz do problema está na inadequação do currículo de ensino médio no país, que se mostra pouco atraente e sem significado para os jovens, que percebem um claro descolamento entre a realidade e os conhecimentos ensinados. Além disso, o ensino médio traz baixo retorno financeiro e poucas perspectivas profissionais para seus concluintes.
Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de uma completa reformulação do ensino médio que permita a esse nível de ensino assumir novos significados, de forma a atender às múltiplas exigências da sociedade contemporânea nos vários campos do saber e do trabalho.
Por um lado, modelos mais leves e flexíveis de percursos curriculares precisam ser implantados; por outro, a experiência educacional não pode estar limitada ao universo da escola; e, finalmente, o sistema educacional precisa se tornar mais pertinente, para que os jovens possam perceber sua relevância e conexão com seu cotidiano e com sua vida. O governo federal deve apoiar a construção de novas diretrizes para o ensino médio, bem como as políticas desenvolvidas pelos estados, principais responsáveis por esse nível de ensino.
Apesar do aparente consenso sobre a inadequação do currículo do ensino médio, a decantada reforma deste nível de ensino vem se somando a outras tantas, como a tributária e a política, sobre as quais todos, ou ao menos a maioria da opinião pública, manifesta-se a favor da ideia geral, mas há pouco ou nenhum entendimento sobre qual reforma deve ser implementada. Este será um dos maiores, senão o maior, desafio da gestão educacional que se inicia nos estados e no Distrito Federal neste ano de 2015.
Além da total reformulação do ensino médio, merece atenção especial a educação profissional. O crescimento significativo da demanda por profissionais capacitados em todos os níveis, dos ofícios e da formação inicial até as atividades técnicas mais elaboradas e avançadas, é uma realidade do mercado de trabalho do país e do mundo.
Vários estados brasileiros implantaram, ao longo dos anos, programas de educação profissional que buscaram atender às necessidades locais. Com a criação do Pronatec, em 2011, houve uma ampliação da oferta de cursos técnicos em todo o país. No entanto, o programa, em que pese os altos recursos investidos, tem apresentado resultados insuficientes e altíssimos índices de evasão. Apenas 30% dos alunos estão fazendo cursos técnicos. Os demais seguem cursos de formação continuada ou iniciação profissional. Algumas faculdades privadas que oferecem o Pronatec estão lidando com uma evasão que atinge até 60%, embora o número oficial seja de apenas 13%.
O Pronatec tem problemas de concepção e de organização: é baseado na oferta de cursos, não em demanda; premia o número de matrículas, e não a aprendizagem e o emprego; nunca foi avaliado. Outro claro problema é a subordinação da oferta de cursos aos interesses dos entes ofertantes, de forma desarticulada com as vocações e demandas locais e regionais.
É imprescindível conceber e implantar um modelo estratégico de oferta de cursos técnicos, concomitantes ou sequenciais ao ensino médio, que considere a demanda específica de cada estado e suas microrregiões, que esteja alinhado aos investimentos de empresas e governos, que identifique carreiras com maior taxa de empregabilidade, que esteja em sintonia com as necessidades dos arranjos produtivos locais e que dê sustentabilidade às políticas públicas de desenvolvimento humano e socioeconômico dos municípios, estados e país.
Torna-se, ainda, necessário estabelecer critérios legais e objetivos para o processo de pactuação de vagas em todo o território nacional, bem como garantir a efetiva representatividade dos estados nos processos de planejamento e tomadas de decisão acerca da oferta de cursos e seu monitoramento e avaliação.
Outro avanço necessário diz respeito a um melhor aproveitamento das condições de oferta das redes estaduais, que deverão ser apoiadas em suas necessidades de infraestrutura laboratorial e tecnológica, para que a ampliação de vagas do Pronatec nas redes estaduais permita a articulação da oferta de educação profissional com as propostas curriculares do ensino médio. É fundamental conferir transparência e objetividade aos critérios de repasse de recursos aos estados, com base no cumprimento de metas previamente acordadas.
Por fim, as mudanças no ensino médio devem passar pelo enfrentamento de um dos mitos falaciosos, que ronda o debate histórico sobre a obrigatoriedade do modelo de ensino médio único, igual para todos, para “garantir a formação de cidadãos plenos”. A realidade do nosso ensino médio revela exatamente o contrário. Como mostra a experiência internacional, o ensino médio deve ser mais flexível e oferecer trajetórias ou percursos escolares distintos sem prejudicar a garantia de certificação de nível médio para todos que optarem por seguir uma trajetória profissionalizante de nível superior ou um curso técnico. Não faz sentido obrigar estudantes que optam por um curso técnico concomitante terem que cursar o mesmo currículo do médio acadêmico.
Por que não propor o primeiro ano igual para todos e a diversificação a partir do segundo ano, sem a obrigatoriedade de cumprir o currículo único obrigatório para aqueles que optem por curso técnico ou aprofundamento de estudos em áreas específicas? Por que não oferecer um sistema de créditos de modo que um aluno que opte pelo técnico em microeletrônica seja dispensado de algumas aulas de matemática e física do médio acadêmico? Por que não oferecer disciplinas eletivas para aqueles que optam pela área de humanas e dispensá-los de algumas aulas do currículo de exatas? Por que não permitir o aprofundamento das áreas acadêmicas de maior interesse dos alunos? Por que não permitir que, independentemente das escolhas pessoais, mais acadêmicas ou profissionalizantes, todos tenham a oportunidade de encurtar caminhos, dedicarem-se mais aos estudos de seu interesse e obter a certificação de nível médio que lhes garanta no futuro a continuidade dos estudos no nível superior?
Enfim, as mudanças de grande amplitude que caracterizam a sociedade contemporânea vêm causando um impacto de proporções inéditas no campo educacional, particularmente no que concerne à juventude. O aumento crescente da demanda por mais escolaridade, a busca por novas formações, a necessidade de percursos curriculares mais flexíveis, a existência de recursos pedagógicos tecnologicamente avançados, o advento da internet e das redes sociais e a comprovada limitação das metodologias mais ortodoxas tornam evidente que a escola, como é hoje, não atende às expectativas e às necessidades da juventude brasileira.
O ensino superior: crise que se anuncia
O ensino superior no Brasil segue de perto o atraso do nível básico, até porque o segundo tem impacto sobre o primeiro. A grande demora em investir na educação básica – basta lembrar que foi apenas nos anos 1990 que conseguimos universalizar o ensino fundamental – gerou também grandes atrasos no ingresso da população ao ensino superior.
No Brasil, hoje, apenas 13% da população acima de 25 anos tem ensino superior completo, índice baixo se comparado com os países desenvolvidos (média da OCDE é de 30%). E a baixa frequência ao ensino superior não contribui com este quadro. Puxado também pela baixa conclusão do ensino médio, o percentual de jovens de 18 a 24 anos que cursa ensino superior é de 16%. Não cabe aqui alongar a discussão, mas vale ressaltar que esses números devem ter grande impacto negativo sobre a produtividade da nossa mão de obra e, em última instância, sobre a capacidade de crescimento econômico sustentado do país.
Inicialmente, o governo federal – principal responsável pelo ensino superior no país – fez uma opção, ainda na era desenvolvimentista de 1950-1970, por investir pesadamente no ensino superior público e gratuito. Esta primeira estratégia sem dúvida foi capaz de gerar centros de excelente reputação acadêmica, mas ofereceu às atuais gerações uma rede de ensino superior entre as mais caras do mundo.
Os gastos diretos do Brasil com ensino superior representam 0,9% do PIB, o que significa US$ 10.900 por aluno/ano (dados de 2011), quatro vezes mais do que se investe nos alunos de educação básica. Embora tenha melhorado, pois chegou a ser sete vezes maior, esta discrepância está entre as mais altas do mundo. Para se ter uma ideia, entre os países da OCDE, o gasto por aluno no ensino superior é 1,5 vez maior que o da educação básica.
