Sobre o Conceito de Interesse Nacional
Assistimos a uma reconfiguração dos paradigmas políticos e econômicos que ditaram as relações políticas durante grande parte do século XX. Nesse contexto, o Brasil consolida sua posição no mundo, lastreada na estabilidade política e econômica conquistada na história recente. As atuais circunstâncias, bem como as políticas adotadas para aproveitá-las, permitiram ao país maior projeção internacional.
Esse processo implica novos desafios, com as novas responsabilidades que teremos que assumir progressivamente. Implica, ainda, a necessidade de planejamento estratégico e de flexibilidade para sua adaptação a cenários em permanente mudança.
O reposicionamento internacional do Brasil determina também novas posturas no campo da Defesa. Novos padrões de inserção internacional na área de Defesa dependem, porém, de nova postura da sociedade nacional. Faz-se necessário trazer as questões de Defesa de volta à agenda nacional, com a reversão da situação vigente desde o término do regime militar.
Nas últimas décadas, tais questões foram relegadas exclusivamente ao setor militar. O Poder Civil, que sucedeu ao regime militar, identificava, em seu imaginário, os temas de Defesa com repressão política. O tema, por isso, foi marginalizado durante os trabalhos da Assembleia Constituinte (1987–1988). As lideranças emergentes não queriam tocar em nada que pudesse vinculá-las ao regime anterior – nada que pudesse identificá-las com o “entulho autoritário”.
Ao retraimento do poder civil correspondeu a reação esperada no meio militar: os militares chamaram a si a tarefa de formular a política de Defesa. Como consequência necessária, os temas de Defesa saíram da agenda nacional. Executivo e Legislativo passaram a vê-los como exclusiva agenda militar A perda de capacidade de investimento de- vido à crise fiscal que atingiu o país a partir da década de 1980 agravou a situação. Escassearam os recursos destinados à Defesa. A dificuldade de atender às necessidades provocou perda de capacidade operacional das Forças. Chegou-se ao ponto de fazer-se necessária a redução da permanência dos recrutas nos quartéis, pois não havia recursos para alimentar os contingentes. No meio acadêmico, desenvolveu-se pro- cesso semelhante. Houve distanciamento. São poucos os estudiosos que se vincularam aos te- mas de Defesa. Há mesmo pesquisadores que foram questionados – por seus colegas – sobre as suas motivações ao orientarem-se para assuntos militares. Em outros países, tais temas são objeto de profundo interesse intelectual. Há abundante produção, em instituições civis, de estudos na área. O intercâmbio entre civis e militares dá ao Estado melhores condições de
decisão e à sociedade maior controle.
Com o objetivo de corrigir tais distorções, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou, por decreto de 6 de setembro de 2007, o comitê para formulação de um Plano Estratégico Nacional de Defesa, presidido pelo ministro da Defesa e coordenado pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos.
Integram o comitê o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, o ministro da Fazenda, o ministro da Ciência e Tecnologia e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, assessorados estes por seus res- pectivos estados-maiores. O relatório com as diretrizes gerais será entregue ao Presidente no dia 7 de setembro de 2008.
A elaboração do plano
Trata-se de um projeto ambicioso, focado em ações de médio e longo prazo. Pretende-se restaurar a estrutura nacional de Defesa. Cons- titui objetivo relevante a inserção das questões de Defesa na agenda nacional.
O trabalho divide os estudos em três gran- des áreas temáticas:
⦁ a reorganização das Forças Armadas, in- cluindo o apropriado aparelhamento;
⦁ a reorganização da indústria nacional de Defesa, com ênfase na capacitação nacio- nal, na autonomia tecnológica e em sua sus- tentabilidade; e
⦁ o futuro do Serviço Militar obrigatório e do sistema de Mobilização Nacional.
A elaboração do plano tem dois pressupos- tos fundamentais.
O primeiro é a divisão de competências en- tre civis e militares na área de Defesa:
⦁ ao poder civil cabe a definição das hipóteses de emprego dos meios militares;
⦁ às Forças Armadas cabe definir as proba- bilidades estratégicas para as hipóteses de emprego (preparação para o uso das Forças e condução desse uso).
O segundo consiste na manutenção da op- ção do Brasil pela dissuasão como estratégia de Defesa.
Da história do século xx vem a lição de que toda a sociedade arca com os custos, os sa- crifícios e o sofrimento da guerra. Compete à sociedade – por intermédio das instâncias de- liberativas do sistema democrático de governo e também pela participação direta nos debates
⦁ definir o que se espera de seus militares e pro- ver-lhes os meios para as tarefas que lhes são atribuídas. Entre esses meios, ressalte-se, deve estar a melhor tecnologia disponível. Daí par- tirem os estudos de uma questão central:
O que quer o Brasil de suas Forças Armadas?
O comitê designado pelo Presidente da República busca a resposta a essa indagação.
As Forças vêm contribuindo para o es- clarecimento da questão central. Fornecem elementos de sua experiência histórica e conhe- cimentos específicos únicos. Importante papel terá o debate com os representantes eleitos do povo e as discussões abertas com a sociedade
⦁ seminários e congressos acadêmicos.
Ao final dessa primeira etapa, estarão dispo- níveis os elementos necessários à decisão pelo Presidente e pelo Congresso Nacional. Somente então se poderá passar à efetiva reorganização das Forças, com o seu conseqüente aparelhamen- to, o que não elide decisões intercorrentes.
O diálogo com as Forças baseia-se na for- mulação de um conjunto de questões, aplicável a cada uma das hipóteses de emprego apresen- tadas pelo comitê.
A lista, não exaustiva, considera as contri- buições dos militares e contempla circunstân- cias de paz e de guerra:
⦁ monitoramento das fronteiras, do litoral e do território, incluindo espaço aéreo, em cir- cunstâncias de paz;
⦁ penetração das fronteiras ou abordagem do litoral:
⦁ Pode chegar a 4,5 milhões de quilômetros qua- drados em decorrência do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira.
área onde se acumulam as reservas nacionais de petróleo e por onde trafega grande parcela do comércio do Brasil com o mundo.
Com cada Força discutem-se as necessi- dades específicas à execução de sua parcela no monitoramento do território. Coordenam-se, ainda, as necessidades das três Forças, para seu emprego combinado.
Das respostas à primeira indagação espe- cífica e dos debates subseqüentes poder-se-á encontrar a organização mais adequada para as Forças Armadas brasileiras.
Reorganização e reaparelhamento das Forças
A questão sobre a necessidade de mudanças no perfil e na organização de cada For-
ça deve ser entendida da maneira mais ampla possível: da alocação dos efetivos pelo território nacional aos padrões de instrução da tropa.
Com o deslocamento, para as regiões Norte e Centro-Oeste, dos vetores de possíveis ame- aças, que não se identificam de forma alguma com os países fronteiriços, um ponto de ques- tionamento é o aquartelamento, hoje majori- tariamente junto ao litoral.
O deslocamento do monitoramento para as fronteiras Norte e Oeste põe em questão o posicionamento das tropas do Exército, hoje majoritariamente a leste.
A avaliação de várias alternativas se impõe:
⦁ manter tal estrutura, ou
⦁ deslocar contingentes para outras regiões, ou
⦁ investir na mobilidade.
A última alternativa (3) substitui o paradig- ma “estar presente” por “poder estar presente”. Em vez de termos tropas em cada ponto, o país investiria em unidades de alta mobilidade e po- der de fogo que poderiam deslocar-se, com ra- pidez, para qualquer área do território.
Todas as alternativas estão na mesa, poden- do-se, inclusive, não adotar qualquer delas e, sim, uma combinação de todas.
Ressalte-se, ainda, que se discutem novos modelos com cada uma das Forças Singulares. Se, por, um lado, pode ser necessário reava- liar a distribuição das unidades do Exército, pode-se, por outro, debater quão adequada se mostra a concentração dos meios militares em centros urbanos.
Deve-se examinar também a revisão, ou não, dos atuais padrões de instrução. Nos conflitos recentes, há casos de forças superiores em to- dos os quesitos encontrarem dificuldades ao enfrentar exércitos que não dispõem de meios militares equivalentes. O mesmo se diga do combate a organizações não-estatais – estas, por vezes, com ramificações no crime organi- zado. Cabe indagar se o soldado brasileiro está sendo preparado para lidar com este tipo de conflito, tanto integrando a força com dotação de melhores meios quanto atuando como com- batente de resistência.
A organização de cada Força Singular não pode levar em conta apenas as possibilidades de conflito convencional.
Em seguida, emerge a questão doutrinária: com a reorganização, necessário se faz rever, ou não, as práticas operacionais, com a intensifica- ção da interoperabilidade das Forças.
Resolvidas essas questões, surge, então, o problema dos equipamentos. Assim, a Estratégia Nacional de Defesa não se restringe a retomar o discurso do reaparelha- mento das Forças Armadas.
O próprio termo “reaparelhamento” mostra- se inadequado. Não se pretende a simples re- posição da capacidade perdida, ou seja, trazer o passado para o presente. A avaliação das neces- sidades e a construção de novas capacidades se relacionam com os desafios que se vislumbram nos cenários futuros. Tal procedimento altera a lógica que preside, hoje, a discussão sobre aqui- sição de equipamentos.
A nova avaliação de necessidades faz com que o equipamento deixe de ser um objetivo em si mesmo, e passe a ser uma ferramenta ade- quada a um objetivo. Identificam-se as tarefas a serem desempenhadas e, em seguida, os meios necessários ao seu cumprimento. Com isso, inaugura-se também a possibilidade de adoção dos mesmos sistemas nas três Forças.
É possível perceber o impacto de tal mudança no caso da aquisição de novos caças para a Força Aérea Brasileira. Em discussão há al- guns anos, a opção em pauta era basicamente uma: adquirir, com base nos critérios definidos pela fab, o modelo mais moderno possível, para que ficasse em serviço por um prazo relativa- mente longo.
Foram avaliados os modelos da chamada quarta geração e a concorrência internacional estava na fase final. Foi ela interrompida. Caso se mantenha a opção pela compra de aeronaves de quarta geração, deve-se incluir a capacitação da indústria nacional no conteúdo tecnológico da plataforma.
A interrupção do processo licitatório firmou a percepção de que não há decisão tomada: to- das as propostas continuam na mesa.
A reavaliação das hipóteses de emprego abre novas possibilidades não contempladas pela sis- temática anterior.
Sendo o monitoramento do território a tarefa principal, cabe questionar a prioridade da aquisição de novos caças em relação aos demais equipamentos e sistemas necessários. Uma das opções que agora se apresentam é o adiamento da compra, direcionando os recursos para outras quatro iniciativas, todas estreitamente vinculadas ao monitoramento do território brasileiro.
A primeira iniciativa seria a modernização máxima dos aviões já existentes, buscando-se a modernização dos sistemas de armas, até o limite da estrutura física dos atuais aviões.
A segunda seria ampliar os investimentos nos projetos brasileiros para desenvolvimen to dos veículos aéreos não-tripulados (vanTs), tanto voltados para a vigilância quanto para o combate. Observe-se que o uso dos vants pode trazer inovações profundas também nas práti- cas operacionais das outras Forças.
A terceira iniciativa possível seria a busca de um parceiro internacional que domine as tec- nologias envolvidas para o desenvolvimento de um caça de quinta geração. Esta última teria a desvantagem de retardar a disponibilização de aeronaves de última geração para a fab, mas apressaria o processo de aquisição de tecnolo- gias avançadas nesse segmento.
A quarta iniciativa seria o investimento maciço na formação de recursos humanos em tecnologias avançadas, em especial as neces- sárias para um conflito no espaço cibernético (cyberspace).
Ressalte-se que não se discute qual a solução mais barata, discute-se, isto sim, eficiência no cumprimento das tarefas.
O mesmo se aplica às demais Forças. Na Marinha, por exemplo, aplica-se aos debates sobre o papel de submarinos e navios de super- fície na Defesa Nacional. Optando-se por dar maior peso ao emprego de um ou outro tipo de embarcação, a Marinha precisará investir nos sistemas de comunicação e vigilância, inclusive recorrendo ao apoio de satélites de comunica- ções e de vigilância.
Observe-se o dilema que se põe quanto à Marinha.
Tem a Marinha três grandes funções:
⦁ monitoramento das águas;
⦁ negação do uso do mar;
⦁ projeção de poder.
Como desenvolver essas funções? Devemos desenvolvê-las de forma igual ou deveremos optar por um desenvolvimento desigual, mas combinado? Se optarmos pelo desenvolvimen- to igual, corre-se o risco de sermos medíocres em todas elas. Se devemos optar pelo desen- volvimento desigual, mas combinado, a fun- ção prioritária deverá ser o monitoramento ou a negação do uso do mar ou, ainda, a projeção de poder? A questão é relevante e as opções estão na mesa.
Reorganização da Indústria de Defesa
A segunda grande área temática na elaboração do Plano é a reorganização da indústria de Defesa. Importante, nesse aspecto, é o tipo de indústria de Defesa que o país deseja e precisa. O Brasil não pode mais aceitar a condição de, na melhor das hipóteses, produzir, sob licença, material desenvolvido em outros países.
O domínio da tecnologia é um objetivo consistente com a manutenção da capacida- de dissuasória. A capacitação tecnológica na- cional constitui requisito para a aquisição de equipamentos.
Observe-se, porém, que a intenção não é excluir para sempre uma trajetória de aquisi- ção de equipamentos e de tecnologias alheias. Nesse primeiro momento, não se pode consi- derar a hipótese de investir recursos e tempo no desenvolvimento de tecnologias já disponíveis no mercado internacional.
Por outro lado, o país precisa absorver tais tecnologias e firmar sua capacidade de – com base nelas, de forma autóctone ou mesmo em cooperação com outros países – atender às suas demandas na área.
Embora a ação estatal seja imprescindível à sobrevivência da indústria de Defesa, o setor privado tem importante papel a desempenhar. As possibilidades de derivação das tecnologias de uso militar para o emprego civil tornam im- portante a participação do setor privado. Mui- tas tecnologias atualmente aplicadas na aviação comercial e executiva, por exemplo, vêm do de- senvolvimento de aeronaves militares.
A interação entre institutos governamen- tais e privados, militares e civis, já existe. Os institutos militares desenvolvem, sozinhos ou em parcerias com instituições de pesquisa pú- blicas e de empresas privadas, projetos de ar- mamentos e equipamentos diversos (materiais defletores de radar, radares, mísseis, sistemas para vanTs etc.).
No entanto, as iniciativas nem sempre con- seguem os resultados desejados, seja pela falta de
uma moldura institucional para dar forma à coo- peração, seja devido às incertezas orçamentárias, seja pelo distanciamento entre os atores.
Quanto às ações das instituições militares, ressalte-se que, entre as questões apresentadas a cada Força Singular, indaga-se quais as ini- ciativas previstas para o desenvolvimento das tecnologias necessárias. Há, também, a preo- cupação com a integração dos esforços das três Forças nessa área.
Os problemas na destinação de verbas pú- blicas ao setor de Defesa prejudicaram o uso das compras governamentais como instrumen- to de estímulo à capacitação da indústria na- cional. Muitas das empresas que conseguiram ocupar nichos no mercado o fizeram graças a exportações, tendo em vista que as encomendas internas não garantiam suporte para a continui- dade de suas atividades.
Pelo Plano Estratégico Nacional de Defesa, o governo brasileiro deverá ter papel ativo nesse processo de consolidação da indústria nacional de Defesa. Poder-se-á definir procedimentos especiais de compras públicas para privilegiar o fornecedor nacional comprometido com pro- gramas de modernização tecnológica.
Poderão ser criados, até mesmo, instru- mentos de participação governamental direta na gestão das empresas estratégicas do setor, como ações especiais do tipo Golden Share.
O Serviço Militar
Discutidas a estrutura das Forças e a indús- tria de Defesa, resta ainda a questão do
serviço militar obrigatório.
Durante a maior parte do século xx, as For- ças Armadas foram um nivelador republica- no. Constituíram um espaço de oportunidades iguais para todos, onde se reproduzia um mi- crocosmo da sociedade brasileira, tanto do pon- to de vista social quanto geográfico.
Esse quadro mudou nos últimos tempos. Hoje, cerca de 95% dos recrutas são, de fato, voluntários. Só temos convocação obrigatória em circunstâncias específicas nas quais, entre os jovens voluntários, não se encontram alguns dos perfis necessários ao preenchimento dos requisitos técnicos das Forças.
Na prática, o serviço militar está-se tornan- do voluntário e perde a característica de espelho da sociedade. Percebem-se duas possibilidades para lidar com esse tema. Uma, aprofundar o processo que vem ocorrendo espontaneamente e tornar voluntário o serviço militar. A outra é a manutenção da obrigatoriedade, que pode, no entanto, tomar diversos rumos.
Se a opção for a obrigatoriedade, deve-se estudar o aproveitamento da estrutura existente e da experiência com o programa Soldado Ci- dadão (formação profissional para os recrutas) para aperfeiçoar a educação dos efetivos incor- porados a cada ano, principalmente nas áreas técnicas e científicas.
Outra possibilidade a ser discutida é o res- tabelecimento da efetiva obrigatoriedade. De aproximadamente 1,5 milhão de jovens que se apresentam anualmente, apenas 600 mil entram em um processo de seleção, e cerca de 70 a 80 mil são aproveitados. Apenas cerca de 5% dos alista- dos são incorporados às Forças, e o Ministério da Defesa tem apenas referendado a auto-seleção. É fundamental reavaliar os critérios para a seleção dos recrutas. Poder-se-ia verificar, por exemplo, a viabilidade de levar em conta, além do perfil funcional adequado às necessidades das Forças e da capacidade física e intelectual dos jo- vens, critério que visasse à obtenção, na tropa, da mesma heterogeneidade presente na sociedade. É necessário, ainda, retomar as discussões so- bre a regulamentação do serviço social obrigató- rio, do qual faria parte a qualificação do jovem para integrar-se ao esforço nacional em caso de mobilização, compondo uma reserva civil a ser empregada em situações de emergência.
Conselho Sul-Americano de Defesa
Dada a situação do Brasil no cenário inter- nacional, que necessariamente implica ações também no campo da Defesa, vem ama- durecendo a idéia de criar, com todos os países do continente, um Conselho Sul-Americano de Defesa. Proposta brasileira nesse sentido foi apresentada na Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo da Unasul, em 23 de maio.
O governo brasileiro sugere que os países da região tenham um foro dedicado à análi- se e discussão dos temas de Defesa. Tal foro contribuiria para permitir consolidar o continente como zona de paz e cooperação, livre de conflitos, no momento em que a região ganha protagonismo no mundo.
A afirmação da identidade sul-americana é um dos objetivos da Unasul e o Brasil realça a conveniência de que tal afirmação se dê, tam- bém, no campo da Defesa.
As atribuições específicas do conselho estão em discussão e serão definidas por consenso entre as partes.
Entre as possíveis atribuições, destacam-se a implementação de medidas de fomento da confiança e da transparência e a coordenação de posições nos foros multilaterais sobre o tema. Tais medidas poderiam incluir, por exemplo, a discussão das políticas de Defesa de cada país, a elaboração de “livros brancos” e a integração das bases industriais de Defesa.
A indústria de Defesa demanda investi- mentos significativos que só se justificam pela existência de uma demanda adequada. Em face disso, caberia estudar a estruturação de cadeias de produção de material de defesa na região. Poder-se-ia aproveitar as possibilidades de cada país, gerando ganhos de escala que justificariam elevados investimentos.
A região ganharia, também, pela capacitação em tecnologias avançadas, com efeitos positivos em toda a estrutura produtiva de cada país.
A possibilidade de integração das indústrias
A expansão de ações como essa aumentaria a autonomia da região no suprimento de seus equipamentos de defesa ou de uso dual.
Quaisquer que sejam as atribuições dadas ao conselho, a proposta brasileira é de que este se constitua em foro de discussões, não se preten- dendo que suas decisões vinculem as partes.
Nos fóruns multilaterais sobre Defesa2, o conselho poderia coordenar, previamente, as posições da região, o que lhe daria maior ex- pressão.
A proposta brasileira não prevê a criação de exércitos comuns ou de Forças Conjuntas de caráter permanente, tendo em vista a ine- xistência de ameaças comuns. Não se trata de uma aliança militar clássica.
Para o Brasil, a própria participação conjunta em Operações de Manutenção da Paz das Na- ções Unidas não implica a criação de estruturas militares permanentes com esse objetivo. O con- selho poderia tornar-se uma instância de agrega- ção dos esforços existentes, de modo a organizar o que vem sendo feito em contatos bilaterais en- tre os países envolvidos e entre eles e a Onu.
Algumas medidas que poderiam ser utili- zadas pelo conselho são interações já existentes entre as Forças Armadas dos países da região. A cooperação para formação e treinamento de pessoal militar, por exemplo, é tradicional na região. As escolas militares brasileiras são, cada ano, freqüentadas por dezenas de oficiais de países vizinhos. Ao retornarem a seus países, esses militares contribuem para as boas rela- ções regionais.
Esse intercâmbio, no entanto, é promovido isoladamente pelas Forças Armadas sul-america- nas, quando deveria configurar-se como política dos Estados. Elevar tais iniciativas a esse patamar poderia ser uma atribuição do conselho.
Na base do conselho estariam os próprios princípios e valores compartilhados pelos países de Defesa é real, mesmo em áreas intensivas em capital e tecnologia. Alguns componentes da fuselagem das aeronaves da Embraer, por exem- plo, são produzidos no Chile (EnaER).
⦁ Junta Interamericana de Defesa (jID), Comis- são de Segurança Hemisférica da OEa, Conferência de Ministros de Defesa das Américas etc. da região, entre eles a não-intervenção em assun- tos internos e o respeito à soberania, à autodeter- minação e à integridade territorial dos Estados. Ademais, considera-se fundamental que, em suas atividades, o conselho leve em conta as condicionantes geopolíticas da região, como as relacionadas com as sub-regiões conforma- das pela geografia. Deve-se ter em mente, por exemplo, as vertentes Platina, Amazônica e Andina, bem como a existência de sub-regiões voltadas para os oceanos Atlântico e Pacífico e para o mar do Caribe.
A Defesa na Agenda Nacional
A elaboração de um Plano Estratégico de Defesa Nacional busca evitar a repetição
do erro de permitir que a urgência na solução de problemas leve à opção por medidas de rápido impacto que, no longo prazo, possam mostrar- se inadequadas.
O mais importante nesse processo, no entanto, é que se consiga recolocar as questões de defesa na agenda nacional. Não se trata apenas de mobilizar o governo, mas também de reinserir o tema no cotidiano da sociedade.
Os trabalhos em andamento demonstram que isso é possível. O diálogo entre civis e militares sobre as questões de defesa tem sido franco e aberto, fundado na mais absoluta transparência e no pressuposto de que todos os assuntos são passíveis de discussão. Parlamentares, empresários, acadêmicos, militares, políticos da base do governo e da oposição, todos esses grupos têm participado e participarão ativamente dos debates para a definição do que o Brasil quer de suas Forças Armadas.
O sucesso obtido até o momento permite entrever a efetiva viabilidade de garantir ao Estado brasileiro os meios adequados para a Defesa Nacional, com a participação e em benefício de toda a sociedade. Temos que pensar grande.
Foi ministro da Justiça e da Defesa, presidente do sTf e presidente do Conselho Nacional de Justiça.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional