Boas notícias viram más notícias para os povos indígenas do Brasil
Após vitória em votação sobre marco temporal no STF, pauta destinada a limitar seus direitos avançou no Congresso. Para professor, se Lula quiser salvar a Amazônia, terá que lutar contra um Legislativo fortalecido para ajudar os indígenas a obterem o que é deles por direito
Após vitória em votação sobre marco temporal no STF, pauta destinada a limitar seus direitos avançou no Congresso. Para professor, se Lula quiser salvar a Amazônia, terá que lutar contra um Legislativo fortalecido para ajudar os indígenas a obterem o que é deles por direito
Por Robert Toovey Walker*
No final do ano passado surgiram ótimas notícias para os indígenas do Brasil, mais precisamente em 21 de setembro de 2023. Foi nesse dia que o mais alto tribunal do país decidiu sobre uma ação judicial envolvendo o povo Xokleng, o Estado de Santa Catarina, e o já controverso marco temporal.
Santa Catarina havia expulsado os Xokleng das terras que o estado desejava administrar como reserva natural, dizendo-lhes que eles não haviam residido tempo suficiente para estabelecer uma reivindicação. Em particular, eles não estavam presentes em 5 de outubro de 1988, o marco temporal, que também é a data em que a Constituição de 1988 foi promulgada.
Ao decidir contra o estado de Santa Catarina em uma decisão de 9 a 2, o tribunal julgou inconstitucional a tese jurídica do marco temporal. Esta foi uma excelente notícia para os povos indígenas do Brasil e seus apoiadores.
Infelizmente, boas notícias podem abafar qualquer má notícia que as siga, especialmente se as notícias têm sido ruins por muito tempo. Para os indígenas do Brasil, o governo do presidente Jair Bolsonaro foi apenas más notícias. O histórico dele em questões indígenas é bem conhecido, então não preciso elaborar aqui.
Seja qual for o verdadeiro sentimento de Lula sobre os direitos indígenas, Bolsonaro lhe proporcionou uma oportunidade de ouro durante a campanha presidencial para se apresentar como uma alma simpática, em contraste gritante com um admirador das violentas investidas da cavalaria que subjugaram os povos indígenas do Oeste Americano no século XIX. Não é surpresa, então, que Lula tenha assumido o cargo com promessas sobre como melhoraria as coisas para os cidadãos indígenas do Brasil.
Lula agiu rapidamente. No primeiro ano de seu governo, ele criou um novo ministério, o Ministério dos Povos Indígenas, e colocou uma conhecida ativista indígena no comando, Sonia Guajajara. Ele viajou para o território Yanomami para testemunhar seu desastre humanitário em curso. Renomeou a Funai para Fundação dos Povos Indígenas, mais em sintonia com a terminologia contemporânea. E deu um impulso a um processo que havia emperrado durante os anos Bolsonaro, o reconhecimento de Territórios Indígenas.
De todas as ações de Lula, esta pode ser a mais importante, pois fornece aos povos indígenas os meios de sua subsistência e integridade cultural. Também se encaixa bem com outro componente importante da plataforma e política de Lula, a conservação da Amazônia. Pesquisas mostram claramente um efeito de “conservação” para terras sob gestão indígena. E Sonia Guajajara nunca se cansa de argumentar que os povos indígenas são essenciais na batalha contra as mudanças climáticas globais.
Infelizmente para Lula e Guajajara, o Congresso brasileiro lançou o desafio a tudo isso, o que é uma má notícia para os povos indígenas do Brasil e seus apoiadores – a má notícia à qual aludi no início.
Em essência, a Câmara dos Deputados e o Senado colocaram o governo federal em aviso prévio de que farão as coisas do seu jeito e não apreciam muito a intromissão do Executivo ou o raciocínio judicial. Para deixar claro seu ponto de vista, eles detonaram uma bomba legislativa em 27 de setembro de 2023, quando o Senado aprovou o PL 2903 após aprovação na Câmara dos Deputados, um pacote de legislação destinado a limitar os direitos territoriais indígenas, incluindo o marco temporal.
Para agravar a situação, o Senado fez isso apenas alguns dias depois de o Supremo Tribunal ter declarado a tese do marco temporal como inconstitucional. Se você achar surpreendente que seja possível aprovar uma lei cujo conceito central foi declarado inconstitucional, você não está sozinho.
Uma verdadeira batalha está se formando no Brasil sobre essa questão, e seu resultado determinará o futuro dos povos indígenas do Brasil. Lula tem um papel importante a desempenhar, obviamente, já que tudo parece estar se encaminhando para uma crise agora, talvez por causa das incríveis riquezas apenas esperando para serem exploradas na Amazônia. O Congresso brasileiro se transformou em um formidável oponente. Lula pode suportar os golpes e advogar eficazmente pelos brasileiros indígenas?
É muito cedo para dizer, mas podemos obter algumas informações considerando seu histórico até o momento no reconhecimento de Territórios Indígenas. Obviamente, pelo que acabei de dizer, há uma tremenda oposição a isso no Congresso brasileiro. No entanto, o reconhecimento de Territórios Indígenas continua sendo largamente uma prerrogativa do Poder Executivo Federal, nesse caso, devemos nos perguntar, o que o presidente fez a respeito no seu primeiro ano de mandato?
Antes de fornecer uma avaliação breve, é importante fazer uma distinção entre a demarcação de um Território Indígena e sua homologação. A demarcação mapeia as fronteiras físicas do território uma vez que a Funai dá o aval para fazê-lo. Isso ocorre antes da homologação, que envolve a aprovação final que estabelece o território como uma entidade legal. A homologação vem no final de um longo processo envolvendo comentários públicos e, em muitos aspectos, é mais ou menos um “carimbo”. Essa distinção é importante porque a mídia geralmente relata que Lula está demarcando Territórios Indígenas quando, na verdade, ele os está homologando.
Para ser específico, ao longo de seu primeiro ano de mandato, Lula homologou oito Territórios Indígenas, abaixo dos 14 planejados. Dessas oito, quatro foram homologadas nos estados do Acre e Amazonas, e suas terras cobrem 7.770 km², cerca do dobro da quantidade de desmatamento ocorrido em 2023.
Então, o que esses números mostram? Bem, não muito. Isso ocorre porque, em todos os casos, Lula escolheu “frutas maduras” ao homologar territórios que já estão essencialmente sob controle indígena. Como resultado, o efeito de conservação provavelmente está em jogo. Para fortalecer verdadeiramente a conservação, Lula teria que demarcar novos territórios em áreas mais vulneráveis à grilagem de terras.
Deve preocupar os aliados indígenas de Lula que os esforços para obter o reconhecimento territorial formal em cada um dos casos amazônicos tenham começado antes de 2003, o primeiro ano de seu primeiro mandato. Por algum motivo, Lula e depois Dilma não concluíram o trabalho quando tiveram a chance.
Isso indica oportunismo por parte de Lula? Ele está empurrando a homologação para manter seu eleitorado? Ou ele mudou suas prioridades? Afinal, conceder grandes extensões de terra amazônica aos povos indígenas não era consistente com os esforços hercúleos durante seus primeiros mandatos para construir mega-barragens nos rios Xingu, Tapajós e Madeira.
Seja qual for a explicação, uma coisa é clara. Se Lula vai “salvar” a Amazônia e assumir o centro do palco na batalha contra o aquecimento global, ele terá que lutar contra um Congresso fortalecido para ajudar os povos indígenas do Brasil a obterem o que é deles por direito constitucional.
*Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
Leia os artigos de Robert Toovey Walker
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional