Rubens Barbosa: Baixa credibilidade do governo reduz impacto de falas de Bolsonaro a embaixadores
Para o diplomata brasileiro, observadores externos conseguem separar as declarações do presidente das ações práticas do país na política e nas suas relações com o mundo, o que limita as consequências dos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Barbosa vê o Itamaraty atuando para restaurar suas tradições, embora o presidente seja o responsável pela definição da política externa
Para o diplomata brasileiro, observadores externos conseguem separar as declarações do presidente das ações práticas do país na política e nas suas relações com o mundo, o que limita as consequências dos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Barbosa vê o Itamaraty atuando para restaurar suas tradições, embora o presidente seja o responsável pela definição da política externa
Por Daniel Buarque
Apesar de adicionar um elemento negativo à já desgastada reputação internacional do Brasil, o discurso do presidente Jair Bolsonaro a embaixadores atacando o sistema eleitoral brasileiro não deve ter um grande impacto sobre o papel internacional do país. Para o diplomata Rubens Barbosa, o resto do mundo consegue separar as falas do presidente das ações do Brasil, especialmente na diplomacia. Além disso, a baixa credibilidade do governo atualmente faz com que essas declarações sejam limitadas em suas consequências.
Coordenador editorial da Interesse Nacional, Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., e é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice). Para ele, o Ministério das Relações Exteriores teve sua reputação afetada pela ação do governo Bolsonaro em seus dois primeiros anos, mas a atual gestão do Itamaraty está atuando para restaurar as políticas tradicionais do MRE –e não se envolveu no encontro do presidente com embaixadores.
Entretanto, ele ressalta que a Constituição determina que quem decide sobre a política externa é o presidente da República. “Por isso, não se pode dizer que não haja influência bolsonarista na diplomacia brasileira, mas os excessos, na medida do possível, estão sendo controlados”, avaliou.
Leia a entrevista completa abaixo
Daniel Buarque – A reação internacional ao discurso de Bolsonaro sobre a possibilidade de fraude eleitoral pareceu não dar credibilidade às acusações. Que impacto o encontro de Bolsonaro com embaixadores pode ter sobre o lugar do Brasil no mundo?
Rubens Barbosa – A percepção externa sobre o Brasil hoje é muito negativa em função sobretudo da política ambiental em relação à Amazônia. O encontro do Presidente com os representantes diplomáticos no Alvorada acrescentou mais um elemento negativo sobre a maneira como o mundo vê o Brasil, mas não terá nenhum impacto adicional, dada a baixa credibilidade do governo brasileiro. O mundo hoje separa as falas e atitudes do Presidente da ação política da Chancelaria.
Daniel Buarque – Muitos observadores e a imprensa internacional dizem que o discurso serviu para preparar terreno para a possibilidade de Bolsonaro rejeitar o resultado das urnas. Baseado na reação internacional até agora, como acha que o mundo se comportaria em relação ao Brasil no caso de um golpe de Bolsonaro?
Rubens Barbosa – O encontro foi mais um episódio no roteiro –moldado no exemplo do presidente Trump nos EUA– para a contestação dos resultados eleitorais em outubro, mas não acredito que, no Brasil, o desenlace seja idêntico ao ocorrido em Washington em janeiro passado, nem muito menos que haja condições para um golpe de Estado por dois motivos: a sociedade brasileira não apoiará um ataque ao Estado Democrático de Direito e as Forças Armadas não respaldarão uma ação que ameace as instituições. O que não quer dizer que a sociedade civil não deva estar atenta para a preservação da democracia, das instituições e dos resultados nas urnas.
Daniel Buarque – Como vê o envolvimento do Itamaraty no evento em que a Presidência convidou embaixadores estrangeiros para acusar o sistema eleitoral brasileiro?
Rubens Barbosa – O Itamaraty não se envolveu no evento. O convite foi formulado pelo Cerimonial do Palácio do Planalto. Apesar disso, vai haver comentários de que o Itamaraty foi atingido em sua credibilidade. Na realidade, os representantes diplomáticos sediados em Brasília sabem distinguir entre as posições defendidas profissionalmente pela Diplomacia e as iniciativas do Palácio do Planalto que, embora voltadas para a política interna, têm implicações no trabalho do Itamaraty.
Daniel Buarque – O MRE é reconhecido internacionalmente como um dos melhores serviços de política externa do mundo. Acha que a associação a Bolsonaro em um evento assim pode afetar a reputação do Itamaraty?
Rubens Barbosa – A reputação do Itamaraty foi afetada pela ação da política externa nos dois primeiros anos do atual governo. O atual ministro está, na medida do possível, restaurando as políticas tradicionais do MRE, mas, segundo a Constituição, em um regime presidencialista, quem decide sobre a política externa é o presidente da República.
Daniel Buarque – A Associação dos Diplomatas Brasileiros divulgou uma nota em defesa das urnas eletrônicas. Mas o MRE não se posicionou contra o discurso do presidente. Há algum tipo de divisão entre os diplomatas brasileiros?
Rubens Barbosa – A ADB é o sindicato da profissão e fala em nome de seus associados. Estou certo de que muitos diplomatas da ativa no Itamaraty são contra essas manifestações contra as urnas eletrônicas, até porque, no exterior, quem coordena as eleições são os diplomatas, mas como carreira de Estado hierarquizada, dificilmente poderia ser esperada manifestação pública de seus membros contra políticas oficiais.
Daniel Buarque – A troca de ministros com a saída de Ernesto Araújo e a chegada de Carlos França foi saudada como uma volta à normalidade do Itamaraty, deixando de lado a ideia aceita por Araújo de que o Brasil poderia se tornar um pária internacional. O que este evento diz sobre o Itamaraty liderado por França? Ainda pode-se ver influência da ideologia bolsonarista na diplomacia brasileira?
Rubens Barbosa – A atuação da diplomacia brasileira hoje é muito diferente daquela que falava pelo Brasil nos dois primeiros anos do atual governo. Apesar de o Itamaraty não ter se envolvido na preparação do evento do Alvorada, o ministro França, assim como o Ministro da Defesa estiveram presentes, convocados pelo Presidente Bolsonaro. Por isso, não se pode dizer que não haja influência bolsonarista na diplomacia brasileira, mas os excessos, na medida do possível, estão sendo controlados.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional