Setor Elétrico Brasileiro: Planejamento de Longo Prazo Versus Pressões de Curto Prazo
O setor elétrico brasileiro é intrinsecamente complexo: multidisciplinar, intensivo em capital, cujo retorno é medido em décadas, e sujeito a fortes interesses econômicos e interferências políticas. Por causa dessa arquitetura, qualquer tentativa de condução do setor com base em fórmulas mágicas e receitas prontas é fadada a um retumbante fracasso.
Apesar disso, a observação atenta das últimas décadas revela que sempre retornam as ondas de grupos de pressão e indivíduos que se apresentam como visionários e redentores. De tempos em tempos, surgem “modelos nunca antes pensados”, “metodologias revolucionárias” e outras pérolas que, conforme previsto, sempre sucumbem às simplicidades irredutíveis da lógica econômica, da disciplina financeira e da boa engenharia.
Neste contexto, a mentalidade da condução do setor por meio de decretos e notas técnicas, muitas vezes motivada pelas sedutoras armadilhas do populismo e do uso político, destaca-se como a principal ameaça a ser combatida, para que nosso setor um dia atinja seu pleno potencial.
Uma das possíveis maneiras de contribuir para afastar a ameaça acima passa por um diagnóstico objetivo dos principais problemas enfrentados pelo setor ao longo das suas principais dimensões. A equipe de executivos e pesquisadores do Instituto Acende Brasil organiza seus projetos e ataca os problemas de nossos clientes ao longo de oito dimensões setoriais:
1. Regulação e política tarifária;
2. Rentabilidade;
3. Governança corporativa;
4. Situação de oferta de energia;
5. Atuação da agência reguladora;
6. Carga de tributos e encargos;
7. Política de leilões regulados; e
8. Meio ambiente e sociedade.
Cada uma dessas oito dimensões, por sua vez, encerra complexidade e desafios suficientes para entreter as melhores mentes em busca de soluções. Por limitação de espaço, este texto concentrar-se-á na discussão dos três primeiros temas, todos eles afetados por interferências políticas e manobras populistas.
Regulação e Política Tarifária
A discussão sobre a regulação tarifária é altamente técnica e permeada de jargões derivados da combinação de conceitos de engenharia, estatística, economia, finanças, contabilidade e direito. A complexa terminologia, quando somada aos modelos matemáticos e estatísticos, acaba por alienar grande parte da sociedade de uma discussão de alto impacto para consumidores e setores produtivos.
Para se entender a regulação tarifária, é necessário conhecer quais são os componentes da tarifa de energia elétrica, como cada componente é definido e como funciona o regime de reajuste e revisão periódica das tarifas.
A tarifa de energia elétrica é o preço regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que deve ser pago pelos consumidores finais como contrapartida pelo acesso à energia elétrica fornecida pelas concessionárias de distribuição (distribuidoras).
A tarifa é:
a)Reajustada anualmente pela inflação e por ganhos de produtividade esperados; e
b) Revisada periodicamente – com frequência que varia de três a cinco anos, conforme estabelecido no contrato de concessão de cada distribuidora – para que seja promovido um realinhamento geral de custos de operação e manutenção, base de ativos e remuneração de capital.
Composição da Tarifa
Apesar de a tarifa ser paga para a distribuidora de energia, a maior parte dela não se destina à distribuidora. A maior parte da tarifa é repassada pela distribuidora para outros agentes da cadeia produtiva de energia elétrica (geradoras e transmissoras) e para governos, na forma de pagamento de tributos e encargos. Menos de um terço da tarifa de eletricidade é destinada à distribuidora.
Nas Revisões Tarifárias Periódicas, são redefinidas as chamadas “Parcelas B” de cada uma das distribuidoras, parcelas estas que representam o único componente que afeta a situação econômico-financeira das distribuidoras. Isto porque, apesar de as tarifas de fornecimento das distribuidoras serem reguladas pela Aneel, a maior parte da tarifa é composta de custos oriundos de outros segmentos do setor, que são meramente repassados pelas distribuidoras para os consumidores finais. Tais custos, não gerenciáveis pelas distribuidoras, compõem a chamada “Parcela A” da tarifa.
Parcela A
Como já mencionado, a maior parte da tarifa destina-se aos elos do montante da distribuição: geração, transmissão e encargos. Esta parte da tarifa é denominada “Parcela A” da tarifa.
Trata-se de custos “não gerenciáveis” pelas distribuidoras, sendo simplesmente repassados pela distribuidora para os consumidores. Além disso, uma vez consolidadas as Parcelas A e B, são, então, aplicados os tributos sobre esse montante.
A Aneel dispõe de pouca influência sobre a Parcela A e sobre os tributos que incidem sobre a tarifa já que se trata, na maior parte, de atividades cujos preços não são diretamente regulados pela agência.
A parte da tarifa destinada às geradoras é determinada por contratos de suprimento de longo prazo. Em alguns casos, o valor pago pela geração é determinado pelo governo federal, por meio da legislação, como no caso do suprimento de energia proveniente da Itaipu Binacional.
Outros contratos de suprimento de energia têm seus preços estabelecidos de forma concorrencial, por meio de leilões públicos administrados pelo governo federal, como é o caso dos Contratos de Comercialização de Energia em Ambiente Regulado (CCEAR). Neste caso, a Aneel regula as tarifas apenas indiretamente por meio dos editais dos leilões.
Do mesmo modo, a maior parte dos custos associados à transmissão também é predeterminada em contratos de longo prazo com valores definidos por meio de licitações públicas promovidas pelo governo federal. Esses custos são rateados pelos agentes do setor por meio da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust).
Há, ainda, os encargos (que compõem a Parcela A) e os tributos (que incidem sobre a Parcela A e Parcela B consolidadas), cujos valores são determinados pelos governos federal, estadual e municipal e pelo Congresso Nacional, por meio de leis e decretos.
Qualquer análise sobre as causas da variação das tarifas precisa levar em conta a anatomia acima descrita. Muitos dos erros conceituais – propositais ou não – que têm sido cometidos, em vários fóruns, não aconteceriam se esta realidade fosse considerada.
Parcela B
A parte da tarifa que a Aneel regula de forma mais direta é denominada “Parcela B”. Esses são os custos sob controle da distribuidora.
As distribuidoras incorrem em dois tipos de despesas no provimento do serviço de distribuição: (i) despesas operacionais e (ii) despesas de capital.
As despesas operacionais incorridas por uma distribuidora são os custos de operação e manutenção referentes à prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica: gastos com pessoal, administração, materiais, serviços contratados de terceiros, arrendamentos, aluguéis, seguros etc.
Além das despesas operacionais, existem as despesas de capital que tomam a forma de investimentos em ativos: subestações, linhas de transmissão, imóveis, veículos e sistemas de informática.
O estoque de investimentos realizados pela empresa compõe a sua base de remuneração, que por sua vez passa a ser remunerada pelo custo de capital. O custo de capital representa o custo de captação de recursos financeiros incorrido pelas empresas. O pagamento dos investimentos é feito à medida que os ativos são depreciados. A taxa de depreciação é baseada na vida útil média esperada dos ativos.1
Os custos operacionais são aqueles incorridos com pessoal, materiais, serviços de terceiros e outras despesas na prestação de serviços de distribuição de energia elétrica.
O custo de operação e de manutenção deve ser suficiente para garantir o funcionamento da empresa concessionária. No Brasil, a Aneel utilizou, até o segundo ciclo de Revisão Tarifária Periódica, o modelo de “Empresa de Referência” para avaliar os custos operacionais das empresas.
Para a metodologia do terceiro ciclo de Revisão Tarifária Periódica, a Aneel passou a adotar um modelo de Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis – DEA) para definir os custos operacionais eficientes das empresas, com base numa análise comparativa do desempenho das empresas de distribuição.
Regime de Tarifa pelo Custo
Até o início da década de 1980, o regime de regulação de tarifas empregado na maioria dos países era a Regulação pelo Custo do Serviço (conhecida na literatura internacional como “Cost Plus Regulation”). Na Regulação pelo Custo do Serviço, o regulador apura a base de remuneração e os custos operacionais incorridos pela empresa regulada a partir de seus dados contábeis para definir a sua tarifa.
Apesar de este regime ser eficaz para coibir o abuso de poder de mercado e de proporcionar segurança à empresa regulada quanto à remuneração de seus custos, o que se observa no longo prazo é que ele favorece a escalada dos dispêndios além do nível desejável.
Neste regime regulatório, os custos efetivamente incorridos são repassados à tarifa, o que faz com que o custo de serviço não tenha impacto na rentabilidade da empresa. Neste contexto, a empresa não tem incentivos para conter novos investimentos desnecessários e gastos operacionais ineficientes. Pelo contrário. Este regime incentiva a empresa a sempre investir e gastar mais, pois investimentos e gastos operacionais adicionais permitem que a empresa eleve a qualidade e a confiabilidade do sistema de distribuição, ao mesmo tempo em que eleva as suas receitas.
Este incentivo pode ser benéfico por algum tempo, mas, no longo prazo, tal regime regulatório leva a uma situação em que os custos adicionais associados aos investimentos e aos gastos operacionais superam os seus benefícios. Apesar disto, a empresa continua a ter incentivos para buscar a expansão dos gastos, resultando em sobreinvestimento e empresas ineficientes.
Essa prática chegou a ser taxada de “gold plating” (banhar a ouro). Não se contestava o custo dos dispêndios realizados pelas empresas. O que se contestava era o custo-benefício daqueles dispêndios. O benefício adicionado pelos investimentos e custos operacionais superava o custo adicional? A resposta a esta pergunta é de difícil quantificação devido à assimetria de informações entre regulador e regulado.
Para superar este problema buscou-se um novo regime regulatório que proporcionasse incentivos para que as empresas reguladas minimizassem os custos de fornecimento: a Regulação pelo Preço.
Regime de tarifa pelo preço ou regulação por incentivos
O regime de Regulação pelo Preço (ou “Price Cap Regulation”, na literatura internacional) é baseado num princípio muito simples: o desacoplamento entre os custos de fornecimento, de um lado, e a tarifa de energia elétrica, de outro lado.
Esse desacoplamento é obtido fixando a tarifa de fornecimento por um prazo preestabelecido, independentemente da progressão dos custos da empresa durante este prazo. Desta forma, a empresa pode capturar ganhos decorrentes da redução de seus custos por um prazo determinado porque, com as tarifas fixas, a redução de custos obtida pela empresa resulta em margens maiores. Este regime também beneficia o consumidor: no final do ciclo tarifário, os ganhos de eficiência são repassados ao consumidor por meio da Revisão Tarifária Periódica, evento em que a tarifa é recalculada.
O novo regime tarifário implica a tolerância de tarifas acima do custo de serviço por um prazo pré-especificado. Estes ganhos servem para incentivar a empresa a empreender esforços e investir em inovações que possam resultar na redução do custo de serviço. Apesar de este regime tarifário permitir tarifas acima do custo do serviço por um período preestabelecido, o regime é benéfico para o consumidor, pois leva a empresa a buscar maior eficiência, reduzindo o custo de serviço ao longo do tempo. Os lucros adicionais incorridos pelas empresas surgem de ganhos de eficiência que, dificilmente, seriam obtidos na ausência da estrutura de incentivos proporcionada pelo regime de Regulação pelo Preço.
Outro benefício do desacoplamento entre a tarifa e os custos ao longo do ciclo tarifário é a alocação dos riscos. O desacoplamento acaba por alocar uma parcela maior do risco ao agente que pode melhor gerir o risco: a distribuidora. Ao fixar a tarifa pelo período tarifário, a empresa passa a ficar exposta a variações nos custos decorrentes de alterações nos custos dos seus insumos e de variações na demanda. Isso faz com que a empresa busque mitigar esses riscos incorporando essas considerações ao seu plano estratégico.
O objetivo principal da Regulação pelo Preço é proporcionar incentivos para que a empresa busque a eficiência, razão pela qual esse regime é comumente descrito como “Regulação por Incentivos”.
Porém, os benefícios do regime de Regulação pelo Preço só podem ser assegurados se houver um arcabouço institucional robusto. É preciso que haja condições que assegurem o cumprimento de contratos de longo prazo. Para isto é importante que haja instituições de Estado fortes, independentes e autônomas. O Brasil fortaleceu suas instituições ao longo das últimas décadas e tem as condições necessárias para colher os frutos da adoção da Regulação pelo Preço.
Um elemento essencial do regime de Regulação pelo Preço implementado em diversos países, e que também foi adotado no Brasil, é a incorporação de um Fator X. A ideia do Fator X consiste em repassar os ganhos de produtividade mínimos que se espera obter ao longo do ciclo tarifário.
Apesar da atratividade conceitual do regime de Regulação pelo Preço, na prática, os governos e reguladores se deparavam com a grande dificuldade de se comprometer a não interferir nas tarifas por longos períodos de tempo. Politicamente, era difícil aprovar um regime regulatório que “restringiria” o poder do regulador de interferir nas tarifas. A adoção do Fator X foi um instrumento adotado para tornar este compromisso de não interferência mais palatável.
Ao exigir que as empresas concessionárias se comprometessem a compartilhar com os consumidores parte dos ganhos de produtividade que se vislumbrava serem possíveis obter ao longo do ciclo tarifário, tornava-se mais fácil aceitar o comprometimento do regulador de não interferência nas tarifas durante o ciclo tarifário.
Neste regime, as tarifas são ajustadas anualmente (Reajustes Tarifários Anuais) pela inflação e descontadas de um ajuste para os ganhos de produtividade a serem repassados ao consumidor por meio do Fator X. Já nas Revisões Tarifárias Periódicas, que ocorrem com periodicidade fixa (geralmente, a cada quatro ou cinco anos), o Fator X é redefinido de forma a repassar aos consumidores os ganhos de produtividade efetivamente conquistados.
Desta forma, a variação das tarifas passa a ser mais gradual, e o tempo para repasse dos ganhos de produtividade conquistados é alongado, proporcionando maiores incentivos para as empresas buscarem minimizar os seus custos.
Conclusões e Recomendações sobre a Política Tarifária
Estamos vivendo a implementação do Terceiro Ciclo de Revisões Tarifárias. Como no ciclo anterior, a Aneel abriu uma audiência pública em 2010 (Audiência Pública no 040/2010) para discutir mudanças metodológicas que seriam adotadas nas revisões tarifárias vindouras.
Os componentes das tarifas que sofreram as maiores alterações metodológicas na proposta foram: os custos operacionais e o Fator X.
Para a definição dos custos operacionais, a proposta foi substituir a definição de custos operacionais com base no modelo de “Empresa de Referência” por um modelo comparativo (benchmarking) utilizando a Análise Envoltória de Dados (“Data Envelopment Analysis” – DEA).
O regime regulatório do setor elétrico brasileiro é um regime resultante de anos de refinamentos. Ele incorpora a experiência e aprendizado acumulado por reguladores, empresas e acadêmicos ao longo de muitas décadas. O regime de Regulação pelo Preço surge da constatação de que o regime regulatório pode ser moldado de forma a proporcionar incentivos para que as empresas internalizem a busca incessante pela eficiência. O regime reconhece que o custo dos incentivos é pequeno em relação aos ganhos de longo prazo resultantes da maior produtividade.
O regime regulatório em vigor já apresenta uma estrutura de incentivos relativamente modesta. Mas, de forma surpreendente, a proposta da Aneel reduziu drasticamente essa estrutura de incentivos. Apesar de seus méritos conceituais, a proposta pecou principalmente nos seguintes quesitos:
•Implementação precipitada;
•Computada a partir de uma base de dados limitada e precária;
•Sem uma adequada avaliação da robustez dos modelos sugeridos; e
•Com um entendimento pouco preciso a respeito da natureza dos ganhos de produtividade na distribuição de energia elétrica.
Em relação ao último item, não ficou clara qual seria a origem dos ganhos de produtividade. Ela seria primordialmente explicada pela “evolução técnica” ou por ganhos de escala? Quais são os determinantes da evolução técnica? O que proporciona ganhos de escala? Entender os fatores que determinam os ganhos de produtividade é essencial para que se possa estruturar o regime regulatório de forma a fomentar a eficiência.
Assim como a busca de ganhos de produtividade, o aprimoramento da regulação tarifária é dispendioso, custoso e arriscado. É uma tarefa que precisa ser realizada com cautela para não perturbar o delicado equilíbrio que a Agência procura manter entre os interesses de todos os agentes envolvidos: consumidores, empresas e governo.
Tais cuidados precisam ser incorporados ao desenvolvimento da metodologia do 4º Ciclo de Revisão Tarifária Periódica que, para o bem de todos, deveria ser iniciado o quanto antes para o devido amadurecimento deste capítulo essencial para a sustentabilidade de longo prazo do setor elétrico.
Rentabilidade do Setor
Toda empresa precisa gerar lucros para sobreviver. Todo empreendedor, quando aplica os seus recursos financeiros em um negócio, espera obter um retorno compatível com o grau de risco envolvido. Na ausência desta expectativa, os empreendedores não teriam incentivos para investir, o que comprometeria o crescimento da economia e o bem-estar futuro da sociedade.
Apesar de ser um componente necessário de qualquer atividade econômica, o tema “rentabilidade” é muito mal compreendido. As discussões sobre a rentabilidade das empresas são frequentemente marcadas por reações passionais arraigadas em preconceitos que, muitas vezes, não são apoiados em fatos.
O quadro comparativo da Tabela 1 apresenta os diferentes componentes de custos considerados em medidas de rentabilidade usualmente utilizadas no setor financeiro.
O melhor indicador de rentabilidade para fins de avaliação da sustentabilidade de uma empresa é o Valor Econômico Agregado (“Economic Value Added”, ou EVA).
O EVA mede a rentabilidade de uma empresa, considerando todos os seus fatores de produção (trabalho, terra e capital), inclusive o custo de oportunidade do capital imobilizado em ativos fixos.
Mensuração da Rentabilidade do Setor Elétrico
Para se obter um indicativo da rentabilidade do setor elétrico brasileiro, uma parceria entre o Instituto Acende Brasil e a Stern Stewart & Co. tem produzido estudos periódicos que computam o EVA® de um conjunto de empresas do setor. O primeiro estudo foi realizado em 2005, o segundo em 2007 e o mais recente em 2010.
Como o setor elétrico é um setor intensivo em capital, a incorporação do custo de oportunidade do capital é absolutamente crucial para a correta mensuração de sua rentabilidade. A experiência da Stern Stewart & Co. somada à padronização do cômputo do EVA® tornam esse indicador o mais apropriado para avaliar a sustentabilidade de longo prazo do setor.
O estudo mais recente da Stern Stewart & Co. em parceira com o Instituto Acende Brasil foi desenvolvido em 2010. O estudo computou o EVA® de uma amostra2 de 22 empresas privadas do setor elétrico brasileiro ao longo dos últimos 12 anos (1998 a 2009).
O cálculo do EVA® é feito com base em dados públicos das demonstrações financeiras das empresas da amostra. A metodologia padronizada da Stern Stewart & Co. é aplicada tanto para os ajustes dos números contábeis quanto para o cálculo do custo de oportunidade do capital.
O custo ponderado do capital das empresas é calculado com base no custo ponderado do capital próprio e de terceiros de empresas compatíveis com as da amostra. A estrutura de capital (proporção entre capital próprio e de terceiros) foi baseada na média ponderada de todas as empresas da amostra ao longo de todo o período analisado.
A definição do custo do capital de terceiros é baseada no custo de captação de debêntures corporativas recentemente emitidas por empresas brasileiras com prazos e características semelhantes ao das empresas do setor elétrico brasileiro. Também se considera, para uma parcela do capital de terceiros, o custo de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O custo do capital próprio é computado utilizando-se o modelo de precificação de ativos financeiros (“Capital Asset Pricing Model”, ou CAPM), tratado na seção “3.2 Modelo de precificação de ativos financeiros”.
Os resultados indicam que o setor sofreu perdas muito elevadas num passado relativamente recente, sendo que a geração de valor econômico ocorreu somente nos últimos três anos da série (2007, 2008 e 2009), período em que o EVA® foi positivo, mas muito próximo a zero.
Assim, apesar de a rentabilidade atual ter atingido nível suficiente para assegurar a sustentabilidade do setor, os ganhos recentes ainda são largamente insuficientes para compensar as perdas bilionárias incorridas no passado.
Conforme indicado pela Figura 1, ao longo de todo o período compreendido entre 1998 e 2006, o EVA® foi negativo. Nesse período, as perdas acumuladas no setor foram de R$ 49,3 bilhões. Corrigindo essas perdas pelo custo de oportunidade do capital em cada ano, as perdas acumuladas hoje somam, aproximadamente, R$ 222 bilhões.
Não é incomum observar curtos períodos de EVA® negativos seguidos de períodos de EVA® positivos em patamares mais elevados. No entanto, o grau de rentabilidade negativa defrontado pelas empresas elétricas no Brasil foi muito grave.
As primeiras perdas foram ocasionadas, principalmente, pela crise cambial. No final da década de 1990, uma parcela significativa do financiamento das empresas era denominada em dólar ou indexada a índices de inflação muito sensíveis à cotação da moeda. Com o abandono do regime cambial de minibandas, no início do ano de 1999, o país sofreu uma grande desvalorização da moeda, que atingiu seu pico em 2002 diante das incertezas relacionadas a mudanças de governo.
Um segundo abalo foi ocasionado pelo racionamento de energia decretado em 2001 e que perdurou até 2002. O racionamento provocou uma queda de receita da ordem de 20% num setor que apresenta uma proporção muito alta de custos fixos, resultando em prejuízos generalizados para as empresas do setor.
Apesar dos abalos, o setor sempre apresentou uma trajetória lenta, porém robusta, de convergência para um EVA® positivo, proporcionando um alento para os investidores de que, quando superados os distúrbios, o setor passaria a proporcionar uma rentabilidade adequada.
Os últimos três anos do estudo mais recente (2007 a 2009) indicam que este patamar foi alcançado. Porém, a perspectiva futura do setor, principalmente para as empresas de distribuição e transmissão de energia, depende crucialmente dos ciclos de revisões tarifárias promovidos pela Aneel.
O EVA® é comparado com os outros indicadores de rentabilidade usualmente empregados pelo setor financeiro. Se um observador casual fosse avaliar o desempenho do setor pelo Lajida (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ou pelo Lajir (lucros antes de juros e Imposto de Renda), ele diria que a rentabilidade do setor elétrico brasileiro foi muito boa.
Aliás, com base no Lajida ou Lajir, o observador casual nem saberia que o setor passou por graves crises no passado.
Com base no lucro líquido, o observador perceberia que houve uma crise em 2002, mas, à exceção daquele ano (e talvez do pequeno prejuízo em 1999), o mesmo observador diria que o setor foi rentável em todos os demais anos.
A grande diferença entre o EVA® e estes outros indicadores de rentabilidade decorre, acima de tudo, do fato de que os demais indicadores de rentabilidade desconsideram o retorno sobre o capital próprio. Como o setor elétrico é intensivo em capital, o hiato entre o EVA® e os demais indicadores se torna muito grande.
Conforme o levantamento da Stern Stewart & Co., o capital empregado pelas 22 empresas que compõem a amostra do setor elétrico somava R$ 80,6 bilhões em 2009.
Assim, apesar de o setor apresentar uma rentabilidade inadequada entre 1998 e 2003, os agentes realizaram grandes aportes de capital ao longo desses anos, gerando um expressivo aumento do capital empregado de R$ 24,8 bilhões para R$ 81,2 bilhões.
Tamanha elevação de capital empregado em apenas cinco anos – período em que a rentabilidade foi inferior ao custo de oportunidade – demonstra que, em atendimento aos compromissos regulatórios, as concessionárias investiram altas somas na expansão da rede e na qualidade dos serviços para os consumidores. O capital empregado manteve-se relativamente estável desde então, porque o excesso de capacidade, resultante da queda permanente no padrão de consumo de energia elétrica, ocasionada pelo racionamento de 2001-2002, reduziu a necessidade de expansão do sistema.
A recuperação da rentabilidade nos últimos anos decorre principalmente da redução do custo de capital (WACC) que, por sua vez, foi ocasionada pela maior disponibilidade de capital no mercado e pela redução dos riscos institucionais. Isto demonstra a importância do respeito às instituições e aos contratos.
A ligeira elevação (cerca de 10% em 1998 e cerca de 12% em 2009) do retorno sobre o capital investido (Roic) também contribuiu para a recuperação do EVA®, mas não tanto quanto a redução do custo de capital.
Conclusões sobre a Rentabilidade do Setor
Para se avaliar a rentabilidade é crucial a adoção de indicadores apropriados. É indispensável que os custos relacionados a todos os insumos empregados na produção sejam considerados, mesmo que estes custos não sejam explícitos.
Uma análise dos indicadores de rentabilidade aponta que a métrica mais adequada para avaliar a sustentabilidade de longo prazo de um setor, especialmente se ele for intensivo em capital, é o Valor Econômico Adicionado, mais conhecido como EVA.
O cálculo de rentabilidade segundo o EVA®, revela que o retorno do setor não tem sido suficiente para remunerar adequadamente todos os custos incorridos. Com exceção dos últimos três anos (2007 a 2009), a rentabilidade do setor elétrico tem sido sistematicamente inferior aos custos totais das empresas.
A perda acumulada entre 1998 e 2006 se traduz em um EVA® negativo de R$ 49,3 bilhões, o que hoje equivaleria a uma perda de R$ 222 bilhões, considerando o custo de oportunidade do capital. Em contraste, o EVA® positivo agregado nos últimos três anos soma R$ 2,6 bilhões, cifra que nem de longe compensa a massiva perda acumulada no período anterior.
Embora o EVA® positivo agregado até o momento não tenha compensado as perdas passadas, o fato de o setor apresentar um EVA® positivo, apesar de pequeno, indica que o setor atingiu um patamar de rentabilidade que equilibra retorno de capital e custo de capital, um indício de que o setor estaria caminhando, finalmente, para a sustentabilidade econômica.
Estas condições de sustentabilidade econômica (expressas pelo EVA® positivo ou ao redor de zero) precisam ser mantidas e devem ser consideradas em todos os exercícios regulatórios e decisões de políticas públicas que afetam a rentabilidade das empresas e a qualidade do serviço no setor.
