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Interesse Nacional
04 julho 2018

Uma Proposta Suprapartidária de Estratégia para a Educação Básica Brasileira e Prioridades para 2019-2022

O Brasil vive hoje um momento instável e de grandes obstáculos políticos, econômicos e sociais. Os governos eleitos em 2018, tanto em âmbito nacional quanto estadual, terão a responsabilidade de promover mudanças estruturantes no País, de modo a assegurar que o processo de retomada econômica e de melhoria do quadro social atualmente instalado se dê de maneira consistente e duradoura. Neste cenário, é fundamental que a educação básica ganhe prioridade na agenda política brasileira, uma vez que não há país social e economicamente desenvolvido sem educação de qualidade.


  1. O papel da Educação como pilar de desenvolvimento do País

Para o Brasil de fato avançar rumo a um País melhor para todos os seus cidadãos, é condição necessária garantir o crescimento econômico sustentável e a contínua redução da pobreza e das desigualdades sociais que o afligem. E conforme as pesquisas indicam e diversos exemplos comprovam, não será possível fazer isso sem educação básica de qualidade para todos.

Antes de tudo, a educação é um direito individual de todos, assegurado na Constituição Federal, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”[1]. Muito mais do que mera instrução, é a educação que, em última instância, garante aos indivíduos sua plena liberdade, permitindo que cada cidadão atinja sua total potencialidade para alcançar seus objetivos de vida, sejam eles quais forem. Além disso, pesquisas comprovam que a educação aumenta a produtividade dos indivíduos[2], permitindo um maior leque de opções no mercado de trabalho e melhores condições ao longo de toda a vida.
É preciso compreender também que os ganhos de uma boa educação não são apenas individuais e um fim em si só. A educação é aspecto fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade. E, por mais que a compreensão e a mensuração de seus efeitos no progresso de uma nação ainda sejam limitadas, já há consensos importantes.
Um deles refere-se ao impacto da educação no crescimento econômico. Há décadas, pesquisadores vêm tentando quantificar esse impacto – e os resultados empíricos mais recentes são consideráveis[3]. Um dos trabalhos mais relevantes na área[4] mostra que grande parte da diferença entre as taxas de crescimento econômico de longo prazo dos países pode ser explicada por diferenças na qualidade da educação oferecida à sua população. Esse resultado é ilustrado no gráfico acima (Gráfico 1), que apresenta, para 50 países, o quanto o crescimento do PIB per capita de 1960 a 2000 esteve relacionado com a qualidade da educação.
O cálculo estatístico por trás da análise do gráfico aponta que um aumento de 100 pontos no resultado médio de um país na avaliação internacional de desempenho escolar do Pisa[5], promovida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), está associado a 2 pontos percentuais a mais na taxa de crescimento anual média do PIB per capita deste país. As conclusões são categóricas: não há prosperidade duradoura de uma nação sem a oferta de uma educação de qualidade.
Para melhor ilustrar esse resultado, vale citar que essa diferença de 100 pontos no Pisa é aproximadamente a diferença entre o resultado dos alunos brasileiros e o resultado médio dos países membros da OCDE, e que um avanço nessa direção levaria o Brasil a se colocar em torno da 30ª posição dentre os sistemas educacionais do mundo avaliados pelo teste (atualmente, figura entre a 59ª e 65ª posição, a depender da área de conhecimento).
Importante ressaltar também o significado de um aumento médio de 2 pontos percentuais na taxa anual de crescimento econômico: um país que cresça sua renda per capita com uma taxa média de 4% ao ano por 25 anos terminará esse período com um PIB per capita aproximadamente 60% maior do que um país que tenha, no mesmo período, uma taxa média de crescimento 2 pontos percentuais menor, ou seja, de 2% ao ano. É uma diferença enorme em um período relativamente curto, e é ainda mais significativa para o Brasil, que oscila entre a 70ª e a 80ª posição de PIB per capita no mundo. Isso, é claro, levando em consideração as estimativas sobre a relação entre a qualidade educacional e o crescimento econômico dos países, observada durante a segunda metade do século passado. Nos dias de hoje, em que o conhecimento se apresenta cada vez mais como variável central para o aumento da produtividade e da competitividade, a relevância da educação para o desenvolvimento dos países passa a ser ainda maior. Afinal, em tempos de avanços impressionantes das novas tecnologias, da inteligência artificial e dos processos de automação nos mais diversos setores, especialistas já antecipam que a capacidade dos países em responder a essas demandas por meio de seus sistemas de educação será determinante para o desenvolvimento econômico e social das nações[6].
Além da relação direta entre educação e crescimento econômico, há também uma vasta literatura científica que explora os efeitos de uma melhor educação em diversas outras dimensões da vida e na construção de sociedades inclusivas e socialmente justas[7]. Por exemplo, há evidências bem estabelecidas entre indicadores educacionais e a saúde dos indivíduos, a redução da mortalidade infantil, a redução de crimes, o aumento de engajamento cívico e as melhorias em outras medidas de bem-estar da população, como felicidade e autoestima.
Ademais, diante um cenário global em que o enfrentamento da disseminação do ódio, do desrespeito à diversidade e da descrença nos valores democráticos se apresenta como um enorme desafio a grande parte dos países (entre eles o Brasil), a educação terá papel cada vez mais imprescindível na promoção da cidadania, da justiça, do respeito mútuo, da construção de uma sociedade mais colaborativa e pacífica e no fortalecimento da própria democracia. Sobre esse último tema, o gráfico acima (Gráfico 2) ilustra a relação positiva entre educação e democracia, mostrando que países que tinham médias de escolaridade mais altas nos anos 1970 possuem maiores chances de terem, atualmente, regimes políticos democráticos. Ainda que essa correlação não implique causalidade (os dados não provam que um aumento de escolaridade necessariamente causa “efeitos democráticos” em qualquer lugar do mundo), um conjunto de pesquisas acadêmicas empíricas reforça a força da relação ao controlarem os resultados por diversas outras características de países[8]. a[9]

Por fim, pesquisas já apontam com alto grau de segurança que a educação deve ser considerada variável central para a redução das desigualdades[10], aspecto que ainda é característica marcante do cenário social brasileiro e que, se não combatida, impossibilitará que o Brasil se torne um país verdadeiramente desenvolvido.

  1. Não “qualquer” Educação, tem que ter qualidade

Aumento de escolaridade sozinho não produz os efeitos positivos, tanto individuais quanto para toda a sociedade. É fundamental que haja qualidade, ou seja, aprendizagem significativa, pertinente e contemporânea. Educação de qualidade é aquela que prepara para a vida em uma sociedade cada vez mais complexa. Ela garante os conhecimentos para entender a cultura acumulada da humanidade e as bases científicas da transformação da vida. Na escola, as crianças estão no início de uma jornada de desenvolvimento pessoal, ao mesmo tempo em que aprendem a colocar o conhecimento a serviço do coletivo. A escola do século 21, que queremos e precisamos, é aquela em que aprendemos a conhecer, a ser, a conviver e a fazer (Jacques Delors).
De acordo com a recém aprovada Base Nacional Curricular Comum, a Educação deve assegurar as competências, que são a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver as demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho)”.
Avançar no sentido de melhorar a qualidade e a equidade da educação básica não será tarefa fácil. Apesar de termos incluído milhões de crianças, que até há pouco tempo sequer frequentavam a escola (em 1980, 40% da população em idade escolar estava fora da escola), e de melhorias nos indicadores dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) nos últimos anos, ainda não encerramos o capítulo da exclusão escolar e, de modo geral, seguimos muito distantes de conseguir assegurar que todos os alunos brasileiros alcancem níveis adequados de aprendizagem. Da alfabetização ao ensino médio, permanecemos com resultados educacionais críticos e que não vêm apresentando tendências promissoras.
Indiscutivelmente, o maior desafio da educação brasileira atualmente é o desafio da aprendizagem. Uma das formas de acompanharmos a aprendizagem é a partir dos resultados das avaliações educacionais de larga escala. No Brasil temos a Avaliação Nacional da Alfabetização (Ana), Prova Brasil e Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e internacionalmente vamos tomar como referência o Programme for International Student Assessment (Pisa) realizado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A crise de aprendizagem dos alunos brasileiros está ilustrada nos gráficos a seguir (Gráficos 3 e 4), que mostram o percentual de alunos com aprendizagem adequada[11] em matemática e em língua portuguesa em cada ano/série, desde 1997 até 2015. Como pode-se observar, houve crescimento considerável ao longo dos anos para os anos iniciais do ensino fundamental, mas para os anos finais e o ensino médio o indicador apresenta níveis baixíssimos, com estagnação/tendência de queda nos últimos anos[12].

A figura a seguir (Figura 1) sintetiza o que ocorre na trajetória escolar dos alunos brasileiros desde os anos iniciais do ensino fundamental até a conclusão do ensino médio, evidenciando como os resultados vão piorando ao longo dos anos em termos de conclusão e aprendizagem adequada.

Evolução dos alunos na educação básica.
Quadro Síntese 2015[13]
Nossos problemas na aprendizagem também ficam nítidos em comparações internacionais, em que o Brasil apresenta grandes lacunas em relação a outros países. Segundo a avaliação do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que é aplicada a estudantes de 15 anos, o Brasil oscila entre a 59ª e a 65ª posição dentre os 70 países e economias participantes[14], conforme indicado nas figuras abaixo. É fundamental destacar que, para além de o País se encontrar entre as últimas posições, não apresentamos progresso nas últimas três edições da avaliação[15].
Analisando conjuntamente os dados apresentados acima, é irrefutável a constatação de que o cenário da educação básica brasileira é bastante grave. Os “objetivos-fim” das políticas educacionais ainda estão longe de serem atingidos e, além dos resultados médios serem muito insatisfatórios, há relevante desigualdade nas oportunidades oferecidas.
Ou seja, a despeito de avanços que precisam ser reconhecidos, as políticas educacionais brasileiras não têm tido força suficiente para garantir melhorias significativas na qualidade da educação básica em todo o território nacional, em particular no que diz respeito aos indicadores de aprendizagem que apresentam tendências de desaceleração / estagnação (ensino fundamental anos finais) e retrocesso (ensino médio). Avanços significativos usualmente são conquistados por poucas escolas, que, quando não são resultado de práticas de seleção dos melhores alunos[16], podem ser consideradas, de modo geral, “ilhas de excelência”[17].

Educação de qualidade também é aquela com mais equidade. Infelizmente, nosso sistema educacional atua no sentido de manter e aprofundar as diferenças de oportunidades. O desequilíbrio começa logo cedo na vida escolar. As crianças de escolas com nível socioeconômico mais alto (1º quintil) têm desempenho adequado em matemática no 3° ano do Ensino Fundamental (EF) cinco vezes maior que as de escolas mais pobres (5º quintil). Uma diferença que aumenta ao longo dos anos, chegando a ser 22 vezes maior no 9° ano do Ensino Fundamental.
O gráfico abaixo (Gráfico 5) ilustra essa situação, apresentando o grau de desigualdade nos resultados de matemática do 5º ano da rede pública, a partir de comparação por nível socioeconômico (NSE). Percebe-se que a diferença entre níveis socioeconômicos não só é alta, como vem aumentando ao longo do tempo.
Diante desse cenário, fica evidente que o desafio da educação básica brasileira não é conjuntural. Trata-se, indiscutivelmente, de um problema de ordem complexa, que exigirá o desencadeamento de uma série de medidas articuladas pelos próximos governantes eleitos.
Para que isso se concretize, é essencial que se construa uma estratégia de médio e longo prazos bem delineada (ainda ausente no âmbito da política educacional brasileira), coordenada pelo governo federal (Ministério da Educação) em parceria com estados e municípios. Tal estratégia deve apontar quais ações precisam ser continuadas e aprimoradas, quais novas medidas precisam ser introduzidas e como estabelecer uma maior coerência entre todas elas.

  1. O que temos a nosso favor

A boa notícia é que já existem algumas redes municipais de ensino de pequeno e médio portes que conseguem promover resultados de excelência com equidade (como o caso já bastante conhecido de Sobral, no Ceará[18]) e alguns estados que, frente a cenários de baixo nível socioeconômico, têm apresentado índices de aprendizagem próximos – ou até superiores – ao de estados mais ricos (destacam-se aqui Ceará, Pernambuco e Acre). Tais experiências, somadas aos exemplos de algumas políticas de redes estaduais que ocupam as primeiras posições no Ideb, não só devem servir como inspiração, mas também como importantes referências para a construção de uma estratégia nacional. Ou seja, a despeito de um cenário geral ainda crítico, temos iniciativas em solo brasileiro que mostram ser possível fazer melhor.  O desafio é como fazer melhor em escala. E é exatamente nesse sentido que a proposta a ser apresentada no próximo capítulo visa oferecer caminhos.

O período crítico pelo qual o Brasil passa abre espaço para uma rediscussão das prioridades nacionais e traz consigo a oportunidade de se avançar em uma agenda de reformas e medidas transformadoras, na qual as políticas educacionais precisam estar inseridas. Isso se torna ainda mais importante com as eleições que se aproximam, uma vez que o início de novos mandatos usualmente traz oportunidades significativas para a adoção de ações estruturantes.
O próprio estágio de desenvolvimento da política educacional brasileira gera uma possibilidade ímpar para avanços. A homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)[19], ocorrida em 2017 para as etapas da educação infantil e do ensino fundamental, exigirá que todas as redes de educação do País, públicas e particulares, adaptem seus currículos, propostas pedagógicas, materiais, avaliações e programas de formação de professores. Como observado em outros países[20], esse processo, se bem implementado, pode desencadear mudanças positivas significativas. Afinal, a explicitação do que todo estudante brasileiro tem direito a aprender é condição necessária para uma estratégia sistêmica voltada à melhoria dos resultados educacionais. Em sentido similar, tal avanço se soma ao fato de termos, ao longo das últimas décadas, criado e fortalecido um robusto sistema de avaliação da educação básica (Saeb) – eixo fundamental para a viabilização de um projeto educacional nacional – e um sólido sistema de financiamento redistributivo (Fundef/Fundeb) que, ainda que tenha espaço para aprimoramentos, foi capaz de melhorar sensivelmente a capacidade de provisão educacional dos municípios e estados mais pobres do País. Nesse último caso, inclusive, destaca-se o momento único para a promoção de melhorias ao mecanismo que, como veremos detalhadamente mais à frente, obrigatoriamente terá de passar por uma revisão até 2020 (ano limite da vigência da atual lei que o rege). Se bem conduzida, esta revisão pode ser crucial para que se aprimorem, em particular, as condições de oferta nas redes que atendem a contextos socioeconômicos mais desafiadores.
Por fim, o momento demográfico pelo qual o Brasil passa também apresenta uma oportunidade relevante. Estamos no fim do chamado “bônus demográfico”, situação em que o contingente populacional em idade ativa é elevado quando comparado ao contingente de inativos, favorecendo o desenvolvimento econômico. Por mais que não tenhamos aproveitado este fenômeno em sua totalidade[21], os próximos 5 a 10 anos serão os últimos em que tal cenário se configurará. Aumentar o nível educacional da população ativa brasileira é condição essencial para aproveitarmos o final deste ciclo e para que estejamos preparados para um cenário onde haverá mais pessoas inativas do que ativas economicamente. Além disso, o fato de que ao longo dos anos cada vez menos crianças ingressarão nas escolas devido às menores taxas de natalidade (tendência já observada ao longo das últimas décadas para todas as faixas de renda, conforme indicado pelo gráfico abaixo – Grafico 6) deflagra um ambiente propício para a viabilização de  mudanças importantes no conjunto das políticas educacionais, como, por exemplo, o aumento da jornada escolar diária sem a necessidade de grandes planos de construção de novos prédios e a possibilidade de ampliação do investimento por estudante frente a um cenário econômico adverso.

Diante desse contexto, um esforço real e efetivo que seja capaz de superar os desafios históricos da educação básica brasileira ganha ainda maior relevância. A janela de oportunidade é única. A hora é agora.

  1. Uma proposta de estratégia para a educação básica brasileira

Diante do cenário descrito, a pergunta central passa a ser: como romper com a preocupante tendência dos resultados educacionais e promover um salto de qualidade na educação básica brasileira? A proposta aqui elaborada visa responder a essa questão, apresentando uma estratégia informada pelas evidências, conhecimentos teóricos e experiências exitosas nacionais e internacionais. É importante registrar que sua proposição surge no sentido de fazer avançar o Plano Nacional de Educação (PNE)[22], que representa a síntese dos grandes desejos a serem perseguidos pelo País na área da educação.
4.1. Visão de futuro: aonde queremos chegar
Tomamos como referência as metas do Movimento Todos Pela Educação, que foram construídas por especialistas técnicos e pactuadas por diversos atores da sociedade civil em 2006[23], além de terem sido incorporadas pelo PNE em 2014 em 8 de suas metas[24]. Essas metas são:
 
AS METAS DO MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO [25]
Meta 1 – Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola
Até o ano de 2022, 98% das crianças e jovens entre 4 e 17 anos devem estar matriculados e frequentando a escola ou ter concluído o Ensino Médio.
Meta 2 – Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos
Até 2022, 100% das crianças deverão apresentar as habilidades básicas de leitura, escrita e matemática até os 8 anos ou até o final do 2º ano do Ensino Fundamental.
Meta 3 – Todo aluno com aprendizado adequado à sua série
Até 2022, 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é adequado para seu ano.
Meta 4 – Todo aluno com o Ensino Médio concluído até os 19 anos
Até 2022, ao menos 95% dos jovens brasileiros de até 16 anos deverão ter concluído o ensino fundamental e 90% dos jovens de até 19 anos deverão ter concluído o ensino médio.
Por mais que o prazo definido para tais metas (2022) se aproxime e que ainda estejamos consideravelmente distantes de efetivamente alcançá-las, entendemos que elas são marcos importantes que expressam adequadamente a ambição por trás da proposta a seguir.
Importante destacar que as metas também estão correlacionadas com o que foi proposto na “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, elaborada pela Organização das Nações Unidas em 2015, que apresenta um conjunto Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a serem alcançados pelos países signatários[26]. As metas do ODS 4 – Educação de Qualidade – visam “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”, objetivo comum ao que propõe este documento.
4.2. Premissas e princípios orientadores
A estratégia aqui proposta parte de duas importantes premissas. A primeira delas é que processos de mudanças estruturantes em educação dificilmente serão efetivados se não forem desencadeados de maneira sistêmica e com alto grau de coerência entre as diferentes políticas. Ainda que isso não signifique encarar todos os desafios simultaneamente, com a mesma ênfase de energia, recursos e foco, a melhoria pontual e isolada de algumas políticas públicas não será capaz de reverter a crítica situação que o Brasil vivencia atualmente. Em outras palavras, se o objetivo é a promoção de um salto de qualidade, não basta o País resolver uma ou duas questões de maneira exemplar. Sistemas de alta complexidade, tal como o da educação, exigem uma coordenação capaz de estabelecer articulação e coesão entre as diferentes mudanças que precisam ser promovidas. É exatamente o que mostra a literatura sobre reformas educacionais de sucesso no mundo: não há bala de prata – é o efeito da interação entre diferentes medidas que consegue produzir impacto substancial[27].
A segunda premissa fundamental por trás da estratégia é que as políticas educacionais não podem apenas “tangenciar” a sala de aula (por exemplo: “basta melhorar a gestão do sistema”). Para de fato impactar a aprendizagem, o esforço da política educacional precisa se concentrar naquilo que ocorre dentro da sala de aula. Ou seja: o foco deve estar na melhoria da prática pedagógica dos professores e no fortalecimento da relação professor-aluno. Todas as demais ações, direta ou indiretamente, precisam criar condições para que se avance nesse sentido.
Uma vez apresentadas as premissas, elencam-se abaixo cinco princípios que representam os alicerces daquilo que virá mais adiante. Eles ajudam a tornar mais transparentes os valores e as crenças que orientaram a elaboração desta proposta.
Princípio 1: Aprendizagem para o desenvolvimento integral da pessoa;
Princípio 2: A definição de qualidade envolve necessariamente o conceito de equidade e inclusão;
Princípio 3: Professor é aspecto central, sem o qual não avançaremos;
Princípio 4: Se queremos dar um salto, a educação precisará também do apoio das outras áreas;
Princípio 5: Precisamos conciliar a resolução de uma agenda básica com as demandas contemporâneas.
4.3. A estrutura de organização da estratégia
A proposta que será apresentada parte de um entendimento inicial de que a baixa qualidade educacional no País pode ser explicada essencialmente por desafios de duas naturezas: desafios de ordem política e desafios de ordem técnica.
Por mais que o objetivo da estratégia seja fundamentalmente propor como atacar os desafios de ordem técnica, é preciso contextualizar o que são esses desafios políticos. Em resumo, destaca-se que há no Brasil baixo incentivo dos governantes para atuar politicamente pela educação e, mais especificamente, pela aprendizagem. Por atuar politicamente pela educação / pela aprendizagem, refere-se aqui à blindagem da pasta de ingerências político-partidárias e clientelismos, à estruturação de equipes de alta qualidade técnica, à decisão de dar continuidade de políticas de sucesso iniciadas por gestões anteriores, à exigência da implantação de ações respaldadas pelas evidências e pelo conhecimento acumulado e à força política para enfrentar eventuais resistências a processos de mudança. Ainda que existam exemplos recentes que sugerem associação entre boas gestões educacionais e benefícios eleitorais subsequentes, de modo geral o custo político de não se dedicar à educação permanece sendo visto pelos governantes como baixo e o benefício de promover mudanças estruturantes não é percebido como garantidor de frutos eleitorais, tornando o ato de priorizar a educação dependente da visão particular de cada político. Se essa questão não for devidamente equalizada, dificilmente veremos as recomendações aqui propostas sendo de fato implementadas em todo território nacional. Nesse sentido, para além da introdução de mecanismos de incentivos e induções que serão apresentados mais adiante, destacamos aqui que parte importante do enfrentamento desse desafio está na atuação dos órgãos de controle (por exemplo, tribunais de contas e Ministério Público). Para além do processo de fiscalização e coibição do uso indevido do recurso público, um trabalho pautado pela incidência em questões que de fato apoiam a melhoria da educação, tais como a garantia de vagas e da matrícula nas etapas obrigatórias ainda não universalizadas, a cobrança por condições básicas de infraestrutura escolar e o incentivo a políticas educacionais com amplo respaldo na literatura baseada em evidências (conforme detalharemos mais à frente), pode representar contribuição significativa frente ao cenário acima descrito.
No que tange aos desafios de natureza técnica (escopo principal da estratégia delineada), podemos classificá-los em três grandes eixos. O primeiro deles refere-se aos fatores intraescolares essenciais à aprendizagem dos alunos e que são responsabilidade direta da política educacional. O segundo eixo refere-se à estrutura de gestão da política educacional em nível de sistema, que no contexto atual tem comprometido diretamente a garantia dos fatores intraescolares em escala. Por fim, o terceiro refere-se a fatores extraescolares, que não estão inteiramente sob responsabilidade da gestão da educação, mas também possuem forte influência no processo de aprendizagem das crianças e jovens e podem, em alguma medida, ser afetados pela política pública. É a partir desses três eixos que se constitui a proposta de estratégia.
Eixo 1: Fatores intraescolares
O primeiro grande eixo se concentra nos fatores essenciais que impactam a aprendizagem de um estudante e estão sob gestão da política educacional. Tais elementos possuem um amplo respaldo da literatura embasada em evidências e em conhecimentos teóricos, e podem ser entendidos como elementos-chave para que uma escola alcance bons resultados educacionais.
De forma resumida, esse eixo destaca a relevância da garantia de recursos pedagógicos básicos (currículo, materiais de apoio para alunos e professores, avaliações formativas e programas de reforço/recuperação), de professores bem preparados, motivados e com boas condições de trabalho, de uma gestão escolar focada na aprendizagem dos alunos e de um modelo de escola cuja estrutura e funcionamento estimulem a aprendizagem.
Eixo 2: Gestão do sistema educacional
Se queremos alcançar melhores resultados para todos os alunos brasileiros, os fatores intraescolares apontados no eixo 1 precisam ser assegurados em todas as escolas do País. Isso não será feito se continuarmos formulando políticas de forma pontual e desarticulada. O eixo 2 desta estratégia busca, então, propor como assegurar consistência, coerência e articulação entre as diferentes políticas educacionais de modo a induzir e a viabilizar a adoção desses elementos em nível de sistema. Ele é dividido em quatro pilares: governança do sistema, gestão das redes de ensino, sistema de financiamento da educação básica e sistema de avaliação.
Apesar de esses quatro pilares poderem ser aprimorados de forma individual, o cerne desta estratégia está na defesa da articulação entre eles. Para isso, o ponto de partida da proposta é que o Ministério da Educação coordene uma definição pactuada com estados e municípios de parâmetros nacionais de qualidade da oferta da política educacional, que devem orientar todas as redes do País. Tais parâmetros envolveriam, por exemplo, a definição de qual é a oferta mínima de recursos pedagógicos que todas as redes devem ter, parâmetros básicos para os planos de carreira de professores, referenciais para as políticas de seleção de diretores, dentre outros. Conforme será aprofundado adiante, essa definição seria central para promover maior coesão entre os quatro pilares deste eixo e para a política educacional como um todo[28].
Eixo 3: Fatores extraescolares
Esse eixo aborda três elementos que não estão inteiramente sob responsabilidade da política educacional (“fatores extraescolares”), mas que são fundamentais para os resultados que se pretende atingir. São eles: participação das famílias na educação dos filhos, o desenvolvimento das crianças na primeira infância e as políticas voltadas à juventude. Como será exposto posteriormente, esses fatores estão intimamente relacionados às desigualdades existentes no Brasil e dependem de uma abordagem de outras áreas articulada às políticas educacionais.
Nota-se, portanto, que apesar de a estruturação da estratégia destacar seus três eixos separadamente, eles estão completamente interligados. É o que se ilustra na próxima página (Figura 4), apresentando esquematicamente a estratégia proposta. No centro, estão os objetivos-fim (acesso, permanência e aprendizagem de todos os alunos), que dão tangibilidade à visão de futuro exposta na subseção anterior. Ao redor desses objetivos, está o primeiro eixo da estratégia, que traz os fatores intraescolares. Em seu entorno, estrutura-se o eixo 2 (“gestão do sistema”), que tem suas partes interligadas para demonstrar a importância da articulação entre elas por meio da definição pactuada de parâmetros nacionais de qualidade da oferta. E, ligado diretamente aos grandes objetivos, está o terceiro eixo, que diz respeito aos fatores extraescolares.
4.4. Políticas prioritárias para o início da gestão federal 2019-2022
Para dar início à implementação da estratégia apresentada em âmbito nacional, sugere-se a seguir um conjunto de sete políticas prioritárias a serem desencadeadas pelo governo federal já no começo da próxima gestão. As recomendações estão subdivididas nos três eixos que compõem a estratégia: (1) fatores intraescolares, (2) gestão do sistema educacional e (3) fatores extraescolares.
Importante destacar que as medidas aqui propostas para o governo federal não visam sugerir uma lógica intervencionista de ação.  Com exceção àquilo que é de atribuição direta da União (ex: formação inicial de professores), as demais ações estão ancoradas no princípio da coordenação, indução e apoio para criação de melhores condições para que as redes de ensino liderem os esforços de execução das políticas educacionais junto às suas escolas. Se as políticas aqui indicadas forem de fato priorizadas e bem implementadas, temos convicção que os próximos governos estarão dando passo fundamental para que o País avance no sentido de uma educação significativamente melhor para todas as crianças e jovens brasileiros.

Eixo 1 – Fatores Intraescolares
 1) Professor: carreira e formação
Criar política nacional de valorização e profissionalização docente, que dê início a uma profunda ressignificação da carreira e das estruturas de formação inicial e continuada dos professores (em linha com a Macrodiretriz 2), com destaque para:

  • Estabelecer medidas que apoiem as redes de ensino na reestruturação das carreiras de professores tais como: estabelecimento de um marco referencial nacional (definição de conhecimentos e competências profissionais esperados de todo professor), certificação nacional docente, apoio para elevação da remuneração e indução de alterações na legislação dos planos de carreira;
  • Reformular as estruturas curriculares e o sistema de regulação dos cursos de pedagogia e licenciaturas, a fim de aproximar a formação inicial de professores às demandas da prática pedagógica e da BNCC;
  • Apoiar técnica e financeiramente os estados e municípios na reformulação das suas políticas de formação continuada a partir das diretrizes recentemente estabelecidas pelo Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação).

2) Efetivação da Base Nacional Comum Curricular em todas as redes de ensino
À luz da homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação infantil e ensino fundamental, oferecer apoio e incentivo às redes de ensino para que aprimorem a qualidade do atendimento e suas políticas pedagógicas básicas (em linha com a Macrodiretriz 1), com destaque para:

  • D
    ar continuidade à atual política de coordenação e apoio ao processo de adaptação/construção dos currículos estaduais e municipais (em regime de colaboração);

►  Para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), dar particular atenção à introdução de inovações que reconheçam os desafios específicos dessa etapa.

  • A partir da BNCC-EI, instituir política nacional de fortalecimento da qualidade do atendimento nas creches e pré-escolas, por meio da redefinição de parâmetros nacionais de oferta e da indução e apoio federal para adoção desses parâmetros por todas as redes do País;
  • No ensino fundamental, apoiar e induzir o fortalecimento de elementos essenciais para a gestão pedagógica das redes (com ações de apoio diferenciadas dependendo do estágio de cada uma), com ênfase em garantir a disponibilização de:

► Materiais de apoio de qualidade (ex: planos de aula e sequências didáticas) para alunos e professores, com formação específica aos docentes para sua implementação;
► Avaliações diagnósticas de aprendizagem atreladas ao currículo, que contemplem um processo ágil de devolutiva dos resultados com fácil leitura pelos professores e gestores escolares;
► Materiais de reforço e recuperação bem estruturados e políticas efetivas de correção de fluxo.

  • Adaptar políticas nacionais de natureza pedagógica à BNCC, como o Programa Nacional do Livro Didático, as políticas de disponibilização de recursos digitais e as avaliações externas (Ana, Prova Brasil/Saeb).

3) Alfabetização
Aprimorar a política nacional de alfabetização na idade certa, tendo a indução do regime de colaboração entre estados e municípios e o reconhecimento dos diferentes contextos como premissas da atuação federal (em linha com as Macrodiretrizes 1, 2, 3, 9 e 10), com destaque para:

  • Introduzir lógica de apoio do Ministério da Educação às redes de ensino por “grupos característicos de redes” (clusters que consideram o resultado educacional atual e o contexto socioeconômico), tendo como princípio norteador da política o fortalecimento do regime de colaboração entre estados e municípios para:

(i)
Garantir ou fortalecer a oferta de recursos pedagógicos específicos para o processo de alfabetização em todas as redes;
(ii)
Apoiar ações de formação continuada específica aos atuais professores alfabetizadores;
(iii)
Apoiar a formação dos atuais gestores escolares (diretores e coordenadores pedagógicos) dos anos iniciais do ensino fundamental;
(iv)
Apoiar a oferta de programas de reforço e recuperação para alunos que já deveriam estar alfabetizados;
(v)
Introduzir incentivo financeiro aos municípios vinculado a avanços nos resultados de alfabetização.
4) Novo modelo de ensino médio
Aprimorar a política de fomento à expansão da jornada escolar e coordenar/apoiar os Estados na reorganização da estrutura de funcionamento do ensino médio no sentido da diversificação curricular a ser definida pela BNCC (em linha com as Macrodiretrizes 4 e 5), com destaque para:

  • Apoiar e induzir a expansão de novos modelos de ensino médio em tempo integral, com ênfase para escolas em zonas de maior vulnerabilidade socioeconômica, fazendo da ampliação da carga horária um elemento promotor de um novo modelo de escola que seja capaz de tornar a experiência escolar mais atrativa e incentivar o protagonismo juvenil dos estudantes;
  • Continuar o processo de discussões a respeito da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, tanto no processo pré-homologação (caso ele não seja finalizado em 2018), quanto nas discussões junto aos estados sobre sua implementação;
  • Apoiar técnica e financeiramente os estados na operacionalização das mudanças na estrutura curricular (itinerários formativos) e na ampliação da jornada escolar prevista em lei;
  • Fortalecer o itinerário profissionalizante no novo ensino médio, criando mecanismos efetivos para garantir a expansão e a qualidade da oferta nas redes estaduais.

Eixo 2: Viabilizadores em nível de sistema
5) Governança e gestão das redes
Reestruturar as regras de governança do sistema educacional a partir da criação de um Sistema Nacional de Educação e criar política de apoio à melhoria da qualidade da gestão em todos os níveis (em linha com as Macrodiretrizes 7 e 8), com destaque para:

  • Unificar as instâncias de pactuação federativa existentes em um espaço tripartite (União, Estados e Municípios) de permanente diálogo e articulação entre as diferentes esferas;
  • Estabelecer, na instância tripartite pactuada, parâmetros nacionais de qualidade para a oferta da educação básica, dando referências para todas as redes de ensino sobre suas políticas educacionais (ex.: oferta mínima de recursos pedagógicos que todas as redes devem ter, parâmetros básicos para os planos de carreira de professores, referenciais para as políticas de seleção de diretores, dentre outros);
  • A partir da definição dos parâmetros, estabelecer de maneira mais clara as normas, competências e responsabilidades de cada ente federativo, rediscutindo o grau de autonomia e responsabilização dado a cada um e induzindo o fortalecimento do regime de colaboração;
  • Aprimorar a gestão administrativa e orçamentária do Ministério da Educação, para que consiga atuar com mais ênfase como coordenador do sistema e melhor executar as políticas nacionais prioritárias;
  • Criar política de apoio e indução à melhoria da gestão das Secretarias municipais e estaduais.

6) Financiamento: mais redistribuição e indução para a qualidade
Realizar alterações legais nos mecanismos de financiamento da educação básica, em especial no Fundeb, tornando-os mais eficientes, redistributivos e indutores de qualidade (em linha com as Macrodiretrizes 9 e 10), com destaque para:

  • Fazer do Fundeb um instrumento de financiamento permanente, tornando-o mais redistributivo e indutor de qualidade, por meio de alterações nas regras de redistribuição intraestadual do fundo e nos critérios para recebimento da complementação da União, além da ampliação do valor dessa complementação para elevar o patamar mínimo de investimento por aluno;
  • Introduzir critérios socioeconômicos nas ponderações das linhas de transferências legais da União, visando promover maior equidade no financiamento da educação;
  • Revisar, de forma pactuada, as transferências voluntárias, limitando seu volume e discricionariedade e introduzindo princípios de redistribuição e indução de qualidade;
  • Promover a reformulação das regras de distribuição do ICMS entre os estados e seus municípios, atrelando parte da parcela distribuída aos municípios a avanços nos resultados educacionais, de modo a incentivar politicamente melhorias na aprendizagem.

Eixo 3: Fatores extraescolares

7) Primeira Infância: uma agenda intersetorial
Instituir nova política nacional de desenvolvimento de crianças de 0 a 6 anos por meio de ações intersetoriais envolvendo educação, saúde, assistência social, cultura e esporte (em linha com a Macrodiretriz 12), com destaque para:
Com base no marco legal da primeira infância, criar política nacional intersetorial para o desenvolvimento infantil, articulando educação, saúde, assistência social, cultura e esporte, na qual esteja explícito o nível básico de atendimento que toda criança brasileira tem direito a receber.

  1. Conclusão

Conforme apresentado ao longo desse artigo, a necessidade de se avançar com uma estratégia sistêmica para a educação básica brasileira surge como resposta ao cenário atual do País, assolado por questões econômicas, políticas e sociais, e pela constatação de que a situação de nossa educação ainda é bastante crítica. Nossas crianças e jovens, por mais que estejam indo para a escola, não estão aprendendo o quanto deveriam. Temos um desafio enorme, que só será superado com um projeto robusto, que parta de uma visão holística e dê ênfase a mudanças estruturantes informadas pelas pesquisas, conhecimento teórico acumulado e experiências de sucesso nacionais e internacionais.
É nesse sentido que é apresentada essa proposta de estratégia para a educação básica de modo a servir de referência para que os próximos governantes possam aproveitar a curta janela de oportunidade que os primeiros meses de gestão oferecerão para a introdução de uma agenda de transformações ambiciosas.
Ressalta-se, por fim, que a força da estratégia delineada está não só no conteúdo individual de cada proposta apresentada, mas sim na articulação entre elas. Posto de outra forma, se isoladamente muitas das diretrizes e prioridades não representam tamanha novidade para quem acompanha e participa do debate educacional brasileiro, é na conexão e na coerência entre as partes que está, precisamente, aquilo que entendemos ser inovador. Afinal, como argumentado, só assim acreditamos ser possível reverter um cenário tão desafiador na educação e avançarmos rumo a um futuro melhor para o Brasil e para todos os brasileiros.
Gráfico 1: Desempenho escolar e crescimento de longo prazo do PIB per capita (1960-2000)
Fonte: Hanushek e Woessmann (2015)
Gráfico 2: Correlação entre a média de escolaridade da população de 15 a 64 anos em 1970 e indicador de regime político em 2015 (sendo -10 o “mais autocrático” e +10 o “mais democrático)
Fonte: Ourworldindata9
Gráfico 3: Percentual de alunos com aprendizagem adequada em Matemática – 1997 a 2015
Fonte: Inep/MEC. Cálculo: Todos Pela Educação
Gráfico 4: Percentual de alunos com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa – 1997 a 2015
Fonte: Inep/MEC. Cálculo: Todos Pela Educação
Figura 1:
Evolução dos alunos na educação básica.
Quadro Síntese 2015[29]
Fonte: IBGE/Pnad. Inep/MEC. Anuário da Educação 2018 (ainda não divulgado)
Figura 2: Resultados do Brasil no Pisa – Matemática – 2015
Fonte: OCDE. Elaboração dos autores
Figura 3: Resultados do Brasil no Pisa – 2006 a 2015
Fonte: OCDE. Elaboração dos autores
Gráfico 5: Percentual de alunos com aprendizagem adequada de Matemática,por Nível Socioeconômico – 5º ano do Ensino Fundamental
Fonte: Inep/MEC. Elaboração dos autores
Gráfico 6: Taxa de fecundidade da população brasileira
Fonte: IBGE/Censos Demográficos
Figura 4: Estratégia para a educação básica
Elaboração dos autores
[1].
Constituição Federal, Capítulo III, artigo 205.
[2].
Um bom resumo desta literatura pode ser encontrado no livro “A ignorância custa um mundo: O valor da educação no desenvolvimento do Brasil”, de Gustavo Ioschpe (2004).
[3].
Os trabalhos de maior relevância deste debate são os do economista Eric Hanushek, da Universidade de Stanford. Sua pesquisa é debatida pelos mais influentes estudiosos sobre os determinantes do desenvolvimento de países, sendo reconhecidos por economistas como Daron Acemoglu (Instituto de Tecnologia de Massachusetts – MIT) e Dani Rodrik (Universidade de Harvard).
[4].
The Knowledge Capital of Nations: Education and the Economics of Growth” (2015), de Eric Hanushek e Ludger Woessmann.
[5].
Equivalente a 1 desvio-padrão nos resultados do Pisa (Programme for International Student Assessment).
[6].
Por exemplo: “AI as the next GPT: a Political-Economy Perspective”, Manuel Trajtenberg (2018) e https://exame.abril.com.br/tecnologia/o-brasil-esta-pronto-para-a-industria-4-0/
[7].
Esse tema vem sendo tratado há décadas por pesquisadores de diversas áreas, incluindo ganhadores de prêmios Nobel como Gary Becker e James Heckman.
[8].
Lutz, W., Crespo Cuaresma, J., & Abbasi-Shavazi, M. J. (2010). Demography, education, and democracy: Global trends and the case of Iran. Population and Development Review, 36(2), 253-281.
[9].
https://ourworldindata.org/democracy#correlates-of-democratic-rule
[10].
“Educação e Desigualdade”. Naercio Menezes Filho (2001).
[11].
Para “nível de aprendizado adequado” utilizaram-se os parâmetros estabelecidos pelo Movimento Todos Pela Educação, que foram definidos como pontuações mínimas na escala do Saeb para representar níveis adequados de habilidades. Para mais detalhes, acessar: https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/1a60588b-054d-4422-9a4f-0f009d7b2039.pdf
[12].
Os indicadores de 2015 para Língua Portuguesa são: 55% dos alunos com aprendizagem adequada no 5º ano do ensino fundamental, 34% no 9º ano e 28% na 3ª série do ensino médio.
[13].
*Para calcular a taxa de conclusão do ensino fundamental anos iniciais, consideramos os jovens com 12 anos completos em 31 de março de 2015. Para a taxa de conclusão do ensino fundamental anos finais, jovens com 16 anos completos em 31 de março de 2015. Para a taxa de conclusão do ensino médio, jovens com 19 anos completos em 31 de março de 2015.
[14].
No total, participaram da avaliação do Pisa 72 países/economias em 2015. No entanto, Cazaquistão e Malásia não são países contabilizados nos rankings já que a cobertura do teste foi insuficiente para assegurar comparabilidade de suas avaliações.
[15].
É importante reconhecer que o Brasil apresentou avanço significativo na avaliação de matemática do Pisa entre 2003 e 2012. Em 2003, a média brasileira foi de 356 e em 2012, chegou a 389, registrando um dos maiores saltos no período. No entanto, conforme mostrado no gráfico, houve redução considerável entre 2012 e 2015. Em leitura, o País apresentou média de 396 em 2000 e 403 em 2003. Para ciências, a OCDE só disponibiliza em seu banco de dados resultados a partir de 2006 (já apresentados no gráfico).
[16].
“Seleção velada em escolas públicas: práticas, processos e princípios geradores”. Antônio Augusto Gomes Batista; Vanda Mendes Ribeiro; Maurício Érnica. (2015).
[17].
“Efeito de escolas e municípios na qualidade do ensino fundamental”, José Francisco Soares e Maria Teresa Gonzaga Alves. Cadernos de Pesquisa v.43 n.149 p. 492-517 maio/ago. 2013
[18].
“O sucesso de Sobral”. João Batista Araujo e Oliveira (2013). http://alfaebeto.org.br/wp-content/uploads/2015/12/Sobral-IAB-20150106.pdf
[19].
Documento que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica brasileira. Em dezembro de 2017, o Ministério da Educação homologou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para as etapas da educação infantil e ensino fundamental (1º ao 9º ano).
[20].
A experiência do Chile e da Austrália podem ser citadas como exemplos.
[21].
Relatório de Monitoramento Global 2015/2016: Metas de Desenvolvimento numa Era de Mudança Demográfica (Banco Mundial e FMI).
[22].
O Plano Nacional de Educação foi promulgado em 2014 e tem vigência até 2024. Ele elenca um conjunto de 20 metas (tanto de resultados “fim” quanto de “meios” para atingi-los) e mais de 250 estratégias associadas a cada uma delas.
[23].
Para maiores detalhes, consultar: https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/1a60588b-054d-4422-9a4f-0f009d7b2039.pdf.https://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/1a60588b-054d-4422-9a4f-0f009d7b2039.pdf
[24].
Metas 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8 e 9.
[25].
Além das 4 metas apresentadas no quadro, o Movimento Todos Pela Educação possui uma 5ª meta, que é: “Até 2010, mantendo-se até 2022, o investimento público em Educação Básica obrigatória deverá ser de 5% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB).” Como essa meta não diz respeito especificamente aos resultados educacionais e está sendo cumprida pelo País, esse documento não a referencia como uma meta da estratégia apresentada.
[26]. http://www.agenda2030.com.br/
[27].
“Large scale reform comes of age”, Michael Fullan (2009)
[28].
Como exemplo prático de tais parâmetros, consultar os “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil”, estabelecido pelo Ministério da Educação em 2006:http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/paraqualvol2.pdf
Lançada em 2015, a Agenda 2030 contém os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas e culmina um longo processo histórico de debate sobre desenvolvimento, remetendo-nos a mais de 40 anos de negociações internacionais e construção de consensos. Trata-se do coroamento de um esforço que as Nações Unidas e seus países membros empreenderam com o objetivo de fazer frente aos principais desafios que se apresentam ao mundo desde as últimas décadas do século passado e que permanecem atuais, se não ainda mais prementes.
O desenvolvimento sustentável: uma perspectiva histórica
A ideia de desenvolvimento sustentável ganhou corpo inicialmente no contexto dos debates ambientais e teve seu marco fundador na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em Estocolmo, em 1972. Os especialistas e, principalmente, os governos dos países mais desenvolvidos, que lançaram o tema, começavam a avançar para a ideia de que a expansão dos modelos econômicos vigentes levaria à exaustão no uso de recursos naturais e provocaria danos irreversíveis nas dinâmicas de equilíbrio biológico e climático do planeta. Estava implícita a noção de que era necessário fazer uso mais comedido dos recursos naturais e energéticos, sob risco de cataclismo ambiental.
Os países em desenvolvimento, então chamados de subdesenvolvidos, perceberam nessa proposta uma preocupante tentativa de congelar o status quo do desenvolvimento econômico em favor dos países ricos, que já haviam atingido elevado patamar de bem-estar social e de consumo. O eventual cerceamento no uso de recursos naturais, de que as nações em desenvolvimento dispunham em abundância, impediria qualquer processo de desenvolvimento econômico por parte desses países. À época, o Brasil opôs-se firmemente a essa tentativa de restrição de suas possibilidades de crescimento e desenvolvimento, o que lhe trouxe custos políticos consideráveis, cabendo-lhe, injustamente, a reputação de devastador ambiental. Nos anos que se seguiram, imagens de queimadas na Amazônia começaram a correr mundo afora, associadas a campanhas de desinformação e equívocos conceituais de toda sorte, como a ideia de que a região seria o pulmão do mundo.
Diante do avanço das legítimas preocupações ambientais globais e confrontado com suas necessidades de desenvolvimento e uma imensa dívida social a ser saldada, o Brasil engaja-se decididamente no debate multilateral acerca do desenvolvimento sustentável. Propõe, no entanto, que a discussão sobre o desenvolvimento sustentável passe a levar em consideração igualmente preocupações de ordens econômica e social.
O protagonismo do Brasil nas discussões foi acompanhado por um despertar interno quanto à importância das questões ambientais e à responsabilidade que o País detém nas várias frentes do desenvolvimento sustentável. Além do governo, a própria sociedade, por meio de organizações não governamentais e do setor privado, passa a envolver-se na matéria, o que permitiu que nossas posições negociadoras também evoluíssem e ganhassem maior grau de legitimidade.
Essa nova abordagem possibilitou não apenas um amadurecimento de nossas posições, mas também uma transformação da imagem do Brasil no plano internacional. O engajamento mostrou que o País dispunha de experiências relevantes na promoção do desenvolvimento sustentável, como no caso de sua matriz energética limpa, e que, a despeito dos problemas, não se subtraía às responsabilidades em relação a seu patrimônio ambiental. Da mesma forma, assinalou as imensas disparidades econômicas entre o Norte e o Sul, indicando a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos no que se refere aos níveis de emissão de poluentes, de geração de resíduos e de uso dos recursos naturais. Isso proporcionou um tratamento mais equilibrado do tema, trazendo para as discussões elementos como consumo e produção, de cujas responsabilidades as economias mais avançadas tentavam esquivar-se.
Princípio das responsabilidades comuns
Essa mudança de percepção e atuação possibilitou ao Brasil sediar, 20 anos depois de Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. Considerada a maior e mais importante conferência internacional já ocorrida até então, compareceram ao encontro 108 chefes de estado e governo, num total de 172 delegações estrangeiras, além de maciça participação de atores não governamentais. A Rio-92 serviu para consolidar a consciência de que o desenvolvimento sustentável é, sobretudo, um debate sobre desenvolvimento. Esse deve servir às pessoas e às sociedades, a fim de que estas possam realizar suas potencialidades, levando em consideração as particularidades de cada nação e as restrições de ordem física que a realidade material impõe. Além disso, fixou-se o conceito de que, embora as responsabilidades sejam comuns a toda a humanidade, os países desenvolvidos têm o dever histórico e moral de arcar com uma fração maior dos custos de adaptação e mitigação, sem cercear o acesso ao desenvolvimento àqueles países onde há significativas dívidas sociais a serem resgatadas. É de responsabilidade dos países desenvolvidos, ademais, prover os meios financeiros, tecnológicos e de capacitação aos países em desenvolvimento para que estes possam fazer frente aos desafios do desenvolvimento sustentável. Foi nesse âmbito que se estabeleceu o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, conceito caro aos países em desenvolvimento e contrapartida necessária que os países desenvolvidos tiveram de aceitar em troca do envolvimento de todos nos debates sobre desenvolvimento sustentável.
Os anos que se seguem à Rio-92 testemunharam um expressivo crescimento econômico mundial, em razão, principalmente, da decidida entrada da China nos mercados globais e da expansão capitalista nos antigos países de economia planificada. A nova geração de riqueza e a elevação dos padrões de consumo em praticamente todos os países imprimiram um ritmo ainda maior de utilização de recursos naturais e energéticos. O desenvolvimento sustentável frente à globalização foi o elemento que permeou a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 2002, em Joanesburgo. Apesar das dificuldades e de poucos avanços, o encontro logrou manter os principais progressos conceituais até então conquistados.
Ainda que o volume total de recursos naturais empregados tenha crescido consideravelmente no período, observaram-se também mudanças cada vez mais importantes nos padrões de produção e geração de energia, no surgimento de novas tecnologias e, sobretudo, na importância política que o tema do desenvolvimento sustentável ganhou. É nesse período, por exemplo, que as evidências científicas a respeito do aquecimento global e do fenômeno da mudança do clima ganham maior robustez, conferindo prioridade às negociações internacionais sobre o assunto no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), processo este que também havia sido lançado por ocasião da Rio-92.
Rio + 20: responsabilidades comuns,porém diferenciadas
Além da generalização dos debates ambientais no plano internacional, outros temas ganham relevância e são objeto de tratamento no contexto das Nações Unidas. Questões como o direito ao desenvolvimento, os direitos da criança e da mulher, os direitos humanos em geral e assuntos de população compõem conjunto de elementos que vão-se incorporando ao cabedal multilateral e aos consensos internacionais acerca do significado do desenvolvimento sustentável.
Considerações sobre sustentabilidade ganham espaço no comércio internacional, onde cresce a ênfase sobre temas como poluição, resíduos e responsabilidade social. Cada vez mais, empresas, marcas e produtos tendem a ser avaliados também a partir de parâmetros de desenvolvimento sustentável, com impactos sobre a lucratividade e a sobrevivência dos negócios.
Nesse contexto, nos primeiros anos do século XXI, o mundo passa por dois grandes abalos de natureza política e econômica: os atentados terroristas nos Estados Unidos, em setembro de 2001, e a crise financeira de 2008, que engendram mudanças importantes nas prioridades e nas preocupações dos países, principalmente dos mais desenvolvidos. Desafios de segurança internacional passam a disputar a atenção política e os recursos com a agenda de desenvolvimento sustentável. E o temor em relação ao desemprego e à retração econômica despertaram maior ceticismo a respeito da adoção de políticas inovadoras que visem ao uso mais moderado de recursos e ao emprego de novas tecnologias, diante da incerteza quanto aos impactos sobre a competitividade.
O Brasil volta ao centro do palco dos debates sobre o desenvolvimento sustentável em 2012, ao sediar, novamente no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Em contexto político distinto de 1992, o encontro viu recrudescidas as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, quando aqueles, sobretudo europeus, buscaram dar sobrepeso ao pilar ambiental do desenvolvimento sustentável, procurando eximir-se de seus compromissos de financiamento aos países em desenvolvimento. Os problemas econômicos por que passavam os países desenvolvidos, agravados pela crise financeira de 2008, fizeram com que estes tentassem transferir aos países em desenvolvimento e aos chamados emergentes suas obrigações em termos de financiamento e de preservação ambiental.
Sob a presidência brasileira, a conferência logrou reafirmar a centralidade dos três pilares – econômico, social e ambiental – do desenvolvimento sustentável. A Rio+20 não seria transformada em uma conferência meramente ambiental, como parecia ser o anseio de muitos dos países desenvolvidos. Ainda que as metas estipuladas em conferências anteriores em termos de ajuda ao desenvolvimento nem sequer tenham sido atingidas e não tenha havido novos engajamentos por parte dos países ricos, a conferência logrou preservar o legado conceitual positivo da Rio-92. O documento final do encontro, intitulado “O futuro que queremos”, reafirma de maneira central o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
Assentada sobre dois eixos principais, “economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e “estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”, a Rio+20 logrou revigorar os processos multilaterais de discussão e deliberação acerca do desenvolvimento sustentável. Abriu espaço nas negociações internacionais para temas emergentes, tais como agricultura, água, cidades, transportes, oceanos, gênero, e propôs a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Nos três anos que se seguiram à Rio+20, as Nações Unidas e seus países-membros, por meio do Grupo de Trabalho Aberto sobre Desenvolvimento Sustentável, empenharam-se em preparar um documento que dispusesse de um número de objetivos de desenvolvimento sustentável que levassem em conta as três dimensões do desenvolvimento sustentável e servisse de orientação para a agenda de desenvolvimento da ONU para além de 2015. A nova agenda deveria ser construída levando-se também em conta a experiência dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), lançados em 2000 e que encerrariam seu ciclo de implementação naquele ano, com resultados relevantes na redução da pobreza em muitos países.
Os ODS não apenas substituíram os ODM, mas expandiram sua abrangência, tanto no plano conceitual como no geográfico. Ao incorporarem os princípios do desenvolvimento sustentável, os ODS não se restringiram aos países em desenvolvimento, mas a todo o planeta, no entendimento de que a sustentabilidade é um projeto comum a todos os países e que ninguém a havia atingido plenamente.
A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
Em setembro de 2015, foi adotada por consenso nas Nações Unidas a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com o objetivo de orientar as políticas de desenvolvimento e seu acompanhamento nos níveis nacional, regional e mundial até 2030. “Não deixar ninguém para trás” é o lema da nova Agenda e dos 17 ODS e das 169 metas nela contidos. Em vez de tratar dos desafios de desenvolvimento de forma estanque e segregada, a Agenda 2030, que declara em seu título a ambição de “transformar nosso mundo”, propõe uma abordagem inovadora que almeja o rompimento do ciclo da pobreza e a redução da desigualdade e da degradação ambiental.
Embora o conceito do desenvolvimento sustentável não seja uma novidade, é a primeira vez que um instrumento internacional de grande abrangência busca orientar, na forma de objetivos e metas específicos e sistemáticos, as políticas nacionais para o atingimento do desenvolvimento sustentável, o que requer a transformação dos estados e a criação de instituições funcionais. O bem-estar material ganha legitimidade quando conjugado com fórmulas que garantam a autonomia dos indivíduos no âmbito político e no exercício da vida em comunidade, levando em consideração sua relação com a natureza e o uso de recursos naturais necessários à sua sobrevivência.
A Agenda 2030 não requer a reinvenção da roda. Novas tecnologias e políticas públicas devem ser combinadas com as que já existem, levando em conta os novos contextos. Há fartas evidências de normas e políticas que têm produzido bons resultados, tanto no Brasil como em outros países. As comunidades têm demostrado grande capacidade de inovação e adaptação. Existem igualmente modelos de parcerias que envolvem diferentes países, esferas de governo, grupos sociais,  setor privado, setores informais, organizações não governamentais e outros que têm logrado conjugar as inovações sociais com os imperativos de cunho ambiental. O networking possibilitado pelas tecnologias de informação e comunicação abre portas para o compartilhamento de baixo custo de experiências inovadoras, com o envolvimento de múltiplos atores e permitindo, em muitos casos, a superação de dicotomias como Estado versus mercado. A Agenda 2030 combina, de modo ambicioso e inovador, os desafios centrais com que se defronta a humanidade neste início de século XXI com uma aposta no uso e no aperfeiçoamento de instrumentos políticos eminentemente democráticos.
O Brasil e a Agenda 2030: negociações, implementação e acompanhamento
Ainda durante a negociação da Agenda 2030 e dos ODS em Nova York, por iniciativa do Ministério das Relações Exteriores, foi constituído Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que reuniu 27 pastas governamentais e promoveu consultas à sociedade civil e outros atores interessados. O resultado desse processo foi o documento “Negociações da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015: elementos orientadores da posição brasileira”, que norteou os negociadores brasileiros, em consonância com o espírito participativo propugnado pela Agenda 2030.
Durante as negociações, o Brasil foi firme defensor do legado da Conferência Rio+20, sobretudo no que se refere à priorização da erradicação da pobreza. Durante todo o processo, enfatizou-se a importância de se construir uma cultura de integração temática, de forma a evitar abordagem fragmentada, numa linha de coerência com as posições do País desde Estocolmo e da Rio-92.
O maior desafio dos ODS constitui a sua implementação, já que envolve mudanças em muitas das formas como são estruturadas e conduzidas as políticas públicas, além de criatividade no uso dos instrumentos já existentes. Embora os objetivos e as metas tenham sido definidos para os governos nacionais, esta não é uma agenda que se limite ao poder central. Sua efetividade depende da participação das outras esferas de governo e da sociedade.
Tendo como referência a experiência do GTI, foi criada, em outubro de 2016, por meio de decreto presidencial, a Comissão Nacional para os ODS (CNODS), com a finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030 no Brasil. A CNODS é órgão de caráter consultivo, presidido pela Secretaria de Governo da Presidência da República e integrado por oito representantes governamentais, sendo um de governo estadual e um de municipal, além de oito representantes da sociedade civil, do setor privado e da academia, selecionados por meio de edital, para mandato de dois anos. A Comissão pode convidar também outros especialistas no curso de suas atividades e tem como órgãos assessores permanentes o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Dada a abrangência da Agenda 2030, a Comissão deve atuar como facilitadora dos processos democráticos de participação, visando inicialmente à familiarização com os ODS. A difusão da linguagem e dos princípios que norteiam o desenvolvimento sustentável poderá contribuir de forma relevante para a integração e a eficiência das políticas públicas. A organização da Agenda 2030 na forma de objetivos e metas específicos, devidamente elencados e numerados, contribui para sua melhor compreensão e identificação por parte dos agentes públicos e da sociedade como um todo. O principal propósito da Comissão será permitir com que o Estado e a sociedade se apropriem da Agenda 2030, compartilhando seus valores e adaptando-os à realidade brasileira.
Plano de ação 2017-2019
Apesar de seu pouco tempo de existência, a CNODS já lançou planos, estratégias e realizou eventos, em cooperação com inúmeros parceiros, para fazer chegar ao conhecimento dos brasileiros a Agenda 2030, instando-os à participação nos rumos do processo de desenvolvimento do País.
A Comissão lançou seu Plano de Ação 2017-19, composto por cinco eixos: gestão e governança da CNODS; disseminação da Agenda 2030; Agenda 2030 Brasil – internalização, territorialização e interiorização; e acompanhamento e monitoramento. Cada eixo conta com objetivos, resultados esperados, produtos, prazos e atores responsáveis por sua execução durante o biênio 2017-19.
A CNODS lançou também o “Prêmio ODS Brasil”, com o objetivo de incentivar, valorizar e dar visibilidade a práticas que contribuem para o alcance das metas da Agenda 2030 em todo o território nacional. O prêmio é dividido em quatro categorias: (i) Governos – práticas desenvolvidas pela administração direta e indireta dos estados, Distrito Federal e municípios; (ii) Organizações com fins lucrativos; (iii) Organizações sem fins lucrativos; e (iv) Instituições de ensino, pesquisa e extensão. A CNODS realizou seminários em todas as unidades da Federação para divulgar o prêmio.
O Ipea tem promovido diversos encontros para tratar da adequação das 169 metas dos ODS à realidade brasileira. Foram formados grupos de representantes de diferentes órgãos governamentais para discutir as metas propostas para cada um dos 17 ODS. Desse trabalho, surgirá relatório com as propostas das metas nacionais, inspiradas nas metas globais e adaptadas à realidade brasileira, para apreciação e eventual aprovação da CNODS. Esse processo tem dado à Agenda 2030 capilaridade nos órgãos governamentais, permitindo que os ODS comecem a orientar a pauta de políticas públicas de longo prazo do governo federal e subsidiem a elaboração do Plano Plurianual (PPA) do período 2020-2023 e dos ciclos subsequentes.
O IBGE tem atuado para organizar a atuação dos produtores de informação, para viabilizar a construção conjunta de indicadores nacionais para os ODS. Foi lançada a plataforma ODS, que reúne os indicadores para os ODS, com fichas metodológicas, tabelas, gráficos e mapas. Por meio dessa ferramenta, é possível conhecer em que etapa de construção encontra-se cada indicador, bem como identificar os que ainda não dispõem de dados ou metodologia definida e ainda aqueles que não se aplicam ao País.
O trabalho da CNODS contará com o auxílio de Câmaras Temáticas, que discutirão os ODS de maneira transversal e integrada, de forma a tornar a análise coerente e compatível com o equilíbrio entre as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável para cada uma das políticas públicas em execução ou que virão a ser lançadas. O objetivo é fazer com que as preocupações com a sustentabilidade passem a perpassar de maneira perene a elaboração das políticas públicas.
Outra iniciativa em andamento no poder público ocorre no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), que começa a introduzir critérios de sustentabilidade nos mecanismos de prestação de contas e transparência do Estado. Os ODS e suas metas têm inspirado e instruído esse processo.
Cabe mencionar igualmente alguns dos esforços empreendidos pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) na difusão e territorialização dos ODS. Essas iniciativas incluem, entre outros, (i) a publicação do “Guia para Localização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nos Municípios Brasileiros”; (ii) a chamada “Mandala ODS Municipal”, ferramenta destinada a diagnosticar, monitorar e avaliar o desempenho dos municípios em relação à implementação dos ODS; e (iii) a realização de mesas temáticas e eventos de divulgação da Agenda 2030.
Fórum dos países da América Latinae do Caribe
O acompanhamento global da implementação da Agenda 2030 dá-se sob os auspícios do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC, na sigla em inglês), por meio do Fórum Político de Alto Nível (HLPF, na sigla em inglês), instância que também teve sua origem na Rio+20 e que sucedeu a antiga Comissão de Desenvolvimento Sustentável. Durante período de vigência da Agenda 2030, o HLPF deverá reunir-se no mês de julho de cada ano e desempenhará a função de acompanhamento por meio de dois principais mecanismos: (i) debates gerais sobre um conjunto pré-definido de temas; e (ii) seguimento das estratégias nacionais de implementação mediante a apresentação de Relatórios Nacionais Voluntários. O Brasil apresentou seu primeiro relatório em 2017, ocasião em que delineou as principais estratégias da CNODS e dos demais parceiros. No plano regional, criou-se o Fórum dos Países da América Latina e do Caribe para o Desenvolvimento Sustentável, no seio da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Essa esfera regional tem o papel de adaptar a Agenda 2030 às particularidades da região e propiciar o compartilhamento de experiências entre os países. O primeiro encontro do Fórum Regional ocorreu na Cidade do México, de 26 a 28 de abril de 2016, e o segundo, em Santiago do Chile, de 18 a 21 de abril de 2018.
Um caminho para o futuro
O compromisso que a Agenda 2030 cria é de natureza política, em que se busca robustecer o contrato entre as pessoas e seus governos. Isso é feito por meio da incorporação às políticas públicas de fundamentos de consenso e preocupações globais incontornáveis, a fim de revigorar esse contrato.
A busca de coesão política em torno da Agenda 2030 contribui para adequar o modelo de desenvolvimento brasileiro, incorporando de forma crítica e democrática os preceitos do desenvolvimento sustentável. A atuação da sociedade brasileira é claro testemunho de sua capacidade de transformação ao longo de todas essas décadas, e isso não se resumiu a ações governamentais, mas ao envolvimento e à criatividade da sociedade civil, do setor privado, das iniciativas no âmbito local, no nível das famílias e dos indivíduos.
As ações da CNODS, por exemplo, têm encontrado enorme receptividade nos vários âmbitos em que tem atuado. Há um desejo vivo por novos modelos e parâmetros, inclusive em instâncias sociais que costumam estar mais à margem das decisões de poder. Os ODS constituem uma linguagem comum, democrática e mobilizadora de sociedades modernas e dispostas a levar adiante transformações ousadas e necessárias em seu modelo de desenvolvimento.
A Agenda 2030 constitui, pois, uma oportunidade ímpar para a adoção de um novo paradigma de desenvolvimento para o País. A CNODS vem trabalhando no sentido de consolidar e institucionalizar a Agenda e sua plena implementação como política de Estado, acima de conjunturas de curto prazo.
O texto integral em português da Agenda 2030 pode ser encontrado em: AGENDA 2030

Priscila Fonseca da Cruz Priscila Cruz é presidente-executiva e cofundadora do movimento Todos Pela Educação. É mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School of Government, graduada em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) e em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Foi coordenadora do Ano Internacional do Voluntário no Brasil, projeto que recebeu o destaque das Nações Unidas em 2001. Ajudou a fundar o Instituto Faça Parte em 2002, onde atuou como coordenadora até 2005. Em 2012, recebeu o Prêmio Jovem Liderança na Educação, do Grupo Estado, e o Prêmio Darcy Ribeiro, concedido pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados ao Todos Pela Educação. Em 2017, foi finalista do Prêmio Cláudia, na categoria Políticas Públicas. Olavo Nogueira Batista Filho É diretor de Políticas Educacionais do movimento Todos Pela Educação. É formado em Administração pela Universidade de Notre Dame (EUA) e pós-graduado em Gestão Pública pelo Centro de Liderança Pública (CLP). Trabalhou por três anos na ONG Parceiros da Educação (2010-2013) e outros três anos na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (2013-2016), tendo atuado como assessor do Secretário da Educação, Diretor de Tecnologias Educacionais e Coordenador de Informação, Monitoramento e Avaliação. Gabriel Barreto Correa É gerente de Políticas Educacionais do movimento Todos Pela Educação. É graduado e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo. Trabalhou com consultoria para empresas na Bain&Company e foi consultor temporário na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação).

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