Editorial: Tensões globais se agravam com acirramento das relações EUA-China
Cenário de estresse gerado pela guerra na Europa se torna ainda mais complicado pela viagem da presidente da Câmara dos EUA, que foi vista como provocação pela China e aumentou a preocupação com o risco de conflito entre potências
Cenário de estresse gerado pela guerra na Europa se torna ainda mais complicado pela viagem da presidente da Câmara dos EUA, que foi vista como provocação pela China e aumentou a preocupação com o risco de conflito entre potências
Por Rubens Barbosa*
As tensões no cenário internacional continuam a aumentar. Além dos desdobramentos da guerra da Ucrânia, com o aumento do poder de fogo das forças armadas de Zelensky e a prometida nova estratégia russa de ocupar territórios adicionais e afastar o presidente ucraniano, nesta semana, os atritos entre os EUA e a China aumentaram significativamente com a viagem da presidente do Congresso norte americano Nancy Pelosi a Taiwan.
Apesar dos esforços de Biden de dissuadi-la, Pelosi manteve a viagem, por muitos considerada inoportuna, imprudente e contrária aos interesses de Washington. O Presidente norte-americano assegurou ao líder chines, Xi Jinping, que a viagem não significava uma mudança da política de Washington de ‘Uma só China”, mas a reação chinesa era previsível, também por motivações internas, em função da eleição para o cargo supremo em Beijing em novembro para o qual Xi Jinping está concorrendo e deverá sair vencedor. A desaceleração da economia, as dificuldades com o controle da Covid-19 estão preocupando Xi, mas uma crise com Taiwan não estava nos planos do líder chinês.
Como era previsível, o governo chinês reagiu com mobilização de tropas e exercícios militares ao redor da Ilha e em águas territoriais taiwanesas para mostrar quem manda naquele pedaço.
As relações com os Estado Unidos e a China estão em seu nível mais baixo, e Biden teve de ouvir Xi dizer que quem brinca com fogo pode se queimar, e que os militares chineses não iriam ficar de braços cruzados.
Não há clima para um ataque a Taiwan pela China agora, sobretudo levando em conta as sanções e a reação Ocidental liderada pelos EUA que certamente viriam. Mas, como diz o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, um erro de cálculo pode levar a humanidade a uma guerra de destruição nuclear inimaginável.
Os EUA, porém, continuam brincando com fogo por razões de natureza política interna. O governo democrata enfraquecido, com o país dividido, responde à maioria da população e do establishment ao se colocar em defesa de Taiwan e contra a China, considerada hoje o grande opositor dos EUA. Para a sociedade norte-americana, a Guerra Fria nunca terminou e no momento vivemos o início de uma nova confrontação, desta vez com a China.
Enquanto isso, a Rússia, que enfrenta dificuldades para avançar em sua estratégia na Ucrânia, divulgou uma nova doutrina naval, que prevê a defesa das fronteiras marítimas com “qualquer meio” disponível e aponta Estados Unidos e Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) como principais ameaças.
Adicionalmente, colocou-se ostensivamente ao lado da China na crise sobre Taiwan, além de acusar os EUA de interferência direta na guerra da Ucrânia pelo compartilhamento de informações de inteligência e de ameaçar cortar todo o gás fornecido a Europa. Está em curso uma clara escalada retórica e militar que não se sabe aonde vai levar.
Se isso não fosse pouco, o Irã, depois de receber Vladimir Putin, anunciou que tem a capacitação para produzir bombas atômicas, embora não pretenda desenvolver esse projeto, coincidindo com as negociações nas Nações Unidas, no contexto da 10ª. Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares sobre formas de restringir a expansão de países com capacidade de produzir armas de destruição em massa.
E assim caminha a humanidade, aos trancos e barrancos, sem que a grande maioria dos países esteja de acordo com o que está acontecendo no mundo e agora, de uma hora para outra, vivendo perigosamente com uma ameaça de um erro de cálculo ocasionar a perspectiva de uma guerra de consequências imprevisíveis no momento em que a desigualdade, a fome, os problemas climáticos e a pandemia afetam boa parte da população do globo.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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