08 maio 2024

Prevenção e conscientização poderiam ter minimizado catástrofe no sul

A causa imediata das enchentes decorre dos elevados índices pluviométricos, que resultam no transbordamento de rios, lagoas, córregos, diques e barragens. Mas o problema vai muito além das causas naturais: a ocupação desordenada do solo, o desmatamento e a impermeabilização das áreas urbanas agravam a situação, tornando as cidades mais vulneráveis às inundações

Área afetada pelas chuvas no Rio Grande do Sul (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Por Roberlaine Ribeiro Jorge*

Na última semana, o estado do Rio Grande do Sul se transformou em um cenário desolador, ocasionado pelas chuvas excessivas. O problema afeta todo o estado, que tem hoje dois terços dos seus municípios em estado de calamidade pública.

A causa imediata das enchentes decorre dos elevados índices pluviométricos, que resultam no transbordamento de rios, lagoas, córregos, diques e barragens. Mas o problema vai muito além das causas naturais: a ocupação desordenada do solo, o desmatamento e a impermeabilização das áreas urbanas agravam a situação, tornando as cidades mais vulneráveis às inundações.

Eu atuo como professor da Universidade Federal do Pampa – Unipampa, no Campus da cidade gaúcha de Alegrete, onde temos pesquisadores que estudam os fenômenos climáticos e seus efeitos, e que podem contribuir na formulação de políticas governamentais de proteção ao meio ambiente e na elaboração de projetos que possam mitigar os efeitos adversos das chuvas e outras anomalias do clima.

A tragédia vista de perto

Eu estive nos últimos quinze dias em viagem a trabalho na Europa e na África e, ao retornar ao Rio Grande do Sul, deparei-me com a maior catástrofe ambiental ocorrida no estado. Eu morei por muitos anos em Porto Alegre, estou há dez anos em Alegrete e posso dizer que nunca tinha visto nada igual.

O quadro no estado supera a enchente de 1941, a mais grave até então. Os impactos das enchentes vão de perdas materiais, riscos à vida, a danos aos ecossistemas aquáticos e terrestres, causando a morte de animais, destruição da vegetação e contaminação dos recursos hídricos. Ocorrem também impactos aos serviços públicos básicos, como água potável e eletricidade.

No meu retorno a Alegrete, partindo de Porto Alegre, no dia 3 de maio, só consegui chegar ao meu destino por um intervalo de poucas horas. No meio do caminho, soube da interdição do Aeroporto Salgado Filho e da Rodoviária de Porto Alegre por tempo indeterminado.

O presidente da República e parte dos seus ministros já estiveram duas vezes no estado em menos de três dias, haja vista a gravidade da situação e a necessidade de uma ação urgente por parte dos nossos governantes de todas as esferas: municipal, estadual e federal.

De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), o estado do Rio Grande do Sul ainda tem a possibilidade muito alta de novas ocorrências hidrológicas, devido à permanência das inundações e ao aumento do nível fluviométrico em vários municípios, decorrente do deslocamento da onda de cheia, dos acumulados de chuva dos últimos dias e das condições de saturação do solo.

A Bacia do Lago Guaíba recebe a água que se desloca pela onda de cheia das bacias a montante, todas em situação acima da cota de transbordamento, o que agrava muito a situação da capital gaúcha. O muro da Mauá, que é parte de um sistema de proteção contra cheias, foi projetado para suportar 6 metros de elevação do Lago Guaíba, que já se encontra em 5,35 metros, maior nível já registrado.

As águas já estão extravasando o muro e a situação não é mais caótica em função do retardamento da entrada da água que a estrutura do muro e comportas da Mauá impõem, diferentemente do corrido na região do Taquari, onde a inundação se deu de forma mais abrupta.

Outra situação que preocupa a todos é o deslizamento de encostas e, de acordo com o Cemaden, há a possibilidade de ocorrência de movimentos de massa (em amarelo, na figura ao lado) nas Mesorregiões Metropolitana de Porto Alegre, Centro Ocidental e Centro Oriental Rio-Grandense, devido aos elevados acumulados de chuva registrados na última semana. Neste cenário, ainda podem ocorrer deslizamentos, tanto em encostas urbanizadas como em encostas naturais, além de eventuais quedas de barreira à margem de estradas e rodovias, mesmo em períodos sem chuva.

Prevenção e mitigação

As enchentes que temos observado no Brasil representam um desafio constante para a população, as autoridades e os órgãos ambientais. A adoção de medidas preventivas eficazes é fundamental para reduzir os impactos desses eventos naturais e evitar sua reincidência.

O planejamento urbano sustentável, o investimento em infraestrutura, o monitoramento climático, a educação ambiental e a recuperação de áreas degradadas são algumas das ações que podem contribuir para a prevenção e o controle das enchentes. A conscientização da sociedade, a participação ativa das comunidades e o engajamento dos governantes são essenciais para garantir a segurança e o bem-estar da população frente a esse desafio ambiental.

A recorrência de enchentes como a que enfrentamos hoje mostra que é imprescindível adotar medidas para mitigar os seus impactos. Algumas das ações que podem ser implementadas incluem:

1. Planejamento Urbano Sustentável: Promover um planejamento urbano que leve em consideração a preservação de áreas verdes, a implantação de sistemas de drenagem eficientes e a proibição de construções em áreas de risco.

2. Investimento em Infraestrutura: Investir em sistemas de saneamento básico, como redes de esgoto e de captação de águas pluviais, para prevenir o acúmulo de água e o transbordamento de rios e córregos.

3. Monitoramento Climático: Implementar sistemas de monitoramento climático e de alerta precoce, que permitam prever a ocorrência de chuvas intensas e tomar medidas preventivas com antecedência.

4. Educação Ambiental: Promover a conscientização da população sobre a importância da preservação ambiental, do descarte correto de resíduos e da redução do consumo de recursos naturais, visando a minimização dos impactos das enchentes.

5. Recuperação de Áreas Degradadas: Realizar a recuperação de áreas degradadas, como margens de rios e nascentes, por meio de projetos de reflorestamento e conservação da biodiversidade, contribuindo para a redução do escoamento superficial da água.

Diante desse cenário, é fundamental adotar medidas preventivas eficazes para minimizar os impactos das enchentes e evitar sua reincidência. Nos últimos anos, temos nos deparado com fenômenos climáticos sem precedentes e todos eles com efeitos extremamente danosos.

No Rio Grande do Sul, estamos enfrentando a maior enchente de toda a história. Mas, se nada for feito, seguramente outras virão.


*Roberlaine Ribeiro Jorge é doutor em recursos hídricos e saneamento ambiental pela Universidade Federal do Pampa

Leia o artigo original.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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