05 abril 2019

Reforma da Previdência: Necessária, Mas Não Suficiente

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a aprovação da reforma da Previdência permitirá dez anos de crescimento da economia brasileira. Deve-se entender a declaração como recurso retórico para mostrar o caráter benéfico da medida. Economista de reconhecida competência, o ministro por certo sabe que a vitória em tão relevante área é relevante e necessária, mas está longe de assegurar tão longo período de expansão da atividade econômica.
É muito provável que a aprovação da reforma tenha forte impacto positivo nas expectativas dos agentes econômicos, ocasionando elevação dos níveis de investimento e consumo, bem como ligeira elevação da produtividade da economia. As instituições financeiras se sentirão encorajadas a aumentar a oferta de crédito, acarretando graus adicionais de otimismo. O mercado acionário assinalará altas em seus preços. A taxa de câmbio se valorizará. Tudo isso permitirá a confirmação ou ampliação das projeções de crescimento da economia em 2019 e 2020, atualmente no intervalo entre 2% a 3%, respectivamente, ou um pouco mais.
Na verdade, todavia, o retorno a um crescimento sustentado e muito expressivo em prazo mais longo dependerá do sucesso do novo governo na obtenção da reforma da Previdência – que nos livrará do risco de insolvência fiscal – e de outras reformas capazes de restaurar níveis satisfatórios de produtividade. A estagnação desse indicador nos últimos 20 anos é a principal explicação para os baixos níveis de expansão do PIB no período, de uma média anual de apenas 2,3%. A reforma da Previdência é determinante para superar o desafio da insolvência, mas contribuirá muito pouco para a expansão da atividade econômica em período mais largo.
O desafio da insolvência fiscal e os mitos sobre a Previdência
O principal indicador de solvência do setor público de qualquer país é a relação entre a dívida pública e o PIB, o qual é acompanhado de perto por analistas da economia, avaliadores de risco soberano e investidores em títulos do Tesouro Nacional. Os economistas americanos Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, no seu best seller This Time is Different – Eight Centuries of Economic Folly (Pricenton University Press, 2011), examinaram oito séculos de endividamento público e chegaram à conclusão de que os colapsos fiscais – a insolvência, portanto – ocorreram quando essa relação atingiu 80%.
Esse marco não se aplica a nações desenvolvidas, que possuem instituições mais sólidas, longa estabilidade política e macroeconômica, e a mercados de capitais amplos e profundos, como são os casos dos países ricos integrantes da OCDE. Por exemplo, a relação dívida pública/PIB do Japão chega a 236,4% e a mais de 100% nos Estados Unidos, mas ninguém põe em dúvida a capacidade desses países em honrar sua dívida pública.
Não é o caso, porém, de países emergentes como o Brasil, que não reúnem todas as condições dos países avançados. Aqui, a relação atingiu 76,7% em 2018, mas pela metodologia do Fundo Monetário já passou de 80% e pode chegar a 90% entre 2019 e 2020. A diferença entre as duas metodologias está no fato de o Brasil não considerar os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central, enquanto o FMI os inclui. Seja como for, já atingimos ou caminhamos para atingir o fatídico percentual de 80%.
Apesar disso, os investidores brasileiros e estrangeiros continuam comprando os papéis do Tesouro, ainda que com prazos mais reduzidos. A explicação está na narrativa criada pelos participantes do mercado financeiro, para os quais uma reforma da Previdência vai acontecer no atual governo. Ela será, continua a narrativa, ousada e ampla o suficiente para gerar queda de despesas capaz de estabilizar a relação dívida/PIB em três ou quatro anos, seguida de continuada redução ao longo do tempo. O Brasil escaparia da armadilha da insolvência fiscal.
Se a reforma não acontecer ou for muito desidratada nas negociações com o Congresso, a frustação dessas expectativas acarretará uma grave e rápida deterioração da confiança na economia brasileira. O correspondente colapso fiscal nos colocará na situação de dominância fiscal, em que fugas de capital e queda da confiança provocarão forte depreciação cambial, com fortes efeitos inflacionários. O Banco Central perderá a capacidade de assegurar a estabilidade da moeda. Voltaríamos ao processo de estagnação associado à inflação alta e fora do controle. O governo de Jair Bolsonaro fracassaria em atender às promessas de crescimento da economia, do emprego e do bem-estar.
Há razões, felizmente, para acreditar que a reforma será aprovada. O debate do tema nos últimos anos enfraqueceu consideravelmente os mitos criados por sindicalistas, políticos do PT e pensadores de esquerda, para os quais sequer haveria o déficit previdenciário exibido pelas estatísticas oficiais. Tudo não passaria de uma cortina de fumaça preparada pelo governo para agradar ao mercado financeiro, em detrimento dos aposentados e pensionistas.
Um desses mitos assevera que a fixação do limite de idade, de 65 anos para aposentadoria de homens e de 62 para mulheres, levará muitos trabalhadores a morrer antes da aposentadoria. A ideia é absurda quando se considera que a atual expectativa de vida ao nascer é de 80 anos para mulheres e 73 anos para homens, segundo o IBGE. Na verdade, o dado relevante para a Previdência é a sobrevida, isto é, o tempo durante o qual o segurado recebe os proventos da aposentadoria, que no Brasil é de 22 anos, semelhante à de muitos países desenvolvidos. Mais importante, não há diferenças relevantes de sobrevida nas distintas regiões do país, ainda que a expectativa de vida nas menos desenvolvidas seja inferior à das mais ricas. Isso se explica pela alta mortalidade infantil e pela violência nas áreas de menor desenvolvimento.
Déficit previdenciário se renova a cada ano
Um outro mito, coonestado por sindicalistas pertencentes aos quadros da Secretaria da Receita Federal do Brasil, é o de que o déficit previdenciário – da ordem de R$ 306 bilhões em 2018, considerados todos os regimes – pode ser resolvido se o governo destinar, como supostamente deveria, toda a receita da seguridade social (contribuições previdenciárias e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL). E, adicionalmente, cobrar os tributos em atraso, inscritos na dívida ativa da União.
Ocorre que a seguridade social compreende não apenas a Previdência, mas também a saúde e a assistência social. A arrecadação total dessas receitas em 2018 alcançou R$ 496 bilhões (R$ 417 bilhões de contribuições sociais cobradas na folha de salários e R$ 78,9 bilhões da CSLL), mas devem ser excluídos os gastos com saúde e assistência social, que atingiram no mesmo ano R$ 208 bilhões (R$ 120,6 bilhões com saúde e R$ 87,4 bilhões com assistência social). Restaram, pois, R$ 288 bilhões para financiar os gastos previdenciários, mas o INSS consumiu, sozinho, R$ 586 bilhões. Se considerados os demais regimes previdenciários, vê-se facilmente que não há como negar o déficit.
Quanto ao recurso à cobrança de tributos em atraso, os formuladores da tese confundem os conceitos de fluxo com o de estoque. O déficit previdenciário é um fluxo que se renova a cada ano enquanto o problema estrutural não for resolvido. O estoque, caso fosse inteiramente viável sua realização, cobriria o déficit de apenas um ano. Ademais, a dívida ativa inclui grande parte de empresas que já desapareceram, casos da Varig, Transbrasil, Panair e outras. Isso decorre do fato de a legislação brasileira não permitir que o governo negocie ou perdoe dívidas tributárias, a não ser por lei específica de anistia fiscal genérica.
Em resumo, não há mágica capaz de fazer desaparecer o déficit previdenciário sem uma profunda reforma da Previdência. Felizmente, as condições para tanto nunca foram tão favoráveis. O governo de Michel Temer propôs uma reforma que por pouco não foi aprovada não fossem as denúncias da Procuradoria Geral da República, que deram origem a um processo de impeachment contra o ex-presidente. A corrosão de seu capital político e a intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro (o que impede a tramitação de reformas constitucionais, caso da Previdência) inviabilizaram a decisão final do Congresso.
A proposta continua sob apreciação da Câmara. Melhor, de lá para cá, surgiram propostas melhores e mais ousadas, que permitem dobrar a economia prevista no projeto original, incluir todas as categorias (inclusive a dos militares) e introduzir o regime de capitalização para os que se aposentarem em futuro determinado, o que obvia o problema que adviria da adoção do modelo chileno. Neste modelo, todos os trabalhadores foram enquadrados imediatamente no regime de capitalização.
No Chile, o passivo atuarial era relativamente pequeno e o setor público exibia superávit fiscais. No Brasil, a aplicação desse modelo seria desastrosa, pois o setor público apresentou um déficit de 7,1% do PIB em 2018, enquanto o passivo atuarial passa de R$ 4 trilhões. Haveria um imediato colapso fiscal com todas as consequências econômicas e sociais.
Há razões para acreditar que o Congresso aprovará a reforma da Previdência defendida pelo governo Bolsonaro, que é melhor e mais abrangente do que a proposta pela administração anterior. Ainda que o governo não tenha construído uma base parlamentar majoritária, a tradição brasileira indica que o início de uma nova administração se caracteriza por uma “lua de mel” e por alta popularidade do presidente (que é o caso), o que favorece a aprovação de medidas mais ousadas nesse período.
Além disso, a sociedade amadureceu sensivelmente para admitir a necessidade da reforma. Ao mesmo tempo, a esquerda – que se opunha ferozmente à reforma – saiu enfraquecida das últimas eleições presidenciais, enquanto o atual governo dispõe das informações sobre como atacar os mitos aqui mencionados. Os estados, a braços com terrível situação financeira causada precisamente pelos elevados gastos previdenciários, tendem a cerrar fileiras em favor da reforma. Será necessário complementar essas condições com uma boa estratégia de comunicação social para se contrapor à campanha contra a reforma, que certamente virá das corporações, de sindicalistas e de outros segmentos.
Vencida essa batalha, outras medidas serão demandadas para elevar a produtividade e, assim, dotar o país de condições para crescer de forma robusta e sustentada.
Causas da baixa produtividade
O crescimento de uma economia, que é fundamental para a expansão da renda, do emprego e do bem-estar, depende da conjugação de três elementos: (1) investimentos em instalações, máquinas, equipamentos e software; (2) incorporação de mão de obra ao processo produtivo; e (3) crescimento da produtividade, isto é, produzir mais bens e serviços com os mesmos recursos. Alguns autores consideram um quarto elemento, desdobrando o segundo em mão de obra propriamente dita e capital humano, isto é, a qualificação do trabalhador, obtida via educação formal, treinamento e acúmulo de experiências.
Desses elementos, a produtividade é o mais relevante. Como disse o economista norte-americano, o prêmio Nobel Paul Krugman, a “produtividade não é tudo em uma economia; no longo prazo, é quase tudo”. Estudo recente mostrou que entre 1945 e 2015, a produtividade explicou 80% do crescimento da economia americana. No Brasil, os pesquisadores da Fundação Getulio Vargas Ignez Vidigal Lopes, Mauro de Resende Lopes e Adriana de Paula Rocha mostraram que 92,2% do crescimento da agricultura brasileira entre 1975 e 2014 podem ser atribuídos à produtividade.
No Brasil, a produtividade cresceu muito pouco nos últimos 30 anos. Esta é a principal origem da perda de dinamismo da economia. Vários fatores explicam essa realidade, conforme assinala o livro Anatomia da Produtividade no Brasil (Editora FGV, 2017), organizado pelos pesquisadores da FGV Regis Bonelli, Fernando Veloso e Armando Castelar Pinheiro. Depois do período de alta acelerada da produtividade, o do pós-guerra até 1980, “ela passou a intercalar fases boas e ruins, inclusive com queda em alguns subperíodos, levando a uma evolução média muito fraca”. A produtividade, ensinam eles, é pró-cíclica (sobe nos ciclos de expansão da economia e cai nos períodos de recessão). O nível da nossa produtividade em 2016 era apenas 24% superior ao de 1980.
Segundo os mesmos três pesquisadores, nos últimos 30 anos a alta da produtividade foi de somente 0,6% ao ano. Para comparar, prosseguem, “a taxa média de crescimento da produtividade do trabalho nos 30 anos transcorridos entre 1950 e 1980, foi de sete vezes essa taxa: exatos 4,2% anuais”. É fácil concluir que o expressivo crescimento da economia brasileira nesse período, que se situou entre os cinco mais altos do mundo, se deveu na maior parte à produtividade. No melhor período, de 1968 a 1973, a economia brasileira cresceu em média 10,1% ao ano e alcançou robustos 14% em 1973. A produtividade nos propiciou, então, um crescimento do tipo chinês, que alcançou 10% anuais em média entre 1980 e 2016.
As altas anteriores da produtividade brasileira decorreram, essencialmente, da migração campo-cidade, ficando em segundo plano os investimentos e a inovação. O trabalhador que sai das fazendas para trabalhar nas cidades, especialmente na indústria, aumenta expressivamente sua produtividade, pois passa a atuar em ambientes organizados, além de receber o benefício do treinamento nos locais de trabalho ou em cursos específicos.
Não há respostas prontas e fáceis para explicar o fracasso brasileiro em fazer crescer a produtividade, tampouco uma saída simples e rápida para enfrentar o desafio de fazê-la aumentar muito mais nos próximos anos. Como explicam os três pesquisadores da FGV, o hiato de produtividade entre o Brasil e as economias avançadas – e, se poderia acrescentar a China dos últimos anos – resulta de uma complexa combinação de fatores institucionais.
Eles listam o que parece ter provocado o baixo desempenho da produtividade brasileira: “características do ambiente de negócios (ruim, poder-se-ia dizer), escasso capital humano, baixas taxas de investimento fixo, fraqueza intermitente da demanda (pois a produtividade é pró-cíclica, como vimos) e mudança estrutural em favor de atividades em que o crescimento da produtividade é lento ou o nível é muito baixo”. Para dar um exemplo, a taxa de investimento fixo foi de apenas 14% do PIB em 2017, muito inferior ao que se considera desejável para impulsionar a produtividade e a economia: 25%.
Entre os fatores estruturais que explicam a timidez do crescimento da produtividade no Brasil está o fato de empresas de baixa produtividade na distribuição da produtividade do trabalho responderem por uma participação superior à de países como Chile, Colômbia, México, Peru e Rússia. Esse é o caso particular das pequenas e médias empresas, que costumam exibir produtividade relativamente mais baixa. A guerra fiscal entre os estados é outra fonte da baixa produtividade, eis que as empresas se instalam em regiões onde é menor sua eficiência, seja por causa dos custos de transporte, seja pela menor qualidade da mão de obra. As empresas se deslocam para outras localidades, porque os ganhos tributários superam os custos adicionais de logística e de operação. É difícil opor-se a esforços fiscais para atrair investimentos para regiões menos desenvolvidas por um certo período, como o fizeram outros países, mas estudos mostram que investir em educação de qualidade pode ser tão ou mais relevante do que distribuir benefícios tributários.
Intervenções equivocadas do governo costumam provocar elevação de custos, má alocação de recursos, insegurança jurídica e incertezas, fatores que exercem forte influência negativa nas decisões de investir e inovar e na produtividade. Foi o caso da desastrada intervenção do governo Dilma Rousseff no setor de energia elétrica, através da medida provisória 579, de 2012. Editada com o propósito de reduzir o custo desse serviço, a intervenção provocou, na opinião de muitos especialistas, a maior desorganização da história no setor elétrico brasileiro, o que gerou mais custos, mais ineficiência e queda da produtividade.
Igualmente desastrosa foi a Nova Matriz Macroeconômica do mesmo governo. Sua intenção teria sido a de manter o ritmo de crescimento da economia dos dois mandatos do presidente Lula, em grande parte impulsionada pelos ganhos de comércio decorrente da emergência da China como grande importador de commodities em que o Brasil é competitivo. De uma participação desprezível nas exportações brasileiras, a China se transformou em nosso principal parceiro comercial, respondendo por 20% das nossas vendas externas, nível que alcançou 26,8% em 2018. Como se sabe, tais ganhos se esgotam ou se reduzem substancialmente ao longo do tempo.
Assim, o governo Dilma elegeu o consumo como novo motor do crescimento, para o que adotou uma série de medidas para expandir o gasto público, incluindo a flexibilização das normas para conceder garantia do Tesouro nos empréstimos para estados e municípios, além de instar o Senado a mudar as regras de endividamento desses entes, de modo a ampliar sua capacidade de obter crédito e gastar. Essa irresponsabilidade explica grande parte da grave crise fiscal ora vivida pela maioria das unidades da federação, que tem impactos desfavoráveis na produtividade. Mais ainda, o Banco Central foi forçado a baixar sua taxa básica de juros (a Selic), em momento no qual se demandava estabilidade ou mesmo sua elevação. O objetivo foi estimular o endividamento das famílias e assim o seu consumo, o que mais tarde funcionaria em sentido contrário, reduzindo a demanda da economia.
Medidas de estímulo ao consumo sem a simultânea expansão da oferta da economia – que depende essencialmente de ganhos de produtividade – resultaram, como seria de esperar, em alta da inflação (10,67% em 2015) e em piora do saldo em conta corrente do balanço de pagamentos, que saltou de 1,5% do PIB em 2009 para 4,1% do PIB em 2014. Essa piora foi provocada pelo aumento de importações que elevavam a oferta interna, mas a pior consequência da Nova Matriz foi a recessão. De fato, entre 2014 e 2016 o país viveu a pior recessão de sua história. O PIB caiu perto de 8% e a renda per capita real (descontada a inflação) diminuiu 10%. No campo inflacionário, a piora decorreu também da perda da capacidade do Banco Central de coordenar expectativas dos agentes econômicos, o que reduziu seu poder de assegurar a estabilidade da moeda. A recessão provocada afetou negativamente a produtividade, que, vale repetir, é pró-cíclica.
Medidas para aumentar a produtividade
Embora o seu foco seja fiscal, a reforma da Previdência pode contribuir, no médio e no longo prazos, para aumentar a produtividade. Isso porque os indivíduos que hoje se aposentam precocemente por tempo de serviço são os que detêm maior qualificação, pois tendem a ser mais preparados e mais expostos a experiências intelectuais. Estudos mostram que 87% dos que se aposentam por tempo de serviço têm maiores habilidades para o trabalho. Com a reforma, eles permanecerão mais tempo na população economicamente ativa. Já os que se aposentam por idade são comumente os trabalhadores de menor qualificação, que labutam em atividades onde se exige maior força física. Aposentadorias precoces – homens aos 53-57 anos e mulheres aos 50-54 anos – causam perdas de 0,4% a 0,7% do PIB, pois acarretam quedas da produtividade média da economia.
A rigor, todavia, ganhos maiores de produtividade, que permitam ampliar sensivelmente o potencial de crescimento econômico, dependem de outras reformas. Muito poderá ser feito com ações para reduzir a burocracia geradora de custos de transação, para abrir a economia – para induzir a busca de eficiência e, portanto, de maior produtividade –, e promover a reforma tributária, mudanças no ambiente de negócios e a realização de programas de privatização e concessão, a qual pode estimular os investimentos em infraestrutura, em especial a de transportes. Isso tem tudo para gerar melhoras expressivas na operação da logística e, assim, promover ganhos de produtividade. No médio e no longo prazos, a melhora na qualidade da educação também muito contribuirá para elevar a produtividade.
A área tributária é, a meu ver, a de maior potencial de expansão da produtividade nos próximos anos, pois se tornou a principal fonte de ineficiências na economia. O país sofre, atualmente, os efeitos de um sistema tributário disfuncional, notadamente na área da tributação do consumo, em que convivem incidências confusas, custosas e geralmente incompreensíveis, abrangendo o IPI, o ICMS, o ISS, o PIS e a Cofins.
A isso se acrescenta a criação do Simples, voltado para facilitar a vida das pequenas empresas, que não dispõem de estrutura para entender, acompanhar e cumprir as regras mutantes e infernais dos tributos sobre o consumo. O Simples é uma espécie de cordão sanitário que livra essas empresas da contaminação do manicômio tributário, mas tem muitos defeitos. Um deles é sua natureza de tributo em cascata, o que aumenta custos da cadeia produtiva e conspira contra a produtividade. Outro é submeter tais empresas ao chamado “Complexo de Peter Pan”, isto é, o que busca evitar o seu crescimento além do limite de faturamento para enquadramento no Simples. A partir daí, essas empresas começam a bipartir-se. Todas ficarão eternamente pequenas. Como vimos, as pequenas empresas costumam exibir baixa produtividade.
Quanto ao ICMS, esse tributo tornou-se um caos, caracterizado por 27 legislações distintas, que se alteram ao sabor de pressões e das circunstâncias. Esse imposto muda 70 vezes por semana em todo o país, formando um todo complexo, incompreensível e custoso. Empresas exportadoras acumulam direitos de créditos do ICMS, de difícil recebimento. Muitas são obrigadas por seus auditores externos a desconsiderar esse direito, o que implica considerá-lo perdido, em detrimento de seus resultados financeiros e de sua produtividade. Isso se deve ao fato de que os estados, que recolhem o tributo ao longo da cadeia produtiva, não serem necessariamente os mesmos dos quais se espera a devolução dos créditos acumulados, que por isso interpõem toda sorte de dificuldades para efetuar os respectivos desembolsos.
Além de tudo isso, o ICMS tornou-se um tributo crescentemente obsoleto. Ele incide basicamente sobre bens e não sobre serviços (salvo os de energia e telecomunicações). Acontece que os serviços, tributados pelos municípios, crescem sua participação no PIB, o que determina o encolhimento da fatia dos bens e, assim, da base tributária do ICMS. Essa percepção, que parece crescente entre os estados, pode contribuir para reforçar o ambiente favorável a uma profunda reforma da tributação do consumo, em favor da instituição de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), arrecadado pela União e repartido automaticamente com estados e municípios.
O IVA é a característica de tributação do consumo em mais de 150 países, inclusive os organizados sob a forma de federação, ricos e emergentes. São os casos de todos os membros da União Europeia, da Austrália e da Nova Zelândia, que fazem parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE). Entre os emergentes estão a Argentina, o México, o Chile, a Colômbia e a Índia. Este último país enfrentava um caos tributário semelhante ao brasileiro, mas conseguiu implementar o IVA em 2018, eliminando a tributação disfuncional do consumo nos seus estados. Cálculos do Fundo Monetário Internacional indicam que a reforma tributária indiana elevou em dois pontos percentuais a taxa de crescimento da economia do país. O mesmo poderia acontecer no Brasil.
Felizmente, o governo de Jair Bolsonaro tem à sua disposição um excelente projeto de reforma tributária do consumo, mediante a criação do IVA brasileiro. O projeto foi preparado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e prevê sua implantação de forma engenhosa: os dois sistemas, o antigo e o novo, conviveriam em uma transição de dez anos para o desaparecimento do velho sistema (ICMS, ISS, PIS e Cofins) e pleno surgimento do IVA, o que pode reduzir as objeções de governadores à sua aprovação. Entre as inúmeras vantagens do projeto, estão a de pôr um fim à guerra fiscal e a de eliminar resistências dos estados à devolução de créditos tributários dos exportadores, geralmente sob a alegação de que não arrecadaram o respectivo valor nas etapas anteriores dos ciclos de produção e comercialização. A devolução seria feita pela União, praticamente extinguindo os riscos de sua acumulação e, eventualmente, de perda contábil forçada por auditores externos. O Brasil se igualaria, no particular, aos países onde não existe o problema dessa acumulação.
Os efeitos de uma reforma tributária nesses termos seriam enormes na produtividade. As empresas se veriam livres dos gigantescos custos de transação associados à complexa conformidade com regras confusas e instáveis. Haveria forte redução das despesas para lidar com atuações fiscais, incluindo onerosas custas advocatícias e perdas de tempo para lidar com os respectivos processos burocráticos.
Ainda há resistências de especialistas a uma introdução do IVA na legislação tributária brasileira. Invocam o que lhes parece mimetismo, ou seja, a introdução de normas tributárias construídas em outros contextos culturais e institucionais. Esse conservadorismo parece imaginar que existe salvação para o atual sistema de tributação do consumo, que exibe inequívocos sinais de disfunção, à qual se acrescenta, no caso do ICMS, sua crescente obsolescência. E se baseia numa visão até certo ponto nativista e contrária à adoção de normas e procedimentos que vigoram em países de distintas origens e culturas, nos cinco continentes.
Conclusão
A reforma da Previdência é crucial para evitar o colapso fiscal e a consequente insolvência do setor público. Sem ela, o país tenderá a viver um súbito e amplo processo de queda de confiança. Ingressaremos na situação de dominância fiscal, na qual o Banco Central perderá a capacidade de assegurar a estabilidade da moeda. A inflação alta e sem controle voltará ao cenário com todas as suas consequências econômicas sociais e políticas.
Apesar de sua relevância, a reforma não garantirá, por si só, a restauração da capacidade de crescimento da economia, do emprego e do bem-estar. Isso dependerá crucialmente de medidas adicionais para recuperar o crescimento da produtividade, que é o principal determinante da expansão do PIB, do emprego e do bem-estar de um país. Em outras palavras, a reforma é importante, mas não suficiente.
Recuperar o crescimento da produtividade requer um conjunto amplo de ações governamentais, que incluem a redução da burocracia, a abertura da economia, a elevação dos investimentos em infraestrutura (particularmente a de transporte) e, com efeitos de médio e longo prazos, a melhoria da qualidade da educação. Nesse conjunto, a reforma tributária é a mais relevante em suas consequências positivas, mediante a criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), cobrado pela União e repartido automaticamente com estados e municípios. Essa reforma implicaria eliminar o caos tributário representado pela pletora de tributos incidentes sobre o consumo: ICMS, ISS, IPI (ou sua reformulação), PIS e Cofins.

Foi ministro da Fazenda no período 1988-1990. Tem seis livros publicados, inclusive sua autobiografia. É colunista da revista Veja e mantém um blog na Veja on-line. Membro do conselho de administração de várias empresas brasileiras. Economista do Ano 2013 pela Ordem dos Economistas do Brasil. Sócio da Tendências Consultoria Integrada.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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