01 janeiro 2010

Da abertura à possível volta do monopólio

A evolução da indústria do petróleo e do gás natural no Brasil é caracterizada por dois períodos. O primeiro iniciou-se com a Lei no 2 004, de 1953, que criou a Petrobras e conferiu à empresa o monopólio de exploração, produção, refino, transporte marítimo e dutoviário de petróleo e seus derivados e do gás natural.


O segundo começou com a aprovação da Emenda Constitucional nº 5, de 1995, e consolidou-se com a promulgação da Lei nº 9 478, de 1997. As principais mudanças ocorridas nessa nova fase foram a desregulamentação dos preços, a eliminação das barreiras legais à participação de empresas privadas no setor e a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Agora, com o anúncio das descobertas do pré-sal, surge a possibilidade de um novo período. O processo de abertura e desregulamentação da indústria do petróleo e do gás natural foi articulado dentro de duas frentes interdependentes.

A primeira consistiu no fim gradual do tabelamento, na ‘desequalização’ regional dos preços, na eliminação dos subsídios e na flexibilização dos requisitos de entrada na distribuição e revenda, segmentos que não faziam parte do monopólio da União. A segunda frente compreendeu um conjunto de mudanças legais que permitiram a atuação de empresas privadas em atividades até então restritas à Petrobras. Esses dois movimentos não representavam objetivos isolados. De fato, estavam inseridos em uma ampla reforma do papel do Estado brasileiro, que visava reduzir sua participação empresarial e criar condições para a maior atuação de capitais privados nos setores de infraestrutura, concentrando o foco da ação estatal nos esforços de estabilização macroeconômica, fomento de políticas sociais e regulação das relações privadas. Note-se, entretanto, que, devido a razões políticas, a reforma no setor de petróleo e gás natural nunca contemplou a privatização da Petrobras.

A reforma do marco legal se inicia pela distribuição de gás natural canalizado quando, em fevereiro de 1995, foi promulgada a Lei das Concessões – Lei no 8 987, que regulamentava o artigo 175 da Constituição e estipulava as diretrizes gerais para concessão dos serviços públicos. Isso possibilitou que, em agosto de 1995, a Emenda Constitucional no 5 desse uma nova redação ao artigo 25 da Constituição Federal de 1988, permitindo que os serviços locais de gás canalizado fossem explorados por empresas privadas.

A regulação da distribuição de gás natural canalizado ficaria a cargo das agências reguladoras estaduais ou das secretarias estaduais. A Emenda Constitucional no 9, de novembro de 1995, por sua vez, manteve o monopólio nas mãos da União, retirando a exclusividade da Petrobras. Com isso, permitiu a entrada de empresas privadas em todos os elos da cadeia do petróleo e do gás natural no Brasil. A Lei no 9 478, de agosto de 1997, estabeleceu o novo marco regulatório do setor e criou a Agência Nacional do Petróleo (anp). Em janeiro de 1998, a anp iniciou suas atividades como uma entidade integrante da administração federal indireta, vinculada ao Ministério das Minas e Energia. Foi dada à anp a finalidade de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria de petróleo e gás natural. O novo marco regulatório foi concebido, fundamentalmente, com a finalidade de criar as regras necessárias à participação dos agentes privados nas atividades antes desempenhadas exclusivamente pela Petrobras.

Nesse sentido, o objetivo era promover a entrada de novas empresas, fomentar a competição e atrair novos investimentos – isolados ou em parceria com a própria Petrobras. Dois compromissos políticos nortearam a construção desse novo ambiente regulatório. Numa tentativa de ruptura com o passado, o primeiro consistia na reestruturação da intervenção do Estado no setor, apontando para o estabelecimento da anp dentro de parâmetros de relativa autonomia administrativa e financeira. O segundo compromisso era a manutenção da Petrobras como empresa estatal, presente em todos os segmentos da indústria.

Petrobras: competitividade e internacionalização

O processo de abertura trouxe mudanças importantes à estrutura corporativa da Petrobras. Nota-se, principalmente a partir de 1998, um esforço de elevar a profissionalização dos quadros executivos, a responsabilização por resultados, a autonomia e a transparência dentro da empresa. Tratava-se de transformar a Petrobras em uma corporação internacional, com o foco na rentabilidade e uma ampla base de investidores nacionais e estrangeiros.

Essas novas diretrizes eram, também, necessárias pelo fato de a empresa passar a competir em segmentos até então protegidos pelo monopólio legal. A introdução de procedimentos que visavam aprimorar a governança corporativa representava, por outro lado, uma mudança na postura do governo na sua relação com a Petrobras. O Estado passa a utilizar menos a empresa como instrumento de política de governo e procura beneficiar-se mais dos fluxos de lucros, dividendos, impostos e participações governamentais pagos pela companhia. Em 1998, o total arrecadado era de R$ 11,30 bilhões e, em 2008, de R$ 85,12 bilhões, ou seja, ocorreu um crescimento de 132% nesse período.

Esta nova fase da Petrobras foi acompanhada por uma crescente racionalização nas operações da empresa, com reduções de custos tanto no refino como na extração e produção de petróleo no Brasil e no exterior. A produção de petróleo, por sua vez, aumentou cerca de 50% entre 1998 e 2008, passando de 1,1 milhão b/d para 2 milhões de b/d (ver Gráfico 1) e o país, finalmente, tornou-se autossuficiente em petróleo. A elevação do preço do petróleo no mercado internacional, também, ajudou a elevar fortemente os lucros da Petrobras. Como indica o Gráfico 2, os lucros da empresa passaram de um patamar de cerca de R$ 670 milhões, em 1996, para um nível próximo de R$ 32,99 bilhões, em 2008. Isso representa um crescimento médio anual, entre 1996 e 2008, de 38%. Observa-se, também, um considerável aumento no fluxo de investimentos no setor de petróleo e gás natural.

A participação do setor no pib era de 3%, em 1996, e, em 2008, chegou a 12%. Com a abertura, o processo de internacionalização das operações da empresa ganhou maior dimensão, com uma série de aquisições e permutas de ativos, principalmente na Argentina e Bolívia . Em 1998, a Braspetro (70%) e a Pérez Companc (30%) adquiriram duas refinarias bolivianas. Em 2000, a Petrobras concluiu um contrato de permuta de ativos com a Repsol-YPF, passando a controlar a empresa EG3, proprietária de uma refinaria e de cerca de 700 postos de revenda na Argentina.

Em 2002, a Petrobras adquiriu o controle da empresa PeCom Energia S.A., detentora de inúmeros ativos ao longo da cadeia de petróleo, gás natural e energia elétrica na Argentina e em outros países da América Latina. No mesmo ano, a empresa comprou a Petrolera Santa Fé, filial argentina da Devon Energy
Corporation, ampliando a carteira de ativos na área de exploração e produção na Argentina. Já no governo Lula, adquiriu uma refinaria nos Estados Unidos e outra no Japão. Isso sem falar da participação da Petrobras como parceira ou como operadora principal em diversos campos de petróleo no mundo. O forte aumento dos investimentos, dos lucros, da produção, a elevação da competitividade e o crescente processo de internacionalização da Petrobras constituem as principais marcas da abertura iniciada em 1997. Contrabalançar este fortalecimento da empresa com a necessária maior concorrência no setor de petróleo e gás natural representa o desafio fundamental da atual regulação da indústria no Brasil.

Leilões da ANP e a descoberta do pré-sal

Nos segmentos de exploração e produção, o modelo de abertura foi muito bem-sucedido ao atrair um número significativo de novos agentes para o setor. Como indicado na Tabela 1, até 2009, dez rodadas de ofertas de blocos exploratórios foram realizadas pela anp.

No total, 3 513 blocos exploratórios foram ofertados e 683 concedidos. Observa-se o ingresso de 71 empresas, tendo a anp arrecadado cerca de R$ 5,5 bilhões nos leilões a título de bônus de assinatura. A Petrobras participou de todos os leilões de forma marcante, sozinha ou em parceria. Em média 37% dos blocos vendidos apresentaram participação da companhia, mas na maioria das vezes a Petrobras entrou como parceira de outras empresas. Com as mudanças na regulamentação, os pagamentos de royalties e participação especial sobre a atividade de exploração cresceram fortemente. Entre 1998 e dezembro de 2008, foram arrecadados cerca de R$ 50,4 bilhões em royalties e R$ 50,2 bilhões em participações especiais . Introduzida pela Lei no 9 478, em 1997, a participação especial incide sobre os campos com grande volume de produção ou alta rentabilidade e vem crescendo rapidamente. Em 2002, a participação especial já representava 78% do valor pago como royalties e, em 2008, representou 52% do valor total recebido. A evolução das participações governamentais está apresentada no Gráfico 3.

Durante todo o debate que precedeu a mudança da Constituição e a posterior aprovação da Lei no 9 478, a oposição da época afirmava que por trás da proposta do governo estava um plano maquiavélico de enfraquecimento da Petrobras. Diziam os críticos da lei que, com o fim do exercício do monopólio, a Petrobras seria sucateada e privatizada. Como demonstramos, nada disso aconteceu. Ao contrário do que afirmavam as pitonisas pseudonacionalistas, a Lei do Petróleo inaugurou uma fase gloriosa da Petrobras e do setor de petróleo. Na realidade, foi o fim da “Petrossauro”, termo cunhado pelo saudoso Roberto Campos para descrever a Petrobras daquela época. Nessa fase foi criada a anp, por meio da Lei no 9 478, que, de forma independente, regulamentou a legislação e promoveu leilões de blocos. Com o novo arcabouço legal, a Petrobras ficou mais blindada contra intervenções políticas, fez parcerias com empresas privadas e, finalmente, cumpriu com a sua missão de tornar o Brasil autossuficiente em petróleo. É sempre bom lembrar que graças aos leilões realizados pela anp foi descoberto o pré-sal. As áreas do pré-sal pertenciam aos chamados blocos azuis, que foram devolvidos pela Petrobras antes de se iniciarem os leilões e o regime de concessões previsto na Lei no 9 478.

No leilão de 2001, a Petrobras, em parceria com a bg e a Petrogal, adquiriu o que é conhecido hoje como Tupi. É interessante observar que todos os campos já descobertos no pré-sal fizeram parte dos leilões da anp. Portanto, não foi o governo do pt nem a atual direção da Petrobras que descobriu o pré-sal. A história dessa descoberta, bem como da autossuficiência começa a se concretizar a partir do momento em que o governo brasileiro entendeu que não fazia nenhum sentido econômico deixar que uma empresa estatal assumisse o monopólio do risco de explorar petróleo.

O novo modelo e os quatro projetos de lei

Apesar de todo o sucesso do atual modelo, o governo do presidente Lula resolveu mudar o marco regulatório, argumentando que, agora com o pré-sal, o risco exploratório passou a ser baixo e isso não está contemplado na legislação. Foi criada uma comissão interministerial que elaborou quatro projetos de lei posteriormente encaminhados ao Congresso Nacional. O primeiro propõe a troca do atual regime jurídico de concessão para o de partilha da produção nos blocos que ainda não foram licitados na camada do pré-sal. A grande novidade desse projeto é que o governo quer restabelecer o monopólio da Petrobras na operação dos blocos de pré-sal que ainda não foram licitados.

O segundo projeto cria uma nova estatal, a Petrossal, que na prática substituiria a anp na fiscalização e gestão dos contratos de partilha assinados com as empresas. O terceiro apresenta a proposta do Fundo Social, que seria utilizado para resolver as dívidas sociais brasileiras. O quarto projeto trata da capitalização da Petrobras em função dos enormes investimentos que a empresa terá de fazer no pré-sal.

Partilha: mudança ruim e desnecessária

Quando analisamos os quatro projetos enviados ao Congresso pelo governo, verificamos a existência de dois pontos comuns a todos. O direcionamento para uma re-estatização do setor de petróleo e gás natural e a substituição de um Estado que participa da renda petroleira, por meio da arrecadação de impostos, por um Estado que vai obter a mesma renda por meio da comercialização do petróleo e do gás natural. No contexto da volta aos anos 1950, o governo propõe restituir parte do monopólio que a Petrobras havia perdido com a Lei no 9 478, por meio da adoção dos contratos de partilha da produção. A Petrobras passaria a ser a única operadora dos campos do pré-sal que ainda não foram licitados, com uma participação mínima de 30%.

O primeiro comentário é que, além da perda de eficiência, natural em empresas monopolistas, essa novidade tende a afastar investimentos das tradicionais empresas petrolíferas, que poderão não aceitar ser meras parceiras financeiras da Petrobras. Por outro lado, o novo modelo poderá atrair empresas estatais, principalmente as chinesas, que têm grande disponibilidade de capital e possuem pouca tradição como operadoras de petróleo. O governo chinês deixaria de comprar papéis do Tesouro americano e passaria a comprar reservas de petróleo no Brasil. Ficaria estabelecida a eficiente e moderna parceria de uma empresa estatal com outra empresa estatal. A Petrobras monopolista passa a ser também um monopsônio, transformando-se na única compradora das indústrias fornecedoras de bens e serviços para o pré-sal. Com uma Petrobras monopolista e exercendo o poder de monopsônio caminhar
emos para a modernidade? Os interesses do povo brasileiro serão protegidos? Seria necessário mudar o regime de concessão? Por estar baseado nas regras do edital convocatório, ele é flexível o bastante para contemplar as peculiaridades da exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos em áreas situadas no pré-sal, em face dos riscos exploratórios envolvidos. Assim, é totalmente desnecessária e inoportuna, além de representar um atraso, a introdução do modelo da partilha da produção proposto pelo Executivo.

Petrossal vai esvaziar a ANP

O projeto que cria a nova estatal propõe para a empresa funções de gestora dos contratos de partilha e de comercialização de petróleo e gás natural. A primeira função é exercida atualmente pela anp, só que em relação aos contratos de concessão. O inciso nono do artigo 8o da Lei no 9 478, que determina as atribuições da anp, estabelece que a anp deve “fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente”. Analogamente, o segundo e terceiro incisos do artigo 43 estabelecem que o contrato de concessão estipulará “o prazo de duração da fase de exploração e as condições de sua prorrogação” e o “programa de trabalho e o volume de investimento previsto”. O artigo seguinte, nos incisos quarto e sexto, estabelece que o concessionário estará obrigado a “submeter à anp o plano de desenvolvimento de campo declarado comercial, contendo o cronograma e a estimativa de investimento”, bem como “adotar as melhores práticas da indústria internacional do petróleo e obedecer às normas e procedimentos técnicos e científicos pertinentes, inclusive quanto às técnicas apropriadas de recuperação, objetivando a racionalização da produção e o controle do declínio das reservas”. Vê-se que a Petrossal vai esvaziar a agência. A função de comercialização faz com que a Petrossal reencarne os antigos iaa e ibc, que só deixaram heranças malditas.

Uma outra função da Petrossal é a de participar dos comitês operacionais dos campos de petróleo com poder de veto. Muitos afirmam que isso teria sido copiado da estatal norueguesa Petoro. Não é verdade. Na Noruega, a estatal participa dos comitês operacionais porque a Petoro é investidora e, portanto, entra no risco do negócio. No Brasil, a Petrossal nada investe e apenas vai exercer uma ingerência política na administração dos campos.

O governo brasileiro abandona o modelo de controle da produção e fiscalização do campo por meio de uma agência reguladora e transfere essas funções para uma estatal, com critérios pouco transparentes.

Capitalização inconstitucional

No contexto do projeto de lei que visa capitalizar a Petrobras, cogita o Poder Executivo ceder cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, extraídos a partir da camada do pré-sal, para privilegiar a estatal e, por conseguinte, os seus acionistas privados, concedendo-lhe, sem prévia licitação e em afronta a vários princípios constitucionais, a prerrogativa de explorar diretamente os blocos e de se apropriar das receitas decorrentes. Cabe ressaltar que é inconstitucional ceder sem licitação reservas da União equivalentes a bilhões de barris para uma sociedade de economia mista. Ceder a exploração de blocos à Petrobras sem cobrar bônus de assinatura e participação especial é lesar a União, os Estados e os Municípios. Os acionistas minoritários da Petrobras, no momento da capitalização, serão prejudicados, pois entrarão com dinheiro e a União com títulos da dívida pública. Ora, a União já é controladora da Petrobras, não havendo, portanto, motivo relevante para aumentar o número de ações por ela detidas. Ressalte-se, também, que o mercado de petróleo e a própria Petrobras já são suficientemente atraentes para a captação de recursos privados, não sendo necessário o governo capitalizar a empresa com recursos públicos.

Melhor seria utilizar os instrumentos tradicionais do mercado de capitais para que a população venha a investir na Petrobras.

Os verdadeiros desafios

Antes de propor modificações dessa magnitude o governo deveria, deixando a ideologia de lado, verificar se o atual modelo possui flexibilidade para ser modificado e atender à nova realidade do pré-sal. Deveria tirar esse assunto do palanque político e enfrentar de imediato alguns desafios básicos de forma pragmática. O primeiro é o desafio tecnológico. A profundidade em que se encontram os reservatórios de petróleo fará com que a exploração dos campos do pré-sal seja um dos maiores desafios tecnológicos já enfrentados pelas empresas de petróleo. Um dos principais problemas relaciona-se com a composição geológica das áreas a serem perfuradas. Após uma lâmina de água de dois mil metros de profundidade, é preciso perfurar uma camada de mais dois mil metros de rochas e, depois ainda, mais dois mil quilômetros de sal. Segundo técnicos, a esse nível de profundidade existe uma pressão intensa, e o sal possui características fluidas que dificultam enormemente a perfuração. Outra barreira tecnológica são os dutos que conectam as unidades de produção até as plataformas.

Esse talvez seja um dos maiores obstáculos a superar. Os dutos precisam ser muito leves, já que serão carregados por navio ou plataforma a que estiverem conectados e terão de enfrentar anos de correnteza e corrosão, resistindo à presença de dióxido de enxofre, que se encontra na camada pré-sal. Enfim, as empresas petrolíferas, incluindo a Petrobras, que talvez seja a mais bem preparada, terão uma tarefa nada fácil para extrair o petróleo do pré-sal de maneira economicamente viável. O segundo desafio é logístico. As plataformas que vão explorar o petróleo do pré-sal encontram-se a uma distância de, no mínimo, 300 km da costa e isso irá exigir soluções como instalar plataformas de apoio no meio do caminho ou em navios. Existe até a ideia de colocar um porta-aviões desmilitarizado. O terceiro desafio é de ordem econômica.

Como e onde conseguir o dinheiro para transformar o pré-sal em riqueza. Os investimentos necessários estão calculados em um trilhão de dólares nos próximos trinta anos, dependendo dos volumes de petróleo que poderão ser extraídos. As estimativas são de cinquenta bilhões de barris de petróleo a cem bilhões a um custo de capital da ordem de doze dólares por barril. Isso significa de 40% a 60% do pib brasileiro.
Mais, ao invés de estar preocupado em dar solução a esses desafios, o governo fica preso ao discurso de que é preciso garantir que o petróleo do pré-sal, que ainda não existe, seja do povo brasileiro.

A Timidez do PSDB

O Congresso Nacional discutiu os quatro projetos de lei, encaminhados pelo governo, que objetivam promover uma grande intervenção do Estado no setor de petróleo no Brasil. Foram apresentadas 836 emendas aos quatro projetos do pré-sal.

O DEM foi o partido que sugeriu maior número de emendas, 155, seguido do PMDB, com 128. É interessante observar que o PSDB, partido que promoveu a política de abertura do setor de petróleo, não foi o campeão de emendas. Afinal de contas, depois do Plano Real, foi a atual Lei do Petróleo a reforma de maior sucesso realizada nos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso. O projeto que mais recebeu emendas (362) foi o que introduz o sistema de partilha seguido do que cria o Fundo Social, com 301 emendas. O projeto da Petrossal obteve 106 emendas e o de capitalização da Petrobras aparece como lanterninha, com 67 emendas. Os efeitos da adoção do modelo de partilha começarão a aparecer no momento em que forem realizados novos leilões de blocos do pré-sal, o que só deverá ocorrer, se formos otimistas, a partir de 2011.

No longo prazo, o setor sentirá os benefícios e os malefícios de voltar a Petrobras a ter uma posição de monopólio e monopsônio. O que chama a atenção nas emendas encaminhadas pelos parlamentares é o fato da sua grande maioria tratar de royalties e participação especial, em lugar de questionar a implantação do regime jurídico da partilha e a transformação da Petrobras na única operadora dos blocos do pré-sal que ainda não foram licitados. Até que ponto empresas privadas aceitarão ser simples parceiras financeiras da Petrobras? O pmdb, com 58 emendas, e o pt, com 54, foram os partidos mais ativos no questionamento do projeto relacionado com o Fundo Social. Isso já era esperado em função do apelo político desse projeto e do fato de serem o pmdb e o pt os principais partidos da base governista, além de ser o pt o principal veículo dos movimentos sociais e sindicais.

A criação da Petrossal, aparentemente, agrada a maioria dos políticos, já que vai gerar empregos e troca de favores. Espera-se que a discussão se dê em torno do fato de a nova estatal participar dos comitês operacionais dos campos com poder de veto. O fato de a Petrossal não entrar no risco do negócio e ter poder de veto cria insegurança regulatória e afasta o investidor privado. O monopólio e monopsônio da Petrobras, bem como o poder de veto da Petrossal são dois pontos que não deveriam ser aceitos pelo Congresso Nacional.

No curto prazo, o único projeto que vai surtir efeito é o da capitalização da Petrobras. Então por que aparece como último colocado na quantidade de emendas recebidas? Primeiro, porque os políticos têm medo de ser acusados de privatistas ao contestarem a capitalização da Petrobras. Apesar de, como dito anteriormente, ser altamente questionável ceder reservas da União equivalentes a bilhões de barris para uma empresa de economia mista, sem licitação, sem cobrar bônus de assinatura e participação especial. Segundo, porque o governo vendeu a ideia de que é preciso capitalizar a Petrobras para que a empresa tenha capacidade de extrair e produzir o petróleo, cuja renda, num segundo momento, será usada para resgate das dívidas sociais.

Terceiro, porque o governo vende a ideia de que é preciso aumentar a sua participação acionária na empresa, já que uma grande quantidade de ações está nas mãos de acionistas estrangeiros. O Brasil talvez seja o único país no mundo em que o governo, em vez de somente retirar dividendos de sua estatal petrolífera e aplicar em projetos que beneficiem a todos os brasileiros, faz o contrário: promove a sua capitalização com recursos de todos os brasileiros, favorecendo apenas os acionistas da Petrobras.

Matriz energética e práticas intervencionistas

Ao longo dos anos, o setor de energia no Brasil tem sido vítima de uma política de planejamento de curto prazo, alternando práticas de mercado e intervencionismo, uma política ciclotímica.

No primeiro choque do petróleo, em 1973, o governo lançou o programa nuclear, a “dieselização” da frota de veículos pesados por meio do subsídio tributário ao diesel, do programa de óleos vegetais, do programa de carvão vegetal e da primeira fase do ProÁlcool, com a obrigatoriedade de misturar álcool anidro à gasolina. Esses programas tinham o objetivo de diminuir o consumo de petróleo, pois, na época, o problema do país era o déficit na balança comercial. No segundo choque do petróleo, em 1979, as políticas de substituição foram aprofundadas com o lançamento do álcool hidratado para substituir a gasolina e o programa de eletrotermia, que visava substituir o consumo de óleo combustível no setor industrial por eletricidade.

A partir de 1986, com a queda do preço do petróleo, fenômeno conhecido como o contrachoque do petróleo, os programas de substituição sumiram do planejamento energético brasileiro, à exceção do programa de “dieselização”. No governo fhc foi criado o Programa de Desestatização. Privatizou-se a maioria das distribuidoras de energia elétrica, enquanto, entre as geradoras, somente 15% foram privatizadas. A Lei no 9 478 promoveu a abertura do mercado de petróleo e gás natural. Em 1999, foi lançado o Programa Prioritário das Térmicas (ppt) para consumir gás natural boliviano. Em 2003, lançou-se o Programa de Massificação do Uso de Gás Natural.

Com a chegada ao mercado dos carros flex-fuel e o aumento do preço do petróleo, o álcool, agora chamado de etanol, ressurge com toda a força como substituto da gasolina. O crescimento do consumo do etanol e o uso do bagaço de cana na geração de energia elétrica conduziram o Brasil a aumentar, ainda mais, a participação das fontes renováveis em sua matriz energética. No final de 2007, surge o anúncio da descoberta de petróleo na camada pré-sal.

O governo mudou o seu discurso e passou a formular uma política de cunho intervencionista. Existe a possibilidade do pré-sal iniciar um novo ciclo da política energética, mudando o rumo da matriz brasileira e instaurando práticas intervencionistas? Parece que sim.

A política ciclotímica adotada pelos governos tem gerado as seguintes consequências: incertezas regulatórias, sinais econômicos errados para investidores e consumidores, inibição de investimentos de longo prazo, desequilíbrio entre a oferta e a demanda, diminuição da competitividade da indústria brasileira, descontinuidade nas políticas ambientais, transformação do setor de energia num ponto de estra
ngulamento para o crescimento da economia brasileira. É uma pena.

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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