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Interesse Nacional
04 setembro 2024

Uma estratégia para São Paulo  

Capital paulista tem o potencial de conduzir uma transformação econômica necessária para o desenvolvimento não apenas da cidade, mas do próprio país. O estabelecimento de uma indústria e de um setor de serviços modernos e de alta complexidade, capazes de responder aos velhos e novos problemas das cidades brasileiras, exige uma atuação corajosa e articulada do poder público, investindo e induzindo essa transformação

Por Lidia Goldenstein, Rovena Negreiros e Ricardo Ferreira*

Ilustração criada por inteligência artificial mostra como a cidade de São Paulo pode incorporar a ideia de inovação para desenvolver sua economia e se tornar um destaque global (Foto: Dall-e).

1 – A inovação como estratégia

Pelo seu tamanho e papel na economia brasileira, a metrópole de São Paulo não só pode como precisa exercer um papel de liderança das economias do estado e nacional. 

Em 2021, a participação da cidade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi de 9,2%, mais do que o dobro da segunda colocada, Rio de Janeiro, com 4%.

No entanto, esse número segue uma tendência de queda. Em 2002, São Paulo respondia por 12,7% do PIB do país. Em 2020, caiu para 9,8%. Tal dinâmica também se observa quando olhamos apenas para o estado de São Paulo. Em 2002, a capital representava 36,4% do PIB estadual, e passou a representar 30,5%, em 2021.

Mas mesmo com a redução relativa de sua importância econômica, São Paulo segue tendo um peso incontestável na economia do país e do estado, permitindo-lhe ainda exercer este papel de liderança visto que qualquer movimento da sua economia tem impactos profundos e diretos na economia do estado e do país (1).

‘Os problemas que a cidade enfrenta revelam urgência e portanto exigem uma “economia dinâmica”’

Mas sobretudo precisa exercê-lo porque os problemas que enfrenta revelam urgência e portanto exigem uma “economia dinâmica” capaz de  gerar os recursos necessários para fazer frente aos gastos e investimentos necessários. 

Mas o que é uma “economia dinâmica”? Impossível pensá-la sem associar à modernização do Estado, ao fortalecimento e geração de setores econômicos plugados nas cadeias de produção internacionais. Mais ainda, impossível pensar em uma economia dinâmica sem que esteja conectada às profundas e radicais inovações tecnológicas que vêm pautando novas formas de produção, distribuição e competição, moldando e definindo inclusive novos setores que passam a determinar o dinamismo das economias e, até mesmo, uma nova geografia econômica internacional.

A cidade de São Paulo e sua região metropolitana carregam problemas dramáticos, herdados de um velho paradigma de crescimento industrial que vem perdendo sua capacidade de gerar renda e emprego.

‘Uma “zeladoria” pontual não resolve, apenas adia ou minimiza os problemas e recolocará necessidade de mais recursos para enfrentá-los mais para frente.’

O abandono e precariedade de bairros inteiros nos quais as indústrias antes existentes fecharam ou mudaram para outros lugares fora da cidade e da RMSP, a falta crônica de moradia associada a ocupação de áreas de risco, os problemas de transporte e seus efeitos ambientais perversos, a qualidade e baixa eficácia na oferta dos serviços e infraestrutura urbana na sua forma heterogênea de atender a metrópole, são todos problemas graves que exigem soluções coordenadas e de fôlego. Uma “zeladoria” pontual não resolve, apenas adia ou minimiza os problemas e recolocará necessidade de mais recursos para enfrentá-los mais para frente.

É preciso gerar recursos para atacar os velhos e novos problemas, e só através da modernização da economia com geração de um ciclo dinâmico virtuoso será possível atrair os investimentos que permitam que a metrópole tenha uma economia forte e sustentável que gere emprego e renda e os recursos necessários. 

Mas para isso é preciso coordenação e uma liderança que compreenda o papel que a metrópole de São Paulo pode e precisa exercer. 

Uma liderança que compreenda que velhos instrumentos de política pública não dão mais conta da magnitude dos problemas existentes e, muito menos, de criar as condições para que a cidade se recoloque como polo de atração de investimentos em um mundo no qual as transformações tecnológicas e a Intensidade do processo de globalização impõem novas dinâmicas, novas necessidades e, sobretudo, uma liderança ousada que repense o seu papel.

‘A formulação de estratégias de política pública que tenham impacto na dinâmica econômica e social aliada à restauração urbanística da cidade (e através dela impactos estaduais e nacionais) passa a ser primordial para alcançar objetivos de uma metrópole inovadora e sustentável’

Neste contexto, a formulação de estratégias de política pública que tenham impacto na dinâmica econômica e social aliada à restauração urbanística da cidade (e através dela impactos estaduais e nacionais) passa a ser primordial para alcançar objetivos de uma metrópole inovadora e sustentável. E isso só será possível com a modernização da governança atual e com a eleição da inovação como o mote transversal que deve pautar a gestão em toda sua atuação. Exemplos de sucesso internacionais de cidades globais e do porte de São Paulo que utilizaram a inovação como ferramenta de gestão e modernização impactando toda a economia são inúmeros e serão mostrados mais para frente.

Mais ainda, a indução da inovação  (no seu sentido mais amplo: inovação tecnológica ou não tecnológica, inovação de processos, de produtos, de gestão etc, etc), tanto na gestão pública como nos diferentes setores da economia, melhora o ambiente de negócios, cria atratividade para novos investimentos, quer locais quer internacionais, bem como permite atrair e reter talentos gerando assim um ciclo virtuoso com a retomada do dinamismo da economia local. 

Ao invés de uma busca inócua de ressuscitar setores fadados à obsolescência em decorrência dos avanços da globalização e da revolução tecnológica que vêm pautando a dinâmica econômica internacional, trata-se de atrair e fortalecer novos setores e/ou modernizar os setores que ainda tem espaço para crescer e prosperar.

‘A proposta aqui é a de recuperar o papel de liderança da metrópole e transformar São Paulo em um grande laboratório de inovação urbana’

A proposta aqui é a de recuperar o papel de liderança da metrópole a partir de uma nova dinâmica econômica capitaneada pela inovação no seu sentido mais amplo: transformar São Paulo em um grande laboratório de inovação urbana nas mais diferentes áreas, com a atração e utilização de parcerias internacionais.

Os exemplos internacionais de cidades que a partir de gestões inovadoras lideraram uma transformação radical não só do seu espaço urbano mas da sua economia podem ser inspiradores e mostrar caminhos alternativos à atual situação de perda de dinamismo e competitividade da economia paulistana. Cidades ao redor do mundo (e isso inclui cidades do Sul Global e mesmo outras cidades brasileiras), têm dedicado esforços para atrair investimentos, empresas e talentos sobretudo na área de tecnologia.

Diferente do antigo modelo dos clusters industriais, especializados em uma única atividade, cujos transbordamentos de conhecimento tácito são intrasetoriais, metrópoles diversas como Londres, Nova Iorque, Tóquio e Cidade do México, conseguem promover transbordamentos intersetoriais. Nesse sentido, a relevância da cidade como catalisadora da criatividade e da inovação vem não só da sua capacidade de ser um espaço onde as interações surgem naturalmente, mas sobretudo da sua capacidade de gerar diversidade, tanto em termos de sua população como das suas atividades econômicas. 

‘Da combinação entre especialização e diversidade emergem as interações complexas que tornam as cidades locais de criatividade, inovação, produtividade e bem-estar’

Dessa combinação entre especialização e diversidade emergem as interações complexas que tornam as cidades locais de criatividade, inovação, produtividade e bem-estar. São Paulo deve se entender como uma dessas metrópoles diversas e pensar seu desenvolvimento a partir dessa premissa. 

Entretanto, sem o comprometimento de todas as instâncias do governo na idealização e implementação das políticas o resultado será pífio. Esta é uma agenda que deverá perpassar todas as ações governamentais. É fundamental a construção de um compromisso de governo, e não de uma secretaria isolada, pois se trata de uma agenda que envolve praticamente todas as políticas governamentais: cultura, educação, esportes, turismo, fazenda, planejamento, meio ambiente, energia, governos estaduais e municipais, agências de governo, bancos públicos e agências de fomento.

São Paulo possui certas vantagens comparativas em relação a outras cidades, como a concentração de grandes empresas e a presença de importantes instituições produtoras de conhecimento, diversas universidades, centros de pesquisa e de financiamento de pesquisa, que naturalmente atraem talentos para a cidade. Mas para se aproveitar este potencial é preciso a construção de uma estratégia começando por identificar os setores capazes de ter um maior efeito multiplicador em termos de geração de emprego e renda e criar políticas específicas de financiamento. 

A análise de modelos de sucesso já implantados em diferentes países revela algumas premissas básicas que vem norteando as escolhas de projetos em suas mais diferentes modalidades e formas:

  • Projetos que tenham como base novas tecnologias cujos impactos transbordem para diferentes setores.
  • Projetos que promovam inovações tecnológicas em diferentes setores. 
  • Projetos que dependam ou promovam interações transversais entre diferentes setores e players.
  • Projetos que tenham uma forte relevância e impacto na modernização do parque produtivo pré existente.
  • Projetos que alavanquem setores e indústrias ligados à chamada Economia Criativa: 
  • Novas mídias
  • Games
  • TV
  • Cinema
  • Etc
  • Projetos que possam contribuir para a melhoria da competitividade da economia e contribuam para uma inserção internacional mais dinâmica.
  • Projetos que fomentem um ecossistema de startups criando as condições para seu nascimento, fortalecimento e crescimento.
  • Projetos de grande interesse nacional que dependam de articulações internacionais e nacionais.

2 – Exemplos

Seul

A partir da premissa dos transbordamentos intersetoriais, pode-se propor o desenvolvimento de diversos distritos de inovação tendo como âncoras a identidade ou mesmo a vocação de diferentes regiões da cidade para certas atividades econômicas, como o estabelecimento de distritos de moda e design em bairros tradicionalmente associados à indústria de confecção, como o Brás e o Bom Retiro, a exemplo do que se fez no bairro de Dongdaemun-gu, em Seul, na Coréia do Sul.

O bairro coreano era um importante e tradicional mercado de roupas e da indústria têxtil, que entrou em decadência, ficando conhecido apenas como um centro comercial de roupas baratas. Para revitalizar a área, o governo de Seul, entre 2000 e 2005, desenhou um master plan para substituir o antigo estádio de beisebol e futebol de Dongdaemun e seus mercados de pulgas e vendedores ambulantes adjacentes por um complexo para abrigar um centro para a indústria do design e da moda, e um parque histórico e cultural para cidadãos e visitantes. Para garantir a qualidade do projeto, a cidade convidou arquitetos de todo o mundo para participar de um concurso, em 2007. Conforme as diretrizes, a cidade solicitou aos participantes que incluíssem uma praça de design, espaços subterrâneos e um parque de história e cultura para o projeto.​

O projeto vencedor, da arquiteta Zaha Hadid, o Dongdaemun Design Plaza, foi inaugurado em 2014, com um custo de US$ 451 milhões. Além de se tornar um marco arquitetônico e um popular destino turístico da cidade, o empreendimento transformou uma região central decadente em um centro de moda e design vibrante e internacionalmente reconhecido, que tem criado e exportado marcas.

‘Em São Paulo, o desenvolvimento da indústria de confecção por meio da moda e do design tem grande potencial não só de transformação urbana dos bairros, mas de transformação social’

Em São Paulo, o desenvolvimento da indústria de confecção por meio da moda e do design tem grande potencial não só de transformação urbana dos bairros, mas de transformação social. Parte expressiva da população dessas regiões, hoje vive na informalidade sob péssimas condições de trabalho. Com a profissionalização e a modernização desses setores, essa mão-de-obra poderia, com políticas de capacitação, integrar formalmente as novas cadeias produtivas, que passariam a ter muito mais valor agregado.

Considerando ainda que muitos dos trabalhadores dessas regiões são imigrantes, não é desprezível o potencial de integração social por meio da incorporação dessa diversidade cultural no processo criativo da própria produção local. E tampouco se pode ignorar o papel da diplomacia cultural na atração de investimentos internacionais. A importante comunidade coreana do Bom Retiro, por exemplo, é um enorme ativo para se estabelecer intercâmbios com o próprio Dongdaemun, de Seul.

Chicago

A prefeitura de Chicago elaborou, em 2013, um ousado e pioneiro plano para gerar e catalisar oportunidades, inclusão, engajamento e inovação através da tecnologia. 

O chamado Plano Tecnológico de Chicago contempla 28 iniciativas visando reduzir os custos do governo; melhorar os serviços prestados pela prefeitura; envolver os munícipes na aplicação da inovação para solucionar os problemas da cidade; dar à população acesso à internet, computadores e softwares; desenvolver conhecimentos de informática; criar novos empregos bem como atrair e reter profissionais das áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. 

Tais iniciativas dividem-se em 5 estratégias: 1) desenvolver o setor tecnológico, criando programas para atrair talentos e empresas tecnológicas. 2) implementar infraestruturas de última geração, investindo em tecnologias da informação para tornar os cidadãos mais digitalmente engajados. 3) criar comunidades inteligentes, com programas de treinamento e disponibilidade de Wi-Fi gratuito em alguns espaços públicos. 4) tornar o governo mais aberto, eficiente e eficaz, investindo na consolidação de data centers e na ampliação de dados da cidade. 5) promover a inovação cívica, utilizando pesquisa e análise de dados para lidar de forma criativa e inovadora com os problemas da cidade.

Boston 

Assim como a capital coreana, muitas outras cidades têm investido no design como política de inovação e de desenvolvimento urbano e econômico. É o caso de Boston, nos EUA, e o seu Innovation and Design Building, inaugurado em 2016.

O empreendimento, realizado num antigo armazém do Exército e da Marinha americanos, abriga um conjunto dinâmico de empresas e indústrias que incluem estúdios de arquitetura e serviços criativos, instalações de fabricação especializadas, empresas de pesquisa e desenvolvimento e startups de tecnologia. A comunidade empreendedora do complexo inclui o maior programa de aceleração de startups do mundo para empreendedores em estágio inicial e uma comunidade de fabricantes e artesãos qualificados.

Barcelona 

O Museu de Design de Barcelona, na Espanha, focado em design de espaço, design de produto, design de informação e design de moda é um outro excelente exemplo. Funciona como ponto de encontro de uma rede de pessoas e instituições envolvidas no mundo do design que compartilham informações relevantes relacionadas ao setor, com objetivo de incentivar tanto a pesquisa quanto a atividade econômica.​

Lisboa 

O Museu do Design e da Moda (MUDE)​, em Lisboa, Portugal, inaugurado em 2009. Com custo de US$18 milhões, pagos pela Câmara Municipal de Lisboa, que adquiriu o antigo edifício do Banco Nacional Ultramarino, na rua Augusta, no coração do centro histórico da cidade, o MUDE possui áreas de exposição, criação, convívio, educação e debate, e tem sido um laboratório para a experiência prática e a inovação.

Singapura

O  Fusionopolis Creative Centre foi aberto em junho de 2007 com o  objetivo de colocar junto empresas de tecnologia e dos setores criativos num prédio de 1,2 milhões de metros quadrados situado no meio do “Central Xchange”, uma das três localidades construídas para ampliar transferência de conhecimento e promover um espaço de trabalho e vivencia. 

Este centro é uma das iniciativas principais na perseguição do objetivo definido pelas autoridades do país de aumentar a contribuição das indústrias criativas para 6% do PIB em 2012.

Florianópolis

A capital catarinense possui hoje a maior concentração de empresas e startups de tecnologia por 100 mil habitantes entre as capitais brasileiras, rendendo-lhe o apelido de “Ilha do Silício”, em alusão ao Vale do Silício na Califórnia. São 7.300 empresas de tecnologia instaladas na grande Florianópolis, com 38 mil colaboradores e faturamento anual de R$10,2 bilhões. Em termos de arrecadação, o setor corresponde a mais de 30% da receita do município.

Tal conjuntura se deve em parte ao estímulo promovido pela cidade com a Lei Municipal de Inovação de Florianópolis, a primeira do tipo no país. A lei institui uma série de mecanismos de incentivo à atividade tecnológica e inovativa visando o desenvolvimento sustentável do município, como o Programa de Incentivo à Inovação, que concede benefícios fiscais a pessoas físicas e jurídicas com projetos inovadores de impacto econômico e social.

Esses programas de incentivo combinados com o investimento na formação de profissionais da área explicam o êxito da capital catarinense no setor tecnológico. 

Segundo o Censo do Ensino Superior de 2022, Florianópolis está em terceiro lugar no ranking de capitais brasileiras com mais estudantes de tecnologia, com 356 alunos por 100 mil habitantes, atrás apenas de Porto Alegre (365) e Recife (571). Enquanto São Paulo aparece em sexto lugar, empatada com Curitiba, com 341 alunos por 100 mil habitantes, atrás ainda de  Brasília (352) e Belo Horizonte (347). 

Recife 

Com uma diferença expressiva de cerca de 36% para o segundo colocado, a capital pernambucana não só lidera o ranking como observou um aumento significativo nos últimos anos, indo de 5.711 alunos de tecnologia em 2019 para 8.502 em 2022, crescimento de quase 50% no período, mesmo com o impacto da pandemia.

Muito desse desempenho se explica pelo êxito do Porto Digital, parque tecnológico no bairro do Recife Antigo, fundado em 2000, voltado para as áreas de tecnologia da informação e indústrias criativas.

A iniciativa uniu o desenvolvimento tecnológico com requalificação urbana, dando incentivos fiscais para empresas de tecnologia sediadas na região e ocupando prédios históricos restaurados com instalações como o C.E.S.A.R. (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) e o Porto Mídia, incubadora de empresas e centro de capacitação voltado para as indústrias criativas, com laboratórios de imagem, som, design e animação, salas de edição, projeção e mixagem de som e vídeo de última geração. Em 23 anos, resultou na instalação de 400 empresas, a geração de 18 mil empregos e um faturamento de R$15,4 bilhões.

Em São Paulo, iniciativas dessa natureza poderiam ensejar a revitalização de áreas centrais, hoje degradadas, como a região da Santa Efigênia. Além de sua centralidade no tecido urbano, com vasta oferta de serviços e transporte público, da disponibilidade de espaços ociosos, e do baixo custo para a instalação de empresas se comparado a outras regiões, como a Faria Lima, a Santa Efigênia dispõe ainda da concentração histórica de comércio eletrônico. Assim, o desenvolvimento da indústria tecnológica na região, por meio de incentivos para empresas de tecnologia e da criação de incubadoras e de centros de treinamento em TI, poderiam requalificar a área, reafirmando sua identidade.

Canadá

Cidades ao redor do mundo, como Surrey e Saint John, no Canadá, também têm estabelecido distritos de saúde e tecnologia, reunindo acadêmicos, empreendedores, multinacionais e startups para fomentar a criação de tecnologias disruptivas na área da saúde. São Paulo possui um potencial gigantesco nessa área, considerando a grande concentração de hospitais de peso, que desenvolvem pesquisa, estabelecidos na cidade. Tal concentração em conjunção com a almejada atração e o desenvolvimento de empresas de alta tecnologia, abre a possibilidade de se estabelecer um ecossistema de inovação a partir da formação de distritos de saúde e tecnologia. 

3 – Algumas possibilidades

Diante desse contexto, percebe-se que o poder público pode e deve desempenhar um papel fundamental na indução das transformações econômicas e na articulação dos agentes e recursos de modo a potencializar os impactos urbanos e sociais dessas transformações. A seguir, elencamos algumas das iniciativas que a prefeitura, em articulação com os demais poderes e agentes, pode tomar:

  1. A articulação de políticas que alavanquem a capacidade de desenvolvimento de tecnologia no país é decisiva para a criação de uma estrutura de oferta competitiva no cenário internacional. Neste sentido, apesar dos avanços recentes, é imprescindível o desenvolvimento de parcerias mais sistemáticas entre o setor privado e os institutos de pesquisa/universidades de modo a ampliar o leque de capacitação tecnológica das empresas atuantes no Brasil. 
  1. Ampliar e modernizar o suporte do governo para inovação canalizando fundos públicos para negócios voltados para inovação nas áreas nas quais existem as maiores oportunidades para crescimento futuro: novas energias, biotecnologia, games, softwares e os mais diferentes segmentos da economia criativa.
  1. A experiência internacional mostra que novos negócios, especialmente em áreas não tradicionais, têm dificuldades enormes de acesso ao financiamento uma vez que os bancos não se dispõem a correr os riscos embutidos neste tipo de empresa ou setor. A criação de mecanismos novos de financiamento para esses setores é decisiva para a sua possibilidade de florescimento. As possibilidades são inúmeras:
  • A política de compras do governo pode e deve ter um enorme impacto no setor de economia criativa (2). As compras governamentais podem ter poderoso papel em formatar mercados com o potencial para novas tecnologias, habilidades e processos: desde a compra de material didático, passando pela compra de uniformes profissionais, militares e escolares, até a compra de material para as polícias, tudo pode passar por uma política de incentivo à inovação (3).  
  1. A requalificação urbana e o incentivo à cultura local é fundamental para criar amenidades e melhorar a qualidade de vida dos bairros, de modo a atrair empresas e talentos. Ações nesse sentido podem ser estimuladas e financiadas por meio da criação de Business Improvement Districts, nos quais as empresas estabelecidas em determinado distrito pactuam com o município que parte dos tributos arrecadados por elas serão revertidos a uma organização privada, sem fins lucrativos, cujos fundos irão para projetos de melhoria da própria região, Tais projetos, previamente aprovados pela prefeitura, podem contemplar desde a zeladoria, com restauro de edifícios históricos, melhorias na limpeza, segurança, iluminação e paisagismo dos espaços públicos, como também a programação cultural do bairro, e até mesmo assistência social à população em situação de rua e outras populações vulneráveis.
  1. Neste cenário de cidades globais, os museus e o seu capital simbólico podem contribuir para a inserção da cidade nos mercados globais colocando-a dentro dos circuitos culturais internacionais, tal como o Museu Guggenheim de Bilbao, mas também o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, que se tornou uma das âncoras do projeto de revitalização da zona portuária, o Porto Maravilha. A criação de museus, sobretudo aqueles que preservam o património local, tanto material como imaterial, não só dinamiza o turismo e cria amenidades, como fortalece a identidade da região e reforça a percepção de autenticidade, elementos que tem se mostrado em diversos estudos um atrativo para a mão-de-obra criativa. É o caso dos museus Paço do Frevo e Cais do Sertão, em Recife, dentro do contexto do já mencionado Porto Digital.
  1. A necessária mudança no padrão de consumo energético vai requerer uma enorme transformação estrutural na geração e uso de energia, criando uma grande oportunidade de negócios em decorrência da expansão da demanda por bens e serviços de baixo consumo de carbono e maior eficiência energética e de recursos. O governo tem um papel central em criar os incentivos que levarão a esta transformação. Políticas de regulação, taxação e financiamento estão sendo usadas nos mais diferentes países.
  1. Exercitar o grande impacto do poder de regulação do Estado para moldar demandas ou condições de oferta nos mais diferentes setores como, por exemplo, através da imposição de requerimentos de baixo carbono na construção civil, sobretudo nos contratos de PPPs.
  1. Alguns Projetos Âncora podem alavancar o  processo, organizando setores ou cadeias de valor em projetos específicos nos quais os ganhos sejam compartilhados e palpáveis, de forma a atrair e consolidar parcerias de longo prazo que quebrem a desconfiança hoje existente. É possível formatar projetos robustos, que funcionem como vitrine para o restante dos projetos:
  • Laboratório de Inovação do Varejo (PROVA) – Criação de um Laboratório de Inovação do Varejo (PROVA) é uma oportunidade de aproximar o setor de varejo de outros segmentos da economia e criar sinergias e oportunidades para ambos. Financiado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e pela Secretaria de Comércio e Serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), o PROVA visa a construção de um modelo que viabilize a implantação de um laboratório de varejo que contribua para a melhoria do ecossistema de inovação, de competitividade e produtividade do setor. Em um mundo no qual a separação entre os setores manufatureiro e de serviços está cada vez mais tênue, trazer o setor de comércio para um ecossistema de inovação permite acelerar essa integração com ganhos para todos os lados.
  • Escola de Inovação – A importância da Inovação no mundo atual tem levado à mobilização de esforços para atrair jovens para as áreas tecnológicas e  de ciências. Reconhecendo as limitações do ensino formal, países têm criado Centros e  Escolas  especializadas em fomentar o interesse de crianças e jovens para áreas do conhecimento ligadas às ciências, matemática e computação.  Uma “Escola de Inovação” deve funcionar com alta sinergia com a rede de escolas públicas da cidade de São Paulo e os Centros Educacionais Unificados (CEUs). Existem várias experiências internacionais para se inspirar, e deve ser pensado não como um museu, mas como um centro dinâmico, com alta sinergia com empresas e negócios inovadores, trazendo o que de mais moderno existe para devolver de forma interativa e dinâmica para escolas e interessados em geral. – Equipamentos possíveis: Os equipamentos podem variar muito, dependendo dos projetos. Sem dúvida, equipamentos sofisticados com laboratórios e computadores ajudam. Mas o mais importante é o material humano para criar um clima de interesse nas crianças e jovens. – Parcerias possíveis: Grandes grupos nacionais com projetos na área de educação: Ambev, Natura, Votorantim, Embraer, Bradesco, Itaú,  Dupont, etc. O governo de Israel possui projetos muito interessantes voltados para este público
  • Saúde e ciências da vida Este é um dos setores que mais crescem e mais investem em pesquisa e desenvolvimento. Dados os volumes de recursos necessários, o compartilhamento tem sido uma opção crescente dos grandes laboratórios. O Brasil, dadas as características de sua população e a qualidade de pesquisas aqui já desenvolvidas, tem condições de atrair e participar de projetos internacionais. – Equipamentos: Laboratórios compartilhados para pesquisa, testes e formação de pessoas. O tipo de laboratório e seu grau de sofisticação dependerá dos acordos e parcerias atraídos para o Ceagesp. Parcerias possíveis: Universidade de São Paulo, Instituto Butantan, Liceu Pasteur, grandes laboratórios internacionais, indústria farmacêutica
  • Design – Investimentos pesados em projetos de fomento ao design são encontrados ao redor do mundo. Design é uma disciplina multi-skilled que envolve engenheiros, inovadores de produtos, assistentes de marca, tecnólogos e psicólogos. Dos diferentes setores que compõem o setor de Economia Criativa o Design é talvez um dos mais abrangentes, pois perpassa todos, inclusive os não incluídos no conceito de Economia Criativa. O design é um importante instrumento na criação do “caldo de cultura” necessário para o desenvolvimento da Economia Criativa. Não só por sua capacidade de modernização dos setores considerados tradicionais e de alavancagem dos mais diferentes setores da economia, como também por incentivar um olhar novo e mais exigente dos consumidores. – Equipamentos: Nos Centros/Hubs/Museus de Design estudados os  equipamentos contemplam espaços expositivos, laboratórios de pesquisa e centros de treinamento. – Parcerias possíveis: setor automobilístico, Sebrae, Senac, Design Council, Design Museum London, Hub Design Barcelona, Dongdaemun Design Plaza
  • Novas mídias É um dos setores que mais cresce, gera exportações e empregos qualificados. Tem sido foco de grande disputa internacional, com políticas públicas agressivas para atrair players e fomentar uma indústria local. – Equipamentos: teatros, cinemas, estúdios de grande porte, escolas de computação, animação e games. – Parcerias possíveis: Globoplay, Microsoft, Netflix, empresas de games
  • Gov Tech: Centro Inovação Governamental – A necessidade de repensar as cidades e criar condições de melhora da qualidade de vida tem levado ao surgimento de inúmeros projetos que investem no desenvolvimento e uso de novas tecnologias em busca de  políticas públicas mais eficientes, que promovam a cidadania, a inclusão social, o uso de energias limpas, a geração de empregos e a geração de um ambiente econômico propício ao surgimento de pequenas e médias empresas. – Equipamentos: um Centro de Referência com salas e condições de abrigar estudos e debates. – Parcerias possíveis: BIT Habitat – Centro de Inovação Urbana Barcelona, The Aspen Institute Center for Urban Innovation (4), London School, Universidade de São Paulo: Arquitetura, Politécnica, Universidade Mackenzie, Escola da Cidade

4 – Conduzindo para o futuro

As possibilidades aqui esboçadas revelam o potencial de São Paulo de conduzir essa transformação econômica necessária para o desenvolvimento não apenas da cidade, mas do próprio país. O estabelecimento de uma indústria e de um setor de serviços modernos e de alta complexidade, capazes de responder aos velhos e novos problemas das cidades brasileiras, exige uma atuação corajosa e articulada do poder público, investindo e induzindo essa transformação. Os exemplos expostos mostram que diversas cidades, inclusive no Brasil, compreenderam, anos atrás, a necessidade de promover sua modernização diante desse contexto global. 

É um erro pensar que, apenas pelo peso e pela importância de sua economia, a cidade de São Paulo seguirá naturalmente atraindo e retendo talentos e empresas – sobretudo numa economia pós-industrial e globalizada, onde estes passaram a desfrutar de maior autonomia na escolha de onde desejam se instalar. No entanto o peso e a importância econômica dão à São Paulo todas as condições de liderar essa transformação.


Notas

(1) Ainda em termos de liderança nacional, a dinâmica inovadora do país está intimamente vinculada ao Estado de São Paulo, que concentra cerca de 49% dos dispêndios de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) das empresas que implementaram inovações no Brasil, segundo a PINTEC, 2017. A cidade de São Paulo, naturalmente, tem um papel fundamental nesse âmbito. Em 2016, a cidade foi responsável por 12,6% dos pedidos de patente depositados no Instituto Nacional da Prosperidade Industrial (INPI), com 654 pedidos. Porém está muito aquém do seu potencial. Entre 2012 e 2020, a Região Administrativa de Campinas (RAC) anunciou mais investimentos em centros de P&D do que a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Segundo dados da Pesquisa de Investimentos Anunciados no Estado de São Paulo (Piesp), neste período, foram anunciados R$6,1 bilhões de investimentos em centros de P&D no Estado, dos quais 55% (R$3,3 bilhões) foram da RAC e 36% (R$2,2 bilhões) da RMSP.

(2) No RU o setor público é o maior consumidor de bens e serviços, gastando 175 bilhões de libras anualmente.

(3) A inovação americana deve-se em grande parte aos contratos do governo para comprar produtos e serviços do setor privado que ainda não existem ou precisam ser adaptados para o uso público. O orçamento para compras do governo federal é de US$450 bilhões, ou US$1 trilhão se incluirmos os estados,  tornando-se um grande instrumento para uma ação proativa de incentivo à inovação através de suas compras. Apesar do mito do puro desenvolvimento de mercado, é sabido o papel das compras governamentais na promoção do setor de tecnologia. O sucesso do Vale do Silício como hub internacional de tecnologia deveu-se em parte ao desdobramento da indústria de defesa americana subsidiada. Da mesma forma, os Estados Unidos se manteve na liderança em setores como aeroespacial e energia nuclear graças a uma expressiva ajuda e apoio do governo, muitas vezes através dos gastos militares. Mais ainda, o governo americano foi o grande “anjo” que providenciou capital e demanda, o que explica o desenvolvimento inicial do setor de inovações, sem venture capital privado ou mercado de capitais.

(4)  “O Centro de Inovação Urbana do Instituto Aspen (CUI) é um hub de rede que catalisa e suporta um movimento mais amplo para definir abordagens conduzidas por valores para desenvolver, pilotar, regular e avaliar tecnologias urbanas. Conectamos líderes da cidade, organizações sem fins lucrativos e empresas emergentes que compartilham a crença de que as pessoas merecem mais do que “cidades inteligentes”. Merecemos cidades que promovam o florescimento humano e a infraestrutura digital que melhorem as experiências e oportunidades que a vida urbana oferece para todos os residentes, particularmente aqueles em bairros carentes.”


* Rovena Negreiros é gestora pública, especialista em políticas urbanas e de desenvolvimento regional, governança metropolitana. Advogada formada pela UFES, tem mestrado em direito pela UFSC e é doutoranda em economia do setor público pelo IE-Unicamp. Membro do Conselho Gestor da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente e da Secretaria de Transporte Metropolitano desde 2019-22.

Ricardo Ferreira é mestre em indústrias culturais e criativas pela Universidade de Sussex. Economista, formado pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, é pesquisador no projeto Implantação de Ambientes de Inovação e Criatividade no Estado de São Paulo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Sócio fundador da empresa Rima: Conexões em Economia Criativa.

Lidia Goldenstein é doutora em economia, foi professora da Unicamp, pesquisadora do Cebrap e comentarista de economia nas TV Cultura e TV Manchete. Exerceu os cargos de assessora da presidência do BNDES, assessora econômica da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo e da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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