O que foi – e o que não foi – alcançado nas negociações climáticas da COP29
Muitas pessoas estão decepcionadas com a COP29. Ela não trouxe mudanças transformadoras. O enorme salto no financiamento climático solicitado pelos países em desenvolvimento e por muitos na sociedade civil não se concretizou. Mas as negociações deste ano ainda foram um passo à frente, afirmando a cooperação climática internacional em um momento de tensões geopolíticas significativas em todo o mundo.
Por Jacqueline Peel*
A poeira carregada de petróleo baixou na cúpula climática das Nações Unidas deste ano, a COP29, realizada na última quinzena em Baku, no Azerbaijão. Cientistas do clima, líderes, lobistas e delegados estão voltando para casa.
A reunião alcançou um progresso incremental. Os negociadores concordaram com uma nova meta de financiamento climático de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035, acima dos US$ 100 bilhões atuais. Esses fundos ajudariam as nações em desenvolvimento a se afastarem dos combustíveis fósseis, a se adaptarem ao aquecimento do clima e a responderem a perdas e danos causados por desastres climáticos.
As nações também concordaram com as regras essenciais para um mercado global de comércio de carbono, o último acordo necessário para tornar o Acordo de Paris de 2015 totalmente operacional.
Como disse o chefe do clima da ONU, Simon Stiell, na sessão final, a 29ª Conferência das Partes (COP29) demonstrou que o Acordo de Paris estava cumprindo com as ações climáticas, mas os governos nacionais “ainda precisam acelerar o ritmo”.
Participei da COP29 como especialista em leis e litígios internacionais sobre o clima. Observei as negociações financeiras em primeira mão e representei uma nova aliança de universidades australianas e do Pacífico que apoiam a cooperação climática internacional.
No início, as expectativas para a conferência eram baixas. Os Estados Unidos tinham acabado de votar pelo retorno do negacionista climático Donald Trump. E o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, declarou que o petróleo e o gás são “presentes de Deus” em um evento de abertura.
Mas, mesmo com esses ventos contrários consideráveis, houve progresso.
Progresso no financiamento climático
Atualmente, os países ricos do mundo contribuem com US$ 100 bilhões por ano para o financiamento climático das nações em desenvolvimento. Esse financiamento paga por medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas, tornando os sistemas mais resistentes.
Há dois anos, os países concordaram em criar um novo fundo de “perdas e danos” para as nações que lidam com desastres climáticos, lançado na cúpula em Dubai no ano passado.
Nessas negociações da COP29, a Austrália anunciou que contribuiria com US$ 32 milhões para esse fundo. A mudança climática já está custando aos países em desenvolvimento somas enormes, estimadas em US$ 100 a US$ 500 bilhões por ano.
Esses fluxos de financiamento dos países ricos são essenciais para que as nações em desenvolvimento aumentem sua redução de emissões e respondam aos danos climáticos.
O acordo da COP29 estabelece uma meta de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035, com os países mais ricos liderando a entrega.
Embora essa meta represente uma triplicação da meta anterior, ela fica muito aquém dos US$ 400 a US$ 900 bilhões que muitos países em desenvolvimento solicitaram em financiamento dos governos ricos.
Os representantes dos países em desenvolvimento classificaram-na como “uma quantia insignificante” e uma “piada”. Também está aquém do que os especialistas dizem ser necessário até 2035 para atender às necessidades globais de financiamento climático.
Reconhecendo essa lacuna, o texto pede que “todos os atores trabalhem juntos” para aumentar o financiamento de todas as fontes públicas e privadas para pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. As formas de alcançar esse objetivo serão apresentadas na COP30 em Belém, Brasil, daqui a um ano.
Tornando o mercado internacional de carbono uma realidade
A COP29 também chegou a um acordo que resolve disputas de longa data sobre como tornar o mercado internacional de carbono uma realidade. Esse acordo duramente conquistado forneceu padrões globais para o comércio de carbono, abrindo novas maneiras para os países em desenvolvimento aumentarem sua capacidade de energia renovável.
Essas regras abrirão o caminho para o comércio de créditos de carbono entre países. Cada crédito representa uma tonelada de dióxido de carbono removida da atmosfera ou não emitida. O acordo dará aos países mais flexibilidade na forma como cumprem suas metas de emissões.
Não é perfeito. Ainda há preocupações sobre se as regras garantirão que as negociações reflitam projetos reais e quão transparente e responsável será o mercado.
Mas o acordo aumentará a importância dos créditos de carbono e poderá aumentar os incentivos para proteger os “sumidouros” de carbono – como florestas tropicais, pradarias de ervas marinhas e manguezais – com benefícios para a natureza.
Novas metas climáticas nacionais
Até fevereiro de 2025, todos os 195 signatários de Paris devem anunciar metas de emissão mais ambiciosas. Alguns países anunciaram seus novos planos na COP29.
O mais ambicioso foi o Reino Unido, que aumentou sua meta para 2030 de um corte de 68% para uma redução de 81% em relação às emissões de 1990 até 2035.
O anfitrião do próximo ano, o Brasil, divulgou novas metas para uma redução de 59% a 67% abaixo dos níveis de 2005 até 2035.
Mas o Brasil não alterou suas ambições para 2030 e planeja aumentar a produção de petróleo e gás 36% até 2035.
Os Emirados Árabes Unidos anunciaram metas de cortes de 47% antes de 2035, antes do zero líquido até 2050. Mas essa promessa foi criticada pelos defensores do clima porque os Emirados Árabes Unidos estão projetando aumentar a produção de petróleo e gás em 34% até 2035.
O anfitrião, Azerbaijão, não divulgou suas metas. Muitos outros países, inclusive a Austrália, também não anunciaram novas metas em Baku.
Indecisão sobre combustíveis fósseis
Os combustíveis fósseis eram o elefante na sala. Na COP do ano passado, em Dubai, as nações finalmente concordaram em incluir no texto:
abandonar os combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir o zero líquido até 2050, de acordo com a ciência
Mas na COP deste ano, não houve nenhuma decisão sobre como, exatamente, iniciar essa transição – e os combustíveis fósseis não são mencionados explicitamente nos documentos finais.
Os delegados da gigante do petróleo Arábia Saudita tentaram repetidamente bloquear a menção de combustíveis fósseis em todas as correntes de negociação.
O retorno de Trump não foi um quebra-galho
As consequências da reeleição de Trump para a ação climática foram muito discutidas. Mas observei uma quantidade surpreendente de aceitação e até mesmo de otimismo com relação à cooperação climática.
Os EUA são o segundo maior emissor do mundo, depois da China. Trump prometeu aumentar a produção de petróleo e gás do país e retirar os EUA do Acordo de Paris, como fez durante seu primeiro mandato.
Mas a ação climática continuou mesmo assim – especialmente na gigante das energias renováveis, a China, que atingiu sua meta de energias renováveis para 2030 este ano. Os EUA não são mais o principal ator nas negociações sobre o clima, e muitos países estão muito mais adiantados no caminho do corte de emissões. Poucos mostram sinais de retrocesso.
Ao se retirarem, os EUA criam um vácuo. Na COP29, potências intermediárias como o Canadá, o Reino Unido e a Austrália se destacaram.
Os negociadores de uma Coalizão de Alta Ambição progressista, incluindo pequenos Estados insulares, a União Europeia e países latino-americanos, como a Colômbia, desempenharam um papel importante na pressão para aumentar urgentemente o financiamento da ação climática.
A China, por sua vez, está claramente de olho na posição de líder climático que está prestes a ser desocupada pelos EUA. E líderes de estados progressistas dos EUA compareceram à COP29 para mostrar que partes dos EUA ainda estão de acordo com a ação climática.
A candidatura da Austrália para sediar as negociações de 2026 está no limbo
A candidatura da Austrália para sediar a COP31 em 2026, juntamente com as nações do Pacífico, foi considerada vencedora, já que teve o apoio de quase todos os 29 países do grupo “Europa Ocidental e Outros Estados” que decidirão o anfitrião desta vez. Muitos observadores esperavam um anúncio no final da COP29.
Mas nenhuma decisão foi tomada, pois o concorrente rival, a Turquia, não retirou sua proposta.
Um anúncio é provável em meados de 2025 – após a próxima eleição federal da Austrália.
E agora?
Muitas pessoas estão decepcionadas com a COP29. Ela não trouxe mudanças transformadoras. O enorme salto no financiamento climático solicitado pelos países em desenvolvimento e por muitos na sociedade civil não se concretizou.
Isso ocorreu no momento em que 2024 está a caminho de ser o ano mais quente já registrado e os custos do clima extremo aumentaram para mais de US$ 2 trilhões na última década.
Mas as negociações deste ano ainda foram um passo à frente, afirmando a cooperação climática internacional em um momento de tensões geopolíticas significativas em todo o mundo. Como disse Simon Stiell, da ONU:
O Acordo de Paris das Nações Unidas é a tábua de salvação da humanidade; não há nada mais […] Estamos fazendo essa jornada juntos.
Jacqueline Peel, Director, Melbourne Climate Futures, The University of Melbourne
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