Governança de Estatais: Despolitização e Meritocracia
Empresas estatais – como bem diz o nome – pertencem ao Estado, e não ao governo, partidos, bancadas ou políticos individuais.
Por causa das paixões que desperta, é sempre desafiador tratar da atuação de empresas estatais sem se deixar influenciar por referências ideológicas. A única forma adequada de abordar o desafio é por meio de constatações factuais e numéricas, a partir das quais se pode construir a base para os testes das hipóteses a respeito da maior ou menor eficiência estatal.
Isso foi feito e o cálculo de um conjunto de indicadores permitiu constatar o baixo desempenho médio das empresas estatais em relação às privadas, tanto em termos econômico-financeiros quanto em termos operacionais3.
Com base nos resultados obtidos, foram mapeadas as causas das diferenças de desempenho entre a atuação estatal e a atuação privada.
Os principais entraves à eficiência das empresas estatais são: 1) objetivo indefinido: estatais tipicamente carecem de foco e seus objetivos são muito amplos, dando margem a múltiplas interpretações, às vezes contraditórias; 2) falta de disciplina orçamentária: por terem como acionista majoritário o governo, estatais tendem a carecer de disciplina orçamentária, pois eventuais déficits serão necessariamente cobertos por aportes governamentais (soft budgets); 3) uso político: as estatais sofrem de interferências políticas, ocasionando descontinuidade nas orientações da empresa de governo a governo; e 4) administração inepta: seus dirigentes são, muitas vezes, nomeados pela sua proximidade e lealdade aos governantes, desconsiderando as qualificações requeridas para o cargo.
Com o diagnóstico acima, fica evidente a necessidade urgente de promover a despolitização na gestão das estatais. Afinal, o baixo desempenho e a ineficiência estatal prejudicam a sociedade como um todo, seja pela elevação dos custos dos bens e serviços, seja pela redução dos rendimentos financeiros (de fundos de previdência, fundos de pensão e aplicações financeiras), seja pelo prejuízo às contas públicas governamentais.
O loteamento político precisa ser atacado com rigor, porque, no melhor dos casos, as indicações políticas sujeitam a gestão das estatais a interferências, visando aos interesses partidários e interesses de curto prazo com vista ao calendário eleitoral. No pior dos casos, resultam em ineficiência, superfaturamento e concessão de benesses a amigos, com prejuízo aos contribuintes e acionistas dessas empresas. Resulta, ainda, no que talvez seja o pior legado do sistema de indicações: a falta de competência dos indicados para os cargos, o que acarreta perdas substanciais para a sociedade na forma de ineficiência.
Os políticos deveriam limitar a sua interferência nas estatais à delimitação de diretrizes a serem perseguidas por elas. Tais diretrizes deveriam ser explicitadas na forma de metas para as quais deve ser dada publicidade com o objetivo de proporcionar transparência. Somente dessa forma pode-se assegurar que as estatais serão geridas de forma a prestar adequadamente o serviço público, sem desvios de finalidade.
O ponto de partida para bloquear o uso político das estatais deve ser o recrutamento profissional dos seus dirigentes, com ampla divulgação para os cargos buscados. Se a ênfase na ocupação dos cargos que definem os destinos das estatais passar a ser meritocrática e concentrada nas qualificações acadêmicas e profissionais dos candidatos, o espaço para o jogo político e de apadrinhamento será drasticamente reduzido.
Se profissionais qualificados tomarem as rédeas das estatais, os políticos passarão a olhar as estatais não mais como uma ferramenta para seus objetivos pessoais e político-eleitorais, mas como patrimônio público que requer profissionalismo e competência.
1.Para mais detalhes, vide Instituto Acende Brasil (2011). Tarifas de Energia e os Benefícios da Regulação por Incentivos. White Paper 3, São Paulo, 24 p.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional