Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
08 janeiro 2020

Acordo de Associação Mercosul e União Europeia: Perspectivas e Desafios

Em 28 de junho de 2019, o Mercosul e a União Europeia (UE) concluíram a negociação de um ambicioso acordo de Associação, que inclui três vertentes: a política, a de cooperação e a do livre comércio.
Aguarda-se a divulgação dos termos desse Acordo de Associação e dos detalhes do acordo de livre comércio que estabelecem a maneira como se desenvolverá o diálogo político, inclusive multilateral, a cooperação e o intercâmbio comercial para conhecer seu alcance e como os interesses nacionais foram tratados.
Não resta dúvida sobre a importância do acordo com a UE, nosso segundo parceiro comercial e o primeiro em investimentos. As informações divulgadas até aqui dão uma ideia geral do arcabouço e das principais diretivas do acordo de livre comércio entre as duas regiões, mas não permitem ainda uma análise objetiva sobre o resultado das negociações porque não foram divulgadas nem as listas de produtos e seu cronograma de redução das tarifas ao longo de dez anos, nem o small print, ou seja, os detalhes relevantes da negociação. Sem a divulgação completa do acordo, surgem dúvidas quanto à forma e à rapidez com que o atual governo conduzirá o processo de abertura da economia.
O acordo põe fim a um longo período de mais de 20 anos de isolamento do Mercosul e do Brasil nas negociações de acordos comerciais. Enquanto, nesse período, o Mercosul assinou apenas três acordos (Egito, Israel e Autoridade Palestina), foram assinados mais de 250 acordos comerciais no mundo, segundo a OMC. Isolado, o Brasil perdeu espaço nos fluxos dinâmicos do comércio internacional e participa de forma menor nas cadeias de valor global no intercâmbio entre empresas. O final dos entendimentos do acordo, na contramão do movimento global que tende ao protecionismo e às restrições ao livre comércio, foi seguido da conclusão do acordo com a Área de Livre Comércio (EFTA). Com esses dois importantes acordos comerciais, o Mercosul voltou a ter visibilidade e deve acelerar as negociações com Canadá, Coreia e Cingapura.
O texto final e a tradução para as línguas de todos os países-membros somente serão completados em meados de 2020, quando ocorrerá a assinatura do acordo. Normalmente, o processo de aprovação pelo Conselho Europeu e pelos Parlamentos dos países-membros deverá levar em torno de dois anos, a exemplo do que ocorreu com acordos negociados com outros países pela União Europeia. Assim, esse importante instrumento comercial somente deverá entrar em vigência em 2022.
É importante, contudo, desde logo, começar a identificar os desafios para os produtos brasileiros terem acesso ao mercado europeu: melhora na competitividade e incorporação de inovação tecnológica.
Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação aos produzidos em outros países. Sem que isso ocorra, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A União Europeia vai abrir seu mercado com tarifa zero de imediato para 75% de suas importações e mais 10% em quatro anos. Em dez anos, 100% do mercado europeu estará aberto com tarifa zero.
Não se pode esperar dez anos para colocar a casa em ordem e aprovar reformas, como a tributária, a do Estado e a da estrutura tarifária interna. A aprovação da reforma trabalhista e a da previdência social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias), a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30%, com o custo de 22% do PIB, e torna o produto nacional pouco competitivo.
Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte da empresa e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Medidas recentes, inclusive portaria sobre a possibilidade de importação com tarifa zero para produtos sem produção local (também para produtos usados), no momento da divulgação do acordo com a UE, geram insegurança e incerteza pela falta de diálogo com o setor produtivo. Agindo corretamente, a área econômica decidiu suspender a vigência da portaria. Estudo recente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que a indústria nacional ainda está lenta para procurar alcançar o nível de 4.0 (75% das indústrias ouviram falar de indústria 4.0, 1,3% têm investimento em 4.0 (em faturamento) e 23% estão implementando ações de indústria 4.0)
Esforços do setor privado, Congresso e governo: tirar o Brasil do atraso
Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente, pois é objetivo comum gerar a confiança para a volta do investimento, o que traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE, assim como a entrada na OCDE, forçará governo e setor privado a trabalhar com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.
Ao lado da agenda interna, será também relevante fortalecer as instituições do Mercosul para aumentar a capacidade do bloco econômico e comercial de se ajustar às novas regras, como, por exemplo, criar uma única autoridade sanitária – uma  maneira de enfrentar a convergência regulatória que o acordo propicia.
O acordo de livre comércio – parte integral desse acordo mais amplo – pretende consolidar, em dez anos, uma parceria econômica e criar oportunidades para o crescimento sustentável nos dois lados, respeitando setores econômicos sensíveis, o meio ambiente e preservando os interesses dos consumidores. O acordo é composto por capítulos e anexos relativos aos seguintes temas: acesso tarifário ao mercado de bens (compromissos de desgravação tarifária); regras de origem; medidas sanitárias e fitossanitárias; barreiras técnicas ao comércio (anexo automotivo); defesa comercial; salvaguardas bilaterais; defesa da concorrência; facilitação de comércio e cooperação aduaneira; serviços e estabelecimento (compromissos em matéria de acesso); compras governamentais (compromissos em matéria de acesso); propriedade intelectual (indicações geográficas); integração regional; diálogos; empresas estatais; subsídios; pequenas e médias empresas; comércio e desenvolvimento sustentável; anexo de vinhos e destilados; transparência; temas institucionais, legais e horizontais; e solução de controvérsias.
O capítulo sobre Desenvolvimento Sustentável contém novos compromissos que o Brasil deverá cumprir e que serão verificáveis por nossos parceiros europeus. Seu objetivo é o de promover a integração do desenvolvimento sustentável na relação entre os países partes, em especial na inclusão de princípios de desenvolvimento sustentável de relevância no contexto comercial e de investimento.
O capítulo de desenvolvimento sustentável talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro pelas dificuldades políticas que poderão apresentar para a aprovação do acordo por parte de alguns parlamentos europeus. O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima e a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. No caso do Brasil, diferente da situação criada na década de 1970 pela repercussão externa em consequência da destruição da Amazônia e do desrespeito aos direitos humanos, a percepção externa negativa é agravada por dois fatores novos: a influência do consumidor e da política ambiental nas negociações de acordos comerciais.
A política ambiental transformou-se em um instrumento de política comercial por parte de muitos países, em especial na União Europeia. A necessidade de se estruturar uma governança ambiental no nível internacional tem transformado a questão do meio ambiente em uma das mais relevantes da agenda multilateral. Desde a Conferência de Estocolmo em 1972, houve uma proliferação de acordos de gestão de recursos naturais entre países: hoje, o meio ambiente já é a segunda área com maior número de acordos internacionais no mundo (atrás apenas de comércio internacional).
A falta de informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas e a crescentemente negativa percepção externa sobre as políticas ambientais do atual governo (como evidenciado por matérias de capa de The Economist e por editoriais do Financial Times), criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial do agronegócio. Apesar dos esforços privados na conservação do meio ambiente, como a moratória da soja, compromisso de 2006 até os dias de hoje, em que a indústria se compromete voluntariamente a não comprar soja de áreas desflorestadas do bioma Amazônia, em vigor desde 2008, discute-se a possibilidade de pôr fim a esse compromisso por medidas governamentais.
Os compromissos assumidos pelos países-membros no tocante ao desenvolvimento sustentável estão incluídos em 18 artigos que cobrem acordos relacionados a comércio e meio ambiente, comércio e biodiversidade, comércio e preservação de florestas, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, inclusive a Resolução 169, que trata a exploração de terras indígenas. São mencionados explicitamente os principais acordos internacionais como os derivados da Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, Convenção sobre Diversidade Biológica, Convenção da ONU de combate à desertificação, Acordo de Paris de 2015, regras da OMC e Resoluções de organismos internacionais. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo a restrição de importação de produtos agrícola nacionais.
Aproximação maior com os países asiáticos
Além disso, foi aprovado o princípio da precaução, por insistência da UE, pela qual, por descumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado, poderia ser barrada a importação de determinado produto. Os negociadores do Mercosul, contudo, conseguiram manter esse princípio fora das regras de solução de controvérsias comerciais e também modificaram o caráter unilateral da medida, passando o ônus da prova para o lado europeu e abrindo espaço para negociações políticas entre as duas partes.
Diante da importância desse tema, o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) começou a desenvolver uma agenda de Diplomacia Ambiental para fazer um levantamento dos compromissos assumidos pelo Brasil desde 1992 e do grau de cumprimento destes. A identificação desses compromissos e de seu cumprimento será importante para as empresas brasileiras que já estão enfrentando ameaças de boicote. As mudanças na orientação política em Brasília poderão afetar essa agenda. Poderá haver impactos para o Brasil e para a competitividade das empresas brasileiras, que podem ser penalizadas pelas regras da OMC e dos acordos comerciais, a começar pelo Mercosul-UE.
Com visão de futuro e cumprida a agenda doméstica de recuperação da competitividade, ademais da conclusão dos acordos em negociação, o próximo passo nos entendimentos comerciais poderia ser uma aproximação maior não com os EUA, de difícil concretização pelas atuais políticas de Donald Trump, mas com os países da Ásia, o polo dinâmico do comércio internacional. Seria importante sinalizar aos países membros da Parceria Transpacífica (CCTPP) uma intenção nossa e do Mercosul em juntar-se ao grupo de 11 países que atualmente inclui Japão, sete países asiáticos, mais México, Chile e Peru.
O acordo Mercosul-UE pode ser o elemento catalizador de todo um programa interno e de negociação externa que permitirá a expansão do comércio exterior brasileiro e ajudará para o alcance do objetivo de maior crescimento da economia nos próximos anos.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter