A Exploração e Produção de Petróleo no Brasil – 15 Anos de Abertura
1 A – Introdução
A abertura da exploração petroleira no país, há 15 anos, depois de quase meio século de monopólio estatal, conduzido com
muita competência pela Petrobras, é internacio- nalmente reconhecida como exemplar, por sua transparência e estabilidade regulatória. Esse fato, associado às favoráveis perspectivas petrolíferas de um país de dimensões continentais, detentor de imensas áreas sedimentares ainda pouco explora- das, tanto em sua extensão terrestre como em sua margem atlântica, atraiu o interesse dos investido- res nacionais e internacionais, tornando-se um caso de sucesso no mercado mundial.
Nesses 60 anos de atividades sistemáticas de exploração, o Brasil passou de marginal para um importante produtor de petróleo, al- cançou a virtual autossuficiência e, até o fim da presente década, deverá se tornar um gran- de exportador mundial.
O presente artigo abordará os fatos políticos mais importantes que marcaram a abertura da ex- ploração de petróleo no país e a sua posterior con- solidação, com o sucesso dos contratos de conces- são; a descoberta do pré-sal e seu impacto na regu- lamentação; e as perspectivas e desafios futuros.
ALVARO A. TEIXEIRA, ex-secretário executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), é atualmente assessor sênior da entidade e consultor na área de petróleo. É membro e ex-Presidente da Seção Brasil da SPE (Society of Petroleum Engineers, Dalas).
2 – Antecedentes da Abertura
A década de 1970, dois fatos tiveram im- pactos importantes na política petrolífera nacional e, de alguma maneira, foram precurso- res da abertura ocorrida quase 30 anos depois. O primeiro foi a criação da Petrobras Internacio- nal- Braspetro, em 1971, com o objetivo maior de ajudar a garantir o suprimento nacional de petróleo, cuja importação representava cerca de 80% do consumo. Foi também uma escola para seus profissionais, treinando-os a trabalhar do outro lado da mesa do negócio internacional de exploração e produção de petróleo, agora como contratistas de risco. O segundo fato, consequên- cia da primeira crise de petróleo, em 1974, foi a atração de empresas privadas nacionais e in- ternacionais com o objetivo de complementar os esforços exploratórios da Petrobras, por meio de contratos de serviço com cláusula de risco, fir- mados no final da década de 1970. Importantes para ampliar o conhecimento geológico do país, os resultados dos 243 contratos firmados com 33 empresas internacionais e seis nacionais foram pífios. Descobriram-se o pequeno campo de gás de Merluza, na Bacia de Santos, no offshore de São Paulo, e seis pequenos campos de óleo na
Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte.
Com a segunda crise de petróleo, em 1979, e a explosão dos preços de petróleo no mercado mundial, o início da década de 1980 foi marcado por uma séria crise cambial e econômica no país, que gerou um perverso ciclo de estagflação, só debelado em 1994, com o Plano Real. Em mea- dos de 1980, a Petrobras, apesar do grande su- cesso nas operações marítimas na Bacia de Cam- pos, onde alcançou a produção de cerca de 500 mil barris de petróleo por dia, sofria sérias restri- ções financeiras para bancar os pesados investi- mentos necessários para expandir a produção marítima. O governo controlava os preços de seus produtos, com o intuito de amenizar a infla- ção que corroía a economia do país, situação que, em escala menor, voltou hoje a afetar as fi- nanças da empresa.
Nessa época iniciou-se um movimento mun- dial de abertura e globalização dos mercados, na busca pela eficiência econômica. Isso aconteceu também no mercado de petróleo, com um movi- mento de desmonopolização e abertura da produ- ção no mundo ocidental que, posteriormente, com a queda do Muro de Berlim, se estendeu também aos países até então sob o domínio da ex-União Soviética. Na América Latina, apenas dois países, o Brasil e o México, continuavam a adotar o regime do monopólio estatal na explora- ção e produção de petróleo.
No Brasil, apesar do tremendo passo atrás dado em relação ao resto do mundo, com a incor- poração do monopólio estatal de petróleo na Constituição de 1988, essa situação começou a se reverter a partir de 1990, com a consolidação da abertura política, a eleição direta dos gover- nantes e, em paralelo, com a política de privati- zação de outros setores da economia (eletricida- de, siderurgia, telecomunicações, mineração e outros), então operados diretamente por órgãos governamentais.
3 – A Abertura do Mercado Nacional de Petróleo
A abertura da produção de petróleo no país começou efetivamente com a promulgação da Emenda Constitucional nº 9, de novembro de 1995, que alterou o Art. 177 da Constituição Federal, flexibilizando o monopólio da Petro- bras. Paralelamente, outras medidas importantes foram aprovadas, como a que instituiu o Plano Real, que garantiu estabilidade econômica, fun- damental para os projetos offshore, caracteri- zados por elevados investimentos e longa ma- turação; e a que estendeu o regime jurídico de empresa nacional àquelas de capital estrangeiro estabelecidas no país.
Depois de dois anos de tramitação no Con- gresso, após o compromisso formal do presiden- te Fernando Henrique de não privatizar a Petro- bras, em agosto de 1997, foi finalmente sancio- nada a Lei 9478/97 – a Nova Lei do Petróleo, que estabeleceu as bases jurídicas e tributárias dos futuros contratos de concessão para a exploração e produção, a serem firmados tanto com empre- sas privadas nacionais como com empresas pri- vadas e estatais estrangeiras vencedoras de licita- ções internacionais. Na mesma lei foram criados o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão interministerial secretariado pelo ministro de Minas e Energia (MME), de assesso- ramento à Presidência da República na elabora- ção da política energética do país; e a Agência Nacional de Petróleo – ANP, autarquia especial ligada ao MME que, operacionalizando as políti- cas aprovadas pelo CNPE, é responsável por re- gular, promover (através de licitações), aprovar e fiscalizar todas as operações afetas ao setor de exploração e produção.
A Nova Lei do Petróleo estabeleceu pilares
alinhados com os regimes regulatórios mais avançados da indústria mundial de petróleo, comuns aos países com estabilidade política e econômica, bem como dotados de instituições jurídicas, tributárias e financeiras consolida- das. Adotou-se o modelo típico das economias mais desenvolvidas.
Os pilares relevantes da Lei são os seguintes:
- Contrato de Concessão, no qual os contratados, além dos impostos ordinários, pagam à União as chamadas participações governamentais, constituídas por 5% a 10% de regalias (royalties) sobre a renda da produção de petróleo e a denominada Participação Especial, variando de 0 a 40%
em função da produtividade do campo (espécie de wind fall profit), que confere estabilidade econômica aos contratos;
- Livre disposição do óleo e gás produzidos;
- Preços do petróleo alinhados aos preços negociados no mercado internacional;
- Política de incentivo a programas de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica; e
- Licitações internacionais competitivas para a outorga dos contratos de concessão.
Obviamente, todos os riscos e investimentos são da responsabilidade dos contratados, passí- veis de recuperação apenas no caso de sucesso econômico nos investimentos exploratórios.
Na elaboração e posteriores aperfeiçoamentos do contrato de concessão e dos editais de licita- ção, bem como nas questões tributárias, de licen- ciamento ambiental e de segurança operacional, o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocom- bustíveis (BP), representando suas empresas de petróleo associadas, vem desempenhando um im- portante papel junto às entidades governamentais envolvidas com o setor, através de um sistemáti- co diálogo, travado em clima de confiança e cola- boração e sempre seguindo as melhores práticas observadas na indústria internacional.
4 – O Contrato de Concessão
Implantada pelo Decreto 2.455 de 14 de janeiro de 1998, a ANP iniciou imediatamente os traba- lhos para a elaboração do contrato de concessão e das necessárias portarias para regulamentação da lei, instrumentos necessários para firmar os pri- meiros contratos com a Petrobras, que ficou com o direito de pleitear a retenção das áreas (blocos) nas quais tivessem campos de petróleo em produ- ção e trabalhos avançados de avaliação ou explo- ração. No dia 6 de agosto de 1998, foram firmados com a Petrobras 397 contratos de concessão, da chamada “Rodada Zero”, cobrindo uma área de 456 mil km2, ou 7,1% das áreas geologicamente prospectáveis do território nacional de cerca de 6,4 milhões de quilômetros quadrados.
Era o inicio de uma nova era da indústria na- cional de petróleo, em que empresas do setor, inclusive a Petrobras, se vencedoras das licita- ções, poderiam explorar e produzir petróleo nas condições estabelecidas em contratos firmados por estas com o órgão regulador da atividade, a ANP, em nome da União.
O Repetro
Porém, ainda havia uma importante questão a solucionar, da qual dependia o sucesso das licita- ções na atração de investimentos para o setor. Era a questão dos impostos indiretos (PIS, Co- fins, IPI, ICMS), que chegavam a ter um peso de 40% nos investimentos. O Brasil talvez seja um dos poucos países do mundo que taxe os investi- mentos, o que é crucial para o setor de petróleo, dada a natureza de seus projetos – que exigem elevados investimentos e são de longa matura- ção. Isso sem falar nos investimentos de explora- ção, que são de risco e poderão não ser recupera- dos em caso de insucesso nas operações.
Essa questão tributária, relevante para a atra- tividade do setor, foi finalmente solucionada em 1999, com a aprovação do regime aduaneiro es- pecial de exportação e importação de bens desti- nados às atividades de pesquisa e lavra das jazi- das de petróleo e gás natural (Repetro), que é válido para a duração do contrato de exploração e produção. Muito criticado pelas associações de fabricantes nacionais, o Repetro, na realidade, proporciona uma exoneração isonômica tanto para bens importados como para os de fabricação nacional, por meio da chamada exportação com saída ficta (exportação sem saída do país) e o re- gime da admissão temporária. O Repetro foi san- cionado para uma vigência de três anos, poste- riormente estendida até dezembro de 2020.
Com a edição do Repetro, a Petrobras logrou fechar os acordos de parceria com 34 empresas nacionais e internacionais, com as quais vinha negociando desde 1996 a cessão parcial de direi- tos (farm-out, na linguagem petroleira) em 40 dos 86 contratos de exploração que tinha recém firmado com a ANP.
As Rodadas de Contratos de Concessão
Concluídas as negociações com a Petrobras e já dispondo de todos os instrumentos legais e re- gulatórios necessários, a ANP promoveu, nos dias 15 e 16 de junho de 1999, a primeira licita- ção internacional, com 27 grandes blocos explo- ratórios, da qual participaram a Petrobras e 13 empresas internacionais. Seguiram-se nove lici- tações anuais (as chamadas “rodadas”), realiza- das continuamente até 2008. Vale recordar que a 8ª rodada, realizada em 2006, foi suspensa por força de liminares e, posteriormente, cancelada pelo CNPE. Nessas nove rodadas, foram outor- gados 765 contratos de concessão com 78 em- presas, metade das quais de capital nacional. Em paralelo às 4ª e 5ª rodadas, foram adjudicados, em leilões específicos para as pequenas empre- sas, 15 contratos para o rejuvenescimento de campos marginais.
Um fato importante ocorrido em 2007, às vésperas da realização da nona rodada, foi a in- tempestiva decisão do CNPE de retirar 41 blocos da Bacia de Santos, constantes do edital de licita- ção. A justificativa foi a necessidade de uma rea- valiação do regime contratual para as áreas marí- timas, face às excepcionais perspectivas petrolí- feras reveladas no ano anterior, com a descoberta da prolífica província petrolífera do pré-sal no local. Uma décima rodada ainda foi realizada no final de 2008, porém, só contemplando blocos nas bacias terrestres.
A 11ª Rodada
Seguiram-se cinco anos sem licitações nas ba- cias marítimas e, por força da cláusula, usual nos contratos de risco, de devolução das áreas sem descobertas após três a sete anos de trabalhos, a maior parte das empresas de petróleo presentes no país ficou com seus portfólios de exploração praticamente exauridos. A situação afetou mais duramente as pequenas empresas nacionais, por não terem a capacidade econômica de buscar oportunidades de investimentos fora do país. Essa interrupção da exploração em novas áreas vai impactar os fabricantes nacionais nos próximos cinco a sete anos, pela falta da demanda de bens para os projetos de desenvolvimento da pro- dução de campos que poderiam ter sido descober- tos nesses últimos cinco anos. O governo também deixará de receber receitas oriundas de bônus de assinatura das licitações não realizadas, bem como os impostos e participações que poderiam ter sido geradas pela produção postergada.
Felizmente, esse jejum do setor foi finalmen- te quebrado no dia 14 de maio passado, com a realização da 11ª rodada, em 11 bacias situadas fora do polígono do pré-sal, cujo resultado ultra- passou as expectativas mais otimistas e mostrou a atratividade dos contratos de concessão. Foram arrematados 142 blocos (87 em terra e 55 no mar) por 30 empresas (12 nacionais e 18 estran- geiras). A rodada foi um grande sucesso, tanto em termos do montante do bônus de assinatura (recorde de R$ 2,8 bilhões) como do valor dos investimentos mínimos ofertados para a fase de exploração (recorde de R$ 6,8 bilhões) e na dis- persão geográfica dos trabalhos exploratórios em terra e no mar.
Os maiores investimentos da rodada continu- aram a cargo da Petrobras, que participou na ou- torga de 34 blocos. Entretanto, merece destaque a forte participação das empresas internacionais (Total, BG, Statoil, BP e o retorno da ExxonMo- bil) e das empresas nacionais, como a Queiroz Galvão, OGX e Petra, bem como de novos en- trantes, como Ouro Preto e Nova Petróleo.
5 – O Pré-sal e o Contrato de Partilha
As relevantes descobertas de petróleo no pré-sal, em 2006, foram resultado das primei- ras perfurações exploratórias realizadas em blo- cos em águas ultraprofundas da Bacia de Santos, outorgados na 2ª (2002) e na 3ª (2003) rodadas.
A província do pré-sal tem sua gênese asso- ciada aos movimentos tectônicos responsáveis pela separação dos continentes sul-americano e africano, processo iniciado há 130 milhões de anos para a formação do Protoatlântico Sul. Foi uma evolução geológica favorável ao desenvolvimento de grandes campos de petróleo, devido à criação de um ambiente propício à formação de excelentes rochas geradoras e reservatórios (os calcários do pré-sal), estes, por sua vez, capea- dos por espessas camadas de sal, que constituem um selo perfeito para a integridade das acumula- ções petrolíferas formadas.
Os trabalhos de exploração e avaliação reali- zados na Bacia de Santos, no chamado “cluster” do pré-sal, já comprovaram a descoberta de cerca de 30 bilhões de barris de petróleo equivalente (boe, que inclui o gás natural) em 11 acumulações, sendo que a maior delas, denominada Libra, po- derá ter reservas de mais de 8 a 12 bilhões de boe, ou seja, mais da metade das atuais reservas pro- vadas brasileiras. Em testes de longa duração, essas descobertas já estão produzindo mais de 300 mil barris por dia (bopd), prevendo-se que al- cance mais de 2 milhões até 2020. Essa produção contribuirá para mais que dobrar a atual produ- ção nacional, com o país assumindo uma impor- tante posição exportadora no mercado mundial.
O Novo Marco Regulatório
Tendo em vista o enorme potencial petrolífe- ro revelado pelos trabalhos de exploração e pro- dução realizados, a alta rentabilidade dos pros- pectos levou o governo a tomar a decisão de re- ver o marco regulatório, para buscar uma maior participação do Estado na renda petroleira nos campos do pré-sal, bem como delimitar a sua ex- tensão. Essa época coincidiu com a explosão dos preços do petróleo no mercado internacional
Novamente o IBP buscou colaborar com as autoridades, mostrando que o contrato de con- cessão poderia ser mantido também para o pré–sal, bastando o aumento da participação espe- cial para se alcançar o desejado incremento da participação governamental. Era também a fór- mula legalmente mais simples e rápida, pois po- deria ser implementada por decreto presidencial, evitando o receio da indústria de uma longa in- terrupção dos leilões.
Apesar dos esforços despendidos pelo IBP nas esferas do Executivo e do Legislativo – seja apresentando estudos e propostas em debates pú- blicos organizados por formadores de opinião, seja em artigos na mídia, mostrando a maior con- veniência dos contratos de concessão, tipicamen- te utilizados nos países desenvolvidos – o gover- no preferiu introduzir no país um novo regime regulatório para o pré-sal, o modelo chamado de Contrato de Partilha da Produção (PSA, em in- glês). Encaminhado ao Congresso, o novo mode- lo foi aprovado e sancionado pela Presidência da República no dia 22 de dezembro de 2010, por meio da Lei 12.351/10. Nessa mesma lei foi aprovado o Fundo Social, a ser capitalizado com as rendas da União provindas das participações governamentais, tanto dos contratos de conces- são vigentes no pré-sal como dos futuros contra- tos de partilha.
Completando o aparato jurídico para a implan- tação do regime de partilha, foram sancionadas as leis 12.304/10, que criou a PPSA (Empresa Brasi- leira de Administração de Petróleo e Gás Natural
S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A.); e 12.276/10, que aprovou a capitalização da Petrobras. Essa capi- talização foi instrumentada com a cessão onerosa à Petrobras de 5 bilhões de boe, a serem produzi- dos do campo de Franco e acumulações adjacen- tes menores, dentro do chamado “cluster” de Santos. Essa cessão, valorada pelo governo em US$ 42,5 bilhões, foi coberta com o lançamento de novas ações no mercado pela Petrobras. Ain- da hoje é a maior capitalização já registrada no mercado acionário mundial.
O Contrato de Partilha
Criados na Venezuela na década de 1940, os contratos de partilha (PSA) tornaram-se corren- tes na Indonésia. Na sua concepção original, de- pois de recuperar todos os investimentos feitos com o recebimento de parte do óleo produzido (o chamado óleo de custo ou cost oil), o contratista partilhava com o governo a produção restante (o chamado óleo excedente ou profit oil). A parte recebida pelo contratista do profit oil era livre de impostos e de outras participações governamen- tais, como royalties. Essa estrutura do PSA tem
evoluído, passando também a serem cobrados do contratista os impostos e os royalties. O contrato de partilha é bastante difundido no mercado mundial, sendo frequente naqueles países produ- tores cujos governos querem um maior controle sobre os recursos petrolíferos e que, geralmente, não dispõem de legislação jurídica e fiscal con- solidada e estável.
O Modelo Brasileiro
O modelo brasileiro de PSA tem duas parti- cularidades não encontradas nos contratos vigen- tes no mercado mundial. Uma delas é a criação de uma nova empresa estatal – a PPSA –, que vai gerir os interesses do governo e será detentora de poderes excessivos nas decisões de investimen- tos tomadas pela Comissão de Operação, na qual terá 50% dos votos e a presidência, com direito a voto de qualidade e poder de veto. Este ponto, mais o fato de a Petrobras ser operadora única em todos os contratos, detentora de pelo menos 30% dos interesses, quaisquer que sejam as con- dições apresentadas pelo consórcio vencedor, criam um ambiente de incerteza aos potenciais participantes em futuras licitações previstas para o pré-sal.
Nos futuros leilões de partilha, a ANP fixará para cada bloco ofertado todos os parâmetros hoje utilizados nos leilões de concessão para va- lorar as propostas, a saber: bônus de assinatura, programa exploratório mínimo e compromisso de conteúdo local, ficando como o único critério de seleção da oferta vencedora a porcentagem do profit oil oferecido ao governo.
A Disputa para Nova Repartição da Renda Petroleira
A tramitação da proposta do governo no Con- gresso não foi tranquila, pois foi objeto de acalo- radas disputas, não relacionadas a aspectos le- gais ou técnicos do regime, mas por emendas articuladas pelos representantes dos estados não produtores, propondo aumento substancial de seus quinhões nas participações governamentais, em detrimento dos estados produtores, tanto nos futuros contratos do pré-sal como para os contra- tos de concessão vigentes. Vitoriosa por esmaga- dora maioria no Congresso, a tese acabou sendo vetada pelo governo na sanção da Lei 12.351/10. Com a posterior anulação do veto presiden- cial pelo Congresso, a questão continua a ser objeto de discussão aberta entre os poderes, pois, paralelamente, os estados do Rio de Janei- ro, São Paulo e Espírito Santo entraram com ações judiciais no Supremo Tribunal Federal contra mudanças na atual repartição dos royal- ties e participações especiais, consideradas in- constitucionais, obtendo uma liminar que sus- pendeu a questão até uma decisão definitiva pelo plenário do tribunal. Como ainda não há uma solução de consenso entre os estados pro- dutores e não produtores, e segue pendente a decisão final do Supremo, o assunto preocupa as empresas do setor, que temem sofrer, no caso de uma derrota, a imposição de compensações tributárias pelos estados produtores.
Embora ainda pendente de uma solução para a repartição da renda petroleira, o CNPE decidiu realizar a primeira licitação para o pré-sal ainda neste ano, marcando-a para outubro. Estabele- ceu, ainda, que será ofertado apenas um único bloco, cobrindo a já mencionada descoberta de Libra. Para isso, será preciso aprovar com urgên- cia os termos do contrato de partilha e as respec- tivas portarias regulatórias.
6 – Considerações Finais
Nesses 15 anos de abertura do mercado, a in- dústria nacional de petróleo experimentou
um notável desenvolvimento, tendo sua parti- cipação no PIB passado de pouco mais de 2%, em 2007, para valores atualmente estimados em 12%. Os recursos petrolíferos do país pratica- mente dobraram, com as reservas atingindo 15 bilhões de barris e a produção média alcançando 2 milhões de barris diários de óleo (bopd). Isso sem contar com os futuros prolíficos recursos em desenvolvimento no pré-sal, onde já foram des- cobertos mais de 30 bilhões de barris, cujo desenvolvimento deverá contribuir com a metade dos mais de 5 milhões bopd previstos para esta- rem sendo produzidos até 2020. São estimativas que colocarão o país entre os grandes atores do mercado mundial de petróleo: entre os dez maio- res em reservas e os cinco maiores em produção.
Como mencionado, sob o marco do regime de concessão foram realizados até o momento, incluída a 11ª rodada, dez leilões internacionais, que resultaram na assinatura de mais de 900 con- tratos de exploração e produção, que contribuí- ram aos cofres públicos com mais de R$ 205 bi- lhões com as participações governamentais (royalties, participação especial, bônus de assi- natura e aluguéis com retenção de área).
Quanto aos investimentos em exploração e produção, estes passaram de cerca de US$ 3 a 4 bilhões anuais, em 1997, para os US$ 40 bilhões atuais, dos quais aproximadamente 75% realiza- dos pela Petrobras e o restante por outros inves- tidores, cuja participação deverá ser crescente no futuro. De todo esse esforço dois importantes marcos exploratórios foram alcançados em 2006: a autossuficiência nacional em petróleo e a des- coberta do pré-sal. A estes devem ser acrescenta- das as políticas bem-sucedidas, visando ao de- senvolvimento tecnológico e à expansão da base industrial nacional, com o objetivo de atender à enorme demanda de bens e serviços necessários para o desenvolvimento da produção de petróleo e para a geração de trabalho e renda.
Por sua parte, a Petrobras se liberta dos gri- lhões de um mercado fechado e controlado. Bene- ficiada pelos preços de seus produtos – equipara- dos aos do mercado internacional – e por sua lide- rança mundial na produção em águas profundas, a estatal ganhou musculatura financeira e se trans- formou em uma das maiores empresas de petróleo do mundo. Essa posição foi abalada pelo controle de preços dos derivados imposto pelo governo ante o espectro de retorno da inflação, situação que se espera que seja conjuntural e passageira.
É sempre oportuno enfatizar que, além da prospectividade petrolífera de nossas bacias se- dimentares, sobretudo as situadas na margem continental, vários fatores contribuíram para esse sólido crescimento: um contrato de concessão moderno e mutuamente atrativo às partes envol- vidas, poder concedente e concessionário, reali- zação de licitações transparentes e competitivas, regras estáveis e de pleno respeito às condições contratuais pactuadas, e estabilidade da moeda – fato extremamente importante em projetos de longa maturação e de pesados investimentos.
Este ano, além da 11ª rodada, que acabou de ocorrer, estão previstos mais dois leilões: em outubro, como mencionado, a primeira rodada para o pré-sal e, em novembro, a 12ª rodada, visando à descoberta de gás nas bacias terres- tres para, entre outros usos, o futuro reforço da geração termelétrica.
A primeira rodada do pré-sal será um teste para o novo regime, cujo sucesso poderá se con- verter, pela magnitude das reservas de petróleo envolvidas, em referência na indústria mundial de petróleo. Isso, desde que o contrato venha a oferecer condições econômicas atrativas e consi- ga mitigar os dois pontos já mencionados, que preocupam e trazem insegurança aos potenciais investidores: o operador único e o excessivo po- der da PPSA.
Finalmente, o jejum de quase cinco anos en- tre a 10ª e 11ª rodadas deixou claro que só a con- tinuidade dos leilões dará a necessária sustenta- bilidade ao setor nacional de exploração e produ- ção, pelos seus reflexos diretos na saúde de todos os atores do segmento – os investidores e os for- necedores nacionais de bens e serviços –, além de aportar importantes recursos para o desenvol- vimento nacional.
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