03 abril 2020

5G Revolucionará Indústria, Serviços e Agronegócio

A revolução tecnológica provocada pelo 5G irá muito além de velocidades mais rápidas para assistirmos a séries na Netflix. A nova geração de telefonia móvel vai transformar a maneira como o mundo funciona, com a multiplicação exponencial da conexão entre dispositivos, robôs e máquinas, o uso de carros autônomos, a proliferação de cidades inteligentes e a banalização de experiências como realidade virtual.
Esse cenário não é algo abstrato que se materializará em um futuro incerto. Em 34 países do mundo, ele já é uma realidade, ainda que em estado incipiente. Na Coreia do Sul, quase 5 milhões de pessoas usam celulares conectados à quinta geração de telefonia móvel.[1] Na Suíça, fazendeiros monitoram a saúde e a produtividade de suas vacas em tempo real, graças a coleiras ligadas à rede 5G.[2]
A transformação aumentará a eficiência em fábricas, no setor de serviços, na logística e na agropecuária. Quem embarcar tarde nesse bonde perderá a chance de turbinar sua economia com ganhos de produtividade e atrair investimentos não só para a construção da infraestrutura do 5G, mas para setores que ganharão impulso com a nova tecnologia.
O 5G provocará uma revolução porque terá velocidade até 20 vezes maior que a existente no 4G e capacidade para transferência de quantidades massivas de dados.[3] A nova tecnologia também reduzirá a quase zero a chamada latência, que é o tempo para um comando ser respondido pela rede. Isso permitirá aplicações como cirurgias a distância, uso de carros autônomos e operação remota de máquinas de precisão em tempo real.
O número de aparelhos conectados à rede crescerá de maneira exponencial, o que dará impulso à Internet das Coisas. O 5G terá capacidade para conectar até 1 milhão de dispositivos por quilômetro quadrado, dez vezes mais que o 4G. O número de coisas ligadas à rede passará de estimados 8,3 bilhões, em 2019, para 21,5 bilhões em 2025, de acordo com estudo da IOT Analytics, especializada em Internet das Coisas.[4]
Autoridades europeias avaliam que a dianteira na adoção do 4G deu aos EUA a liderança na criação das gigantescas plataformas de internet que hoje estão entre as empresas mais valiosas do mundo, como Google, Amazon e Facebook. Agora, não querem ficar para trás no novo padrão.
No Brasil, o cenário mais otimista prevê a realização do leilão de concessão do serviço no fim deste ano, o que permitiria sua implementação a partir de 2021. Isso coloca o país na quarta (e última) categoria no desenvolvimento do 5G em ranking elaborado pela GSA, entidade que congrega 750 operadoras de telefonia ao redor do planeta.[5]
No topo da lista estão as 34 nações que já lançaram o serviço. Em seguida, aparecem as que iniciaram ofertas do 5G de maneira limitada. O terceiro lugar é dos países que implementam “ativamente” o 5G. Por fim, há os que estão “investindo” na nova geração de telefonia. O Brasil pertence a esse último grupo, no qual estão todos os países da América Latina que já deram os primeiros passos no setor, com exceção do Uruguai – o vizinho está na segunda categoria, de oferta limitada da rede.
A implementação do 5G é uma das decisões estratégicas mais importantes que o governo brasileiro tomará. Depois de oito meses de discussão, o edital de licitação das frequências para a nova geração de telefonia foi publicado no dia 17 de fevereiro e estará aberto a consultas públicas até 2 de abril. No ano passado, havia a expectativa de que o leilão fosse realizado no primeiro semestre de 2020, mas dúvidas sobre sua interferência em antenas parabólicas atrasaram o processo.
Ofensiva dos EUA contra a Huawei
O processo global de extensão do 5G ocorre em meio à ofensiva global dos Estados Unidos para tentar convencer países aliados a não permitirem o uso de equipamentos da chinesa Huawei em suas redes. Até agora, a pressão surtiu efeitos pífios. Os EUA pressionaram 61 países a bloquearem a fabricante chinesa do 5G. Até agora, só três se alinharam a Washington: Austrália, Nova Zelândia e Japão.[6] A mais recente derrota dos americanos foi registrada na Inglaterra, principal aliada internacional de Washington.[7] No fim de janeiro, o país anunciou que autorizará operadoras a usarem equipamentos da Huawei em suas redes, com exceção de áreas “críticas” do ponto de vista de segurança nacional. Londres também impôs um limite de 35% para a participação da Huawei no mercado.
Washington sustenta que a presença de produtos da empresa torna sistemas de telecomunicações vulneráveis à espionagem chinesa, mas não apresentou até agora provas de que isso ocorra. A Huawei é a maior fabricante mundial de equipamentos de telecomunicações, que estão presentes nas redes 4G da maioria dos países.
A decisão britânica fortalece a posição da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, que enfrenta resistência em seu próprio partido à sua inclinação de permitir a presença da companhia chinesa na infraestrutura 5G de seu país. A premiê teme que um eventual veto à Huawei prejudique as exportações alemãs. A China é o terceiro maior destino dos embarques do país e um dos principais clientes de sua indústria automotiva.
A administração Donald Trump também gostaria que o Brasil fechasse as portas para a Huawei, mas essa possibilidade parece remota, apesar da proximidade ideológica entre o presidente Jair Bolsonaro e o atual ocupante da Casa Branca.
Em reuniões com representantes de Washington, diplomatas brasileiros argumentam que a legislação brasileira não permite a discriminação contra uma empresa instalada no país. Além disso, não há no Brasil um mecanismo de revisão de investimentos estrangeiros semelhante ao existente nos EUA, onde o Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (Cfius) tem o poder de vetar operações específicas.
Mas, o governo pode decidir atrasar o leilão, na expectativa de que empresas dos EUA consigam desenvolver seus próprios produtos para redes 5G e participem da disputa. Por enquanto, só três empresas fornecem equipamentos completos para a infraestrutura do 5G: Huawei, a sueca Ericsson e a norueguesa Nokia. Segundo reportagem publicada pelo Wall Street Journal no dia 24 de janeiro, os EUA estudam dar apoio a empresas para desenvolvimento de uma concorrente da Huawei no prazo de 18 meses, o que cairia em meados de 2021.[8]
Em entrevista ao UOL no dia 12 de janeiro, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmou que o começo da implementação de “um piloto” do 5G poderia ocorrer apenas entre o fim de 2021 e início de 2022.[9]
Com participação de 52% no mercado brasileiro, a Ericsson acredita que o ideal é a realização do leilão até o fim de 2020, com o início das operações em 2021. Eventuais atrasos trarão custos para o país, na forma de perda de investimentos, arrecadação e competitividade. Estudo da empresa avalia que só em receita tributária, o Brasil deixaria de arrecadar R$ 25 bilhões anuais, em um cenário de atraso de 12 meses na implementação do 5G.
Tiago Machado, diretor de Relações Governamentais da Ericsson, diz que os R$ 25 bilhões não incluem o que deixaria de ser investido na criação da infraestrutura 5G, na produção e venda de smartphones e em fábricas e serviços que dependerão da nova tecnologia.[10] O executivo defende a necessidade de padrões rigorosos de segurança cibernética e de um elevado grau de confiança na rede móvel. Mas, ele vê com apreensão a ideia de um divórcio ou um “decoupling” tecnológico entre Ocidente, liderado pelos EUA, e Oriente, representado pela China. “Nós temos tecnologias globais, e o celular é a tecnologia mais global que existe. Uma separação não seria benéfica.”
Exclusão da Huawei seria prejudicial às operadoras
É importante ressaltar que não existe um padrão chinês, sueco ou norueguês de 5G. O padrão é um só, global. Quem participará do leilão de 5G no Brasil são as operadoras de telefonia, como Vivo, TIM, Claro e Oi, e não a Huawei, Ericsson ou Nokia. Essas são fabricantes de equipamentos, que serão contratadas pelos vencedores do leilão. As três atuam no Brasil há anos e seus produtos estão presentes na maior parte da infraestrutura de 2G, 3G e 4G do país. A Ericsson tem a liderança, com 52%, seguida por Huawei (35%) e Nokia.[11]
Analista para a América Latina da consultoria britânica Omdia, especializada em telecomunicações, Ari Lopes diz que a eventual exclusão da empresa chinesa do mercado brasileiro seria prejudicial para as operadoras. “Haveria um duopólio, com redução da concorrência e aumento dos preços.” Segundo ele, os países têm de se precaver e proteger suas infraestruturas de todos os riscos, não apenas os representados pela Huawei. “Nós temos que assumir que podemos ser espionados por todo mundo”, observou, depois de fazer referência às revelações de Edward Snowden sobre as atividades da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA.[12] Documentos divulgados pelo norte-americano em 2013 mostraram, entre outras coisas, que a NSA espionou a ex-presidente Dilma Rousseff e dirigentes da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Durante o evento Painel Telebrasil 2019, em maio, o CEO da Claro Brasil, José Félix, disse que o eventual veto à Huawei seria “um inferno” para a operadora, que tem equipamentos da fabricante chinesa nas suas redes 3G, 4G e 4,5G. “Quem iria pagar o custo que fatalmente existiria?”, perguntou. “Pensar na substituição da rede de um fabricante importante e de ponta não é uma conversa para nós, é para o Reino Unido, para Japão, para os EUA. Deixem eles lá e nós ficamos quietos aqui”, observou, antes de Londres anunciar sua decisão.[13]
Há outra razão para o Brasil não se atrasar na implementação do 5G. Pela primeira vez na história, o país contribuirá com tecnologia própria para o padrão de uma nova geração de telefonia. Desenvolvida em Santa Rita do Sapucaí (MG) pelo Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a inovação permitirá a implementação do 5G em áreas de baixa densidade demográfica, especialmente em zonas rurais.
Nas cidades, a nova rede terá velocidade altíssima, mas seu alcance será limitado, o que demandará um grande número de antenas. O Inatel desenvolveu estações rádio base e terminais que projetam o sinal do 5G em uma distância de 50 km, com velocidade igual ou maior do que a experimentada atualmente por moradores de centros urbanos que usam o 4G, disse Luciano Mendes, coordenador do Centro de Referência em Radiocomunicações (CRR) do instituto.[14]
“O acesso em áreas remotas é essencial para o Brasil poder usar a tecnologia para aumentar a competitividade da agropecuária”, afirmou o pesquisador. Entre exemplos de aplicação do 5G, Mendes mencionou o uso de inteligência artificial para monitoramento de pragas ou umidade, acompanhamento de rebanhos, avaliação ambiental e organização da logística. Será possível usar um grande número de sensores e rastreadores, que permitirão o diálogo entre as “coisas” na Internet das Coisas. O que controla a umidade poderá acionar o que está no sistema de irrigação, por exemplo. “É a primeira vez na história em que o Brasil atua de fato para influenciar a definição do padrão de comunicações móveis. Até agora, éramos apenas usuários”, ressaltou Mendes.
A construção desse padrão global ocorre de maneira colaborativa sob a coordenação do 3GPP, entidade que reúne representantes da indústria que dominam esse mercado. As empresas depositam suas inovações, que são incorporadas ao padrão e passam a estar disponíveis com o pagamento de royalties. Segundo o pesquisador do Inatel, o avanço do 5G ocorrerá em “ondas”. A original veio com o lançamento, em 2018, do Release 15, o primeiro documento do 3GPP com especificações dedicadas à quinta geração de telefonia móvel. Entre outros pontos, ele aborda a conexão massiva de dispositivos da rede e a comunicação entre veículos e outros aparelhos.[15] A versão 16 será lançada em junho e abrangerá o uso de carros autônomos, aplicações industriais da Internet das Coisas e o aperfeiçoamento das comunicações super-rápidas e com baixa latência.[16] A solução desenvolvida pelo Inatel deverá entrar no Release 17, que será lançado em 2021 e tratará, entre outras coisas, do aumento da cobertura do 5G.[17]
Entre as decisões cruciais que o governo deverá tomar em relação ao leilão está a contrapartida que será exigida das operadoras. O edital pode prever um modelo arrecadatório, no qual o vencedor pagará à União para usar a frequência 5G, ou que foque nos compromissos das operadoras, nos quais os recursos são aplicados na implantação da rede.
Operadoras e especialistas preferem a segunda opção, em razão dos potenciais benefícios que ela traz aos usuários. “O modelo não arrecadatório é o melhor para o país”, disse o diretor do Inatel, Carlos Nazareth Motta Martins. “No arrecadatório, as operadoras gastam muito para pagar a concessão e ficam com poucos recursos para investir na ampliação da rede.”[18]


1 – Matt Kapko, “South Korean Operators Tout Skyrocketing 5G Subscriptions”, SDXCentral, 7 de fevereiro de 2020, https://www.sdxcentral.com/articles/news/south-korean- operators-tout-skyrocketing-5g-subscriptions/2020/02/.

2 – Helena Fouquet e Albertina Torsoli, “Huawei in European 5G Heaven as Swiss Thumb Their Noses at Trump”, Bloomberg, 4 de março de 2020, https://www.bloomberg. com/news/articles/2020-03-04/huawei-finds-5g-heaven- in-switzerland-with-fitbits-for-cows.
3 – Tim Fisher, “How are 4G and 5G different?”, Lifewire, 2 de março de 2020, https://www.lifewire.com/5g-vs- 4g-4156322.
4 –  “State of the IoT 2018: Number of IoT devices now at 7B – Market accelerating”, IOT Analytics, 8 de agosto de 2018, https://iot-analytics.com/state-of-the-iot-update- q1-q2-2018-number-of-iot-devices-now-7b/.
5 –  “5G Market Status: Snapshot January 2020”, Global mobile Suppliers Association, https://gsacom.com/ technology/5g/.

6 – Evan Osnos, “The Future of America’s Contest with China”, 6 de janeiro de 2020, The New Yorker, https:// www.newyorker.com/magazine/2020/01/13/the-future-of- americas-contest-with-china.
7 –  Ryan Heath e Nancy Scola, “Huawei decision shows the limits of U.S. power — and Britain’s”, Politico, 28 de janeiro de 2020, https://www.politico.com/ news/2020/01/28/huawei-great-britain-107844.

8 –  Bob Davis, “Pentagon Blocks Clampdown on Huawei Sales”, 24 de janeiro, 2020, https://www.wsj.com/ articles/pentagon-blocks-clampdown-on-huawei- sales-11579870801
9 – Paulo Saldaña e Luciana Amaral, “Implementação do 5G só começa em 2022, diz ministro da Ciência”, UOL, 12 de janeiro de 2020, https://www1.folha.uol.com.br/ ciencia/2020/01/implementacao-do-5g-so-comeca-em- 2022-diz-ministro-da-ciencia.shtml
10 -Entrevista à autora.
11 – Estimativas de fontes do mercado ouvidas pela autora. 12 Entrevista à autora.
13 – Henrique Julião, “Restringir Huawei no País causaria ‘inferno’, dizem operadoras”, https://teletime.com. br/21/05/2019/restringir-huawei-no-pais-causaria- inferno-para-teles-diz-jose-felix/.
14 – Entrevista à autora.

15 – “Release 15”, 3rd Generation Partnership Project (3GPP), https://www.3gpp.org/release-15.

16 – “Release 16”, 3rd Generation Partnership Project (3GPP), https://www.3gpp.org/release-16.
17 – “Release 16”, 3rd Generation Partnership Project (3GPP), https://www.3gpp.org/release-17.
18 – Entrevista à autora.



Cláudia Trevisan é diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, ex-correspondente do jornal O Estado de S.Paulo nos EUA e na China, autora dos livros “Os Chineses” e “China – O Renascimento do Império” e mestre pela Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins.

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