10 maio 2018

A Hora e a Vez da Produtividade e da Competitividade

O Brasil passou por uma das maiores crises econômicas da sua história. A crise teve causas mais imediatas associadas à situação política e à exaustão do crescimento baseado no consumo e nos gastos públicos, mas também causas muito mais profundas associadas à baixa produtividade e competitividade da economia.

Introdução
O Brasil passou por uma das maiores crises econômicas da sua história. A crise teve causas mais imediatas associadas à situação política e à exaustão do crescimento baseado no consumo e nos gastos públicos, mas também causas muito mais profundas associadas à baixa produtividade e competitividade da economia.
Entre 1950 e 2016, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu modestos 197%. Já as produtividades da Coreia do Sul e da China cresceram, respectivamente, 1.605% e 2.176%. Em 2005, a produtividade do trabalhador brasileiro correspondia a apenas 16% da produtividade do trabalhador americano, mas os preços médios em dólar aqui correspondiam a 61% dos preços médios de lá.
Portanto, a nossa produtividade é relativamente baixa, enquanto os nossos preços são relativamente altos. A consequência não poderia ser outra: indicador de competitividade internacional elaborado para 42 países avançados e emergentes mostra que o Brasil está em posição bastante desconfortável.
De onde vem essa tão baixa produtividade e competitividade? As causas são, obviamente, variadas, mas talvez, a mais importante delas esteja associada ao modelo de economia altamente cartorializada, estatizada, protegida e voltada para dentro, inaugurado no pós-guerra e que viria a dar origem à baixa eficiência alocativa, mercados disfuncionais e custos de produção elevados. Esse modelo, avesso a riscos, desencorajou a competição, a formação de capital humano, a inovação, a internacionalização de empresas e o investimento de longo prazo e tem no orçamento público e na proteção a garantia última da formação de lucros.
No topo daquela economia já pouco competitiva, introduziram-se, com a Constituição de 1988, muitos direitos e benefícios sociais sem a contrapartida em receitas. A combinação de baixa eficiência dos gastos públicos, substancial ampliação da população com acesso a benefícios e envelhecimento populacional iriam requerer uma economia muito mais produtiva e competitiva para dar conta do aumento das despesas sem comprometer o crescimento econômico.
O modelo começou a mostrar os seus limites à medida que, primeiro, o Brasil foi se integrando mais à economia mundial a partir da década de 1990, o que revelaria a nossa baixa competitividade internacional, e, segundo, à medida que a carga tributária foi alcançando patamares elevados para padrões internacionais sem correspondência na qualidade dos serviços públicos e na infraestrutura. Cedo ou tarde, esse modelo mostraria fadiga.
A crise econômica de 2008 e as políticas equivocadas dos últimos governos viriam a precipitar o fim de um longo ciclo. De fato, o esgotamento do modelo se manifestou no colapso do PIB per capita entre 2014 e 2017 de 9,5% e em vários indicadores críticos, incluindo a tendência de crescimento do endividamento público, juros reais elevados, queda da densidade industrial, queda do indicador de complexidade econômica, reprimarização da economia, queda da participação do país nas exportações mundiais, baixa participação do país em cadeias globais de valor, pressões inflacionárias crônicas, alta volatilidade da taxa de crescimento e queda da taxa de crescimento do produto potencial.
O Brasil no mundo
Esse quadro tem reduzido a nossa relevância num momento especialmente determinante nas relações econômicas internacionais. De fato, as relações econômicas estão se alterando rapidamente e terão implicações sem precedentes nas funções que os países desempenharão na economia global. Os acordos comerciais ora em discussão reescreverão os parâmetros que regularão o comércio, o investimento e os fluxos de capitais. O problema é que estamos de fora de muitos desses acordos e, portanto, não estamos defendendo os nossos interesses nas mesas de negociações que estão redefinindo a governança da economia global.
Mas outras mudanças também terão impactos contundentes para nós. Serviços, propriedade intelectual e conhecimento já são, mas serão ainda mais determinantes para selar os destinos das economias e as suas perspectivas de crescimento. Nós, com a exceção de alguns poucos segmentos, somos pouco competitivos em serviços e a nossa produção de inovações, soluções e tecnologias é modesta.
As novas tecnologias de produção e de organização da produção baseadas em produtividade sistêmica, robôs, internet das coisas, inteligência artificial, impressoras 3D, big data e cadeias locais e regionais de valor, bem como a “commoditização” digital, estão fazendo com que custos de produção e até de escala estejam paulatinamente perdendo importância como fatores determinantes da competitividade internacional. Enquanto isso, nós ainda estamos apostando na agenda de custos e em subsídios para competir.
A China, nosso maior parceiro econômico, está passando por profundas transformações, o que alterará a natureza e o peso das suas relações econômicas com países basicamente fornecedores de commodities, como nós. A mudança do eixo econômico do Atlântico para o Pacífico e a limitada integração econômica sul-americana também são obstáculos para a nossa inserção internacional.
A princípio, o nosso atraso econômico não deveria ser visto como problema incontornável, como atestam os casos de países devastados por guerras, como a Coreia do Sul, ou miseráveis, como a China de 40 anos atrás. Mas, a esta altura, é preciso reconhecer que os tempos são outros e que as consequências de se estar atrasado hoje não se assemelham às de décadas atrás. É improvável, por isto, que tenhamos tempo para sequenciar reformas, como o fez a Coreia do Sul quando tinha o nosso estágio de desenvolvimento, e que medidas convencionais venham a dar os resultados esperados.
Será preciso, isto sim, queimar etapas e buscar atalhos que encurtem o caminho para que possamos ousar participar como protagonistas da nova ordem econômica que se descortina.
Para funcionar, os atalhos terão que nos poupar tempo e recursos e nos levar mais diretamente para áreas mais próximas das fronteiras da agregação de valor, da construção de uma indústria moderna e sofisticada, da criação de bons empregos e da integração econômica internacional pela porta da frente.
O que fazer?
Em razão do caráter estrutural dos nossos problemas de economia real, é improvável que ajuste fiscal e correções pontuais de rumo sejam capazes de, isoladamente, funcionar. De fato, por mais que as políticas já implementadas pelo atual governo tenham representado um significativo passo à frente – estes são os casos do teto dos gastos e da volta do papel do orçamento como peça-chave de políticas públicas, a nova lei das estatais, a reforma do ensino secundário e a base curricular nacional, a desburocratização, a maior transparência no acesso a dados públicos, a reforma trabalhista, as reformas regulatórias, para citar algumas –, ainda assim, muito mais terá que ser feito. Ou seja, estamos apenas no início de uma longa jornada.
De fato, para o Brasil realizar todo o seu imenso potencial e voltar a crescer, será preciso que a população e os políticos reconheçam que políticas “mais do mesmo” são ineficazes e que será, por isso, preciso partir para políticas que nos levem a fazer “mais com o mesmo”. Ou seja, teremos que partir para um modelo de desenvolvimento em que produtividade e competitividade estejam entre os motores do crescimento.
Nesse modelo, o Estado terá que ser menor, porém, muito mais eficiente e capaz de identificar interesses estratégicos, planejar e executar. Precisaremos desenvolver instituições pró-crescimento, melhorar a governança e a transparência, promover um ambiente de confiança e de previsibilidade e segurança jurídica para encorajar investimentos, intervir de forma inteligente em áreas como a social, educação, saúde, segurança, ciência, tecnologia e infraestrutura e alocar recursos públicos a programas e políticas condicionadas a resultados. E será preciso que o Estado seja mais ágil e que as suas políticas estejam apontadas para o futuro.
O aumento da produtividade e da competitividade vai requerer reformas que garantam marcos regulatórios bem definidos, promovam a competição, fortaleçam os mercados, aumentem a densidade industrial, encorajem a realocação dos recursos de atividades de mais baixa para atividades de mais alta produtividade, promovam a diversificação produtiva, encorajem a poupança, ampliem o mercado de capitais e a participação do setor privado nos investimentos em infraestrutura.
Mas, é preciso ter em conta que, hoje, essas reformas são necessárias, mas já não são suficientes. Numa economia global cada vez mais interdependente e complexa, na qual novas tecnologias de produção e de organização da produção já mostram que produtividade sistêmica e características específicas dos mercados são os principais determinantes dos investimentos, enquanto arbitragem de custos de produção perde importância, conhecimento, capacidade de aprendizagem e interação estão se tornando as variáveis fundamentais da criação de valor. Por isso, o conhecimento deverá estar no centro da nossa estratégia de longo prazo de promoção da produtividade e da competitividade.
A hora e a vez da produtividade  e da competitividade
Como crescer? Que modelo? As perguntas são muitas, mas as respostas são poucas. São muitos os nossos constrangimentos para crescer, incluindo o fiscal, o demográfico, o da poupança, o do crédito e o da insegurança jurídica.
Em vista disso, é pouco provável que o modelo de crescimento, que perdurou por décadas aqui, baseado na colocação de mais gente no mercado de trabalho e no financiamento dos investimentos majoritariamente com recursos públicos e externos, possa seguir funcionando. Portanto, muito terá que ser feito.
Afinal, temos opções para voltar a crescer de forma consistente no curto prazo? Quais são elas?
Sim, temos opções, mas, infelizmente, elas são escassas. Dentre elas, a mais promissora para as circunstâncias e condições econômicas e políticas atuais talvez seja a de reduzir a ineficiência e aumentar a produtividade e a competitividade. Se, por um lado, a baixa produtividade ajudou a nos trazer até aqui, o seu aumento poderá nos ajudar a sair do atoleiro em que nos metemos. Exatamente porque é muito baixa, a produtividade oferece substanciais oportunidades de ganhos relativamente rápidos que poderiam dar início a um processo de crescimento virtuoso.
De fato, a ineficiência é muito elevada e é generalizada tanto no setor público, como no privado. Empresas grandes e, principalmente, micro e pequenas, gerem mal os recursos, tornando o já pouco amistoso ambiente de negócios ainda mais penoso. Mas, a produtividade é especialmente baixa nos serviços, setor que compreende 73% do PIB e que emprega a maioria dos trabalhadores, o que tem efeitos sistêmicos e intoxica outros setores, em especial a indústria manufatureira.
Temos problemas fora e dentro do “chão de fábrica”. Carga e regulação tributária custosas, crédito extremamente caro, infraestrutura deficiente, elevada burocracia governamental, máquina pública onerosa, corrupção, baixa qualidade da força de trabalho e concentração de mercado – tudo isto compõe um ambiente de ineficiência e de baixa produtividade e competitividade.
Mas, os problemas também se acumulam da “porta da fábrica” para dentro. Gestores mal preparados, modesto emprego de técnicas e métodos modernos de gestão e pouco interesse por treinamento profissional, inovação, internacionalização e exportações também contribuem para explicar a baixa produtividade e competitividade.
Embora haja novos ares no meio empresarial, nos sindicatos de trabalhadores e em parcela do setor privado, muitos ainda seguem apegados a políticas insustentáveis, como a da proteção de mercados e subsídios, quase sempre injustificáveis e sem resultados, que criam incentivos perversos para o aumento da produtividade e da competitividade.
O que fazer? Aumento dos investimentos públicos em áreas como infraestrutura, educação e inovação e redução da carga tributária poderiam contribuir significativamente para a produtividade. No entanto, é improvável que, no curto prazo, agendas como esta possam prosperar em razão da profunda crise fiscal e da necessidade de resultados mais imediatos. Logo, teremos que ser pragmáticos e buscar alternativas. E elas existem.
Evidências empíricas mostram que rearranjos de layout, soluções tecnológicas para problemas novos e antigos e racionalização de processos produtivos, de procedimentos básicos, de estoques e outras medidas relativamente simples e de baixo custo podem reduzir despesas e aumentar significativamente a eficiência e a produtividade. Identificação e ataque a gargalos críticos em cadeias de produção e em infraestrutura, desburocratização, privatização, aprimoramento das agências regulatórias, ajustes regulatórios pontuais, treinamento profissional na empresa e melhor relação com fornecedores e clientes também podem reduzir a ineficiência e impactar a produtividade já em período relativamente curto.
No que concerne a medidas que o Estado poderia considerar estão, por exemplo, a migração das compras públicas para um modelo em que agregação de valor para a sociedade, qualidade e inovação, ao invés de menor preço, orientem as licitações, o que teria impactos potencialmente significativos na produtividade.
Se temperado por maior coordenação, previsibilidade e pragmatismo das políticas públicas e por políticas que coloquem o setor privado no centro das atenções, o aumento da produtividade poderá contribuir para elevar de imediato o crescimento.
É claro que o aumento da produtividade per se não é uma panaceia, mas é fundamental e poderá agir como um fator catalizador, preparando o terreno para as mais que necessárias reformas estruturais, como a tributária, a da previdência social, a da educação e a da reforma administrativa do Estado.
Uma virtude singular de políticas de aumento da produtividade e da competitividade é que elas organizam, em torno de um núcleo comum, várias políticas públicas e privadas, dando-lhes corpo, unidade, racionalidade e mensurabilidade, reduzindo o espaço para “achismos” e hesitações.
Conclusão
Um novo modelo de desenvolvimento já tarda e quanto mais procrastinarmos, maior será a dificuldade para garantirmos um lugar ao sol no século XXI. A mudança para o novo modelo, com foco na produtividade e na competitividade, vai requerer, inevitavelmente, muitos sacrifícios e escolhas difíceis. Visão de futuro, ousadia, espírito público, liderança política, transparência, muito diálogo e comunicação serão elementos cruciais para que possamos abreviar a jornada e embarcar num modelo de crescimento sustentado e socialmente mais justo.
Brasília, 5 de abril de 2018


  1. As opiniões neste artigo são pessoais e não necessariamente representam as visões do governo.

Jorge Arbache é secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, professor de Economia na Universidade de Brasília, secretário executivo do Fundo de Investimento Brasil-China e da Comissão de Financiamento Externo do governo federal (Cofiex), membro do Conselho Diretor do BNDES e da Logigas, colunista de negócios do Valor Econômico, autor de livros e blogueiro. Suas ocupações anteriores incluem a de economista-chefe no Ministério do Planejamento, assessor econômico sênior da Presidência do BNDES e economista sênior do Banco Mundial em Washington, D.C. Arbache está especialmente interessado em temas como crescimento econômico, comércio, investimento, produtividade, inovação, tecnologia, competitividade, serviços e economia digital. Arbache é Ph.D em economia e bacharel em economia e direito.

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