Uma abordagem sustentável para o desenvolvimento da Amazônia
O Brasil, com suas dimensões continentais e uma das mais ricas biodiversidades do planeta, assume papel geopolítico significativo nas articulações internacionais, especialmente nas negociações climáticas e ambientais. O país busca ser ativo no esforço global para implementar políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, promovendo um modelo de transformação ecológica e neoindustrialização com ênfase na transição energética, descarbonização e bioeconomia. Este modelo visa equilibrar a preservação dos biomas brasileiros, com objetivos de crescimento econômico e inclusão social, um desafio constante para as políticas de desenvolvimento da Amazônia nas últimas décadas.
Ao estabelecer diversas políticas e estratégias para o uso e a conservação da biodiversidade amazônica, o Brasil também lança um olhar, do ponto de vista da geopolítica, sobre a sua integridade nacional e a soberania do território que contém uma das maiores biodiversidades do planeta.
A Amazônia desempenha papel crucial na conservação das florestas, na regulação climática e na prestação de serviços ambientais, sendo central nos debates sobre segurança, clima, energia, biodiversidade e desenvolvimento sustentável (da Silva, 2023). Nesse contexto, a bioeconomia tem ganhado importância no Brasil, consolidando-se como base para políticas públicas inovadoras voltadas ao desenvolvimento sustentável (Fernandes et al., 2021). Desde 2016, a bioeconomia é um tema prioritário em diversas agendas públicas brasileiras, sendo um dos doze temas estratégicos da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI).
Discutir a bioeconomia como motor do desenvolvimento sustentável da Amazônia implica considerar uma transição econômica para a região. Isso exige uma reflexão profunda sobre o que deve ser mantido, transformado e inovado (Kholman; Ferreira, 2020). Além disso, é essencial uma visão política para viabilizar projetos econômicos (Portela; Santos, 2022) e políticas públicas robustas. A agenda de desenvolvimento sustentável da Amazônia depende fundamentalmente de soluções baseadas em ciência que respondam às necessidades do processo de neoindustrialização da economia brasileira (Pereira, 2024). Isso requer sinergia entre conservação ambiental, inovação tecnológica e inclusão social, promovendo um modelo econômico sustentável e competitivo.
As políticas públicas voltadas para a bioeconomia no Brasil começaram a ser formuladas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, com o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Bioeconomia (PACTI Bioeconomia), em 2016, mas suas bases foram estabelecidas na década de 1990. Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) foi um marco que influenciou profundamente as políticas futuras voltadas para a Amazônia. Nos anos 2000, a geógrafa Bertha Becker (2005) destacou a Amazônia como um pilar da soberania nacional, enfatizando a importância não somente do controle territorial, mas também da capacidade de decidir sobre o uso e a conservação dos recursos naturais. Becker vislumbrou uma bioeconomia que integrasse a conservação ambiental, a inovação tecnológica e o conhecimento tradicional das populações locais.
No início da década de 2010, a criação do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), colocou a Amazônia no centro do debate sobre gestão ambiental e uso sustentável das florestas. O BNDES destina recursos do Fundo Amazônia, através do programa Floresta Viva, para apoiar projetos de bioeconomia florestal na região amazônica. Desde 2018, estão em andamento programas como o PACTI Bioeconomia, coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); a Estratégia Nacional de Bioeconomia e Desenvolvimento Regional Sustentável (BioRegio), do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR); e o Bioeconomia Brasil – Sociobiodiversidade, do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
Esses programas adotam conceitos e estratégias distintas, mas complementares, para promover o desenvolvimento sustentável.
Cada programa adapta o conceito de bioeconomia às suas metas específicas: o PACTI foca na inovação científica e tecnológica, a BioRegio promove o desenvolvimento regional sustentável, e o Bioeconomia Brasil valoriza a sociobiodiversidade e a inclusão das comunidades tradicionais. Recentemente, o G20 — grupo do qual o Brasil assumiu a presidência em 2023 — destacou a bioeconomia como uma de suas iniciativas-chave, alinhando-se a eixos temáticos de biotecnologia, biorecursos e bioecologia.
É importante promover diálogos regionais para uma ação coordenada e articular esses planos e estratégias com outras iniciativas recentes, como o Plano de Transformação Ecológica, coordenado pelo Ministério da Fazenda; e o Plano para a Neoindustrialização (Nova Indústria Brasil), coordenado pelo MDIC (Pansera; Peregrino, 2024).
Esses compromissos destacam a importância de desenvolver uma política nacional de bioeconomia adaptada às realidades regionais, orientando a transição para um modelo econômico mais sustentável e inclusivo.
Desafios e Perspectivas para uma Política Nacional de Bioeconomia
A construção da Política e do Plano Nacional de Bioeconomia enfrenta desafios consideráveis devido à diversidade de conceitos e iniciativas ministeriais. Além disso, o Congresso analisa o Projeto de Lei nº 1855/2022, que propõe a Política Nacional para o Desenvolvimento da Economia da Biodiversidade (PNDEB), e o Projeto de Lei Complementar (PLP) 150/22, que visa instituir uma política nacional para a bioeconomia.
Os elementos considerados relevantes para o desenvolvimento da bioeconomia estão colocados na recém-criada Estratégia Nacional de Bioeconomia, lançada em junho de 2024 pelo presidente Lula, que orienta a transição para um modelo econômico sustentável. A estratégia promoverá a cooperação entre os entes públicos, organizações da sociedade civil e entidades privadas para incentivar negócios sustentáveis, como foco no uso sustentável e na valorização da biodiversidade; descarbonização dos processos produtivos; promoção da bioindustrialização; e estímulo à agricultura regenerativa.
Na região amazônica, a bioeconomia tem o potencial de impulsionar uma série de setores e atividades econômicas, ao mesmo tempo que conserva a floresta e promove o bem-estar das comunidades locais. Partindo desse princípio, buscamos apontar algumas sugestões e possibilidades de desenho estratégico para uma política nacional de bioeconomia:
• Conhecimento Tradicional e Inovação: a bioeconomia para a Amazônia reconhece e valoriza o conhecimento tradicional das comunidades indígenas e locais sobre o uso sustentável dos recursos naturais. Ao mesmo tempo, promove a inovação e a pesquisa científica para desenvolver novas tecnologias e soluções que beneficiem tanto as comunidades locais quanto o meio ambiente;
• Economia da Sociobiodiversidade: é um modelo econômico que valoriza tanto a diversidade biológica quanto a cultural das comunidades locais. Ela reconhece que as interações entre as pessoas e os ecossistemas em que vivem são fundamentais para o desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, a economia da sociobiodiversidade promove a inclusão social, a participação comunitária e o desenvolvimento de cadeias produtivas que respeitem o meio ambiente e as culturas locais. Além disso, a economia da sociobiodiversidade busca promover o comércio justo e solidário, garantindo que os produtores locais recebam uma remuneração justa por seu trabalho e contribuição para a conservação dos recursos naturais;
• Conservação Ambiental e Manejo Sustentável dos Recursos Naturais: envolve o estabelecimento de áreas protegidas, reservas extrativistas e outras formas de gestão participativa dos recursos, garantindo que sua utilização seja compatível com a preservação dos ecossistemas e da biodiversidade;
• Inclusão Social e Participação Comunitária: uma das principais premissas de uma bioeconomia inclusiva é a inclusão das comunidades locais no processo de tomada de decisões e na gestão dos recursos naturais. Isso envolve o fortalecimento das organizações comunitárias e o empoderamento das populações tradicionais;
• Desenvolvimento de Cadeias Produtivas Sustentáveis: a economia da sociobiodiversidade promove o desenvolvimento de cadeias produtivas que valorizam os produtos e serviços gerados pela biodiversidade e pelas práticas culturais das comunidades locais. Isso inclui a produção de alimentos, medicamentos, artesanato, turismo sustentável, entre outros;
• Valorização de Produtos Locais: a bioeconomia pode estimular a produção e a comercialização de produtos de maior valor agregado, como óleos essenciais, produtos fitoterápicos, alimentos orgânicos e cosméticos naturais. Isso promove a diversificação econômica, aumentando a variedade de produtos que os municípios podem oferecer e, consequentemente, elevando o ICE;
• Inovação Tecnológica: a exploração sustentável da biodiversidade amazônica requer pesquisa, desenvolvimento e inovação, impulsionando setores como biotecnologia e farmacêutico. Essas atividades são caracterizadas por uma alta sofisticação tecnológica e complexidade produtiva, e devem estar na agenda das agências de fomento brasileiras, como a Finep;
• Desenvolvimento de Infraestrutura: para suportar a bioeconomia, é necessário desenvolver infraestrutura adequada, como laboratórios de pesquisa, centros de processamento e redes de transporte eficientes. Melhores infraestruturas facilitam o desenvolvimento de cadeias de valor mais complexas;
• Governança: estabelecer órgãos colegiados, secretaria executiva e comissões temáticas para definir diretrizes estratégicas, coordenar políticas e promover a articulação interministerial e interinstitucional. Um núcleo executivo deve ser estabelecido para coordenar ações, monitorar o progresso e facilitar a implementação das políticas, assim como grupos especializados em áreas específicas da bioeconomia para fornecer insights técnicos e promover a implementação de iniciativas específicas.
O desenvolvimento de uma política de bioeconomia tem um papel importante na afirmação da soberania nacional, pois permite ao Brasil exercer controle estratégico sobre o território e a biodiversidade, enquanto promove um desenvolvimento sustentável. Através da valorização do conhecimento tradicional e da inovação tecnológica, a bioeconomia pode transformar a Amazônia em um modelo de conservação ambiental e crescimento econômico. Ao integrar as comunidades tradicionais na gestão dos recursos e garantir a justa repartição dos benefícios, a bioeconomia fortalece a soberania do Brasil sobre a Amazônia, assegurando que seu desenvolvimento atenda tanto aos interesses nacionais quanto às necessidades locais e globais de sustentabilidade. Desta forma, a bioeconomia na Amazônia reafirma o papel do Brasil como líder mundial na promoção de um futuro sustentável.
Referências Bibliográficas
BECKER, B. Geopolítica da Amazônia. Estudos avançados, v.19, n. 53, p. 71-86, 2005.
SILVA, P. da. Desafios e oportunidades para a Amazônia. Revista brasileira de estudos ambientais, v. 28, n.3, p. 45-67, 2023.
FERNANDES, R. et al. Políticas de desenvolvimento na Amazônia. Desenvolvimento e meio ambiente, v. 56, n.2, p. 112-129, 2021.
KHOLMAN, M.; FERREIRA, J. Transição econômica e bioeconomia na Amazônia. Economia verde, v. 22 n. 4, p. 211-230, 2020.
PANSERA, C.; PEREGRINO, F. (Org.). A Finep e a neoindustrialização – Uma contribuição à 5ª CNCTI. São Paulo: Expressão Popular, 2024.
PEREIRA, A. Neoindustrialização e bioeconomia no Brasil. Estudos de economia sustentável, v. 30, n. 1, p. 85-102, 2024.
PORTELA, L.; SANTOS, V. Visão política para a bioeconomia amazônica. Políticas públicas e sustentabilidade, v. 14, n. 3, p. 233-250, 2022.
é presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE). Formado em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação entre 2015 e 2016
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