01 janeiro 2009

A Camex na Formulação da Política de Comércio Exterior

Apresenta-se, em linhas gerais, o papel de articulação intragovernamental e entre governo e setor privado exercido pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), na formulação da política de comércio externo do país. As atividades da Câmara, a partir de 2003, são descritas e analisadas. À luz das negociações multilaterais na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), argumenta-se em favor do fortalecimento do papel institucional da CAMEX como instância decisória. Rebatem-se críticas comuns a atual política de comércio externo.

A Câmara de Comércio Exterior (camex) foi criada em 1995 e é o órgão interministerial responsável pela formulação, adoção, implementação e coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, incluindo o turismo.

A dispersão de competências do comércio exterior brasileiro em diversos órgãos dificultava a adoção de medidas capazes de atender às necessidades do país. Assim, na qualidade de presidente da camex, ressalto a importância desse colegiado na coordenação da ação de governo, e deste com o setor privado, em matérias relacionadas com o comércio exterior.

A camex reúne os Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; das Relações Exteriores; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; a Casa Civil da Presidência da República e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que passou a integrá-la desde 2005.

O papel institucional da camex é o de articular os diferentes órgãos e agências governamentais para otimizar os resultados do país no comércio internacional, em defesa dos legítimos interesses do setor produtivo nacional. Com a criação da camex, o governo brasileiro ficou melhor aparelhado para definir importantes diretrizes da política de comércio exterior e adotar as medidas necessárias ao enfrentamento dos novos desafios do comércio globalizado.

A maior inserção internacional de nossa economia e a crescente disputa por mercados, no contexto de globalização comercial dos últimos anos, ampliam as responsabilidades e exacerbam as demandas por uma atuação cada vez mais intensa da camex. Além de comprovar a importância da criação desse órgão de regulação e articulação dos diferentes atores do comércio internacional, públicos e privados, as profundas transformações do cenário externo trouxeram novos desafios à atuação do órgão.

Nesse sentido, a camex, com o apoio dos ministérios que a integram e de outros órgãos públicos, tem dedicado redobrada atenção aos temas relacionados com o aumento da competitividade da empresa brasileira, a ampliação de mercados para nossos exportadores e a defesa da indústria nacional.

Para reduzir custos de produção e melhorar o acesso do produto brasileiro aos mercados externos, diversas medidas foram aprovadas e implementadas nos últimos meses, a exemplo da desoneração dos insumos nacionais aplicados na produção de produtos exportados, a partir da criação do drawback verde-amarelo. Eliminou-se uma distorção histórica de nosso sistema tributário, que favorecia a importação em detrimento da produção nacional, com a equiparação do tratamento tributário dispensado ao insumo nacional nos mesmos moldes daquele previsto para os insumos importados.

Outras medidas visaram contribuir para a maior competitividade do produto brasileiro no mercado externo, como a isenção nas remessas para pagamento, no exterior, de despesas de promoção comercial de produtos brasileiros, benefício ampliado para alcançar também outras despesas vinculadas à exportação.

A desoneração dos investimentos portuários, mais recentemente estendida aos investimentos em ferrovias, também foi discutida e aprovada no âmbito da camex.

Ao longo dos últimos anos, a camex atuou numa enormidade de temas muito próximos ao cotidiano do setor produtivo brasileiro, seja na produção seja na ponta do consumo, sempre que se precisou posicionar diante de assuntos relacionados com produtos como arroz, leite, alho, trigo, pêssego, couro, têxteis, vinhos, armas, fertilizantes, defensivos, siderúrgicos, máquinas e equipamentos, e tantos outros.

Temas relacionados com o financiamento da exportação também têm sido objeto de crescente atenção da camex. Além de contribuir para aumentar a presença de empresas brasileiras em outros países, os mecanismos de apoio governamental à exportação de bens de maior valor agregado viabilizam a geração de renda e emprego no país.

A continuidade dos projetos de empresas brasileiras no exterior, em especial na presente conjuntura de escassez de crédito internacional, requer firmeza e determinação do governo para adotar as medidas necessárias visando ampliar as fontes internas de financiamento para a exportação e para a produção.

Outra importante frente de atuação da camex é o permanente monitoramento dos preços de insumos essenciais e da exportação de commodities, por seus importantes impactos nos resultados da balança comercial do país.

O acirramento da competição internacional no comércio tem como conseqüência a ampliação da concorrência predatória, que ameaça a sobrevivência da produção brasileira em alguns segmentos. Sobre os temas relacionados à defesa comercial, compete à camex deliberar a respeito das medidas de proteção à indústria nacional contra práticas desleais de comércio, conforme se verá mais adiante.

Estrutura e competências

A Câmara de Comércio Exterior possui a seguinte estrutura: o Conselho de Ministros da camex, o Comitê Executivo de Gestão (gecex), a Secretaria Executiva, o Conselho Consultivo do Setor Privado (conex) e o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (cofig).

O Comitê Executivo de Gestão (gecex) é núcleo executivo da camex e é composto por 26 membros do governo, incluindo os representantes dos ministérios que compõem o Conselho de Ministros da camex e os demais ministérios e órgãos que intervêm de alguma maneira em temas relacionados ao comércio exterior. Os trabalhos do gecex subsidiam o Conselho de Ministros, que é o núcleo decisório da camex.

O Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações da camex (cofig)

O Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (cofig) é um colegiado integrante da Câmara de Comércio Exterior (camex), com as atribuições de enquadrar e acompanhar as operações do Programa de Financiamento às Exportações (proex) e do Fundo de Garantia à Exportação (fge). Sua tarefa consiste em estabelecer os parâmetros e condições para concessão de assistência financeira às exportações e de prestação de garantia da União.

É por meio do cofig que a camex atua na definição de critérios para a aplicação de recursos orçamentários da União na promoção das exportações brasileiras.

O cofig é integrado pelos representantes dos ministérios que compõem a camex, além de envolver também participantes da Secretaria do Tesouro Nacional, do Banco do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do irb–Brasil Resseguros e da Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (sbce).

Dessa mescla de visões resultam as orientações para que o programa possa atender às demandas do setor exportador, levando em consideração os compromissos macroeconômicos do governo. Foi assim que, recentemente, a camex aprovou medidas, sugeridas por esse Comitê, para tornar o proex mais efetivo, buscando o aproveitamento integral dos recursos disponíveis e visando contribuir para neutralizar os efeitos da redução de linhas de crédito às exportações brasileiras, decorrente da atual situação financeira internacional.

Em decisões recentes do Conselho de Ministros, foi ampliado o universo de empresas que poderão acionar o proex e foi também regulamentada a utilização de seguro de crédito à exportação para pequenas empresas, com vistas a minimizar os problemas de garantia que enfrentam. Além disso, estão bem avançados os estudos para aprovar modalidade do programa que permitirá o financiamento de atividades voltadas para a exportação de bens e serviços desde a fase de produção.

Em outra vertente da atuação na área de créditos à exportação, o Conselho de Ministros delibera sobre a aprovação de projetos visando o desenvolvimento econômico e social de países prioritários para a política externa brasileira. Nesses casos, têm sido aprovados projetos de exportação de empresas brasileiras voltados para a realização de obras de infra-estrutura, para a modernização da atividade agrícola, para o turismo e a integração regional com os parceiros do Brasil. Essa modalidade de financiamento tem-se revelado importante ferramenta de aproximação entre o Brasil e países da América Latina e da África, viabilizando exportações de bens e serviços brasileiros para esses mercados, em escala crescente.

A articulação com o setor privado

As decisões da camex consideram as demandas do setor privado nacional e são tomadas de maneira que revela o diálogo existente entre o governo e o setor privado em temas de comércio exterior. Para reforçar esse papel, em 2004, a camex criou o Conselho Consultivo do Setor Privado (conex), composto por vinte representantes do empresariado brasileiro para assessorar o Comitê Executivo de Gestão (gecex), pela elaboração e encaminhamento de estudos e propostas para aperfeiçoar a política de comércio exterior do Brasil.

Ao longo dos últimos anos, as atividades do conex envolveram temas como: 1) medidas de facilitação do comércio; 2) Política de Desenvolvimento Produtivo e incentivo ao investimento, inovação tecnológica e diversificação das exportações brasileiras; 3) investimentos brasileiros no exterior e internacionalização das empresas brasileiras; 4) diretrizes e estratégias para negociações internacionais; 5) criação de classificação tarifária própria para o etanol como combustível; 6) regulamentação do drawback verde-amarelo; 7) financiamento pré-embarque em reais; 8) normas regulamentadoras de financiamento de exportações. Todos esses são assuntos relevantes para o comércio exterior do país, que contaram com a participação ativa de segmentos do setor privado.

Facilitação de comércio

Das discussões na Rodada Doha, em especial das propostas apresentadas no Grupo Negociador de Facilitação de Comércio, resultaram avanços importantes para a simplificação, modernização e desburocratização de procedimentos relacionados ao comércio exterior. Essas propostas serviram de base para a definição de diretrizes que integram os trabalhos conduzidos na área pela camex.

A omc contribuiu assim para a adoção paulatina, no âmbito doméstico, das melhores práticas de facilitação de comércio em uso no exterior. Elas estão voltadas à redução da burocracia, à melhoria na gestão dos processos, das operações, das rotinas e dos procedimentos e trazem benefícios para exportadores e importadores brasileiros, sem prejuízo à segurança e ao combate às fraudes.

Medidas de facilitação de comércio têm-se tornado cada vez mais necessárias à continuidade do crescimento do comércio exterior e à melhoria da competitividade da empresas brasileiras.

Ressalte-se que o fluxo do comércio exterior brasileiro aumentou 222% em valor e 37% em tonelada, na comparação do período de janeiro a setembro de 2003 com o mesmo período de 2008. Tal crescimento contribuiu decisivamente para a melhoria dos resultados macro e microeconômicos, com efeitos positivos na produção, nos investimentos e na competitividade do país.

Para modernizar, racionalizar e dar maior eficácia à ação de governo na formulação da política de comércio exterior, a camex coordena importante trabalho de revisão de normas e procedimentos operacionais dos órgãos intervenientes e anuentes do comércio exterior.

Desenvolveu várias iniciativas no campo da facilitação e desburocratização do comércio para atender a uma das principais reivindicações dos exportadores brasileiros e do setor produtivo nacional, de simplificar as operações de comércio exterior com a redução de custos administrativos. Esse trabalho envolveu 35 órgãos de governo, que atuaram de maneira coordenada, para tornar os trabalhos e exigências legais mais céleres e inteligentes.

Nesse sentido, a camex estabeleceu novas diretrizes de facilitação de comércio que enfocam, entre outros, os seguintes aspectos: criação da figura do operador autorizado, inclusive para anuentes; aceitação de documentos eletrônicos; organização da chamada single window; adoção de práticas de gestão de risco, inclusive para anuentes. Outro avanço significativo foi a criação, em março deste ano, do Grupo Técnico de Facilitação de Comércio (gtfac), na estrutura permanente da camex.

Como resultado da coordenação efetuada pela camex, diversas medidas foram implementadas, ou estão em andamento, contribuindo para descongestionar as zonas primárias de portos, aeroportos e pontos de fronteira terrestre.

São exemplos de medidas implementadas a exclusão da Comissão de Coordenação do Transporte Aéreo Civil (cotac) da Agência Nacional de Aviação Civil da condição de órgão anuente; a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (anvisa), que previu que todos os produtos para saúde, fabricados no país e destinados exclusivamente à exportação, não mais necessitarão de registro no órgão; as exclusões de anuências na exportação por parte da Agência Nacional de Petróleo (anp) e do Departamento de Polícia Federal; o uso de novo serviço pela Receita Federal, na internet, denominado “consulta pública externa”, que permitirá à sociedade conhecer e oferecer sugestões às propostas de alterações da legislação aduaneira, antes da sua entrada em vigor.

Além disso, há medidas de grande importância em andamento. Entre elas, o desenvolvimento de Licenças de Importação instantâneas, que permitirão a utilização de filtros e critérios de seleção de operações, a serem definidos e gerenciados pelos próprios órgãos anuentes. Cabe mencionar também o sistema de documentos eletrônicos no Sistema Integrado de Comércio Exterior (siscomex), que permitirá anexação de documentos, quer por parte do operador de comércio exterior, quer pelo anuente, de forma que subsistam em plataforma de visualização comum.

Outras ações de grande relevância estão sendo tratadas em caráter prioritário pela camex, como a construção de uma “Linha Azul” sanitária e fitossanitária no Ministério da Agricultura, para as empresas que se comprometerem a não importar mercadorias com embalagens de madeira bruta ou em desconformidade com as normas internacionais, além da disponibilização de relatórios gerenciais desenvolvidos pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (serpro) aos órgãos anuentes, o que permitirá definir ações estratégicas na fiscalização de empresas, com critérios efetivos de gestão de risco.

A camex, em conjunto com o Ministério do Planejamento e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (abdi), está realizando também um amplo levantamento do número de funcionários e horários de atendimento nas zonas primárias brasileiras, para elaborar um Plano Nacional de Harmonização de Horários e de Rotinas em Zonas Primárias e um Plano de Capacitação de Servidores Públicos em Comércio Exterior.

Defesa comercial

Na área da Defesa Comercial, a crescente atua­ção da camex e dos órgãos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em defesa da indústria nacional pode ser aferida pelas estatísticas do período mais recente: o número de medidas antidumping aprovadas evoluiu de 23, em 2007, para cerca de 60, em 2008.

Convém mencionar que os prazos para concluir as investigações foram reduzidos substancialmente, a despeito do expressivo aumento do número de medidas de defesa comercial. A aplicação tempestiva de direitos provisórios também permitiu a redução dos danos potenciais à indústrias domésticas que apresentaram pleitos ao governo contra práticas desleais de comércio adotadas por empresas estrangeiras em suas exportações para o Brasil.

As deliberações sobre defesa comercial contam com as recomendações do Grupo Técnico de Defesa Comercial (gtdc), embasadas no trabalho investigativo do Departamento de Defesa Comercial da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento. O gtdc é composto pelos sete ministérios que compõem a camex. Em sua decisão, os ministros devem levar em conta elementos de interesse nacional, como inflação, desabastecimento do produto e interesses difusos dos consumidores.

A discussão prévia nos Grupos Técnicos que assessoram a camex sobre os impactos das medidas de defesa comercial visa, justamente, equacionar interesses diversos entre os consumidores dos produtos objeto de tais medidas, a defesa da indústria brasileira contra práticas desleais de comércio e o interesse público envolvido no tema.

Estímulo ao investimento: ex-tarifários

Sob a ótica do investimento privado, para reduzir custos de investimentos e modernizar o parque industrial brasileiro, a camex pode conceder para Bens de Capital (bk) e Bens de Informática e de Telecomunicações (bit) a redução temporária no Imposto de Importação pelo mecanismo de “Ex-tarifário”. Para tanto, o comitê técnico competente, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, aprecia os pleitos e os submete à camex, para a deliberação interministerial em relação às políticas de desenvolvimento do governo em consonância com os interesses do setor privado.

Para se ter uma noção da importância desse instrumento, de julho de 2001 a setembro deste ano, a camex concedeu “Ex-tarifários” no valor total de US$ 13,6 bilhões, para setores relevantes da economia brasileira, como aeronáutico, agroindustrial, automotivo, bens de capital, construção civil, farmacêutico, eletroeletrônico, metalúrgico, papel e celulose, petróleo, siderúrgico e têxtil.

Revisão da lista de exceções à tec

Sobre a revisão temporária da Tarifa Externa Comum (tec) do Mercosul, no caso do Brasil, o Conselho de Ministros da camex fixa as alíquotas do Imposto de Importação e efetiva as revisões na Lista de Exceções brasileira à Tarifa Externa Comum do Mercosul. Para isso, a Secretaria Executiva da camex coordena um Grupo Técnico Interministerial, composto por representantes dos órgãos integrantes do referido Conselho de Ministros. A importância dos trabalhos da camex nesse tema está na possibilidade de atender aos interesses públicos e privados no curto prazo, pelo próprio dinamismo do comércio exterior.

Contenciosos comerciais


Com referência aos contenciosos envolvendo o Brasil, cabe à camex decidir não somente o início do processo, caso o Brasil seja demandante, mas também as linhas gerais da estratégia a ser seguida em cada conflito. Como ilustração, pode-se mencionar o painel do algodão, no qual a camex decidiu acionar os Estados Unidos pelos subsídios concedidos por aquele país a seu setor algodoeiro, tendo sido confirmada pela omc a ilegalidade da prática norte-americana e autorizada a retaliação por parte do Brasil, pois os eua não cumpriram a determinação do órgão multilateral.

Além disso, deve-se destacar a atuação do Conselho de Ministros no conflito da importação de pneus usados, movido pela União Européia contra o Brasil, em que a ue acusou o país de tratamento discriminatório, por permitir a importação de pneus usados apenas do Mercosul. A camex decidiu basear a defesa brasileira no argumento de direito à proteção ao meio ambiente e saúde pública, os quais foram acolhidos pelo Órgão de Solução de Controvérsias da omc.

Negociações Internacionais

As negociações comerciais internacionais são importantíssimas para a inserção do país na economia internacional. Tendo em vista nossa enorme competitividade na área agrícola, é muito importante que as negociações da Rodada Doha, no âmbito da omc, sejam concluídas com sucesso, pois somente no âmbito multilateral os países desenvolvidos poderão eliminar os subsídios às exportações agrícolas e reduzir as medidas de apoio interno a seus respectivos setores agrícolas.

Restrições e barreiras ao comércio têm sido reduzidas, gradualmente, a partir do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (gatt), de 1947. Desde então, o cenário político e econômico modificou-se, substancialmente. Disso dão exemplo a emergência dos setores de serviços e de tecnologia; a organização dos países em blocos comerciais; a crescente preocupação com o meio ambiente e com as normas sanitárias e fitossanitárias; e o fortalecimento das questões relacionadas à propriedade intelectual.

Em tal cenário, o arcabouço do gatt tornou-se ineficaz para enfrentar os desafios do comércio mundial. Deu-se então o lançamento da Rodada Uruguai (1986–1994), que resultou na construção do modelo vigente para regular o comércio internacional, sob a égide da Organização Mundial de Comércio (omc), uma instituição de caráter permanente e abrangência mais ampla do que fora o gatt.

Rodada Doha

A Rodada Doha foi inaugurada em 2001 e motivada pelo interesse dos países desenvolvidos em aprofundar os acordos de liberalização de tarifas industriais, serviços, investimentos e compras governamentais. Essa Rodada também é conhecida como a “Rodada do Desenvolvimento”, por priorizar a inclusão de objetivos comerciais favoráveis aos países mais pobres, particularmente a abertura dos mercados agrícolas dos países desenvolvidos.

O Conselho Geral da omc organizou os grupos de trabalhos técnicos, sob a coordenação do Comitê de Negociações Comerciais (cnc), para iniciar as discussões sobre 19 temas agrupados em seis áreas de atuação. Entre eles, destacavam-se: agricultura, serviços, acesso a mercados não-agrícolas (nama – non-agricultural market access), os chamados “Temas de Cingapura” (investimentos, políticas de concorrência, compras governamentais e facilitação de comércio), uma avaliação sobre a implementação dos acordos trips (de propriedade intelectual) e trims (de investimentos), além da criação de grupos de trabalho sobre transferência de tecnologia, dívida e finanças, e de alguns temas novos, a exemplo do comércio eletrônico.

De forma específica, o mandato de Doha definiu que o acesso a mercado de bens não-agrícolas (nama) concentrar-se-ia no tratamento dos picos tarifários, na escalada tarifária e nas barreiras não-tarifárias. Além disso, estabeleceu que, num primeiro momento, a cobertura das negociações seria ampla, sem exclusões, e que as necessidades e interesses especiais dos países em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos seriam levados em consideração.

O mandato para agricultura incluiu uma agenda de trabalho abrangente e genérica, com o propósito de conciliar os interesses antagônicos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Nesse contexto, entendeu-se que o equilíbrio entre as ambições em agricultura e em bens industriais seria a chave para o sucesso da Rodada. Pode-se mencionar, entre os elementos sintetizados pelas versões dos textos agrícolas, temas como subsídios, apoio interno, redução de tarifas e crédito à exportação.

Para comércio e investimento, a Rodada Doha estabeleceu temas como escopo e definição, transparência, não-discriminação, modalidades de compromissos de preestabelecimento, disposições sobre desenvolvimento, exceções e salvaguardas de balança de pagamentos, mecanismos de consultas e de solução de controvérsias.

Desde o lançamento da Rodada, em 2001, o comércio exterior brasileiro experimentou grandes mudanças. Entre 2001 e 2007, nossa corrente de comércio aumentou significativamente, passando de US$ 113 bilhões para US$ 281 bilhões, o que representou incremento percentual de 148,6%. As exportações, no mesmo período, aumentaram 175,6 %, de US$ 58,2 bilhões para US$ 160,6 bilhões.

Além do expressivo crescimento em termos de valor e de volume, observaram-se alterações nas distribuições percentuais dos parceiros comerciais. Na exportação, por exemplo, verificou-se marcante alteração nas participações dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, ao longo dos últimos anos. Em 2001, os percentuais haviam sido, respectivamente, de 60,1% e de 39,9%; em 2007, as participações haviam-se alterado substancialmente, de 50,2% para os países desenvolvidos e 49,8% para os países em desenvolvimento. Em 2007, atingiu-se, na prática, um equilíbrio quase perfeito entre os dois agrupamentos de países no que se refere ao peso participativo no comércio exterior brasileiro.

Isso demonstra a crescente importância dos países em desenvolvimento no nosso comércio exterior e aponta, ainda, a relevância assumida pelas negociações multilaterais para o Brasil, bem como o êxito da política de diversificação de exportações adotada pelo governo.

Do ponto de vista multilateral, cada país-membro da omc elegeu um modelo para congregar governo e setor privado nas negociações da Rodada Doha, para que o processo negociador contemplasse o conjunto mais abrangente possível de , interesses de suas respectivas sociedades.

A atuação da Camex

No caso do Brasil, a articulação intragovernamental, com o acompanhamento rotineiro por parte do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior, e de seus demais colegiados, concentrou-se em grupos técnicos específicos constituídos pelo Ministério das Relações Exteriores. Esses grupos contaram, ainda, com a importante participação de representantes do setor privado, notadamente por meio de suas entidades.

Sobretudo em função dos valores envolvidos, o processo negociador da Rodada Doha tem sido motivo de diversas discussões. Mais notadamente nos últimos anos, com a perspectiva de desenlace da Rodada, os temas técnicos relacionados foram amplamente apresentados e discutidos em diversas reuniões da camex, freqüentando sua agenda em oito reuniões do Conselho de Ministros; em cinco reuniões do Comitê Executivo de Gestão (gecex); em duas reuniões do Conselho Consultivo do Setor Privado (conex), entre outras reuniões de nível técnico. Ainda no governo federal, os debates se verificaram em outros fóruns com representação da Secretaria Executiva da camex, a exemplo do chamado Conselho do Agronegócio.

A camex sempre acompanhou as negociações multilaterais desenvolvidas no âmbito da Rodada Doha, em virtude de sua atribuição institucional de formulação, adoção, implementação e coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços.

Tais negociações foram priorizadas, sobretudo em decorrência da diversidade geográfica e do caráter de global player alcançado pelo comércio exterior brasileiro. Ilustra a importância da Rodada para o comércio brasileiro o variado fluxo das exportações e importações do País: de janeiro a setembro de 2008, por exemplo, a União Européia respondeu por 23,6% das exportações (US$ 35,6 bilhões) e 20,8% das importações (US$ 27,3 bilhões); os países da Associação Latino-americana de Integração (- aladi), respectivamente, por 21,7% (US$ 32,7 bilhões) e 15,7% (US$ 20,7 bilhões); a China, por sua vez, por 9,1% das vendas externas (US$ 13,7 bilhões) e por 11,3% das compras (US$ 14,9 bilhões); e os eua, por 14,3% dos valores exportados (US$ 21,5 bilhões) e 14,6% dos importados (US$ 19,1 bilhões).

Além das discussões intragovernamentais verificadas, houve o completo e continuado engajamento da camex com o setor privado. A Rodada Doha foi motivo de seminários e estudos, com a participação de diversos representantes do governo federal e entidades de classe do empresariado. O setor produtivo não apenas foi informado sobre os estágios das negociações, mas também pôde apresentar propostas e debater temas técnicos específicos, levados em consideração pelos órgãos governamentais.

Participação do setor privado

Presença importante, ao longo de todo o processo negociador, foi a da chamada Coalizão Empresarial Brasileira, que congrega 170 organizações empresariais, sob coordenação da Confederação Nacional da Indústria (cni), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (fiesp) e da Confederação Nacional da Agricultura (cna), entre outras. Por sua vez, cada entidade privada desenvolveu trabalhos sobre os temas de seu interesse, no âmbito de seus grupos técnicos estaduais ou regionais, para buscar a efetiva e ampla participação das empresas e das entidades representativas no processo negociador.

No âmbito das negociações da omc sobre acesso a mercados de bens não-agrícolas (nama), valendo-se do princípio que lhes permite tratamento especial e diferenciado, os países em desenvolvimento obtiveram a prerrogativa de eleger um grupo de produtos sensíveis para os quais se prevê liberalização menos acentuada.

Assim, entre 2005 e 2007, para definir uma lista de sensibilidades no âmbito industrial, a camex desenvolveu, junto com a Coalizão Empresarial Brasileira (ceb), um intenso esforço de coordenação.

O processo de elaboração dessa lista de sensibilidades envolveu a realização de numerosas consultas formais, reuniões, análises e elaboração de notas. Devido ao fato de as diversas consultas realizadas pela ceb junto a seus associados resultarem num número de produtos superior ao limite determinado pelo texto em negociação em nama, a camex instituiu parâmetros para determinar o nível de sensibilidade, para permitir à ceb construir uma lista válida para as discussões com os demais membros da omc.

Esse esforço foi vital, inclusive, para permitir o posterior cotejamento das sensibilidades do Brasil com as sensibilidades dos demais Estados Partes do Mercosul, para restringir possíveis perfurações à Tarifa Externa Comum. A camex também tem discutido várias medidas de política comercial do Mercosul, para aprofundar cada vez mais a integração regional, pois o fortalecimento do bloco é uma das prioridades da política externa brasileira.

Acordos bilaterais e regionais

Paralelamente às negociações da omc, o Brasil não ficou parado sem uma estratégia de diversificação de negociações bilaterais e regionais. Buscou acordos de livre comércio e de preferências tarifárias, muitos dos quais iniciados antes mesmo do lançamento da Rodada Doha, em 2001, como foi o caso dos acordos firmados entre o Mercosul e a Bolívia e entre o Mercosul e o Chile.

Desde 2001, por intermédio do Mercosul, ou no âmbito dos acordos firmados na Associação Latino-americana de Integração (aladi), o Brasil vem intensificando o processo de integração em várias frentes de negociação, sendo elas: com a União Européia, que esperava conclusão da Rodada Doha para renegociar com o Mercosul; com a Índia e com Israel; com o Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Qatar, Emirados Árabes, Omã e Coveite); com a União Aduaneira da África Austral (sacu), composta por África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia; com Marrocos, Turquia, Egito, Paquistão, Jordânia, Coréia do Sul, Rússia e com os países que integram o Sistema da Integração Centro-Americana e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (asean).

Ressalte-se que o Acordo com a Índia foi concluído e aprovado pelo Congresso Nacional, o Acordo com Israel se encontra em estágio avançado e o Acordo com a sacu será assinado na reunião de Cúpula do Mercosul, em dezembro próximo.

Após o início da Rodada Doha, o Brasil, por intermédio do Mercosul, firmou acordos com o Peru, com a Comunidade Andina (Venezuela, Colômbia e Equador) e com Cuba. Somam-se, ainda, acordos setoriais (automotivo e outros produtos) com o México e com Trinidad e Tobago e com a Guiana. Existe também um acordo em negociação com o México.

A todos os processos mencionados se acrescentam o próprio aprofundamento e alargamento do Mercosul, peça-chave do processo de integração regional do Brasil com seus vizinhos.

No âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (unctad), o Mercosul está negociando como bloco o Sistema Global de Preferências Comerciais (sgpc), importante instrumento para promover o comércio entre os países em desenvolvimento membros do Grupo dos 77.

As negociações da Rodada Doha trazem uma importante lição adicional, e mesmo uma exigência para o êxito de um possível acordo de comércio multilateral: os países emergentes devem-se manter firmes na estratégia de convergir e de se alinhar nas discussões, pois o desalinhamento será fator comprometedor para o êxito da própria Rodada, e para seu objetivo primordial de ampliação de comércio com promoção do desenvolvimento. A camex tem consciência desta necessidade e está atenta para aumentar a sintonia entre todos os órgãos do governo que lidam com o tema e a interação governamental com o setor privado brasileiro.

Além disso, as negociações multilaterais em curso na Rodada Doha têm papel de destaque pela abrangência dos temas tratados. Um eventual retorno às negociações bilaterais, em escala global, seria incapaz de contemplar assuntos de grande impacto para o comércio mundial e de interesse para o Brasil, a exemplo dos subsídios agrícolas, que são tratados efetivamente no foro multilateral da omc.

Devido aos interesses nem sempre coincidentes dos setores privados, pois alguns setores são mais ofensivos e outros, mais defensivos, é necessário que a camex faça a mediação entre esses interesses divergentes, tornando viável a negociação, sem desproteger os setores mais sensíveis.

Considerações finais

A coordenação e articulação intragovernamental e entre o governo e o setor privado são inerentes às atividades da camex em seu trabalho cotidiano. Evidentemente, os interesses setoriais dos agentes econômicos nem sempre coincidem, o que obriga o governo a ter o máximo nível de articulação, inclusive para aparar as arestas dentro do próprio setor privado nas matérias relativas a negociações de acordos comerciais de grande envergadura.

O que é importante assegurar é o fortalecimento das instituições que se propõem a aglutinar as pautas de trabalho de diversos órgãos públicos que compartilham responsabilidades na área de comércio exterior, como é o caso da camex. É no âmbito da camex que deverão desembocar, sobretudo a partir de agora, temas ainda mais urgentes em matéria de posicionamentos do Brasil em assuntos de comércio internacional, financiamento às exportações, como o proex, e as linhas de financiamento do bndes, defesa comercial, promoção de investimentos, entre outros.

A camex foi peça fundamental para articular um amplo conjunto de iniciativas do governo para simplificar as operações de comércio exterior de bens e serviços.

O momento, agora, impõe a necessidade de fortalecer esse papel de articulação da camex, já que é em seu âmbito que todos esses temas de interesse do setor produtivo brasileiro devem ser debatidos, para melhor orientar os caminhos adotados em nossas negociações comerciais internacionais, tanto em caráter bilateral como multilateral.

As políticas tratadas no âmbito da camex sempre refletiram a preocupação do governo em tornar o ambiente de negócios do país cada vez mais favorável ao empreendedorismo do setor privado. O êxito da articulação intragovernamental e entre o governo e o setor privado, certamente, contribuirá para melhorar a competitividade de nossos produtos nos mercados externos e para a crescente internacionalização das empresas brasileiras.

O caráter dinâmico dos processos de negociação internacional na área de comércio, como demonstrado nos últimos anos pela Rodada Doha e pelas outras agendas de negociação com parceiros comerciais do Brasil, requer o contínuo aperfeiçoamento e reforço dos mecanismos de articulação dentro do governo e entre o governo e o setor privado, na defesa do interesse nacional.

É Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Presidente do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior do Conselho de Governo da Presidência da República.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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