Elon Musk está errado: pesquisa mostra que regras de conteúdo no Twitter ajudam a preservar a liberdade de expressão contra robôs e outras manipulações
Estudo mostra que uma moderação mais forte, e não mais fraca, do ecossistema de informações é necessária para combater a desinformação prejudicial. Políticas de moderação mais fracas prejudicariam a liberdade de expressão, e as vozes de usuários reais seriam abafadas por usuários mal-intencionados
Estudo mostra que uma moderação mais forte, e não mais fraca, do ecossistema de informações é necessária para combater a desinformação prejudicial. Políticas de moderação mais fracas prejudicariam a liberdade de expressão, e as vozes de usuários reais seriam abafadas por usuários mal-intencionados
Por Filippo Menczer*
A oferta de Elon Musk para comprar o Twitter desencadeou muito debate sobre o que isso significa para o futuro da plataforma de redes sociais que desempenha um papel importante na determinação das notícias e informações às quais muitas pessoas – especialmente os americanos – estão expostas.
Musk disse que quer fazer do Twitter uma arena para a liberdade de expressão. Não está claro o que isso significará, e suas declarações alimentaram especulações entre apoiadores e detratores. Como uma empresa, o Twitter pode regular a expressão em sua plataforma como quiser. Há projetos de lei sendo avaliados no Congresso dos EUA e na União Europeia tratando da regulamentação das redes sociais, mas eles tratam de transparência, responsabilidade, conteúdo ilegal e prejudicial e proteção dos direitos dos usuários, em vez de regulamentar o que é publicado.
A defesa da liberdade de expressão de Musk no Twitter se concentram em duas alegações: viés político e moderação excessiva. Como pesquisadores de desinformação e manipulação online, meus colegas e eu do Observatório de Redes Sociais da Universidade de Indiana estudamos a dinâmica e o impacto do Twitter e seu abuso. Para entender as declarações de Musk e os possíveis resultados de sua aquisição do Twitter, vejamos o que a pesquisa mostra.
Viés político
Muitos políticos e analistas conservadores alegam há anos que as principais plataformas de redes sociais, incluindo o Twitter, têm um viés político liberal equivalente à censura de opiniões conservadoras. Essas alegações são baseadas em evidências anedóticas. Por exemplo, muitos partidários cujos tweets foram rotulados como enganosos e rebaixados, ou cujas contas foram suspensas por violar os termos de serviço da plataforma, alegam que o Twitter os atacou por causa de suas opiniões políticas.
Infelizmente, o Twitter e outras plataformas muitas vezes impõem suas políticas de forma inconsistente, por isso é fácil encontrar exemplos que apoiam uma teoria da conspiração ou outra. Um estudo do Center for Business and Human Rights da Universidade de Nova York não encontrou evidências confiáveis em apoio à alegação de viés anticonservador por empresas de redes sociais, mesmo rotulando a própria alegação como uma forma de desinformação.
Uma avaliação mais direta do viés político pelo Twitter é difícil por causa das interações complexas entre pessoas e algoritmos. As pessoas, é claro, têm seus vieses políticos. Por exemplo, nossos experimentos com robôs sociais políticos revelaram que usuários republicanos são mais propensos a confundir robôs conservadores com humanos, enquanto usuários democratas são mais propensos a confundir usuários humanos conservadores com robôs.
Para remover o viés humano da equação em nossos experimentos, implantamos vários robôs sociais benignos no Twitter. Cada um desses robôs começou seguindo uma fonte de notícias, com alguns bots seguindo uma fonte liberal e outras conservadoras. Depois desse amigo inicial, todos os robôs foram deixados livres para “flutuar” no ecossistema de informações por alguns meses. Eles poderiam ganhar seguidores. Eles agiram de acordo com um comportamento algorítmico idêntico. Isso inclui seguir ou seguir de volta contas aleatórias, twittar conteúdo sem sentido e retwitar ou copiar postagens aleatórias em seu feed.
Mas esse comportamento era politicamente neutro, sem compreensão do conteúdo visto ou postado. Nós rastreamos os robôs para investigar tendências políticas emergentes de como o Twitter funciona ou como os usuários interagem.
Surpreendentemente, nossa pesquisa forneceu evidências de que o Twitter tem um viés conservador, e não liberal. Em média, as contas são atraídas para o lado conservador. As contas liberais foram expostas a conteúdo moderado, o que deslocou sua experiência para o centro político, enquanto as interações das contas de direita foram enviesadas para a publicação de conteúdo conservador. Contas que seguiram fontes de notícias conservadoras também receberam seguidores mais alinhados politicamente, tornando-se incorporados em câmaras de eco mais densas e ganhando influência dentro dessas comunidades partidárias.
Essas diferenças de experiências e ações podem ser atribuídas às interações com os usuários e informações mediadas pela plataforma de redes sociais. Mas não pudemos examinar diretamente o possível viés no algoritmo do feed de notícias do Twitter, porque a classificação real das postagens na “linha do tempo inicial” não está disponível para pesquisadores externos.
Pesquisadores do Twitter, no entanto, conseguiram auditar os efeitos de seu algoritmo de classificação no conteúdo político, revelando que a direita desfruta de maior amplificação em comparação com a esquerda. A experiência mostrou que em seis dos sete países estudados políticos conservadores desfrutam de maior amplificação algorítmica do que liberais. Eles também descobriram que a amplificação algorítmica favorece as fontes de notícias de direita nos EUA.
Nossa pesquisa e a pesquisa do Twitter mostram que a aparente preocupação de Musk com o viés no Twitter contra os conservadores é infundada.
Árbitros ou censores
A outra alegação que Musk parece estar fazendo é que a moderação excessiva sufoca a liberdade de expressão no Twitter. O conceito de um mercado livre de ideias está enraizado no raciocínio secular de John Milton de que a verdade prevalece em uma troca de ideias livre e aberta. Essa visão é frequentemente citada como base para argumentos contra a moderação: informações precisas, relevantes e oportunas devem surgir espontaneamente das interações entre os usuários.
Infelizmente, vários aspectos das redes sociais modernas atrapalham o livre mercado de ideias. Atenção limitada e viés de confirmação aumentam a vulnerabilidade à desinformação. A classificação baseada em engajamento pode amplificar o ruído e a manipulação, e a estrutura das redes de informação pode distorcer percepções e ser “manipulada” para favorecer um grupo.
Como resultado, os usuários de redes sociais nos últimos anos se tornaram vítimas de manipulação por conta de “astroturfing” [forma de manipulação da opinião pública], trollagem e desinformação. O abuso é facilitado por robôs sociais e redes coordenadas que criam a aparência de multidões humanas.
Nós e outros pesquisadores observamos essas contas inautênticas amplificando desinformação, influenciando eleições, cometendo fraudes financeiras, infiltrando comunidades vulneráveis e atrapalhando a comunicação. Musk twittou que quer derrotar robôs de spam e autenticar humanos, mas essas não são soluções fáceis nem necessariamente eficazes.
Contas inautênticas são usadas para fins maliciosos além do spam e são difíceis de detectar, especialmente quando são operadas por pessoas em conjunto com algoritmos de software. E remover o anonimato pode prejudicar grupos vulneráveis. Nos últimos anos, o Twitter promulgou políticas e sistemas para moderar abusos, suspendendo agressivamente contas e redes que exibem comportamentos coordenados inautênticos. Um enfraquecimento dessas políticas de moderação pode tornar o abuso novamente desenfreado.
Manipulando o Twitter
Apesar do progresso recente do Twitter, a integridade ainda é um desafio na plataforma. Nosso laboratório está encontrando novos tipos de manipulação sofisticada, que apresentaremos na International AAAI Conference on Web and Social Media International AAAI Conference on Web and Social Media em junho. Usuários maliciosos exploram os chamados “follow trains” – grupos de pessoas que seguem umas às outras no Twitter – para aumentar rapidamente seus seguidores e criar grandes e densas câmaras de eco hiperpartidárias que amplificam conteúdo tóxico de fontes conspiratórias e de baixa credibilidade.
Outra técnica maliciosa eficaz é postar e, em seguida, excluir estrategicamente conteúdo que viole os termos da plataforma depois de cumprir seu propósito. Até mesmo o alto limite do Twitter de 2.400 postagens por dia pode ser contornado por meio de exclusões: identificamos muitas contas que inundam a rede com dezenas de milhares de postagens por dia.
Também encontramos redes coordenadas que se envolvem em curtidas e descurtidas repetitivas de conteúdo que acaba sendo excluído, o que pode manipular algoritmos de classificação. Essas técnicas permitem que usuários mal-intencionados aumentem a popularidade do conteúdo enquanto evitam a detecção.
É improvável que os planos de Musk para o Twitter façam algo sobre esses comportamentos manipuladores.
Moderação de conteúdo e liberdade de expressão
A provável aquisição do Twitter por Musk levanta preocupações de que a plataforma de possa diminuir sua moderação de conteúdo. Este corpo de pesquisa mostra que uma moderação mais forte, e não mais fraca, do ecossistema de informações é necessária para combater a desinformação prejudicial.
Também mostra que políticas de moderação mais fracas ironicamente prejudicariam a liberdade de expressão: as vozes de usuários reais seriam abafadas por usuários mal-intencionados que manipulam o Twitter por meio de contas inautênticas, robôs e câmaras de eco.
*Filippo Menczer, é professor de informática e ciência da computação na Universidade de Indiana
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Este artigo é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons license. Leia o artigo original.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional