Reverso da fortuna: a volta da boa imagem do Brasil no mundo
Daniel Buarque é jornalista, doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD do King’s College London (KCL) e Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, e mestre em Brazil in Global Perspective pelo KCL. É autor dos livros Brazil, um país do presente e O Brazil É um País Sério?
Fabiana Gondim Mariutti é pesquisadora, docente e consultora, com pós-doutorado e doutorado em Administração, além de formação em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010 e é a idealizadora do ranking iii-Brasil
A posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após quatro anos do governo de Jair Bolsonaro dá início a um processo duro de recuperação da economia, fortalecimento da democracia, correção dos rumos da política ambiental e de reconstrução de um lugar de destaque para o país na política global.
A boa notícia é que, apesar dos enormes desafios a serem enfrentados, desde o pleito, são fortes os indícios de que o mundo recebe Lula de volta ao poder com otimismo. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, por exemplo, parabenizou Lula pela vitória menos de uma hora após a divulgação dos resultados das urnas, enquanto o francês Emmanuel Macron parecia de fato satisfeito ao conversar com o presidente eleito. Para além desse rápido reconhecimento internacional do resultado das eleições e dos sinais positivos nos contatos com líderes de outros países, a imagem internacional do país começou a melhorar significativamente desde o momento em que o petista foi anunciado como vencedor.
Da mesma forma como a eleição presidencial brasileira de 2018 indicou uma transformação radical na imagem internacional do Brasil – para pior – a vitória de Lula também marca uma reviravolta na percepção externa – de forma positiva. Enquanto a vitória de Bolsonaro, quatro anos antes levou a uma degradação reputacional da forma como o país era visto no exterior, a derrota do presidente de extrema-direita gerou um clima de esperança no resto do mundo.
As evidências disso aparecem em uma análise sistemática da forma como o Brasil é descrito na imprensa internacional. Com base nos dados do Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil), publicado semanalmente pelo portal da Revista Interesse Nacional, é notório que os dois turnos da eleição presidencial em 2022 foram os momentos em que o Brasil teve maior visibilidade na mídia estrangeira no ano, e que levaram a uma mudança no tom editorial usado para se referir ao país. Enquanto até a eleição, a política costumava ser alvo de críticas e de análises semanais que revelavam preocupação pela situação duvidosa da democracia brasileira, o resultado das urnas levou a uma percepção elogiosa pela mídia internacional de que o país poderia tomar um novo e positivo rumo.
Entre os mais relevantes focos dessa mudança de tom do conteúdo das notícias estrangeiras foi a percepção sobre o tratamento dado pelo país à questão ambiental. Ao longo de quatro anos do governo de Bolsonaro, o Brasil abriu mão da imagem que havia construído de um líder atuante na luta contra o aquecimento global. O aumento do desmatamento intensificou a deterioração da reputação do país no exterior e levou a um discurso externo preocupado com o futuro da Amazônia – e do planeta. Com a vitória de Lula nas eleições, grande parte do discurso se situou em torno da percepção de que o Brasil voltaria a ter um papel atuante, estratégico e importante na diplomacia ambiental.
iii-Brasil
O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) é um levantamento sistemático e cientificamente embasado com o objetivo de analisar a forma como o Brasil aparece na mídia estrangeira por meio da coleta semanal de notícias publicadas por jornais renomados. Trata-se de uma metodologia com análises quantitativa e qualitativa sobre o lugar do país no mundo e sua imagem no exterior.
O iii-Brasil parte do princípio de que a mídia internacional é vitrine e espelho do país. Ela mostra o que acontece no Brasil para o resto do mundo e tem um forte papel em moldar a percepção que estrangeiros têm do país, enquanto também reflete uma interpretação da nação e da própria identidade brasileira. Entender como o Brasil é retratado na imprensa estrangeira, portanto, é fundamental para entender o lugar que outras nações veem ser ocupado pelo país nas relações globais e para embasar o desenho de estratégias para melhor inserção internacional do Brasil.
A pesquisa realizada pelo índice é atualizada semanalmente, com um estudo interpretativo que indica se a imagem do Brasil na imprensa internacional tem tendência para uma classificação mais positiva, negativa ou neutra. Para determinar o iii-Brasil, o levantamento coleta dados sobre notícias que mencionam o país em sete publicações internacionais, reconhecidas como newspapers of record. São elas: The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos), El País (Espanha), Le Monde (França), Clarín (Argentina), Público (Portugal) e China Daily (China).
Após uma busca por notícias que mencionam o Brasil, cada uma delas é coletada e tem seu conteúdo analisado para determinar o destaque dado ao país e avaliar a abordagem usada no texto. Cada artigo é classificado usando método já consagrado academicamente na literatura, indicando como “positivos” ou “negativos” artigos que podem influenciar a percepção externa sobre o país para melhor ou pior, respectivamente, ou “neutros”, se forem factuais e não apresentarem nenhuma valoração sobre o país.
Como o iii-Brasil indica a evolução da projeção externa do Brasil sob a perspectiva da mídia estrangeira, os relatórios de avaliação permitem entender melhor o posicionamento e a reputação do país no mundo, bem como conhecer as vulnerabilidades e as oportunidades para o Brasil em termos da diplomacia e do comércio exterior brasileiros.
Imagem desfeita
Realizado desde abril de 2022, o iii-Brasil confirmou ao longo do ano o que já era apontado por estudos acadêmicos e análises publicadas na mídia brasileira há anos. A eleição de Bolsonaro afetou profundamente a imagem internacional do país, ameaçando a sua posição global e criando até mesmo o risco de o Brasil se tornar um pária internacional.
Após anos construindo uma imagem positiva no mundo, o Brasil começou a ver sua reputação ruir com os protestos de junho de 2013, as eleições de 2014, a recessão econômica, o impeachment de Dilma Rousseff e a percepção de caos na política. A situação se deteriorou ainda mais a partir de 2018, quando a decisão de eleger Bolsonaro foi lamentada pelos mais importantes veículos de comunicação do mundo, com The New York Times chamando-a de uma escolha triste e “The Economist” argumentando que ele seria um presidente desastroso, por exemplo. Estudos acadêmicos mais aprofundados também analisaram artigos publicados na mídia internacional e concluíram que mostram um declínio acentuado na reputação do Brasil.
Essa má reputação é perceptível nos relatórios das semanas iniciais do iii-Brasil. Até o início de setembro, reta final da cobertura sobre as eleições, o Índice havia analisado em média 56 reportagens por semana com menções de destaque ao país. Apesar de a maioria dos artigos com menção ao Brasil terem tom mais factual e neutro (49%), a exposição negativa do país foi mais de três vezes maior do que a positiva. No total 39% das menções tinham tom negativo e apenas 12% de textos eram positivos sobre o país.
Os pontos de maior crítica ao Brasil eram ligados à política e ao governo de Bolsonaro. O país perdia prestígio internacional por conta da cobertura que a imprensa estrangeira fazia da polarização política, da violência política, das ameaças à democracia e especialmente pela política ambiental do governo que permitia o aumento do desmatamento na Amazônia.
Em julho, por exemplo, o ataque do presidente ao sistema eleitoral brasileiro durante encontro convocado por ele com mais de 70 embaixadores em Brasília foi um dos principais destaques da cobertura sobre o Brasil na imprensa internacional. Por envolver diplomatas das mais variadas nacionalidades, o caso teve ampla repercussão no mundo. No mês seguinte, as notícias sobre a instabilidade política no país elevaram a proporção de textos com tom negativo sobre o Brasil, que chegaram a empatar com as menções de tom neutro em 44% do total.
Mas foi a questão ambiental que ganhou destaque radicalmente negativo ao longo de 2022 por conta de dados sobre o desmatamento, declarações do governo e especialmente pelo assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira. A partir daquele momento, em junho, a Amazônia se consolidou como uma das principais associações negativas à imagem do Brasil.
No total, a coleta de dados do iii-Brasil encontrou na terceira semana de junho 106 artigos com menções de destaque ao país. Tratava-se de um aumento de 31% em relação à semana anterior e da maior quantidade registrada desde o início da coleta e análise do índice. Além do aumento da visibilidade, a semana também registrou a mais alta proporção de reportagens com tom negativo sobre o país. No total, 70% de todos os textos a respeito do Brasil tinham juízo de valor com potencial de afetar e piorar a reputação brasileira no exterior. E esta tendência se manteve por semanas, ampliando e degradando a percepção externa do país.
Visibilidade ampliada
Ainda com esta imagem desgastada, o Brasil passou a ter maior visibilidade no exterior a partir da cobertura do primeiro turno das eleições. Reportagens sobre a situação política do país, os candidatos, as crises, os riscos à democracia e a importância da decisão para o posicionamento global do país tiveram grande destaque ao redor do mundo.
Nas duas semanas entre 26 de setembro e 9 de outubro, antes e depois da votação, foram registradas 218 reportagens com menções de destaque ao Brasil no iii-Brasil. O volume recorde de textos coletados era praticamente o dobro da média registrada até então.
Esse início da cobertura jornalística, entretanto, continuou prejudicial à reputação do país, com 41% de textos com tom negativo, 50% com tom neutro e 9% de notícias positivas. Menções aos problemas da instabilidade da política brasileira, as ameaças à democracia e balanços críticos dos quatro anos de governo de Bolsonaro levaram ao alto registro de reportagens com tom negativo no período. Um dos principais focos da cobertura foi a ideia de que a votação do dia 2 de outubro e a preparação para o segundo turno seriam um teste para a democracia brasileira.
O segundo turno das eleições presidenciais no Brasil levou a um crescimento ainda maior da visibilidade do país na imprensa internacional. Entre 24 de outubro e 6 de novembro, semanas antes e depois do segundo turno, foram registradas 330 reportagens com menções de destaque ao Brasil nos veículos analisados pelo iii-Brasil. Isso representa uma média de 165 artigos por semana, quase três vezes a média de 59 reportagens sobre o país registradas semanalmente até então.
Na semana concluída no dia da votação foi possível perceber uma oscilação do tom editorial usado pelos jornais estrangeiros para falar sobre o país. Até o domingo da eleição, era evidente o olhar crítico sobre a situação política do Brasil, com artigos a respeito da tensão vivida pelo país, análises negativas sobre o governo de Bolsonaro e a preocupação sobre o estado da democracia. A postura mais crítica ficou evidente em editoriais publicados por alguns dos jornais estrangeiros abertamente defendendo votos contra Bolsonaro.
A vitória de Lula, entretanto, representou uma reviravolta no tom da imprensa estrangeira, gerando um aumento marcante na proporção de textos a mencionar o Brasil com tom positivo. Na semana que se iniciou na segunda-feira após o segundo turno das eleições presidenciais, 19% dos textos sobre o Brasil tinham viés favorável, 8 pontos percentuais acima da média.
A virada presidencial era especialmente relevante por se tratar da cobertura de política, rompendo com uma longa tradição da imagem do Brasil no exterior em que as menções positivas ao país se concentram em temas mais “leves” como cultura e esportes, com críticas concentradas na cobertura de política e economia.
Após a eleição de Lula, o noticiário estrangeiro se consolidou por semanas em uma posição mais positiva sobre o país. Na semana entre 7 e 13 de novembro foi registrado o recorde na proporção de textos com tom positivo sobre o Brasil. Pela primeira vez, textos favoráveis ao país foram a maioria dos analisados ao longo de uma semana, totalizando 54% das menções ao país nos sete veículos avaliados – além de 26% de textos com tom neutro e apenas 20% de menções negativas, a menor proporção desde o início do levantamento.
Em uma reação ao impulsionamento da piora da imagem pela questão ambiental durante o governo de Bolsonaro, o otimismo gerado pela eleição de Lula na imprensa internacional continuou sendo registrado nas semanas seguintes graças à viagem do presidente eleito à COP27, mudando a percepção externa sobre a política ambiental do Brasil.
O discurso da vitória de Lula sobre a “volta” do Brasil a uma posição de destaque na luta contra o aquecimento global ajudou a manter alta a proporção de menções ao país com tom positivo na imprensa estrangeira. Entre 14 e 20 de novembro, 38% de textos sobre o Brasil tinham tom positivo e 40% eram neutros, com apenas 22% de menções negativas.
Ameaças, perda de foco e expectativas
O otimismo internacional é evidente, mas nem tudo que se vê são notícias boas sobre o Brasil. A tentativa de Bolsonaro, do seu partido e de manifestantes golpistas de reverter o resultado do segundo turno das eleições também teve ampla repercussão internacional nas semanas após o resultado eleitoral, com viés negativo.
Após semanas de uma projeção mais positiva do país no exterior, a postura antidemocrática de setores da política e da sociedade voltou a ampliar o espaço dedicado pela imprensa internacional a textos com teor crítico sobre o Brasil.
Além das ameaças à democracia, o noticiário político sobre a sucessão presidencial não ganhou tanto destaque no exterior, e a imprensa estrangeira reduziu, no início de dezembro, o destaque dado ao Brasil. O país teve uma visibilidade menor do que nas semanas anteriores, e chamou a atenção especialmente pela cobertura da seleção brasileira na Copa do Mundo.
Este movimento na evolução do iii-Brasil indica que a melhora da reputação do Brasil não está garantida. Apesar da visível empolgação da imprensa estrangeira com o fim do governo Bolsonaro, a vitória de Lula e a expectativa de mudanças na política ambiental brasileira, reconstruir uma posição de destaque para o Brasil na política internacional e projetar uma imagem positiva que vá além dos estereótipos do “país das festas” continua sendo um desafio histórico – não superado totalmente nos governos anteriores de Lula e nada fácil de ser suplantado agora.
A melhora da imagem do Brasil na mídia estrangeira é, sem dúvida, um fato positivo como recurso de vantagens competitivas em âmbito macro, mas também indica novas provações em âmbito micro – em esferas diversas no cenário internacional. Além das dificuldades políticas e diplomáticas que o novo governo vai enfrentar, também vai ter que trabalhar para moderar as expectativas a fim de evitar uma grande frustração de governos e da opinião pública de todo o mundo, que está atenta e vai cobrar ações estratégicas e desempenhos efetivos – especialmente na esfera ambiental.
Quadro 1 – Evolução da classificação de notícias
Semana | Neutras | Negativas | Positivas |
abril 1 | 58% | 26% | 16% |
abril 2 | 50% | 39% | 11% |
abril 3 | 33% | 41% | 26% |
abril 4 | 46% | 33% | 21% |
maio 1 | 50% | 32% | 18% |
maio 2 | 39% | 44% | 17% |
maio 3 | 56% | 33% | 11% |
maio 4 | 35% | 54% | 12% |
junho 1 | 50% | 35% | 15% |
junho 2 | 39% | 55% | 6% |
junho 3 | 24% | 70% | 6% |
junho 4 | 53% | 36% | 11% |
julho 1 | 59% | 25% | 16% |
julho 2 | 61% | 37% | 2% |
julho 3 | 46% | 42% | 12% |
julho 4 | 48% | 43% | 9% |
julho 5 | 61% | 26% | 13% |
agosto 1 | 54% | 33% | 13% |
agosto 2 | 44% | 44% | 12% |
agosto 3 | 70% | 22% | 8% |
agosto 4 | 60% | 35% | 5% |
agosto 5 | 45% | 45% | 10% |
setembro 1 | 57% | 42% | 1% |
setembro 2 | 70% | 24% | 6% |
setembro 3 | 40% | 54% | 6% |
setembro 4 | 40% | 48% | 12% |
outubro 1 | 60% | 34% | 6% |
outubro 2 | 67% | 25% | 8% |
outubro 3 | 71% | 25% | 4% |
outubro 4 | 52% | 35% | 13% |
novembro 1 | 55% | 26% | 19% |
novembro 2 | 26% | 20% | 54% |
novembro 3 | 40% | 22% | 38% |
novembro 4 | 48% | 34% | 18% |
dezembro 1 | 57% | 17% | 26% |
O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) é uma análise da imagem do país realizada a partir de um levantamento sistemático de dados sobre notícias que mencionam o Brasil a cada semana em sete publicações internacionais, selecionadas como representativas da imprensa internacional por serem reconhecidas internacionalmente como “newspapers of record”. São elas: The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos), El País (Espanha), Le Monde (França), Clarín (Argentina), Público (Portugal) e China Daily (China). O iii-Brasil é produzido semanalmente pela equipe do portal Interesse Nacional e pela pesquisadora Fabiana Mariutti. Professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Autora do recente artigo: “When place brand and place logo matches: VRIO applied to Place Branding”, de dois livros e sete capítulos de livros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional