31 março 2021

Após 30 anos, Mercosul requer freio de arrumação

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul – assinado em 26 de março de 1991 entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – comemora 30 anos neste ano. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está hoje paralisado e tornou-se irrelevante do ponto de vista comercial, representando apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total.

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul – assinado em 26 de março de 1991 entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – comemora 30 anos neste ano. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está hoje paralisado e tornou-se irrelevante do ponto de vista comercial, representando apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total.

Nas três décadas de existência, o processo de integração dos países do Cone Sul alternou períodos de forte expansão e estagnação, tanto do ponto de vista econômico, quanto institucional. Em geral, do ponto de vista do setor privado, o exercício foi positivo, no sentido de que os empresários passaram a se envolver nas negociações de acordos comerciais e a voltar sua atenção para nosso entorno como mercado para seus produtos manufaturados.

Desde o início o Mercosul enfrentou desafios para sua construção. Uma de suas características ao longo de todos esses anos foi a incerteza, quanto à sua consolidação e quanto ao seu futuro. A ideia de formar um mercado comum em quatro anos, a partir de 1991, como previsto no Tratado, simboliza o grau de ambição não respaldada na realidade de todo o processo. A consolidação e o futuro do Mercosul sempre ficaram na dependência da evolução econômica e comercial de seus membros e de decisões políticas que afetaram a evolução natural do bloco. Por mais de dez anos, politizado, transformou-se em fórum político e social.

A situação atual não é diferente. Há desafios políticos e técnicos que tornam o processo de integração sub-regional ainda mais incerto. No campo político, os presidentes da Argentina e do Brasil, por motivações ideológicas, não se falam há dois anos. As conversas continuam em níveis técnicos, mas o apoio do mais alto inexiste. No ano passado, a Argentina anunciou que deixaria de participar das negociações dos atuais acordos comerciais e das futuras negociações do bloco, para, depois, recuar e anunciar que continuaria nas negociações do Mercosul, mas em um ritmo diferente dos demais membros.

A justificativa principal da Argentina foi de que estava tomando a decisão para evitar os efeitos negativos da pandemia. Posteriormente, o país decidiu que não participaria das negociações com a Coreia para não afetar sua indústria. As negociações para a inclusão de açúcar e automotriz continuam fora do Mercosul pela resistência argentina. Com relação à Tarifa Externa Comum – tão perfurada que justifica a qualificação do Mercosul como uma União Aduaneira imperfeita –, o Brasil, em 2019, propôs uma redução de 50% e, agora, aceita discutir a redução a cerca de 20%, sempre com a oposição da Argentina.

Política de meio ambiente dificulta avanços

O acordo de livre comércio mais importante, negociado com a União Europeia, há mais de ano, está paralisado por objeções de parte de alguns países europeus em função da política de meio ambiente brasileira. Estão em negociação ou sendo preparados acordos com a associação europeia, a European Free Trade Association – EFTA, e ainda com México, Canadá, Líbano, Cingapura, Coreia do Sul, América Central, Reino Unido, Indonésia e Vietnã.

Este ano, por iniciativa do Uruguai, foi revivida a proposta de flexibilizar o Mercosul para permitir que seus membros possam, individualmente, concluir acordos de livre comércio com outros países. Pretende-se que, na Reunião de Cúpula prevista para este mês de março (2021), a ideia comece a ser examinada. A discussão vai ser longa em função de interesses concretos que dificultam a superação de questões técnicas (como ficaria a TEC? O Tratado de Assunção teria de ser renegociado?) e políticas (fim da União Aduaneira e volta a uma área de livre comércio?).

Apesar dessas incertezas e desafios, cabe registrar recentes avanços significativos: o Estatuto da Cidadania (acordo sobre previdência social, residência, passaporte comum); e a negociação com diversos países de acordos de facilitação de comércio, de cooperação de investimento, de comércio eletrônico e de compras governamentais. Em termos institucionais, a redução e simplificação da burocracia, do número de órgãos internos, e o enxugamento do orçamento do Mercosul.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e visão de futuro. O regionalismo está se fortalecendo como resposta à globalização, como vemos na Ásia, com o RCEP e o CCTPP; na América do Norte (Nafta); na Europa e na África.

Na contramão da história, a América do Sul, está se desintegrando. Aliança voltada para Ásia pouco avançou na negociação Mercosul. Como fazer face às transformações globais e à presença China na região? Ao mesmo tempo, Mercosul deveria voltar-se mais para a Ásia e propor a adesão na parceria à Transpacífica (CCPTT, em inglês), acordo que inclui Japão, Austrália, Brunei Darussalam, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã.

Com isso, o bloco negociaria de uma só vez com 11 países, nivelaria as preferências tarifárias e eliminaria as vantagens de produtos desses países que disputam o mercado asiático com minério de ferro, soja, milho, entre outros.

Desenvolvimento sustentável em foco

Ao comemorar 30 anos, o Mercosul, em termos de negociação externa, enfrenta seu maior desafio: a ratificação e a implementação do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia.

O processo de aprovação do Acordo nos países europeus não será fácil em virtude da prioridade que o meio ambiente e a mudança de clima passaram a ter para os países do velho continente. A vontade política do cumprimento dos compromissos na área de meio ambiente assumidos pelo Mercosul, em especial pelo Brasil, está sendo colocada em questão.

O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes, nos parlamentos dos países europeus, poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo, caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiro recebidos da Alemanha e da Noruega.

Os compromissos assumidos pelos países-membros, no tocante ao desenvolvimento sustentável, estão incluídos em 18 artigos que cobrem acordos relacionados ao comércio e meio ambiente, ao comércio e biodiversidade, ao comércio e preservação de florestas, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, inclusive a Resolução 169, que trata da exploração de terras indígenas. São mencionados, explicitamente, os principais acordos internacionais como os derivados de Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, Convenção sobre diversidade biológica, Convenção da ONU de combate à desertificação, o Acordo de Paris de 2015, regras da OMC e Resoluções de outros organismos internacionais. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.
Além disso, foi aprovado o princípio da precaução, por insistência da UE, pela qual, pelo não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil, poderia ser barrada a importação de determinado produto. Os negociadores do Mercosul, contudo, conseguiram manter esse princípio fora das regras da solução de controvérsias comerciais e também modificaram o caráter unilateral da medida, ao passar o ônus da prova para o lado europeu e abrir espaço para negociações políticas entre as duas partes.

O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima e a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio. Por pragmatismo e realismo, se quiser ratificar o acordo com a UE, superando preconceitos ideológicos, o governo não poderá continuar a ignorar essa agenda inevitável.

Perda da competitividade

O segundo desafio é a superação da perda da competitividade dos produtos brasileiros na implementação do acordo. Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso ocorra, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A União Europeia vai abrir seu mercado de imediato com tarifa zero para 75% de suas importações e mais 10% em quatro anos. Em dez anos, 100% do mercado europeu estará aberto com tarifa zero.

Não se pode esperar dez anos para colocar a casa em ordem e aprovar reformas, como a tributária, a administrativa do Estado e a da estrutura tarifária interna. A aprovação da reforma trabalhista e a da previdência social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias), a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30%, com o custo de 22% do PIB, e torna o produto nacional pouco competitivo.

Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte da empresa e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional ainda está lenta para procurar alcançar o nível de 4.0 (75% das indústrias ouviram falar de indústria 4.0, 1,3% tem investimento em 4.0 (em faturamento) e 23% estão implementando ações de indústria 4.0.
Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente pois é objetivo comum gerar a confiança para a volta do investimento, o que traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE tenderá a forçar governo e setor privado a trabalhar com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e reagir adequadamente. Depois de 30 anos, o Mercosul precisa de um freio de arrumação. Além da flexibilização e da redução da TEC, novos temas precisam ser discutidos, como cadeias produtiva regional, acumulação de origem, autonomia regional soberana, 5G e estratégia de negociação conjunta. O Protocolo de Ouro Preto, que criou a União Aduaneira, em 1994, prevê em seu artigo 47 que os países-membros poderão convocar uma Conferência Diplomática para examinar sua estrutura, seu funcionamento e sua operação. Em vista do quadro geral e das importantes propostas em discussão, caso convocada, essa Conferência, pela primeira vez, poderia, com visão de futuro, discutir políticas e medidas para fortalecer e revigorar o Mercosul.

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul – assinado em 26 de março de 1991 entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – comemora 30 anos neste ano. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está hoje paralisado e tornou-se irrelevante do ponto de vista comercial, representando apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total.

Nas três décadas de existência, o processo de integração dos países do Cone Sul alternou períodos de forte expansão e estagnação, tanto do ponto de vista econômico, quanto institucional. Em geral, do ponto de vista do setor privado, o exercício foi positivo, no sentido de que os empresários passaram a se envolver nas negociações de acordos comerciais e a voltar sua atenção para nosso entorno como mercado para seus produtos manufaturados.

Desde o início o Mercosul enfrentou desafios para sua construção. Uma de suas características ao longo de todos esses anos foi a incerteza, quanto à sua consolidação e quanto ao seu futuro. A ideia de formar um mercado comum em quatro anos, a partir de 1991, como previsto no Tratado, simboliza o grau de ambição não respaldada na realidade de todo o processo. A consolidação e o futuro do Mercosul sempre ficaram na dependência da evolução econômica e comercial de seus membros e de decisões políticas que afetaram a evolução natural do bloco. Por mais de dez anos, politizado, transformou-se em fórum político e social.

A situação atual não é diferente. Há desafios políticos e técnicos que tornam o processo de integração sub-regional ainda mais incerto. No campo político, os presidentes da Argentina e do Brasil, por motivações ideológicas, não se falam há dois anos. As conversas continuam em níveis técnicos, mas o apoio do mais alto inexiste. No ano passado, a Argentina anunciou que deixaria de participar das negociações dos atuais acordos comerciais e das futuras negociações do bloco, para, depois, recuar e anunciar que continuaria nas negociações do Mercosul, mas em um ritmo diferente dos demais membros.

A justificativa principal da Argentina foi de que estava tomando a decisão para evitar os efeitos negativos da pandemia. Posteriormente, o país decidiu que não participaria das negociações com a Coreia para não afetar sua indústria. As negociações para a inclusão de açúcar e automotriz continuam fora do Mercosul pela resistência argentina. Com relação à Tarifa Externa Comum – tão perfurada que justifica a qualificação do Mercosul como uma União Aduaneira imperfeita –, o Brasil, em 2019, propôs uma redução de 50% e, agora, aceita discutir a redução a cerca de 20%, sempre com a oposição da Argentina.

Política de meio ambiente dificulta avanços

O acordo de livre comércio mais importante, negociado com a União Europeia, há mais de ano, está paralisado por objeções de parte de alguns países europeus em função da política de meio ambiente brasileira. Estão em negociação ou sendo preparados acordos com a associação europeia, a European Free Trade Association – EFTA, e ainda com México, Canadá, Líbano, Cingapura, Coreia do Sul, América Central, Reino Unido, Indonésia e Vietnã.

Este ano, por iniciativa do Uruguai, foi revivida a proposta de flexibilizar o Mercosul para permitir que seus membros possam, individualmente, concluir acordos de livre comércio com outros países. Pretende-se que, na Reunião de Cúpula prevista para este mês de março (2021), a ideia comece a ser examinada. A discussão vai ser longa em função de interesses concretos que dificultam a superação de questões técnicas (como ficaria a TEC? O Tratado de Assunção teria de ser renegociado?) e políticas (fim da União Aduaneira e volta a uma área de livre comércio?).

Apesar dessas incertezas e desafios, cabe registrar recentes avanços significativos: o Estatuto da Cidadania (acordo sobre previdência social, residência, passaporte comum); e a negociação com diversos países de acordos de facilitação de comércio, de cooperação de investimento, de comércio eletrônico e de compras governamentais. Em termos institucionais, a redução e simplificação da burocracia, do número de órgãos internos, e o enxugamento do orçamento do Mercosul.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e visão de futuro. O regionalismo está se fortalecendo como resposta à globalização, como vemos na Ásia, com o RCEP e o CCTPP; na América do Norte (Nafta); na Europa e na África.

Na contramão da história, a América do Sul, está se desintegrando. Aliança voltada para Ásia pouco avançou na negociação Mercosul. Como fazer face às transformações globais e à presença China na região? Ao mesmo tempo, Mercosul deveria voltar-se mais para a Ásia e propor a adesão na parceria à Transpacífica (CCPTT, em inglês), acordo que inclui Japão, Austrália, Brunei Darussalam, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Com isso, o bloco negociaria de uma só vez com 11 países, nivelaria as preferências tarifárias e eliminaria as vantagens de produtos desses países que disputam o mercado asiático com minério de ferro, soja, milho, entre outros.

Desenvolvimento sustentável em foco

Ao comemorar 30 anos, o Mercosul, em termos de negociação externa, enfrenta seu maior desafio: a ratificação e a implementação do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia.
O processo de aprovação do Acordo nos países europeus não será fácil em virtude da prioridade que o meio ambiente e a mudança de clima passaram a ter para os países do velho continente. A vontade política do cumprimento dos compromissos na área de meio ambiente assumidos pelo Mercosul, em especial pelo Brasil, está sendo colocada em questão.

O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes, nos parlamentos dos países europeus, poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo, caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiro recebidos da Alemanha e da Noruega.

Os compromissos assumidos pelos países-membros, no tocante ao desenvolvimento sustentável, estão incluídos em 18 artigos que cobrem acordos relacionados ao comércio e meio ambiente, ao comércio e biodiversidade, ao comércio e preservação de florestas, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, inclusive a Resolução 169, que trata da exploração de terras indígenas. São mencionados, explicitamente, os principais acordos internacionais como os derivados de Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, Convenção sobre diversidade biológica, Convenção da ONU de combate à desertificação, o Acordo de Paris de 2015, regras da OMC e Resoluções de outros organismos internacionais. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.
Além disso, foi aprovado o princípio da precaução, por insistência da UE, pela qual, pelo não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil, poderia ser barrada a importação de determinado produto. Os negociadores do Mercosul, contudo, conseguiram manter esse princípio fora das regras da solução de controvérsias comerciais e também modificaram o caráter unilateral da medida, ao passar o ônus da prova para o lado europeu e abrir espaço para negociações políticas entre as duas partes.

O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima e a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio. Por pragmatismo e realismo, se quiser ratificar o acordo com a UE, superando preconceitos ideológicos, o governo não poderá continuar a ignorar essa agenda inevitável.

Perda da competitividade

O segundo desafio é a superação da perda da competitividade dos produtos brasileiros na implementação do acordo. Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso ocorra, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A União Europeia vai abrir seu mercado de imediato com tarifa zero para 75% de suas importações e mais 10% em quatro anos. Em dez anos, 100% do mercado europeu estará aberto com tarifa zero.

Não se pode esperar dez anos para colocar a casa em ordem e aprovar reformas, como a tributária, a administrativa do Estado e a da estrutura tarifária interna. A aprovação da reforma trabalhista e a da previdência social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias), a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30%, com o custo de 22% do PIB, e torna o produto nacional pouco competitivo.

Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte da empresa e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional ainda está lenta para procurar alcançar o nível de 4.0 (75% das indústrias ouviram falar de indústria 4.0, 1,3% tem investimento em 4.0 (em faturamento) e 23% estão implementando ações de indústria 4.0.
Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente pois é objetivo comum gerar a confiança para a volta do investimento, o que traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE tenderá a forçar governo e setor privado a trabalhar com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e reagir adequadamente. Depois de 30 anos, o Mercosul precisa de um freio de arrumação. Além da flexibilização e da redução da TEC, novos temas precisam ser discutidos, como cadeias produtiva regional, acumulação de origem, autonomia regional soberana, 5G e estratégia de negociação conjunta. O Protocolo de Ouro Preto, que criou a União Aduaneira, em 1994, prevê em seu artigo 47 que os países-membros poderão convocar uma Conferência Diplomática para examinar sua estrutura, seu funcionamento e sua operação. Em vista do quadro geral e das importantes propostas em discussão, caso convocada, essa Conferência, pela primeira vez, poderia, com visão de futuro, discutir políticas e medidas para fortalecer e revigorar o Mercosul.

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul – assinado em 26 de março de 1991 entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – comemora 30 anos neste ano. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está hoje paralisado e tornou-se irrelevante do ponto de vista comercial, representando apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total.

Nas três décadas de existência, o processo de integração dos países do Cone Sul alternou períodos de forte expansão e estagnação, tanto do ponto de vista econômico, quanto institucional. Em geral, do ponto de vista do setor privado, o exercício foi positivo, no sentido de que os empresários passaram a se envolver nas negociações de acordos comerciais e a voltar sua atenção para nosso entorno como mercado para seus produtos manufaturados.

Desde o início o Mercosul enfrentou desafios para sua construção. Uma de suas características ao longo de todos esses anos foi a incerteza, quanto à sua consolidação e quanto ao seu futuro. A ideia de formar um mercado comum em quatro anos, a partir de 1991, como previsto no Tratado, simboliza o grau de ambição não respaldada na realidade de todo o processo. A consolidação e o futuro do Mercosul sempre ficaram na dependência da evolução econômica e comercial de seus membros e de decisões políticas que afetaram a evolução natural do bloco. Por mais de dez anos, politizado, transformou-se em fórum político e social.

A situação atual não é diferente. Há desafios políticos e técnicos que tornam o processo de integração sub-regional ainda mais incerto. No campo político, os presidentes da Argentina e do Brasil, por motivações ideológicas, não se falam há dois anos. As conversas continuam em níveis técnicos, mas o apoio do mais alto inexiste. No ano passado, a Argentina anunciou que deixaria de participar das negociações dos atuais acordos comerciais e das futuras negociações do bloco, para, depois, recuar e anunciar que continuaria nas negociações do Mercosul, mas em um ritmo diferente dos demais membros.

A justificativa principal da Argentina foi de que estava tomando a decisão para evitar os efeitos negativos da pandemia. Posteriormente, o país decidiu que não participaria das negociações com a Coreia para não afetar sua indústria. As negociações para a inclusão de açúcar e automotriz continuam fora do Mercosul pela resistência argentina. Com relação à Tarifa Externa Comum – tão perfurada que justifica a qualificação do Mercosul como uma União Aduaneira imperfeita –, o Brasil, em 2019, propôs uma redução de 50% e, agora, aceita discutir a redução a cerca de 20%, sempre com a oposição da Argentina.

Política de meio ambiente dificulta avanços

O acordo de livre comércio mais importante, negociado com a União Europeia, há mais de ano, está paralisado por objeções de parte de alguns países europeus em função da política de meio ambiente brasileira. Estão em negociação ou sendo preparados acordos com a associação europeia, a European Free Trade Association – EFTA, e ainda com México, Canadá, Líbano, Cingapura, Coreia do Sul, América Central, Reino Unido, Indonésia e Vietnã.

Este ano, por iniciativa do Uruguai, foi revivida a proposta de flexibilizar o Mercosul para permitir que seus membros possam, individualmente, concluir acordos de livre comércio com outros países. Pretende-se que, na Reunião de Cúpula prevista para este mês de março (2021), a ideia comece a ser examinada. A discussão vai ser longa em função de interesses concretos que dificultam a superação de questões técnicas (como ficaria a TEC? O Tratado de Assunção teria de ser renegociado?) e políticas (fim da União Aduaneira e volta a uma área de livre comércio?).

Apesar dessas incertezas e desafios, cabe registrar recentes avanços significativos: o Estatuto da Cidadania (acordo sobre previdência social, residência, passaporte comum); e a negociação com diversos países de acordos de facilitação de comércio, de cooperação de investimento, de comércio eletrônico e de compras governamentais. Em termos institucionais, a redução e simplificação da burocracia, do número de órgãos internos, e o enxugamento do orçamento do Mercosul.

O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e visão de futuro. O regionalismo está se fortalecendo como resposta à globalização, como vemos na Ásia, com o RCEP e o CCTPP; na América do Norte (Nafta); na Europa e na África.

Na contramão da história, a América do Sul, está se desintegrando. Aliança voltada para Ásia pouco avançou na negociação Mercosul. Como fazer face às transformações globais e à presença China na região? Ao mesmo tempo, Mercosul deveria voltar-se mais para a Ásia e propor a adesão na parceria à Transpacífica (CCPTT, em inglês), acordo que inclui Japão, Austrália, Brunei Darussalam, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Com isso, o bloco negociaria de uma só vez com 11 países, nivelaria as preferências tarifárias e eliminaria as vantagens de produtos desses países que disputam o mercado asiático com minério de ferro, soja, milho, entre outros.

Desenvolvimento sustentável em foco

Ao comemorar 30 anos, o Mercosul, em termos de negociação externa, enfrenta seu maior desafio: a ratificação e a implementação do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia.
O processo de aprovação do Acordo nos países europeus não será fácil em virtude da prioridade que o meio ambiente e a mudança de clima passaram a ter para os países do velho continente. A vontade política do cumprimento dos compromissos na área de meio ambiente assumidos pelo Mercosul, em especial pelo Brasil, está sendo colocada em questão.

O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes, nos parlamentos dos países europeus, poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo, caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiro recebidos da Alemanha e da Noruega.
Os compromissos assumidos pelos países-membros, no tocante ao desenvolvimento sustentável, estão incluídos em 18 artigos que cobrem acordos relacionados ao comércio e meio ambiente, ao comércio e biodiversidade, ao comércio e preservação de florestas, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, inclusive a Resolução 169, que trata da exploração de terras indígenas. São mencionados, explicitamente, os principais acordos internacionais como os derivados de Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, Convenção sobre diversidade biológica, Convenção da ONU de combate à desertificação, o Acordo de Paris de 2015, regras da OMC e Resoluções de outros organismos internacionais. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.
Além disso, foi aprovado o princípio da precaução, por insistência da UE, pela qual, pelo não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil, poderia ser barrada a importação de determinado produto. Os negociadores do Mercosul, contudo, conseguiram manter esse princípio fora das regras da solução de controvérsias comerciais e também modificaram o caráter unilateral da medida, ao passar o ônus da prova para o lado europeu e abrir espaço para negociações políticas entre as duas partes.
O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima e a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio. Por pragmatismo e realismo, se quiser ratificar o acordo com a UE, superando preconceitos ideológicos, o governo não poderá continuar a ignorar essa agenda inevitável.

Perda da competitividade
O segundo desafio é a superação da perda da competitividade dos produtos brasileiros na implementação do acordo. Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso ocorra, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A União Europeia vai abrir seu mercado de imediato com tarifa zero para 75% de suas importações e mais 10% em quatro anos. Em dez anos, 100% do mercado europeu estará aberto com tarifa zero.
Não se pode esperar dez anos para colocar a casa em ordem e aprovar reformas, como a tributária, a administrativa do Estado e a da estrutura tarifária interna. A aprovação da reforma trabalhista e a da previdência social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias), a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30%, com o custo de 22% do PIB, e torna o produto nacional pouco competitivo.
Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte da empresa e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional ainda está lenta para procurar alcançar o nível de 4.0 (75% das indústrias ouviram falar de indústria 4.0, 1,3% tem investimento em 4.0 (em faturamento) e 23% estão implementando ações de indústria 4.0.
Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente pois é objetivo comum gerar a confiança para a volta do investimento, o que traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE tenderá a forçar governo e setor privado a trabalhar com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.
O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e reagir adequadamente. Depois de 30 anos, o Mercosul precisa de um freio de arrumação. Além da flexibilização e da redução da TEC, novos temas precisam ser discutidos, como cadeias produtiva regional, acumulação de origem, autonomia regional soberana, 5G e estratégia de negociação conjunta. O Protocolo de Ouro Preto, que criou a União Aduaneira, em 1994, prevê em seu artigo 47 que os países-membros poderão convocar uma Conferência Diplomática para examinar sua estrutura, seu funcionamento e sua operação. Em vista do quadro geral e das importantes propostas em discussão, caso convocada, essa Conferência, pela primeira vez, poderia, com visão de futuro, discutir políticas e medidas para fortalecer e revigorar o Mercosul.

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul – assinado em 26 de março de 1991 entre a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – comemora 30 anos neste ano. Como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, o Mercosul está hoje paralisado e tornou-se irrelevante do ponto de vista comercial, representando apenas 6,2% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter subido a quase 16% do comércio exterior total.
Nas três décadas de existência, o processo de integração dos países do Cone Sul alternou períodos de forte expansão e estagnação, tanto do ponto de vista econômico, quanto institucional. Em geral, do ponto de vista do setor privado, o exercício foi positivo, no sentido de que os empresários passaram a se envolver nas negociações de acordos comerciais e a voltar sua atenção para nosso entorno como mercado para seus produtos manufaturados.
Desde o início o Mercosul enfrentou desafios para sua construção. Uma de suas características ao longo de todos esses anos foi a incerteza, quanto à sua consolidação e quanto ao seu futuro. A ideia de formar um mercado comum em quatro anos, a partir de 1991, como previsto no Tratado, simboliza o grau de ambição não respaldada na realidade de todo o processo. A consolidação e o futuro do Mercosul sempre ficaram na dependência da evolução econômica e comercial de seus membros e de decisões políticas que afetaram a evolução natural do bloco. Por mais de dez anos, politizado, transformou-se em fórum político e social.
A situação atual não é diferente. Há desafios políticos e técnicos que tornam o processo de integração sub-regional ainda mais incerto. No campo político, os presidentes da Argentina e do Brasil, por motivações ideológicas, não se falam há dois anos. As conversas continuam em níveis técnicos, mas o apoio do mais alto inexiste. No ano passado, a Argentina anunciou que deixaria de participar das negociações dos atuais acordos comerciais e das futuras negociações do bloco, para, depois, recuar e anunciar que continuaria nas negociações do Mercosul, mas em um ritmo diferente dos demais membros.
A justificativa principal da Argentina foi de que estava tomando a decisão para evitar os efeitos negativos da pandemia. Posteriormente, o país decidiu que não participaria das negociações com a Coreia para não afetar sua indústria. As negociações para a inclusão de açúcar e automotriz continuam fora do Mercosul pela resistência argentina. Com relação à Tarifa Externa Comum – tão perfurada que justifica a qualificação do Mercosul como uma União Aduaneira imperfeita –, o Brasil, em 2019, propôs uma redução de 50% e, agora, aceita discutir a redução a cerca de 20%, sempre com a oposição da Argentina.
Política de meio ambiente dificulta avanços
O acordo de livre comércio mais importante, negociado com a União Europeia, há mais de ano, está paralisado por objeções de parte de alguns países europeus em função da política de meio ambiente brasileira. Estão em negociação ou sendo preparados acordos com a associação europeia, a European Free Trade Association – EFTA, e ainda com México, Canadá, Líbano, Cingapura, Coreia do Sul, América Central, Reino Unido, Indonésia e Vietnã.
Este ano, por iniciativa do Uruguai, foi revivida a proposta de flexibilizar o Mercosul para permitir que seus membros possam, individualmente, concluir acordos de livre comércio com outros países. Pretende-se que, na Reunião de Cúpula prevista para este mês de março (2021), a ideia comece a ser examinada. A discussão vai ser longa em função de interesses concretos que dificultam a superação de questões técnicas (como ficaria a TEC? O Tratado de Assunção teria de ser renegociado?) e políticas (fim da União Aduaneira e volta a uma área de livre comércio?).
Apesar dessas incertezas e desafios, cabe registrar recentes avanços significativos: o Estatuto da Cidadania (acordo sobre previdência social, residência, passaporte comum); e a negociação com diversos países de acordos de facilitação de comércio, de cooperação de investimento, de comércio eletrônico e de compras governamentais. Em termos institucionais, a redução e simplificação da burocracia, do número de órgãos internos, e o enxugamento do orçamento do Mercosul.
O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e visão de futuro. O regionalismo está se fortalecendo como resposta à globalização, como vemos na Ásia, com o RCEP e o CCTPP; na América do Norte (Nafta); na Europa e na África.
Na contramão da história, a América do Sul, está se desintegrando. Aliança voltada para Ásia pouco avançou na negociação Mercosul. Como fazer face às transformações globais e à presença China na região? Ao mesmo tempo, Mercosul deveria voltar-se mais para a Ásia e propor a adesão na parceria à Transpacífica (CCPTT, em inglês), acordo que inclui Japão, Austrália, Brunei Darussalam, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Com isso, o bloco negociaria de uma só vez com 11 países, nivelaria as preferências tarifárias e eliminaria as vantagens de produtos desses países que disputam o mercado asiático com minério de ferro, soja, milho, entre outros.
Desenvolvimento sustentável em foco
Ao comemorar 30 anos, o Mercosul, em termos de negociação externa, enfrenta seu maior desafio: a ratificação e a implementação do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia.
O processo de aprovação do Acordo nos países europeus não será fácil em virtude da prioridade que o meio ambiente e a mudança de clima passaram a ter para os países do velho continente. A vontade política do cumprimento dos compromissos na área de meio ambiente assumidos pelo Mercosul, em especial pelo Brasil, está sendo colocada em questão.
O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes, nos parlamentos dos países europeus, poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo, caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiro recebidos da Alemanha e da Noruega.
Os compromissos assumidos pelos países-membros, no tocante ao desenvolvimento sustentável, estão incluídos em 18 artigos que cobrem acordos relacionados ao comércio e meio ambiente, ao comércio e biodiversidade, ao comércio e preservação de florestas, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, inclusive a Resolução 169, que trata da exploração de terras indígenas. São mencionados, explicitamente, os principais acordos internacionais como os derivados de Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, Convenção sobre diversidade biológica, Convenção da ONU de combate à desertificação, o Acordo de Paris de 2015, regras da OMC e Resoluções de outros organismos internacionais. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.
Além disso, foi aprovado o princípio da precaução, por insistência da UE, pela qual, pelo não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil, poderia ser barrada a importação de determinado produto. Os negociadores do Mercosul, contudo, conseguiram manter esse princípio fora das regras da solução de controvérsias comerciais e também modificaram o caráter unilateral da medida, ao passar o ônus da prova para o lado europeu e abrir espaço para negociações políticas entre as duas partes.
O mundo mudou e as preocu pações com o meio ambiente, a mudança do clima e a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio. Por pragmatismo e realismo, se quiser ratificar o acordo com a UE, superando preconceitos ideológicos, o governo não poderá continuar a ignorar essa agenda inevitável.
Perda da competitividade
O segundo desafio é a superação da perda da competitividade dos produtos brasileiros na implementação do acordo. Para aproveitar as preferências tarifárias recebidas e para manter a participação no mercado interno, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso ocorra, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A União Europeia vai abrir seu mercado de imediato com tarifa zero para 75% de suas importações e mais 10% em quatro anos. Em dez anos, 100% do mercado europeu estará aberto com tarifa zero.
Não se pode esperar dez anos para colocar a casa em ordem e aprovar reformas, como a tributária, a administrativa do Estado e a da estrutura tarifária interna. A aprovação da reforma trabalhista e a da previdência social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado. Faz-se necessário um amplo programa de desburocratização, de simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias), a fim de reduzir o chamado custo Brasil. Esse ônus para as empresas chega a mais de 30%, com o custo de 22% do PIB, e torna o produto nacional pouco competitivo.
Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte da empresa e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional ainda está lenta para procurar alcançar o nível de 4.0 (75% das indústrias ouviram falar de indústria 4.0, 1,3% tem investimento em 4.0 (em faturamento) e 23% estão implementando ações de indústria 4.0.
Será importante que governo e setor privado atuem conjuntamente pois é objetivo comum gerar a confiança para a volta do investimento, o que traria crescimento da economia e redução do desemprego. O acordo com a UE tenderá a forçar governo e setor privado a trabalhar com o Congresso Nacional para a aprovação da legislação de forma a tirar o Brasil do atraso em que se encontra, sobretudo em termos tecnológicos.
O fortalecimento do Mercosul, em termos econômicos, requer vontade política para entender o que está acontecendo no mundo e reagir adequadamente. Depois de 30 anos, o Mercosul precisa de um freio de arrumação. Além da flexibilização e da redução da TEC, novos temas precisam ser discutidos, como cadeias produtiva regional, acumulação de origem, autonomia regional soberana, 5G e estratégia de negociação conjunta. O Protocolo de Ouro Preto, que criou a União Aduaneira, em 1994, prevê em seu artigo 47 que os países-membros poderão convocar uma Conferência Diplomática para examinar sua estrutura, seu funcionamento e sua operação. Em vista do quadro geral e das importantes propostas em discussão, caso convocada, essa Conferência, pela primeira vez, poderia, com visão de futuro, discutir políticas e medidas para fortalecer e revigorar o Mercosul.


Rubens Barbosa escreve os editoriais do portal Interesse Nacional. Ele é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC, é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e é autor de livros como 'Panorama visto de Londres', 'Integração econômica da América Latina', 'O dissenso de Washington', 'Diplomacia ambiental' e organizador do livro 'O Brasil voltou?'.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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