Em grande parte esses altos investimentos por aluno justificam-se pelo elitismo de nossas universidades públicas. Em média, elas têm 11 alunos para cada docente6. Esta é uma medida de “baixa produtividade” do ensino superior, já que mostra qual a sua capacidade limitada de gerar profissionais formados. Além disso, outra medida da baixa produção de nosso ensino superior está na baixa qualidade das publicações científicas. A qualidade das publicações acadêmicas brasileiras caiu em dez anos, segundo pesquisa da editora Elsevier7. Em grande parte, esta é uma responsabilidade das universidades públicas (especialmente as federais) que têm a pesquisa científica como parte de suas missões.
A partir dos anos 2000, mas especialmente na última década, o perfil da oferta de ensino superior mudou radicalmente, com uma prevalência cada vez maior do setor privado. Entre 2003 e 2013, o número de matrículas no ensino superior saltou de 3,8 milhões para 7,3 milhões, em grande parte, puxadas pelo setor privado, que hoje representa 75% do total de alunos.
Entre as políticas mais importantes para esta expansão estão as que subsidiam o setor privado. O ProUni, criado em 2004, é um programa de bolsas de estudo destinado, sobretudo, a alunos de baixa renda oriundos do ensino médio público. O programa repassa recursos diretamente às escolas privadas e, atualmente, conta mais de 500 mil alunos. Já o Fies é um programa de crédito estudantil, no qual o governo federal concede um empréstimo aos estudantes, com juros subsidiados e prazo de pagamento em até três vezes a duração do curso financiado. Neste programa, também os recursos são repassados diretamente às instituições privadas. O Fies já possui, hoje, mais de 1 milhão de contratos.
Não obstante a enorme inclusão que essas políticas geraram, justamente a sua rápida expansão gera uma série de desafios que precisam ser enfrentados. E o principal deles está no Fies. O modelo de financiamento adotado pelo governo federal não foi adequadamente planejado e é repleto de falhas, o que levou o Fies à grave crise que vive hoje. O modelo de financiamento é insustentável. O Fies cobra, atualmente, uma taxa de 3,4% a.a., enquanto a taxa básica de juros da economia mantém-se acima dos 13% a.a., o que gera um enorme peso para as contas públicas, uma vez que o diferencial de juros é todo coberto pelo Tesouro. Além disso, o fundo que garante este crédito é capaz de cobrir apenas 10% do volume total, o que não é compatível com os níveis de inadimplência de programas semelhantes em outros países.
O modelo de seleção do público atendido também não é adequado. O corte de renda para elegibilidade no Fies é de 20 salários mínimos, o que torna elegível uma parcela muito grande da população, incluindo estudantes que teriam renda para pagar o ensino superior. Ou seja, trata-se de um programa extremamente mal focalizado e que pode aumentar a desigualdade.
Com a enorme pressão sobre os gastos públicos e a recente crise fiscal, o governo federal mudou as regras de repasse, que passam a acontecer a cada 45 dias, e não a cada 30. Na prática, o MEC passou a atrasar o pagamento do Fies às instituições privadas, o que representa um enorme risco à saúde financeira dessas empresas, uma vez que muitas já chegam a ter mais da metade de seus alunos no Fies.
Além da insegurança jurídica gerada pelas mudanças intempestivas nos mecanismos de repasse, o MEC mudou os critérios de elegibilidade para o programa no apagar das luzes de 2014. Logo após a realização do Enem 2014, muitos candidatos estimulados pela propaganda oficial de expansão do Fies durante a campanha eleitoral foram surpreendidos com a exigência de nota mínima na prova e na redação. As novas regras de seleção deveriam ter sido anunciadas no mínimo antes da inscrição dos candidatos no Enem, ou seja, antes das eleições.
Além disso, há diversas preocupações sobre a capacidade de pagamento dos alunos. Ainda não temos dados para o Brasil, mas nos EUA a inadimplência em programas de financiamento estudantil já passa de 10%, e o volume total da dívida ultrapassa US$ 1 trilhão. Comparado com o volume alocado no fundo garantidor (incapaz de cobrir tamanha inadimplência), este dado pode levar o Fies à bancarrota. Portanto, a sustentabilidade financeira do Fies é algo preocupante e que tende a afetar todos os envolvidos: as instituições privadas em posição frágil devido aos atrasos nos repasses; o governo federal, vendo crescer de forma vegetativa o volume do subsídio; e os estudantes recém-formados, endividados em plena crise econômica.
Do lado das universidades federais, o MEC apostou recentemente no Reuni, um ambicioso programa de investimentos e expansão das universidades federais. O programa tinha como um dos seus objetivos ampliar a proporção de alunos por docente e reduzir a evasão. Porém, não tem sido bem-sucedido em nenhum dos casos.
São preocupantes os altos índices de evasão que ainda predominam no ensino superior, tanto no setor privado como no público, pois nos leva a questionar tanto a preparação desses estudantes para o ensino superior – já sabemos que nosso ensino médio não os prepara adequadamente – quanto o próprio modelo do ensino superior, que reproduz, em grande medida, as falhas do ensino médio: excesso de academicismo; falta de conexão com a realidade; má formação de professores e conteúdos desatualizados.
Além de uma reformulação do modelo de ensino superior, é necessário repensar o financiamento das universidades federais, que ainda são caras e pouco produtivas, e é preciso rever o modelo do Fies, que pode levar a uma crise geral no setor privado.
O Plano Nacional de Educação: das discussões sem fim às metas irreais
O quadro geral da educação brasileira torna-se ainda mais preocupante quando percebemos que as diversas políticas adotadas nos últimos dez anos não têm apontado na direção certa. Faltam políticas que realmente revolucionem a educação brasileira. Um exemplo maior dessa falta de sintonia das políticas educacionais do país é o Plano Nacional de Educação, supostamente a base de alinhamento de toda a educação brasileira.
O Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, aprovado pela Lei no 13.005, de 25 de junho de 2014, é um exemplo de como nos faltam boas políticas, pois combina todos os elementos para não dar certo: apresenta metas irreais, não indica como elas devem ser cumpridas e não exige compromisso dos gestores da educação.
Um dos pontos mais celebrados é tratado na meta 20: atingir investimento de 10% do PIB na educação pública. Apesar da grande pressão social para aprovação desta meta, ela não parece fazer sentido. Como já discutido, o investimento que se faz hoje em educação pública já é compatível com a prática em países com alto desenvolvimento educacional. Para se ter uma base de comparação, entre os países da OCDE, apenas Dinamarca e Noruega têm investimento tão alto em educação pública e, mesmo assim, são percentuais que não passam de 9% do PIB. Obviamente, se o PIB brasileiro crescer, o volume de recursos pode ser bastante elevado, mas caso a economia continue estagnada os recursos destinados à educação poderão ser insuficientes para alcançar a média do PIB per capita dos países da OCDE. Ou seja, como assegurar que um volume tão grande de recursos será investido em ações para elevar a qualidade e a equidade da educação em nosso país? No nosso caso, parece ser mais importante melhorar a gestão dos recursos atuais, afinal, mais recursos aplicados nas mesmas ações que não vêm dando resultado não vão gerar qualquer impacto positivo.
Ainda sobre o financiamento da educação, o plano propõe que os profissionais de magistério do país tenham seu salário médio equiparado à média dos demais profissionais de formação equivalente. Segundo dados do MEC, em 2014, o salário médio dos professores da educação básica pública não federal, com nível superior completo ou incompleto, era 32% menor do que o dos demais profissionais com a mesma formação. No entanto, a equiparação não é uma boa medida. Considerando que os professores em geral se aposentam com 25 anos de carreira, têm faltas abonadas, férias mais longas e jornadas de trabalho menores, o ideal seria calcular a equivalência da hora de trabalho do professor com a hora trabalho dos médicos e engenheiros do setor público.
Carreira e formação de professores são temas centrais de qualquer política pública de melhoria da qualidade e da equidade da educação. Contudo, a melhoria salarial desvinculada de propostas de carreiras que valorizem o mérito e sem a completa revisão dos programas de formação docente podem ter impacto nulo na melhoria da educação brasileira.
Atualmente, as redes públicas devem cumprir o piso nacional dos professores, implantado em 2008. Porém, nem todas as redes conseguem pagar o valor mínimo estabelecido pela lei federal. E essa situação é especialmente grave para as redes municipais, cujos governos já têm orçamentos bastante pressionados. Assim, se o governo federal não conseguir estabelecer exatamente as fontes de renda para o cumprimento dessa meta, dificilmente as redes de ensino (estaduais ou municipais) terão condições financeiras para valorizar o salário dos professores.
A gestão desse tipo de meta, que envolve diversas redes de ensino, passa por uma questão importante, mas não seriamente debatida, que é a relação federativa entre os entes federal, estadual e municipal. O PNE destaca, em inúmeras metas e estratégias, a necessidade de articulação entre as instâncias da federação. A implementação das 20 metas e das estratégias do PNE depende diretamente da adequada articulação entre os entes, de sua capacidade de definição conjunta de prioridades e de financiamento. O plano prevê, por exemplo, a regulamentação do parágrafo único do artigo 23 e do artigo 211 da Constituição Federal, de forma a estabelecer as normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em matéria educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em regime de colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União no combate às desigualdades educacionais regionais.
PNE carece de virtudes
Portanto, será necessário grande esforço político institucional de negociação e cooperação entre os entes federados na definição de espaços federativos que articulem as políticas educacionais, promovendo a definição de prioridades, a divisão de responsabilidades, a delimitação da capacidade de atendimento de cada ente, o levantamento das necessidades de recursos e os principais meios de repartição de recursos. No atual contexto de crise política e aprofundamento da crise econômica, com efeitos importantes na queda das receitas orçamentárias em todos os níveis de governo, haverá condições de negociação dos mecanismos de cooperação necessários para viabilizar as metas do PNE?
O PNE prevê também um conjunto de metas de expansão da educação igualmente pouco razoáveis. O plano prevê que o atendimento da educação infantil para crianças de até 3 anos alcance 50%. Há dois grandes problemas nesta meta. Primeiramente, pressiona, de novo, as prefeituras a investir mais em educação infantil, em um contexto de crise fiscal e de queda na população infantil. Em segundo lugar, pressupõe que haja benefícios em manter crianças nesta idade em creches, algo que ainda é polêmico entre os especialistas, já que diversos estudos mostram os benefícios (em termos de habilidades socioemocionais) do convívio de crianças nesta idade com a família.
Outra meta que se choca com a realidade é a que trata da inclusão de 85% dos jovens de 15 a 17 no ensino médio. Como já discuti, há dez anos a frequência desses jovens ao ensino médio não passa de 60% e, a menos que se proponha uma reforma séria no ensino médio, dificilmente conseguiremos incluir esta monta de estudantes nesse nível de ensino. Problema semelhante acontece com a meta de inclusão no ensino superior, que deve enfrentar os sérios problemas de evasão, o alto custo da educação superior pública e a crise do financiamento público ao setor privado. Também irrealista e na contramão das evidências, a meta 16 prevê curso de pós-graduação para 50% dos professores de educação básica pública. Todas as pesquisas nacionais e internacionais indicam que a pós-graduação acadêmica stricto sensu não aumenta a efetividade do ensino e a aprendizagem das crianças.
Assim, o principal instrumento de planejamento para a educação brasileira nesta década carece de virtudes que permitam não apenas o seu cumprimento, mas também sua contribuição para melhorar efetivamente a educação do país. Definitivamente, se partimos de um quadro ruim e não sabemos planejar um rumo melhor para os próximos dez anos, estamos a caminho de perder mais uma geração.

Maria Helena Guimarães de Castro é socióloga e membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e da Academia Brasileira de Educação.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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